Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1325/03.9TBTNV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 05/18/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 519.º, N.º 2 DO CPC E 344.º, N.º 2 DO CC.
Sumário: 1. A falta de junção de documento por uma das partes, para tal notificada, pode determinar a inversão do ónus da prova, quando a recusa impossibilite a prova do facto a provar, a cargo da contraparte, por não ser possível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir, já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios produzidos.

2. Assim, tendo-se em vista provar que a entrega de um cheque se destinava ao pagamento de quantia mutuada, para que tal inversão do ónus da prova possa ocorrer, necessário se torna que da não junção do documento comprovativo do seu levantamento resulte a impossibilidade da prova de que o referido cheque se destinava ao dito pagamento, não sendo, para tal, suficiente que daí resulte a maior dificuldade da demonstração de tal facto e que a não junção resulte de comportamento culposo do autor.

3. Sob pena de qualquer decisão surpresa, a notificação da parte para apresentar o documento, deve ser efectuada com a cominação da inversão do ónus da prova, no caso de não o juntar.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

            Nos presentes autos de processo comum sob forma ordinária veio o A A..., pedir a condenação dos RR, B... e marido C... no pagamento da quantia de 16.576,32 euros, acrescida dos juros moratórios vencidos e vincendos até efectivo pagamento.

Para tal alega que a pedido da Ré lhe emprestou para esta fazer face a despesas da sua actividade agrícola as quantias de 4.987,98 € em 11 de Janeiro de 2000 e 8.987,36 € em 16 de Janeiro desse mesmo ano.

Apesar de várias vezes instados este nada pagaram ao A.


Citados os RR vieram contestar invocando terem procedido ao pagamento de parte da quantia sendo a restante compensada com dívidas do A para com os RR.
Pedem em consequência a improcedência da acção e a condenação do A. como litigante de má-fé.

Respondendo, o autor reitera que a reclamada dívida não foi paga, impugnando os factos em que os réus assentam o alegado pagamento e devolve aos réus a imputação de litigância de má fé.

Com dispensa da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar, tendo prosseguido os autos, com a selecção da matéria de facto alegada e tida como assente e controvertida, de que não houve reclamação.

            Seguiu-se a realização da audiência de discussão e julgamento, sem gravação da prova produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto alegada, com indicação da respectiva fundamentação, tal como consta de fl.s 186 a 189.

No seguimento do que foi proferida a sentença de fl.s 193 a 197, na qual se decidiu o seguinte:

“Pelo exposto, julgo a presente acção declarativa sob forma ordinária, instaurada pelo A A..., contra os RR, B... e marido C... parcialmente procedente por parcialmente provada e, consequentemente:

Absolvo o Réu do pedido.

Condeno a R. a pagar à Autora a quantia global de 13.966,34€ (treze mil novecentos e sessenta e seis euros e trinta e quatro cents) acrescida dos juros moratórios legais vencidos, desde a citação e vincendos até efectivo pagamento.

Custas a cargo do A e Ré na proporção do seu decaimento (montante de juros devidos.)”.

            Inconformada com a mesma, interpôs recurso a ré, recurso, esse, admitido como de apelação e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 204), concluindo a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

1. O art. 6º da Base Instrutória foi incorrectamente julgado, uma vez que, tanto a confissão contida no art. 20º da Réplica, quanto o documento 1 junto com a Contestação, que não foi impugnado, impõem decisão diversa da recorrida.

2. Tendo em conta o despacho proferido após a produção de prova, no sentido de notificar o A. para proceder à junção de documento comprovativo do empréstimo dos 2.000.000$00 que alegou, até porque se tratava de documento que a R., obviamente, não tinha em seu poder, e a que só o A. teria acesso, não é justo que o Tribunal venha depois decidir como se não tivesse anteriormente por despacho transitado em julgado onerado o A. com a junção daquele documento, e como se a prova testemunhal produzida tivesse bastado para formar a convicção do julgador acerca da existência de outro contrato de empréstimo, no valor de 2.000.000$00.

