Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2664/15.1T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: CÚMULO JURÍDICO
PENAS DE PRISÃO
PENAS DE PRISÃO DECLARADAS SUSPENSAS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 04/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.56.º, 57.º, 77.º E 78.º, DO CP
Sumário: I - O trânsito em julgado da primeira das condenações é o pressuposto temporal do concurso de penas, o que se compreende, porque só depois do trânsito a condenação adquire a sua função de solene advertência ao arguido.

II - Os crimes praticados depois do trânsito em julgado da primeira condenação ficam excluídos do cúmulo realizado antes daquele trânsito, havendo lugar nestes casos a execução sucessiva de penas.

III - Não se forma caso julgado sobre a suspensão da execução da pena, mas tão somente sobre a medida dessa pena, entendendo-se que a substituição está resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso.

IV - Uma vez que à data da prolação da decisão do cúmulo não tinha decorrido o período de suspensão da pena aplicada ao arguido no proc. n.º15/11.3GACLD, a pena objeto de suspensão da pena devia ter sido incluída, como foi, no cúmulo jurídico de conhecimento superveniente, para no final se decidir se a pena conjunta deve ou não ficar suspensa na sua execução.

V - Quando no conjunto dos crimes em concurso há dois ou mais punidos com pena de multa, deve realizar-se um cúmulo autónomo das penas de multa.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

 Relatório

Pelo Tribunal Coletivo da Comarca de Leiria – Instância Local de Leiria, Secção Criminal, J2 –, foi realizada audiência de julgamento, nos termos dos artigos 471.º e 472.º do C.P.P. e, no seu final, por acórdão de 20 de Outubro de 2015, foi decidido proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido A... e condenar este nas seguintes penas únicas, a serem cumpridas sucessivamente:

- primeiro cúmulo jurídico (processos 431/09.0PBVFX, 136/09.2JALRA, 139/08.4PATVD, 65/08.7GBCLD, e 87/10.8PAAMD): quatro anos de prisão efetiva, trezentos dias de multa à taxa diária de cinco euros e, ainda, setecentos euros de coima pela contraordenação, p. e p. pelo artigo 97º do Novo Regime Jurídico das Armas; e

- segundo cúmulo jurídico (processos 75/12.0PEAMD e 15/11.3GACLD): quatro anos e três meses de prisão efetiva.

Inconformado com o douto acórdão dele interpôs recurso o arguido A... , concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1- O presente recurso, o qual versa sobre matéria de direito, vem interposto do douto acórdão do Tribunal recorrido, o qual decidiu condenar o ora Recorrente nas seguintes penas únicas, as quais deverão ser cumpridas sucessivamente:

   - primeiro cúmulo jurídico (processos 431/09.0PBVFX, 136/09.2JALRA, 139/08.4PATVD, 65/08.7GBCLD, e 87/10.8PAAMD): quatro anos de prisão efectiva, trezentos dias de multa à taxa diária de cinco euros, e ainda setecentos euros de coima pela contra-ordenação p. e p. pelo artigo 97° do Novo Regime Jurídico das Armas;

  - segundo cúmulo jurídico (processos 75/12.0PEAMD e 15/11 3GACLD): quatro anos e três meses de prisão efectiva.

2 - Nesta perspectiva o Tribunal a quo condenou o arguido sem a devida ponderação sobre essas circunstâncias atenuantes, não observando assim o estatuído no artigo 71° C.P., condenando o mesmo numa pena única com a qual discordamos.

3 - Recorre-se igualmente da decisão recorrida, porquanto não fez uma correcta interpretação das normas contidas nos artigos 77° e 78° C.P, violando assim outros normativos, nomeadamente, os artigos 50° a 57° C.P..

4 - Assim, resulta que, o que interessa aqui discutir é:

     - se devem ser cumuladas numa pena única penas de diferente natureza, nomeadamente, penas de prisão efectiva e penas de prisão suspensas;

     - se deve ser cumulada a coima aplicada no “primeiro cúmulo” atendendo ao teor do artigo 77° C.P.;

     - se as penas de multa pagas voluntariamente deverão ser englobadas no cúmulo;

     - se, a medida concreta da pena única aplicada ao arguido, por não terem sido valoradas, ou valoradas deficientemente, determinadas circunstâncias atenuantes resultantes das decisão recorrida, foi excessiva.

5 - A aplicação de uma pena única no caso de concurso de crimes pressupõe que estejam em causa penas da mesma natureza.

6 - No caso vertente, foi englobada no “Segundo Cúmulo Jurídico” uma pena de prisão efectiva (Processo n° 75/12.OPEAMD) com uma pena de prisão suspensa (Processo n° 15/11.3GACLD), ora, salvo o devido respeito, estas não têm a mesma natureza.

7 - Porém, e pese embora aquele entendimento ser maioritário, perfilhamos a tese da corrente minoritária, a qual impede o cúmulo jurídico de penas de prisão efectiva e de penas de prisão suspensas. No mesmo sentido: Conselheiro Henriques Gaspar, Ac. STJ de 02/06/2004, Proc° 4P1391 em www.dgsi.pt: Ac. STJ de 20/04/2005, Procº 04P4742 em www.dgsi.pt...

8 - As duas penas em causa são de natureza diversa. A pena de prisão suspensa é uma pena

de substituição. Tal como referido no Acórdão do Tribunal de Coimbra de 11/09/2013, Processo n° 108/08.4SFLSB-A.L1-3 disponível em www.dusi.pt: “Cumular reclusão com liberdade, é operação que se mostra, em si mesma, impossível.”

9 - De facto, a pena suspensa, prevista no artigo 50° do C.P., enquanto pena de substituição é de natureza diferente da pena de prisão, tendo em conta a sua natureza e função político- criminal que lhe está inerente.

10 - A pena de prisão suspensa não se traduz, por si só, numa pena de prisão efectiva já que, a mesma tem requisitos específicos de imposição, bem como, regras próprias de cumprimento (artigos 50° a 54° C.P.) e de eventual revogação (artigo 56° C.P.). A pena de prisão suspensa pode abranger a imposição de regras de conduta ou deveres específicos, sendo certo que, ao contrário da pena de prisão efectiva, a sua imposição não priva o condenado da sua liberdade.

11 - Ao proceder-se ao cúmulo jurídico destas duas penas (prisão efectiva e prisão suspensa), estaríamos a alterar a natureza da pena de prisão suspensa, o que teria graves repercussões na esfera jurídica do arguido, pois passaria o mesmo de uma situação de liberdade para outra completamente oposta - a de reclusão. Não atendendo aos normativos que a lei impõe para que tal estado de reclusão possa ser alcançado, nomeadamente o previsto no artigo 56° C.P.

12 - A pena de prisão suspensa é uma pena de substituição a qual se encontra condicionada: pode vir a ser declarada extinta (artigo 57° C.P.) através de procedimento adequado ou pode vir a ser revogada (artigo 56° C.P.).

13 - Nesta medida, enquanto não houver decisão de extinção da pena da revogação da suspensão, não é susceptível de execução como pena de prisão. Resulta do art° 56° C.P. que a revogação não é automática, e só esta determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença.

14 - Nesta senda, o Tribunal a quo, ao entender que estas duas penas deviam ser cumuladas, violou o artigo 56° C.P..

15 - No caso em apreço foi efectuado cúmulo jurídico (“primeiro cumulo jurídico”) onde foi o arguido condenado, para além do mais, em trezentos dias de multa e setecentos dias de coima.

16 - Contudo, não deverão tais penas entrar no cúmulo, porquanto, e embora não seja feita referência na douta decisão recorrida, o arguido cumpriu, pagando de forma voluntária, ou seja, já se encontram extintas pelo pagamento, pelo que, não deviam ser integradas no cúmulo.

17 - Como facilmente se depreende, o artigo citado, refere-se a crimes e a penas, é esta a letra da lei. Pelo que, e sem delongas, não deverá tal coima a qual corresponde a uma contraordenação sancionada através de uma coima (e não a um crime punido com uma pena), porque não prevista no artigo 77° CP, com a finalidade de ser integrada no cúmulo jurídico para efeitos de fixação de pena única, contrariando o espírito da lei.