3. Tivesse o Tribunal ficado convencido quanto à verdade material dos factos, e não teria ordenado ao A. a junção de um documento que demonstrasse o alegado empréstimo à R., após o momento processualmente adequado à produção da prova, sob pena de violar o disposto no art. 265º do C.P.C.

4. Não tendo o A. procedido à junção do documento que o Tribunal ex officio, intimou a juntar, deveria o Tribunal a quo ter apreciado livremente a recusa de colaboração devida, para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do art. 344º do C.C., conforme disposto no n.º 2 do art. 519º do C.P.C..

5. Nada tendo decidido quanto a esta matéria, a quem nem sequer se refere, é nula a sentença recorrida, atento o disposto no art. 668º n.º 1 al. d) do C.P.C..

Termos em que, deverá ser concedido provimento ao recurso, assim se fazendo

Justiça.

           

            Não foram apresentadas contra-alegações.

           

            Colhidos os vistos legais, há que decidir.        

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

A. Se a sentença é nula por violação do disposto no artigo 668.º, n.º 1, al. d) do CPC e;

B. Se o artigo 6.º da base instrutória foi incorrectamente julgado, uma vez que, tanto a confissão contida no artigo 20.º da réplica, quanto o documento 1 junto com a contestação, que não foi impugnado, impõem decisão diversa da recorrida.

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

Em 11 de Janeiro de 2000 a R. mulher declarou expressamente, escrito, que: "Eu B... declaro que recebi do Sr. A... a quantia de Esc. 1.000.000$00, por empréstimo".

Em 16 de Janeiro de 2000 a R. mulher declarou expressamente, que: "Eu B... declaro que recebi do Sr. A... a quantia de 1.800.000$00, por empréstimo”

A Ré dedica-se à agricultura de alguns hectares de terra nos campos da .... e .....

 Desde há uns dez anos, que o A. trabalha como tractorista nos terrenos amanhados pela R..

O A. é também dono de uma lezíria com cerca de 3/4 hectares que também tem amanhado ao longo dos anos, com as máquinas da Ré.

Foi acordado entre A e Ré que esta pagaria a totalidade das quantias entregues.

A. Se a sentença recorrida é nula por violação do disposto no artigo 668.º, n.º 1, al. d) do CPC.

            Como resulta da alegação da recorrente, esta funda a invocada nulidade da sentença no facto de, no fim da inquirição das testemunhas, a M.ma Juiz ter notificado o autor para que este juntasse aos autos comprovativo do levantamento da quantia de 2.000.000$00 que alega estarem subjacentes ao pagamento referido no artigo 6.º da base instrutória, o que este não cumpriu, do que resulta a sua falta de colaboração com o tribunal e a inerente inversão do ónus da prova, nos termos do disposto nos artigos 519.º, n.º 2 do CPC e 344.º, n.º 2 do CC.

Não obstante a não junção de tal documento, o certo é que tal quesito veio a ser julgado como “não provado”, sem que a questão da inversão do ónus da prova tenha sido tratada na decisão recorrida, o que, na óptica da recorrente, a faz padecer da invocada nulidade.

           

De acordo com o disposto no artigo 668, n.º 1, al. d), do CPC, é nula a sentença, quando:

o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

A nulidade em causa radica na omissão de pronúncia (não aprecia questões de que devia conhecer – 1.ª parte) ou no seu inverso, isto é, do conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento, por não terem sido postas em causa (2.ª parte).

In casu, a recorrente propende para a primeira hipótese.

No entanto, a mesma não se verifica uma vez que o que estava em causa nestes autos era apurar da existência do invocado mútuo e se as quantias mutuadas tinham ou não sido pagas, o que foi decidido, em conformidade com o pedido formulado, o qual, como já referido, procedeu na totalidade, sendo irrelevante, nesta sede, a questão da forma pela qual se deram ou não os factos alegados como provados ou não provados.

Efectivamente, a questão de o quesito 6.º da base instrutória ter sido ou não incorrectamente julgado, em nada influi na decisão do pedido formulado.

Este foi decidido e consistia na única questão a decidir.