18 - Pelo que, violou aquela decisão o preceituado no artigo 77°, n° 1 C.P.

19 - O arguido foi condenado, para além do mais, numa pena única, no âmbito do “Primeiro Cúmulo”, de 4 anos de prisão efectiva.

20 - Salvo melhor entendimento, somos de afirmar, que houve um erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410°, n° 2, c) do CPP, na medida em que, resulta do texto da decisão recorrida, por si só e conjugada com as regras de experiência comum, evidente a conclusão contrária a que chegou o Tribunal a quo.

21 - Ou seja, para a determinação da pena conjunta há que considerar o conjunto dos vários factos que integram os diversos crimes em concurso, efetuando-se uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se fosse um todo único, devendo ter em conta a existência ou não, de ligações, conexões ou pontos de contacto, entre as várias actuações, que a existirem dever-se-á ter igualmente em linha de conta o tipo de ligação, conexão, ou contacto.

22 - E é precisamente nesta linha de pensamento, que discordamos da decisão recorrida, na parte em que a mesma refere:

Em qualquer dos casos a gravidade dos factos praticados pelo arguido, numa óptica de conjunto, enquanto imagem global, é elevada tendo em conta a amplitude do leque de danosidade que os comportamentos do arguido abrangem: roubo, ameaça, injúria, simulação de crime, falsificação de documentos, furto e tráfico de estupefacientes.

A personalidade do arguido mostra uma actuação desgarrada e sem definida motivação embora com alguma influência de problemas decorrentes da toxicodependência; daqui resulta(...). (sublinhado nosso)

Ao nível da valoração global dos factos, não se encontra conexão que se aponte como condicionante da actuação do arguido. ” (sublinhado nosso)

23 - Como resulta dos autos, os factos praticados pelo arguido, aqui em concurso, têm ligações, conexões e/ou pontos de contacto com o problema de adição do mesmo.

24 - Na verdade, o seu comportamento desviante vai ao encontro ao momento em que começou a consumir heroína.

25 - De realçar ainda que, nos crimes de roubo e furto o valor das coisas subtraídas é diminuto, sendo igualmente diminuto o grau e espécie de violência ou de ameaça exercida pelo arguido contra a vítima.

26 - Nos crimes de tráfico de estupefacientes, estes são todos de menor gravidade, o que demonstra a “postura” de um toxicodependente.

27 - De todo este quadro factual, toma-se indubitável a percepção de que existe, não “alguma influência de problemas decorrentes da toxicodependência”, mas, a nosso ver, de total influência de problemas relacionados com o consumo de estupefacientes, mormente: heroína e cocaína, os quais consubstanciam um fio condutor entre os factos praticados pelo arguido e a sua motivação para a prática dos mesmos - a obtenção de droga.

28 - Daí a nossa discordância, ao nível da valoração global dos factos feita pelo Tribunal a quo.

29 - Interessa também aqui referir, nesta abordagem, o estatuído no art° 71° do CP: a medida da pena é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa e das exigências de prevenção; na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depuserem a favor do agente ou contra ele.

30 - O Tribunal a quo não tomou em linha de conta as circunstâncias atenuantes, não as valorando, violando assim, o estatuído no art° 71° do CP.

31 - Importará assim valorar e ponderar o facto de o arguido ter agido motivado com o único propósito de arranjar dinheiro para adquirir a droga de que carecia, em virtude do seu estado de toxicodependência, bem como o valor diminuto das quantias furtadas/roubadas e, bem assim, o meio de as fazer suas.

32 - Ao não terem sido ponderadas e valoradas, pelo Tribunal a quo as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depuserem a favor do arguido, como as atrás enunciadas, as quais interferem ao nível do juízo de culpa, na determinação concreta da pena violou o disposto no artigo n° 71°, n° 1 do C.P.

33 - De realçar ainda que, o arguido ao longo do seu percurso procurou, por diversas vezes, o tratamento da sua adição.

34 - De notar também que, o arguido, ora Recorrente mantém os laços afectivos com os seus pais, e as suas três filhas, beneficiando de todo o suporte por parte dos mesmos. Conforme consta do Relatório Social.

35 - Deverá ser também tomado em linha de conta o facto do ora Recorrente, antes da situação de prisão efectiva que se encontra a cumprir no âmbito do processo 75/12.OPEAMD ao abrigo do qual foram as penas suspensas do “primeiro cúmulo” foram revogadas, e no espaço temporal que mediou entre a libertação de excesso de prisão efectiva até À efectiva reclusão do mesmo (tendo.se entregue em 17/12/2013 de forma voluntária), o arguido dedicou o seu tempo ao trabalho, na agricultura, ajudando os pais, com quem residia. Factos estes, que demonstram a vontade que o arguido teve e tem em ressocializar-se, merecendo ainda, a nosso ver, um juízo de prognose favorável.

36 - Importante também de referir o facto de, os processos hoje aqui em apreço não espelharem certamente o presente, nomeadamente no que concerne À sua motivação de integração na sociedade, pois já passaram alguns anos.

37 - Posto isto, e salvo melhor entendimento, não somos de concordar com a medida da pena única aplicada no âmbito do - Primeiro Cúmulo Jurídico - resultante dos Processos 431/09.0PBVFX, 136/09.2JALRA, 139/08.4PATVD, 65/08.7GBCLD, E 87/10.8PAAMD, o qual condenou o arguido numa pena única de quatro anos de prisão efectiva, trezentos dias de multa À taxa diária de cinco euros e ainda setecentos euros de coima, a qual se encontra longe do seu limite mínimo de dois anos e seis meses (“ a mais elevada das penas concretamente afastada”), pugnando antes por uma medida concreta da pena única, no que à prisão efectiva diz respeito, mais próxima do limite mínimo, a qual seria a nosso ver, mais proporcional.

38 - Em suma, deverá o presente recurso ser julgado procedente devendo:

     - ser o arguido absolvido do “segundo cúmulo” porquanto o Tribunal a quo ao entender, e salvo melhor entendimento, de forma errada o previsto no artigo 77° C.P., violando assim, dessa forma os artigos 50° a 57° C.P.;

     - não serem incluídas no “primeiro cúmulo” as penas de multa por já estarem pagas, logo estando extinta a responsabilidade criminal do arguido;

     - não ser incluída no “primeiro cúmulo” a coima, por se tratar de uma sanção consequente de contra-ordenação;

     - ser substituída a medida concreta da pena única aplicada no “primeiro cúmulo”, no que à pena de prisão efectiva diz respeito, por outra que se aproxime mais do limite mínimo.

O Ministério Público na Comarca de Leiria – Instância Central – respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando não provimento do recurso e manutenção do douto acórdão recorrido.

O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder, mantendo-se a douta decisão recorrida.

Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o recorrente nada disse.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

A matéria de facto apurada e respectiva motivação constantes do acórdão recorrido é  a seguinte:

A) Factos provados

1- O arguido A... foi julgado no processo comum singular nº 15/11.3GACLD, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Caldas da Rainha, onde foi condenado, por sentença de 23.10.2013, transitada em julgado em 22.11.2013, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, por factos ocorridos em 17.10.2011, na pena de dois anos e quatro meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo mediante plano de acompanhamento pela DGRS; tal condenação assentou nos seguintes factos:

1.1- No dia 17 de Outubro de 2011, cerca das 2h20mn, os arguidos seguiam na viatura marca Peugeot, 206, cor preta, matricula (...) RD, na saída da AE A8, em direcção ao centro da cidade das Caldas da Rainha.

1.2- O veículo era conduzido pelo arguido A... e ao seu lado seguia a arguida B... enquanto o arguido C... seguia no compartimento de carga.

1.3- Ao se aperceberem que eram seguidos por uma patrulha da GNR, lançaram pela janela da viatura em movimento, um saco de plástico contendo 23 embalagens, sendo 17 de heroína, com o peso bruto de 10,5 gr, e 6 de cocaína, com o peso bruto de 2 gr.

1.4- Os arguidos foram interceptados no entroncamento com a Rua Soares dos Reis.

1.5- Então, o arguido A... tinha consigo uma embalagem com o peso bruto de 0,4 gramas de cocaína e o arguido C... tinha uma embalagem com o peso bruto de 0,2 gr. de heroína.

1.6- Os arguidos destinavam os apreendidos à venda a terceiros e conheciam as características estupefacientes e psicotrópicas das substâncias apreendidas, heroína e cocaína, bem sabendo que a sua aquisição, detenção, transporte, cessão a outrem, por qualquer forma, assim como a sua venda, eram censurados, proibidos e punidos por lei.

1.7- O arguido A... é o segundo de quatro filhos de um casal de média condição social e cultural, tendo o seu processo de socialização sido determinado por uma dinâmica educadora reveladora de investimento parental.

1.8- O arguido concluiu o 12º ano com 17 anos, optando uma carreira militar, tendo transitado para a carreira de oficial, a par da frequência de ensino superior, concluindo a licenciatura na área de geografia.

1.9- O arguido casou aos 20 anos, tendo 3 filhas

1.10- Após ter cumprido pena de prisão efectiva num estabelecimento militar, onde foi alvo de tratamento, passou à reserva em 2001.

1.11- Após o seu divórcio regressou a casa de seus pais, recaindo no consumo de estupefacientes; o arguido revelou dificuldade em manter-se abstinente, apesar de ingressado em comunidade terapêutica.

1.12- À data dos factos o arguido mantinha uma relação afectiva com B... , a qual estava também ligada ao consumo de estupefacientes.

1.13- O arguido demonstrou uma frágil motivação para reiniciar o tratamento.

1.14- O arguido aufere uma pensão de reforma no valor de €1000.

1.15- Após cumprimento de nova pena, o arguido foi restituído à liberdade em Março de 2013, tendo iniciado tratamento, integrando um programa de metadona.

1.16- O arguido mantém os seus progenitores como seu suporte afectivo, tendo-se reaproximado das suas filhas, afastando-se do seu “grupo de pares”.

2- O arguido A... foi julgado no processo comum colectivo nº 75/12.0PEAMD, do Juízo de Grande Instância Criminal do Tribunal da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, onde foi condenado, por acórdão de 19.03.2013, transitado em julgado em 17.10.2013, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, por factos ocorridos no ano de 2012, na pena de três anos e seis meses de prisão efectiva; tal condenação assentou nos seguintes factos:

2.1- Entre a segunda semana de Janeiro de 2012 e 28 de Fevereiro de 2012, com frequência pelo menos de dois em dois dias, o arguido A... adquiria heroína e cocaína ao arguido D... , para o qual telefonava, encomendava-lhe a quantidade pretendida e, para esse efeito, encontravam-se, em local entre ambos combinado, em Amadora.

2.2- Em cada viagem que fazia ao encontro do arguido D... o arguido A... adquiria-lhe quantidade de heroína com o peso normalmente entre cerca de 20 e de 30 gramas e entre três a oito panfletos de cocaína, cada panfleto com peso de cerca de um quarto de grama.

2.3- O arguido A... destinava parte da heroína para o seu consumo e da sua companheira, B... , sendo a cocaína principalmente para consumo desta, que normalmente também o acompanhava nessas viagens ao encontro do arguido D... .

2.4- O arguido A... destinava a outra parte do estupefaciente à venda a terceiros, consumidores, vendendo estupefacientes a pelo menos seis indivíduos.

2.5- Em 16-1-2012, após uma dessas aquisições de heroína e de cocaína ao arguido D... , quando se deslocava na localidade de Buraca, Amadora, o arguido A... foi interceptado por elementos policiais.

2.6- Nessa altura, o arguido A... tinha consigo e foram-lhe apreendidas seis embalagens de cocaína (cloridrato), com o peso líquido global de 1,719 gramas, quarenta e quatro embalagens de heroína, com peso líquido global de 25,674 gramas, e uma embalagem de heroína, com o peso líquido de 0,187 gramas.

2.7- Em 28-2-2012, cerca das 20H30, após prévia encomenda ao arguido D... de seis embalagens de cocaína e de trinta e três de heroína e efectuada a respectiva transacção entre ambos, em Amadora, o arguido A... foi interceptado.

2.8-Além de dois telemóveis, tinha consigo e foram-lhe apreendidas seis embalagens de cocaína (cloridrato), com o peso líquido global de 1,641 gramas e trinta e três embalagens de heroína, com peso líquido global de 19,155 gramas.

2.9- Ambos os arguidos conheciam as características estupefacientes da cocaína e da heroína.

2.10- Os arguidos actuaram de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que lhe estava legalmente vedada a detenção ou a cedência a terceiros, a qualquer título, de tais tipos de substâncias e que as suas condutas eram proibidas e criminalmente puníveis.

2.11- O arguido A... é o segundo de uma fratria de quatro irmãos, tendo nascido em Luanda, quando o seu pai, que foi militar de carreira, aí se encontrava em serviço.

2.12- A família regressou a Portugal em 1976, onde o Arguido concluiu o 12º ano com a idade de 17 anos, tendo a seguir ingressado no Exército, onde atingiu o posto de tenente, tendo também prosseguido os estudos, acabando por se licenciar em geografia.

2.13- Casou com a idade de dezoito anos, tendo três filhas dessa relação, filhas ora com as idades de 28, de 20 e de 19 anos, a primeira das quais é enfermeira e trabalha em hospital e as duas mais novas são estudantes universitárias, em Lisboa, vivendo todas nas Caldas da Rainha, na casa que foi a da morada da família, enquanto esteve casado.

2.14- Iniciou-se no consumo de estupefacientes com a idade de 31 anos, em 1996, separando-se da sua mulher no ano subsequente, tendo então passado a viver em casa de amigos e de conhecidos e posteriormente com uma companheira, consumidora de heroína e de cocaína, estupefacientes que ele também passou a consumir, consumo que interferiu negativamente com a função de docência que exercia no Exército.

2.15- Em 1998 foi preso e condenado a 2 anos e 3 meses de prisão, que cumpriu em presídio militar, tendo feito tratamento à toxicodependência durante esse período; quando saiu em liberdade, em 25-9-2000, começou a trabalhar no arquivo geral do Exército, em Lisboa, até ter sido reformado compulsivamente, no ano de 2001.

2.16- Aufere de reforma 1.190,00 € mensais, quantia de que é subtraída a importância de 360,00 €, relativa a pensão de alimentos para as suas duas filhas mais novas.

2.17- Em Janeiro de 2010 iniciou um novo tratamento com vista à desabituação do consumo de estupefacientes, na “comunidade terapêutica” “Projecto Homem”, onde se manteve até Fevereiro de 2011, altura em que passou à fase de reinserção social, que acabou por não concluir, tendo voltado para casa de seus pais, então em Caldas da Rainha.

2.18- Nesse ano dedicou-se à agricultura, em terreno arrendado, agricultura em pequena escala, que essencialmente lhe garantiu produtos para consumo próprio e permitiu-lhe manter-se ocupado.

2.19- Próximo de finais de 2011 passou a viver juntamente com B... , em casa dela, pessoa essa com hábitos de consumo de estupefacientes.

2.20- Na segunda semana de Janeiro de 2012, após B... ter cortado os seus pulsos, ter recebido assistência hospitalar e ter tido alta médica ambos fumaram estupefacientes e foram a “Lisboa” comprar mais estupefacientes.

2.21- Desde que se encontra preso não voltou a ver ou a ter notícias de B... ; os seus pais e as suas três filhas visitam-no na prisão.

2.22- Entretanto os seus pais, ambos já octogenários, regressaram à sua terra de origem, na zona de Alfeizerão, contando o arguido, quando for libertado, ir viver para a casa deles, tomar conta deles e dedicar-se a agricultura de subsistência, próximo da habitação.

2.23- Desde 28 de Fevereiro de 2012 que não consome estupefacientes, tendo-se submetido a tratamento no estabelecimento prisional, onde tem vindo a ser medicado com metadona.