O caminho percorrido para se chegar até aí é, sob este prisma, irrelevante, uma vez que concluindo-se que a resposta ao mesmo deve ser alterada, então, a consequência será a de alterar a decisão final e não qualquer outra, designadamente a de se considerar que não se decidiram todas as questões que, do ponto de vista material, impunha decidir, como se decidiu.

Assim, tem de concluir-se que na sentença recorrida se conheceu e decidiu a questão que, com os presentes autos, foi colocada ao tribunal.

Consequentemente, tem de concluir-se que a sentença recorrida não é nula, nem por força do alegado (nem de qualquer outra das nulidades ali previstas), pelo que tem de improceder esta questão do recurso.

B. Se o artigo 6.º da base instrutória foi incorrectamente julgado, uma vez que, tanto a confissão contida no artigo 20.º da réplica, quanto o doc. 1 junto com a contestação, que não foi impugnado, impõem decisão diversa da recorrida.

Com vista a tal desiderato refere a recorrente que alegou no artigo 14.º da contestação que entregou ao autor, para crédito da declarada dívida, o cheque aí referido, no montante de 2.250.000$00, tendo junto cópia do mesmo.

Mais alega que o autor, no artigo 20.º da réplica aceitou a entrega desse cheque.

Por outro lado, no final da audiência de julgamento, a M.ma Juiz determinou que o autor juntasse aos autos comprovativo do levantamento da quantia de 2.000.000$00 que alega estarem subjacentes ao pagamento referido no artigo 6.º da base instrutória, no prazo de 10 dias, improrrogáveis.

O autor não juntou tal documento e não obstante a M.ma Juiz deu tal quesito como não provado, contra o que se insurge a recorrente por entender tal não entrega como configurando falta de colaboração com o tribunal o que acarreta a inversão do ónus da prova, atento o disposto nos artigos 519.º, n.º 2 do CPC e 344.º, n.º 2 do CC.

Vejamos se lhe assiste razão!

Efectivamente, cf. artigo 14.º da contestação, os réus alegaram que:

“Com a data de 6 de Dezembro de 2001, a R. entregou ao A., para crédito da declarada dívida, o cheque n.º ...., sacado sobre o Banco..., da importância de 2.250.000.000$00, como patenteia o documento n.º 1 aqui junto” (sendo o que se acha junto, por fotocópia, a fl.s 29 e 30).

Por sua vez, o réu, quanto a tal, alegou nos artigos 20.º e 21.º da réplica o seguinte:

“20.º

É verdade que com a data de 6 de Dezembro de 2001 a R. entregou ao A. o cheque n.º ...., sacado sobre o Banco..., na importância de 2.250.000$00.

21.º

Porém, tal montante não se destinou ao pagamento da dívida peticionada, como falsamente alegam os autores”.

Concretizando nos artigos 22.º a 24.º de tal articulado o fim a que se destinou tal quantia.

Ou seja, do confronto entre o alegado pela ré no artigo 14.º da contestação e o alegado pelo autor nos artigos 20.º e 21.º da réplica, temos de concluir que este aceita que a ré lhe entregou o cheque em causa, apenas não aceitando que a quantia nele inscrita se destinasse para crédito da declarada dívida.

Isto é, o autor confessa, aceita, que a ré lhe entregou aquele cheque, apenas impugnando tal matéria na parte em que esta alegou que o mesmo se destinou ao pagamento das quantias mutuadas, tal como disposto no artigo 490.º, n.º 2 do CPC e 352.º do CC.

Consequentemente, logo em sede de selecção dos factos assentes e a provar se deveria, nos termos expostos, ter como assente a entrega de tal cheque, apenas estando controvertida a finalidade do mesmo, isto é, se o mesmo se destinou a crédito da declarada dívida.

Não obstante, assim não se fez, tendo-se elaborado o quesito 6.º da base instrutória, com o seguinte teor:

“Com a data de 6 de Dezembro de 2001, a R. entregou ao A., para crédito da declarada dívida, o cheque n.º ...., sacado sobre o Banco..., da importância de 2.250.000$00?” (cf. fl.s 49 dos autos).