3- O arguido A... foi julgado no processo comum singular nº 87/10.8PAAMD, do Juízo de Média Instância Criminal do Tribunal da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, onde foi condenado, por sentença de 18.06.2012, transitada em julgado em 09.07.2012, pela prática de um crime de ameaça agravada (140 dias de multa) e de um crime de injúria agravada (160 dias de multa), por factos ocorridos em 21.03.2010, na pena única de 230 dias de multa à taxa diária de € 5,50 euros; tal condenação assentou nos seguintes factos:

3.1- No dia 21 de Março de 2010, numa operação de fiscalização rodoviária, na Buraca, Amadora, quando lhe pediram os documentos da viatura, o arguido dirigiu-se aos três agentes da PSP que o abordaram dizendo, em voz alta: “Não vos dou nada, pois eu sou oficial e conheço os meus direitos, seus polícias de merda”, acrescentando, “quero que tu e os outros dois se fodam, palhaços do caralho”.

3.2- Sendo-lhe dada voz de detenção e tendo-lhe sido solicitado que acompanhasse os agentes à viatura policial, o arguido retorquiu: “não vou a lado nenhum com palhaços e inferiores, pois eu sou oficial do exército e era que dava ordens”.

3.3- No interior da viatura ainda disse que os agentes queriam o dinheiro das multas que haviam sido passadas ao arguido, para eles.

3.4- Depois, quando se encontrava a sair das instalações da Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial da Amadora, o arguido dirigiu-se aos agentes proferindo a seguinte expressão: “não tenho medo de vocês, se estivesse à civil partia-vos a cara toda”.

3.5- O arguido agiu com o propósito de atacar e enxovalhar o bom-nome, a auto-estima e o brio profissional dos agentes, ciente de que eram polícias no cumprimento da sua missão, de que a actividade que pretendiam levar a cabo se inseria nessa incumbência e de que, por todas essas razões, o seu comportamento lhe estava legalmente vedado e era particularmente sério.

3.6- O arguido sabia que a última expressão, atenta a forma como foi proferida, em tom sério e intimador, era adequada a provocar receio pela vida e integridade física e intranquilidade, como efectivamente provocou, nos agentes policiais, ante o espectro de que o arguido viesse a concretizar o intento que anunciava.

3.7- O arguido tem três filhas que vivem com a mãe, é aposentado do exército, beneficiando de pensão de reforma no montante de € 600,00 euros, sendo que despende a quantia de € 120,00 euros a título de pensão de alimentos.

4- O arguido A... foi julgado no processo comum colectivo nº 65/08.7GBCLD, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Caldas da Rainha, onde foi condenado, por acórdão de 21.06.2011, transitado em julgado em 12.09.2011, pela prática de um crime de simulação de crime (5 meses de prisão) e de um crime de falsificação de documento (um ano e seis meses de prisão), por factos ocorridos em 07 e 16 de Fevereiro de 2008, respectivamente, na pena única de vinte meses de prisão suspensa na sua execução por igual período mediante deveres; por despacho de 20.06.2014, foi revogada aquela suspensão da execução da pena de prisão; tal condenação assentou nos seguintes factos:

4.1- No dia 07.02.2008, apresentou queixa no posto da GNR de Caldas da Rainha pelo furto do veículo automóvel de marca Hyundai, modelo Getz Van 3, com a matrícula (...) XZ, alegando que desconhecidos o haviam subtraído entre as 19 horas de 06.02.2008 e as 11 horas do dia 07.02.2008, quando estava estacionado na Rua Francisco Almeida Grandela, na Foz do Arelho.

4.2- No dia 16.02.2008, pelas 20,54 horas, no posto de abastecimento de combustível da Repsol, sito na EN 360, caldas da Rainha, o arguidos conduzia aquele veículo que ostentava na matrícula da frente os seguintes números e letras “ D... XZ”.

4.3- Isto porque o arguido havia colado dois pedaços de fita adesiva preta no sentido horizontal sobre o algarismo “1” transformando-o no algarismo “7”.

4.4- Entre os dias 30 de Janeiro de 2008 e 16 de Fevereiro de 2008, o referido Hyundai esteve sempre na posse do arguido.

4.5- O arguido conhecia tais factos e agiu do modo descrito bem sabendo, ao apresentar a queixa-crime, que o veículo não havia sido subtraído, agindo com o propósito de fingir que tinha ocorrido um crime de furto.

4.6- Igualmente sabia que ao alterar a matrícula e ao circular com o veículo daquele modo estava a criar uma falsa aparência de verdade ponde em crise a fé pública e a credibilidade da documentação do veículo, agindo com o propósito de impedir que as autoridades o identificassem através da chapa de matrícula.

4.7- Aos 17 anos de idade o arguido o arguido interrompeu a frequência do 12º ano de escolaridade e ingressou no exército sendo que paralelamente à vida militar frequentou o ensino superior habilitando-se com a licenciatura em geografia.

4.8- Aos 18 anos de idade iniciou um relacionamento afectivo do qual resultou o nascimento de três filhas.

4.9- Em 2006 o arguido foi reformado compulsivamente na decorrência da sua prisão efectiva pela prática de crimes.

4.9- À data da prática dos factos a que respeitam estes autos o arguido encontrava-se em liberdade condicional e a ser acompanhado pelo CRI do Oeste apresentando dificuldades para cumprir o plano terapêutico, tendo um estilo de vida influenciado pelo consumo de estupefacientes.

4.10- O arguido permaneceu na comunidade terapêutica “Projecto Homem” entre Janeiro de 2010 e Fevereiro de 2011 concluindo a fase de internamento mas não concluiu a fase de transição por divergências com os responsáveis; ainda mantem contactos com um terapeuta daquele projecto mas não beneficia de qualquer outro suporte de apoio.

4.11- Vive em casa dos pais, denota imaturidade e postura de vitimização e vulnerabilidade perante situações adversas; mantem relacionamento com uma jovem toxicodependente em fase de tratamento; iniciou um projecto agrícola produzindo em pequena escala; a sua manutenção é assegurada pelos pais e pelos € 700,00 euros de que recebe de reforma.

5- O arguido A... foi julgado no processo comum colectivo nº 139/08.4PATVD, do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Torres Vedras, onde foi condenado, por acórdão de 02.02.2010, transitado em julgado em 02.06.2010, pela prática de um crime de furto simples, por factos ocorridos em 28.02.2008, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de cinco euros; tal condenação assentou nos seguintes factos:

5.1- No dia 28 de Fevereiro de 2008, na caixas do supermercado “Lidl”, em Torres Vedras, encontrando-se a carta registadora aberta, o arguido, sem que nada o fizesse prever, introduziu a sua mão esquerda dentro da caixa registadora e puxou, de modo brusco, um maço de notas que se encontrava no interior da caixa, que perfazia o montante de € 130,00 euros.

5.2- De imediato o arguido saiu do dito supermercado levando consigo aquele dinheiro e colocou-se em fuga, para parte incerta, num veículo onde o aguardava outra pessoa de identidade não concretamente apurada.

5.3- O arguido sabia que tal quantia monetária não lhe pertencia e que ao apoderar-se da mesma, com a intenção de a fazer sua, actuava contra a vontade e em prejuízo do dono.

5.4- O arguido agiu de forma livre voluntária e consciente, com intenção de subtrair a aquela quantia que se encontrava dentro da máquina registadora e que fez sua contra a vontade e em prejuízo do dono.

6- O arguido A... foi julgado no processo comum colectivo nº 136/09.2JALRA, do Tribunal Judicial da Comarca do Bombarral, onde foi condenado, por acórdão de 16.04.2010, transitado em julgado em 17.05.2010, pela prática de um crime de roubo, por factos ocorridos em 30.03.2009, na pena de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo e, ainda, de uma contra-ordenação, p. e p. pelo artigo 97º do Novo Regime Jurídico das Armas, na coima de setecentos euros; por despacho de 19.12.2014, foi revogada tal suspensão e determinado o cumprimento efectivo daqueles dois anos e seis meses de prisão; tal condenação assentou nos seguintes factos:

6.1- No dia 30.03.2009, pelas 17.00 horas, no posto de abastecimento de combustível “Agrifanha”, na localidade de Pó, Bombarral, enquanto o arguido F... o aguardava num veículo automóvel, o arguido A... dirigiu-se a E... e, apontando-lhe uma pistola em plástico de cor preta, ordenou-lhe: “isto é um assalto! Você fica calada e a única coisa que vai fazer é abrir-me a caixa!”.

6.2- Temendo pela sua vida, D... obedeceu, abrindo a caixa registadora, de onde o arguido A... retirou pelo menos € 130,00 euros, em noras e moedas enquanto dizia: “Esteja quieta porque eu não lhe vou fazer mal. O dinheiro não é seu por isso não tem com que se preocupar”.

6.3- Depois, retirou de cima do balcão o telemóvel de marca “Vodafone”, com o número 91 (...) , no valor de € 34,00 euros pertente a D... .

6.4- Em seguida, o arguido A... saiu do estabelecimento e entrou num veículo automóvel onde o esperava o arguido F... , saindo ambos do local e levando o dinheiro e o aludido telemóvel.

6.5- Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, encontrava-se dentro do automóvel, na arrumação da porta do condutor, um bastão metálico extensível com aproximadamente 60 cms; objecto sem aplicação definida e construído exclusivamente com o fim de ser utilizado como arma de agressão.

6.6- Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, de acordo com plano previamente delineado, em comunhão de esforços e com recíproca divisão de tarefas, bem sabendo que o dinheiro e o telemóvel não lhes pertencia e que actuavam contra a vontade dos donos e mediante a intimidação e constrangimento de D... com a dita pistola.

7- O arguido A... foi julgado no processo comum colectivo nº 431/09.0PBVFX, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Franca de Xira, onde foi condenado, por acórdão de 01.03.2010, transitado em julgado em 14.04.2010, pela prática de um crime de roubo, por factos ocorridos em 24.03.2009, na pena de dois anos de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo; por despacho de 30.01.2014, foi revogada tal suspensão e determinado o cumprimento efectivo daqueles dois anos de prisão; tal condenação assentou nos seguintes factos:

7.1- No dia 24 de Março de 2009, cerca das 20 horas, no supermercado “Minipreço”, quando a empregada abriu a gaveta da máquina registadora, para guardar as moedas que o arguido lhe entregava para pagar uma garrafa de água, este manteve uma mão sobre a gaveta.

7.2- Apercebendo-se que a gaveta continha notas e moedas, que de imediato decidiu fazer suas, o arguido agarrou a mão da empregada do supermercado, tirando-a de cima da abertura da gaveta da máquina registadora e introduziu a outra mão na gaveta, de onde retirou várias notas do BCE no total de 145 euros.

7.3- De seguida, o arguido correu para o exterior do supermercado levando consigo as notas e preparava-se para fugir num, veículo automóvel quando foi impedido de o fazer por algumas pessoas que por ali passavam e que foram alertadas pelos gritos da empregada.

7.4- O arguido sabia que o dinheiro não lhe pertencia e que ao apoderar-se da mesma mediante o uso da força, o fazia contra a vontade do dono; agiu de forma livre, voluntária e consciente sabendo que tal constituía crime.

7.5- a situação pessoal do arguido apurada não difere do já anteriormente apurado nos aludidos processos (pelo que não se justifica reproduzi-la de novo).

8- Anteriormente, o arguido A... havia sido julgado nos seguintes processos:

8.1- processo comum colectivo nº 26/98.3 PACLD, do 1º juízo do Tribunal de Caldas da Rainha, onde foi condenado, por decisão proferida em 1.07.1999, transitada em julgado a 16.07.1999, pela prática, em 24.06.1998, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, substituída por igual período de presídio militar;

8.2- processo comum colectivo nº 134/98.0 PACLD, do 3º juízo do Tribunal de Caldas da Rainha, onde foi condenado, por decisão de 10.05.2001, transitada em julgado a 25.05./2001, pela prática, em 10.02.1998, de um crime de falsificação de documentos, na pena de um ano de prisão; tal pena beneficiou do perdão concedido pela Lei nº 29/99, de 12.05 e foi declarada extinta;

8.3- processo comum colectivo nº33/01.0 PACLD, do 3º juízo do Tribunal de Caldas da Rainha, onde foi condenado, por decisão de 18.02.2004, transitada em julgado a 09.03.2004, pela prática, em 14.12.2001, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 5 anos e 8 meses de prisão.

9- No Processo Gracioso de Concessão de Liberdade Condicional nº 3480/04.1TXLSB do 4º Juízo do TEP de Lisboa, por decisão de 06.02.2007, foi-lhe concedida a liberdade condicional pelo período de prisão que lhe faltava cumprir até 28.06.2009 mediante o cumprimento de diversas obrigações e foram emitidos mandados de libertação para 08.04.2007.

10- O arguido esteve preso preventivamente à ordem do processo 75/12.0PEAMD entre 01.03.2012 e 19.03.2013 durante esse período iniciou tratamento à toxicodependência integrando programa de metadona.

11- O arguido foi de novo preso em 17.12.2013, encontrando-se, actualmente, no EP de Alcoentre; no EP de Caldas da Rainha, em Março de 2014 foi sujeito a teste de detecção de consumo de substâncias estupefacientes e apresentou resultado positivo para THC; em 07.02.2015 foi punido com 15 dias de permanência obrigatória no alojamento por apreensão de um telemóvel, o que originou a sua transferência para o EP de Alcoentre em 12.02.2015.

12- No EP de Caldas da Rainha recebia visitas dos pais e das filhas, o que se torna mais difícil desde que está em Alcoentre devido às dificuldades de transporte daqueles familiares; neste último EP não regista incidentes.

Factos não provados

Nenhuns outros factos com relevância para a decisão se provaram em audiência.

Motivação

A decisão do tribunal, tomada em consciência e após livre apreciação crítica das provas que concorreram para a formação da sua convicção fundou-se na análise conjugada dos documentos respeitantes às condenações em causa bem como no CRC de fls 63 e seguintes.

Tais documentos, como documentos autênticos, valem por si e não foi posta em causa a autenticidade dos mesmos.

A situação pessoal do arguido foi apurada a partir do teor das decisões em causa, das suas declarações em audiência de julgamento e do relatório dos serviços de reinserção social de fls 188 a 190.


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                                                                           *

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1]e de 24-3-1999 [2]e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente A... as questões a decidir são as seguintes:

1.ª - se no cúmulo jurídico, em conhecimento superveniente do concurso, não devem ser cumuladas pena de prisão efetiva e pena de prisão suspensa;

2.ª - se no “primeiro cúmulo” não devem ser cumuladas a coima aplicada, nem as penas de multa pagas voluntariamente; e

4.º - se a medida concreta da pena única aplicada ao arguido no “primeiro cúmulo”, no que à pena de prisão efetiva diz respeito, deve ser reduzida para mais próximo do limite mínimo de dois anos e seis meses (“ a mais elevada das penas concretamente afastada”).


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            Primeira questão

            O recorrente A... insurge-se contra a realização do “segundo cúmulo jurídico”, em que se cumulou uma pena de prisão efetiva, que lhe havia sido aplicada no proc. n.º 75/12.0PEAMD com uma pena de prisão suspensa, aplicada no proc. n.º  15/11 3GACLD.

Alega, para o efeito, que a aplicação de uma pena única no caso de concurso de crimes pressupõe que estejam em causa penas da mesma natureza.

A pena de prisão suspensa é uma pena de substituição, de natureza diferente da pena de prisão, com requisitos específicos de imposição, e que se encontra condicionada, ou seja, pode vir a ser declarada extinta (art.57.º do Código Penal) através de procedimento adequado ou pode vir a ser revogada ( art.56.º do Código Penal). Enquanto não houver decisão de extinção da pena da revogação da suspensão, não é suscetível de execução como pena de prisão. Resultando do art.56° Código Penal que a revogação não é automática, e só esta determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, o Tribunal a quo, ao entender que estas duas penas deviam ser cumuladas, violou este preceito penal.

No sentido desta tese, que reconhece ser minoritária na jurisprudência dos Tribunais Superiores, indica dois acórdãos do STJ, um de 2/6/2004 e outro de 20/4/2005 e um outro deste Tribunal da Relação de Coimbra, de 11/9/2013.