Como consta de fl.s 177, no final da inquirição das testemunhas, a M.ma Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:

“Ao abrigo do disposto no artigo 653.º, n.º 1, última parte do C.P.C., determina-se que no prazo de 10 dias, improrrogável, o autor junte aos autos comprovativo do levantamento da quantia de 2.000.000$00 que alega estarem subjacentes ao pagamento referido no artigo 6.º da Base Instrutória.”.

A fl.s 178, o autor veio requerer a prorrogação de tal prazo para a sua apresentação, o que lhe foi indeferido, cf. despacho de fl.s 179, já transitado em julgado, com o fundamento em que o prazo que lhe havia sido concedido era improrrogável.

Conclusos os autos à M.ma Juiz de Círculo, proferiu esta a resposta à matéria de facto, tendo o quesito 6.º, merecido a resposta de não provado – cf. fl.s 186.

Justificou-a com os seguintes fundamentos:

“No que concerne à resposta ao quesito 6.º o mesmo funda-se no seguinte:

Nenhuma testemunha teve conhecimento directo de tais factos; assim ponderando que os RR aceitam ter havido outros empréstimos embora saldados (art.º 10.º da contestação); que a testemunha E... referiu ter o A. emprestado à R outra quantia que julga ter sido de 2.000.000$00 (de uma só vez) tendo tal sido regularizado com um papel (declarações de dívida – que, curiosamente não aparece); que, no dizer da testemunha D... cujo depoimento, pela forma e conteúdo – apesar da relação de parentesco com o A – nos mereceu total credibilidade, o A., na altura – antes de 2001 – se queixou que a R lhe devia quase 5.000.000$00 e, por isso, é que decidiu comunicar à família tais empréstimos, julgando não mais os receber; ponderando ainda que a prova de tal facto competia aos RR (dado a inexistência de presunção de cumprimento) e que, a não ter sido assim, porque razão não tinha a R exigido então a entrega das declarações de dívida aquando da emissão do cheque sabendo que estavam em poder do A ou, pelo menos, não pediu quitação de tal pagamento? (os RR, felizmente, não são pessoas iletradas)”.

Contra o que se insurge a recorrente que defende que ao mesmo deve ser dada a resposta de “provado”.

E para tal alega que tendo a M.ma Juiz notificado o autor nos termos referidos e não tendo este apresentado aquele documento, nos termos do disposto no artigo 519.º, n.º 2 do CPC e 344.º, n.º 2 do CC, se deveria considerar invertido o ónus da prova e, em consequência, considerar tal facto como provado.

De acordo com o disposto no artigo 519.º, n.º 1 do CPC, todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, devem prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.

Acrescentando-se no seu n.º 2 que a recusa da colaboração devida acarretará a condenação em multa e, se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.

Estipulando-se neste que se verifica a inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado.

Como refere Lopes do Rego, in Comentários …, Vol. I, 2.ª edição, Almedina, 2004, a pág. 455 “a) Se a recusa tiver tornado impossível a prova à outra parte, sobre quem recaía ónus probatório de certo facto (v. g. a diligência probatória culposamente frustrada recaía sobre matéria de facto absolutamente essencial, que só podia ser demonstrada por esse meio, já que o onerado não dispõe de outros meios de prova que, em concreto, demonstrem o facto) ocorre inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344.º, n.º 2 do CC (…), condicionando a inversão do ónus da prova, no caso de falta da parte para prestar depoimento, à existência de uma relação de causa e efeito para a descoberta da verdade e à notificação do faltoso para depor com essa cominação.

b) Se não for assim – isto é, se a recusa não implicar aquela impossibilidade de o onerado provar facto absolutamente essencial à acção ou à defesa – deverá o tribunal apreciar livremente o valor probatório da recusa (nomeadamente, dela inferindo que a parte, ao menos no plano subjectivo, receava seriamente o resultado daquela diligência instrutória).”