Vejamos.

O art.77.º, do Código Penal, estatui, com interesse para a presente decisão, o seguinte:

«1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena  (…).

2 .(…)

3.Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantem-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.».

Por sua vez, o art.78.º, do mesmo Código, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2007, dispõe, designadamente, o seguinte:

« 1. Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

2. O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.».

Cremos ser hoje pacífico que os artigos 77.º e 78.º do Código Penal têm de ser interpretados conjugadamente e que deles resulta que o pressuposto para o conhecimento superveniente do concurso e o cúmulo jurídico das penas, é a prática pelo agente de diversos crimes antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, como consta da primeira parte do n.º1 do art.77.º do Código Penal.

O trânsito em julgado da primeira das condenações é o pressuposto temporal do concurso de penas, o que se compreende, porque só depois do trânsito a condenação adquire a sua função de solene advertência ao arguido.

O trânsito em julgado da primeira condenação é o momento determinante em que se fixa a data a partir da qual os crimes não estão em concurso com os anteriores para efeitos de cúmulo jurídico; só se podem cumular juridicamente penas relativas a infrações que estejam em concurso e tenham sido praticadas antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer delas, só sendo cumuláveis penas em concurso, pois o art.78.º não pode ser interpretado cindido do art. 77.º do Código Penal.

Os crimes praticados depois do trânsito em julgado da primeira condenação ficam excluídos do cúmulo realizado antes daquele trânsito, havendo lugar nestes casos a execução sucessiva de penas.

São duas as posições seguidas pela jurisprudência dos Tribunais superiores a propósito da possibilidade de cumulação de pena de prisão efetiva e pena de prisão suspensa, em conhecimento superveniente do concurso.

Uma delas, minoritária, nega essa possibilidade, assentando essencialmente na ideia da autonomia e natureza própria da pena de substituição e no caso julgado.

Apresenta como principais argumentos, que a escolha da suspensão da execução da pena de prisão obedeceu a razões específicas, e fez da “pena suspensa” uma pena parcelar como outra qualquer, que importaria manter. A partir do momento em que se forma o caso julgado sobre a condenação, o arguido deve em regra poder contar, e normalmente conta, com que a decisão judicial sobre a culpabilidade em relação ao crime cometido e sobre a consequência jurídica aplicada pela sua prática se tome definitiva e irreversível.

A opção pela espécie de pena escolhida deveria, então, merecer o mesmo respeito pelo tribunal do cúmulo, que lhe merece a medida da pena parcelar de prisão efetiva que também contasse para esse cúmulo. No fundo, o tribunal do cúmulo não deveria partir de uma pena de substituição para logo a ignorar, pondo em seu lugar a pena substituída, sem qualquer referência à revogação da suspensão.

Sendo a pena de prisão e a suspensão da pena, penas de espécies diferentes estas não podem ser cumuladas, ao menos sem previamente o tribunal competente ter determinado a sua revogação nos termos do art.56.º do Código Penal.

Depois, se a diferente natureza das penas obriga a que tal natureza se mantenha, na operação de cúmulo a que houver lugar, o facto de o art.77.º, n.º 3 do Código Penal só ter falado a este propósito em pena de prisão e multa, não impediria que o mesmo caminho se seguisse, estando em causa, não a diferente natureza de penas principais, e sim de uma pena principal e outra de substituição. Seria então de aplicar o preceito por analogia.

A outra posição jurisprudencial, claramente maioritária, defende que a pena de prisão suspensa na sua execução deve ser incluída no cúmulo jurídico, desde que à data da prolação da decisão do cúmulo não tenha decorrido o período de suspensão da pena.

Para os defensores desta tese não se forma caso julgado sobre a suspensão da execução da pena, mas tão somente sobre a medida dessa pena, entendendo-se que a substituição está resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso, e ainda nas ideias de provisoriedade da suspensão da pena e de julgamento rebus sic stantibus quanto a tal questão -  Cf. entre outros, os acórdãos de 09-11-2006, proc. n.º 3512/06, da 5.ª Secção; de 04-12-2008, proc. n.º 08P3628, da 5.ª Secção; de 14-01-2009, proc. n.º 08P3975, da 5.ª Secção e de 16/11/2011, proc. n.º 150/08.5JBLSB.L1.S1, da 3.ª Secção, in www.dgsi.pt.

Como bem se refere no acórdão do STJ de 06-02-2014 (Proc. n.º 339/09.0GDSTS-A.S1,  relatado pelo Cons. Santos Cabral, in www.dgsi.pt), a argumentação da posição minoritária « …falece de razoabilidade prática, o que, desde logo, é evidente pela circunstância de o juiz que decreta a suspensão da pena parcelar, ignorando a existência de concurso, elaborar um juízo de prognose sobre a evolução da personalidade do arguido com base numa delinquência ocasional que não se verifica. O pressuposto da suspensão não existe, uma vez que existem outros crimes praticados, mas não conhecidos em concreto, e o julgador é induzido em erro pela convicção contrária. Na verdade, sob pena de uma gritante ofensa do princípio da igualdade, o tratamento do concurso deve ser exactamente o mesmo, independentemente da forma dos seu conhecimento, superveniente ou não, e assim, sabendo-se que a pena que vai ser efectivamente aplicada não é a pena parcelar, mas a pena conjunta, toma-se claro que só relativamente a esta tem sentido pôr a questão da sua substituição. Se a lógica da apreciação global do percurso criminoso do arguido implica a valoração de toda, e cada uma, das suas actuações atomisticamente consideradas; se a atribuição de um efeito excludente à pena suspensa gera uma situação de injustificada desigualdade; se a suspensão prévia da pena no concurso superveniente traz consigo um errado conhecimento por parte do julgador em relação à existência do concurso, não se vislumbra porque é que se deve interpretar o art. 78.º do CP numa fórmula que suporta tais patologias.».

Por outro lado, salienta-se no acórdão do STJ de 12-03-2015 (Proc. n.º285/07.1 JABRG – F.S1, relatado pelo Cons. Souto de Moura, in www.dgsi.pt), que « …a não cumulação, das penas principais de multa e prisão, obedece a razões que não procederão exatamente do mesmo modo, se se pretender impedir o cúmulo entre a prisão efetiva e a “pena suspensa”. Ao peso do argumento centrado na diferente natureza das penas, tem que ser contraposta a concreta realidade da pena de substituição. Enquanto no confronto entre prisão e multa (penas principais), a última nunca poderá deixar de ser aplicada enquanto tal (a não ser que a lei tivesse previsto um sistema de conversão da multa em prisão, para casos de cúmulo, que não existe), quando pomos lado a lado a pena de prisão efetiva e a pena suspensa, a pena de prisão substituída não morreu. O condenado em “pena suspensa” pode ter que vir a cumprir a pena de prisão efetiva substituída. Ora, é aceitável que, assim como existem razões que podem levar à revogação da pena suspensa com o renascimento da pena substituída, também pode haver outro motivo, de diferente cariz, para que se abandone a pena de substituição e se passe a considerar a pena substituída. A necessidade de realizar um cúmulo pode ser esse motivo, porque vai haver um momento de apreciação da ilicitude global dos factos e da personalidade do arguido, em que se justifica ver se a aplicação da pena de substituição, a uma parcelar que em princípio deveria fazer parte do cúmulo, já não tem razão de ser.

Designadamente, se tal viabilizar a execução de uma única pena conjunta com todas as vantagens daí resultantes, e, por maioria de razão, se não redundar em prejuízo do arguido. São por demais conhecidas os inconvenientes da aplicação, por exemplo, de penas mistas de prisão e multa, mas também não deixam de criar situações absurdas, as execuções simultâneas de penas de prisão e de “penas suspensas”.».

Esta é também a posição seguida pelo Prof. Figueiredo Dias, segundo o qual, num concurso de crimes, as penas parcelares não devem ser suspensas na sua execução, só no final, isto é, na determinação da pena única, valorada a situação em globo, se deve ponderar se essa pena, que é a que o condenado tem de cumprir, pode ou não ficar suspensa na sua execução, desde que ocorra o necessário pressuposto formal (a medida da pena de prisão aplicada não ultrapassar o limite exigido por lei, atualmente de cinco anos) e o pressuposto material - prognóstico favorável relativamente ao comportamento do agente e satisfação das finalidades da punição, nos termos do art.50.º, n.º 1 do Código Penal.

Se uma pena parcelar tiver sido suspensa na sua execução, o que frequentemente sucede nos cúmulos jurídicos em que o conhecimento do concurso de crimes é de conhecimento superveniente, «para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada» e, uma vez determinada aquela, «o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político-criminalmente ser substituída por pena não detentiva.» - Obra cit., páginas 285, 290 e 295 ).

Na Comissão de Revisão do Código Penal de 1995, o Prof. Figueiredo Dias chegou a propor a inserção, no então art.54.º, de um n.º 2 do seguinte teor: “Se, no decurso da suspensão, o agente vier a ser condenado em pena de prisão por crime anteriormente praticado, o tribunal revo­gará a sus­pensão se concluir que ela não teria sido decretada se tivesse havido conhecimento do crime anterior”. Embora esta redação não venha a surgir no texto final do Projeto, essa proposta não merecido qualquer crítica na sessão em que foi apresentada (Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça, 1993, pág. 52).

O Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 3/2006 ( inwww.tribunalconstitucional.pt) apreciou esta problemática e decidiu «Não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do Código Penal, interpretados no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspen­são da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações». No mesmo sentido vão as posições doutrinais de Paulo Dá Mesquita (O Concurso de Penas, Coimbra, 1997, p. 72 e segs.), André Lamas Leite («A Suspensão Da Execução Da Pena Privativa De Liberdade Sob Pretexto Da Revisão De 2007 Do Código Penal», Estudos Em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge De Figueiredo Dias, AAVV, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, T. 2.º, Coimbra Editora, 2009, págs 608 a 610, também publicado em separata) e Paulo Pinto de Albuquerque , in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa 2010, 2.ª edição atualizada, pág. 287).

Para esta posição, maioritária, a suspensão da execução da pena, que vai entrar no cúmulo superveniente, é dada sem efeito por força da necessidade de efetuar o cúmulo jurídico das penas e não propriamente por revogação, nos termos do art.56.º, n.º1, alínea b), do Código Penal.   

Por fim, anota-se ainda a posição doutrinária do Prof. Nuno Brandão – sem relevo na jurisprudência dos Tribunais Superiores –, que defende que as penas de prisão suspensa na execução, aplicadas por decisões transitadas em julgado, não devem poder ser revogadas para efeitos de formação de uma pena conjunta, privativa de liberdade, salvo se o condenado nisso consentir. Ou seja, em face do disposto no art.77.º, n.º 3 do Código Penal, cabe ao condenado optar entre o cúmulo jurídico ou a acumulação material das penas, conforme ele próprio o considerar mais favorável, caso que justificaria a eventual quebra do caso julgado com a perda da autonomia e da especificidade da pena de substituição, pela sua integração no cúmulo jurídico – Cf. “Conhecimento Superveniente Do Concurso e Revogação de Penas De Substituição”, in RPCC, Ano 15, n.º 1, págs. 135/136.

O relator e adjunto deste Tribunal da Relação aderem, por inteiro, aos argumentos da posição maioritária da jurisprudência e da doutrina, que desde sempre seguiram e continuam a seguir.

     Processo   Data dos factos    Decisão  Trânsito em      JulgadoCrimesPenas
15/11.3GACLD17.10.201123.10.201322.11.2013Tráfico de estupefacientes2 anos 4 meses de prisão,  susp.
75/12.0PEAMD201219.03.201317.10.2013Tráfico de estupefacientes3 anos 6 meses de prisão

No caso em apreciação, as penas que foram englobadas no “segundo cúmulo jurídico”, são as seguintes:

Uma vez que à data da prolação da decisão do cúmulo não tinha decorrido o período de suspensão da pena aplicada ao arguido no proc. n.º15/11.3GACLD, entendemos, tal como a douta decisão recorrida, que a pena objeto de suspensão da pena devia ter sido incluída, como foi, no cúmulo jurídico de conhecimento superveniente, para no final se decidir se a pena conjunta deve ou não ficar suspensa na sua execução.

Nesta senda, o Tribunal a quo, ao entender que estas duas penas deviam ser cumuladas, não violou disposto no art.56.º Código Penal.

Assim, mantendo-se a realização do “segundo cúmulo”, improcede esta primeira questão.


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            Segunda questão

            O recorrente A... defende que no “primeiro cúmulo” não devia ter sido condenado, para além do mais, em trezentos dias de multa e setecentos dias de coima.

As penas de multa não deviam ter sido cumuladas porquanto, e embora não seja feita referência na douta decisão recorrida, o arguido cumpriu, pagando-as de forma voluntária, ou seja, já se encontram extintas pelo pagamento, pelo que, não deviam ser integradas no cúmulo.

Por outro lado, o art.77.° Código Penal refere-se a crimes e a penas, e a coima de € 700,00 que integrou o cúmulo corresponde a uma contraordenação. Deste modo, a decisão recorrida violou o preceituado naquele preceito.

Anotemos, antes do mais as penas que o Tribunal a quo englobou no designado “primeiro cúmulo”:

Processo                     Data dos factos        Decisão        Trânsito Julg.        Crimes                                      Penas

  87/10.8PAAMD  21.03.2010   18.06.2012    09.07.2012ameaça agravada

injúria agravada

140dias de multa

160dias de multa

65/08.7GBCLD07.02.2008

16.02.2008

21.06.201112.09.2011Simulação de crime

Falsificação documentos

5 M de prisão e 1 A 6 M de prisão,

sendo a pena única suspensa

139/08.4PATVD28.02.200802.02.201002.06.2010Furto simples120 de multa
136/09.2JALRA30.03.200916.04.201017.05.2010Roubo

Contraordenação

2 A 6 M  de prisão, suspensa

coima: 700 €

431/09.0PBVFX24.03.200901.03.201014.04.2010Roubo2 A de prisão, suspensa.

As penas de prisão suspensas, aplicadas nos processos n.ºs 65/08.7GBCLD, 136/09.2JALRA e 431/09.0PBVFX, foram objeto de despachos de revogação, proferidos, respetivamente, em 20/6/2014 (folhas 115 a 122), 19/12/2014 (folhas 20 a 25), e em 30/1/2014 (folhas 143 a 146).

Decorre do art.77.º, n.º 1 do Código Penal, que as penas de multa cumulam-se juridicamente entre si - tal como as penas de prisão se cumulam entre si.

Quando no conjunto dos crimes em concurso há dois ou mais punidos com pena de multa, deve realizar-se um cúmulo autónomo das penas de multa.

No caso em apreciação, o recorrente defende que o cúmulo das penas de multa aplicadas nos processos n.ºs 87/10.8PAAMD e 139/08.4PATVD não deveriam ter sido cumuladas porquanto as respetivas penas foram pagas de forma voluntária.

Porém, como o próprio recorrente admite, tal pagamento não consta da decisão recorrida. Analisando o CRC deve também dele não consta que as penas de multa objeto do cúmulo jurídico se mostram extintas pelo pagamento, ou por qualquer meio, nem das certidões juntas aos autos resulta ter sido realizado o pagamento.

Assim e com os elementos fornecidos nos autos, o Tribunal da Relação não encontra motivos para censurar a realização do cúmulo jurídico das penas de multa.

Relativamente à coima de € 700,00, que foi aplicada ao arguido no proc. n.º136/09.2JALRA, a mesma manteve autonomia no “primeiro cúmulo” realizado pelo Tribunal a quo, acrescendo materialmente ao cúmulo jurídico das penas de prisão e de multa.

Não estando extinta a coima e realizando-se o cúmulo jurídico da pena 2 anos e 6 meses de prisão que também havia sido aplicada ao arguido no proc. n.º136/09.2JALRA, a mesma não poderia deixar de ser referida no conhecimento superveniente do concurso.