Idêntica posição é a defendida por Lebre de Freitas, in CPC, Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2001, a pág. 409, que ali refere:

“O comportamento do recusante pode, mais drasticamente, determinar, quando verificado o condicionalismo do artigo 344.º, n.º 2 CC, a inversão do ónus da prova. Tal acontece quando a recusa impossibilita a prova do facto a provar, a cargo da contraparte, por não ser possível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir (…) já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios produzidos”.

Daqui resulta, pois, que para que se verifique a inversão do ónus da prova com tal fundamento, se exige a verificação cumulativa de dois requisitos:

- que a impossibilidade da realização da prova de um determinado facto se tenha tornado impossível de fazer, por acção (ou inacção) da parte contrária e;

- que tal acção/inacção da parte contrária lhe seja imputável a título culposo.

Assim, para que tal inversão do ónus da prova possa ocorrer, necessário se torna que da não junção do documento em causa resulte a impossibilidade da prova de que o referido cheque se destinava ao pagamento da quantia mutuada, não sendo, para tal, suficiente que daí resulte a maior dificuldade da demonstração de tal facto e que a não junção resulte de comportamento culposo do autor.

Desde que não verificados tais requisitos, apenas poderá o tribunal apreciar livremente o valor probatório da recusa, mas não a inversão do ónus da prova – neste sentido, Acórdão do STJ, de 20/02/2001, Processo 01A4054, in http://www.dgsi.pt/jstj e da Relação de Lisboa de 03/12/2009, Processo 4258/07.6TVLSB.L1-6, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrl.

Ora, no caso em apreço, nenhum destes requisitos se encontra verificado.

Efectivamente e porque, desde logo, o autor não foi notificado com a cominação de que não juntado o mencionado documento, ficaria sujeito a tal inversão do ónus da prova.

Sob pena de qualquer decisão surpresa, deveria, se essa fosse a intenção, ser o autor notificado com essa cominação – da inversão do ónus da prova, no caso de não o juntar.

Só assim, ficaria demonstrada a actuação culposa do autor, inviabilizando a não demonstração de tal facto decorrente da não junção de tal documento.

 Daqui decorre, pois, que não se pode assacar ao autor um comportamento culposo pela não junção de tal documento, o que mais se reforça se se atentar em que o mesmo até pediu prorrogação do prazo para juntar o documento em causa, o que não lhe foi concedido.

Last but not least, estamos longe de poder afirmar que a junção de tal documento seria a única forma de a ré demonstrar que tal cheque se destinou ao pagamento da quantia mutuada.

Efectivamente, poderia a mesma demonstrar tal facto através de qualquer meio de prova, incluindo testemunhal (a qual foi produzida sobre este facto, como resulta da motivação da resposta à matéria de facto, tal como acima transcrita, na parte que ora interessa).

Mais decisivamente, ainda, porque, se assim foi, a própria ré deveria ter exigido ao autor, no momento do alegado pagamento, que lhe emitisse declaração disso demonstrativa.

O que não pode é agora, salvo o devido respeito, pretender obter a inversão do ónus da prova, com os invocados fundamentos, não obstante o despacho da M.ma Juiz a ordenar ao autor que juntasse o aludido documento, o qual não tem virtualidades de a tal conduzir.

Assim sendo, não se pode dar por demonstrado, através da figura da inversão do ónus da prova que o cheque referido no quesito 6.º da base instrutória foi “para crédito da declarada dívida”.

Quanto ao restante teor de tal quesito (entrega do cheque), pelos fundamentos já acima expostos, deve o mesmo ser dado como parcialmente provado, pelo que se acrescenta à matéria de facto provada mais o seguinte:

- Com a data de 6 de Dezembro de 2001, a ré entregou ao autor, o cheque n.º ...., sacado sobre o Banco..., da importância de 2.250.000$00.

           

            Não obstante tal em nada altera a decisão do pleito, uma vez que não se demonstrou que a quantia nele inscrita se tenha destinado ao pagamento da quantia ora peticionada, nem o pagamento se presume, tal como considerado na sentença recorrida, o que implica a improcedência do presente recurso, também quanto a esta questão.

Nestes termos se decide:       

            Julgar improcedente a apelação deduzida, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.

            Custas pela apelante.