Assim, e não violando a douta decisão recorrida o disposto no art.77.º do Código Penal, improcede também esta questão.


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            Terceira questão

            O recorrente entende, por fim, que o Tribunal a quo ao condená-lo, para além do mais, numa pena única, no âmbito do “Primeiro Cúmulo”, de 4 anos de prisão efetiva, incorreu em erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.°, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal, na medida em que, resulta do texto da decisão recorrida, por si só e conjugada com as regras de experiência comum, conclusão contrária a que chegou o Tribunal a quo.

A medida concreta da pena única aplicada ao arguido no “primeiro cúmulo”, no que à pena de prisão efetiva diz respeito, deve ser reduzida para mais próximo do limite mínimo de dois anos e seis meses (“ a mais elevada das penas concretamente afastada”).

Alega para o efeito, no essencial, que para a determinação da pena conjunta há que considerar que a heroína e cocaína, consubstanciam um fio condutor entre os factos praticados pelo arguido e a sua motivação para a prática dos mesmos - a obtenção de droga; nos crimes de roubo e furto o valor das coisas subtraídas é diminuto, sendo igualmente diminuto o grau e espécie de violência ou de ameaça exercida pelo arguido contra a vítima; os crimes de tráfico de estupefacientes são todos de menor gravidade, o que demonstra a “postura” de um toxicodependente; e ao longo do seu percurso procurou, por diversas vezes, o tratamento da sua adição; mantém os laços afetivos com os seus pais, e as suas três filhas, beneficiando de todo o suporte por parte dos mesmos.

Antes da situação de prisão efetiva que se encontra a cumprir no âmbito do processo 75/12.OPEAMD ao abrigo do qual foram as penas suspensas do “primeiro cúmulo” foram revogadas, e no espaço temporal que mediou entre a libertação de excesso de prisão efectiva até á reclusão do mesmo (tendo-se entregue em 17/12/2013 de forma voluntária), o arguido dedicou o seu tempo ao trabalho, na agricultura, ajudando os pais, com quem residia. Factos estes, que demonstram a vontade que o arguido teve e tem em ressocializar-se, merecendo ainda, a nosso ver, um juízo de prognose favorável.

Vejamos se assim é.

Antes do mais, temos como claro que a decisão recorrida não padece do vício do erro notório na apreciação da prova, a que alude o art.410.º, n.º2, alínea c) do C.P.P., pelo facto da pena única que lhe foi aplicada no “primeiro cúmulo” ser, eventualmente, excessiva.

O erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto,  que prescinde da análise da prova produzida em audiência, para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum.

No dizer dos Juízes Conselheiros Leal-Henriques e Simas Santos, o erro notório na apreciação da prova existe “...quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida”. - Cf. Código de Processo Penal, 2.º Vol., pág. 740 e, entre outros, o acórdão do STJ de 4-10-2001 (CJ, ASTJ, ano IX, 3º , pág.182 ).

No caso em apreciação o recorrente A... confunde um eventual erro de aplicação de normas de direito penal aos factos dados como provados, por haver sido fixada desproporcionalmente a medida única da punição, com o vício do erro notório na apreciação da prova, que é um erro de vício de apuramento da matéria de facto cingido ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum.

De todo o modo, analisando o texto da decisão recorrida, nomeadamente a fundamentação da matéria de facto, e as referências que na mesma são feitas às certidões de condenações do arguido, ao seu CRC e ao relatório dos serviços de reinserção social de folhas 188 a 190, não vemos que o Tribunal recorrido, ao dar como provada a matéria de facto, tenha seguido um raciocínio ilógico, arbitrário ou contraditório, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, de onde se possa concluir pela existência de um erro notório na apreciação da prova. 

Posto isto, e no que concerne às regras da punição do concurso, o art.77º, nº 1, do Código Penal, estabelece que « Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.». De acordo com o n.º 2, do mesmo preceito, « A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.».

A medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico tem uma especificidade própria.
Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal mais abrangente.
Por outro, tem lugar uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal.

Como refere o Prof. Figueiredo Dias, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72º, n.º1 (actual 71º.º, n.º1), um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte.

Na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. De grande relevo será também “ a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização.”- Obra citada, págs. 290/2.

Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o  tipo de conexão entre os factos em concurso -  acórdão do STJ, de 09-01-2008, CJSTJ 2008, tomo I.

Em suma, com o sistema da pena conjunta, perfilhado neste preceito penal, deve olhar-se para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente - cfr. Dr.ª Cristina Líbano Monteiro , in “ Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 16, n.º1, , pág. 155 a 166.

No caso concreto, a moldura de punição no “primeiro cúmulo”, no que respeita aos crimes punidos com prisão, tem como limite máximo 6 anos e 5 meses de prisão e, como limite mínimo, 2 anos e 6 meses de prisão.

Está em consideração, neste cúmulo, a prática de um crime de simulação de crime, um crime de falsificação de documentos e dois crimes de roubo.

Estes crimes foram praticados em diferentes datas, num período situado entre 7 de Fevereiro  de 2008 e 30 de Março de 2009.

Quanto à ilicitude global, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, a mesma é elevada, tendo em conta as conexões entre os dois crimes de roubo, praticados em estabelecimentos comerciais, e ainda porque com os crimes de simulação de crime e de falsificação de documento, quis o arguido impedir as autoridades que identificassem como seu o veículo que conduzia.

Resulta dos factos dados como provados que o arguido/recorrente agiu com dolo direto e intenso, no período da atividade ilícita agora em apreço.

As necessidades de prevenção geral nos crimes de roubo - mesmo que no caso o valor das coisas subtraídas seja pequeno e a violência usada seja média - pela sua grande frequência e forte alarme social, são prementes. Considerando que as necessidades de prevenção geral radicam no significado que a “gravidade do facto” assume perante a comunidade, também estas são, relativamente aos crimes de falsificação de documentos e de simulação de crime, relativamente elevadas.

Na avaliação da personalidade do arguido/recorrente A... , importa reter, nomeadamente, que tendo beneficiado de suspensão de execução de todas as penas de prisão que entram no cúmulo em apreciação viu todas estas suspensões oportunamente revogadas, deixando assim claro que não se deixa intimidar com penas de substituição deste tipo e , ainda, que tem já um longo passado criminal, que vai além das condenações pelas quais se procede aos cúmulos efetuados no presente processo, como se verifica do ponto 8 a 8.3 dos factos provados.

No que respeita às suas condições sociais e pessoais, resulta da factualidade; que encontrando-se atualmente a cumprir pena de prisão e tendo apoio familiar, pois é visitado no EP pelos pais e filhas, não deixou de consumir produtos estupefacientes e falhou no tratamento à toxicodependência.

O Relatório Social para a Determinação da Sanção, datado de 8 de Outubro de 2015, para o qual o recorrente remete, está longe de lhe ser favorável, na medida em que se refere, designadamente, que este apresenta “ tendência para manifestar reduzida consciência da gravidade da situação e dos factos que lhe são imputados, até porque tende a desculpabilizar-se com a instabilidade decorrente da toxicodependência.” e que o suporte parental “ não parece capaz de, por si só, levar o arguido a uma mudança pro-social.”.

Em suma, no que toca à prevenção especial, o recorrente carece de forte socialização, uma vez que mantém baixa intimidação face às reações penais aplicadas e o ilícito global agora julgado começa a surgir mais como uma tendência criminosa do que de pluriocasionalidade.

Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, é de concluir que a pena conjunta fixada em 4 anos de prisão - abaixo do limite médio da moldura de punição - não é excessiva tendo em conta as finalidades de prevenção, a culpa e personalidade do arguido/recorrente.

Uma pena inferior a esta não respeitaria as regras da punição do concurso.

Assim, mantém-se a pena conjunta ora em causa, fixada pelo Tribunal a quo no “primeiro cúmulo”, improcedendo também esta questão e, consequentemente, o recurso.

            Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e manter o douto acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando em 3 UCs a taxa de justiça (art.513.º, n.ºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

                                                                        *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                         *

Coimbra, 27-04-2016

(Orlando Gonçalves – relator)

(Inácio Monteiro - adjunto)


[1]Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.