Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JACINTO MECA | ||
Descritores: | OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO INJUNÇÃO FUNDAMENTOS | ||
Data do Acordão: | 01/29/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR – 3º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 816º CPC. | ||
Sumário: | I - O executado pode opor à execução, que tenha por título um requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória, os fundamentos plasmados no artigo 816º do CPC. II - Por violar o princípio de proibição da indefesa, enquanto acepção ao direito e aos tribunais – artigo 20º da CRP – não se aplica o artigo 814º do CPC por se entender que é inconstitucional quando interpretado no sentido de limitar a oposição à execução fundada em injunção à qual foi aposta a fórmula executória. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que constituem a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra.
1. Relatório V… deduziu oposição à execução instaurada por J…, Lda. alegando, em síntese apertada, que exequente e oponente acordaram na reparação de uma viatura que deixou nas suas instalações, reparação que até hoje se não verificou, embora tenha por diversas vezes solicitado, sem sucesso, à exequente que a realizasse daí que se conclua não ter a exequente procedido à aludida reparação e por isso nada lhe deve. A presente oposição é admissível em face da doutrina vazada no acórdão do TC nº 283/2011 e por isso deve ser admitida e julgada procedente por provada. O título executivo que serve de fundamento à execução é uma injunção. Os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença ou injunção são os previstos no artigo 814.º do CPC. Os factos invocados pelo oponente, como fundamentos da oposição à execução, não se subsumem a quaisquer das situações enunciadas no artigo 814.º do CPC, não podendo agora serem discutidos após ser reconhecido o seu pagamento em injunção. Assim, e por carecer de fundamento admissível em face do título executivo apresentado na execução, não admito a oposição à execução. (…). O oponente notificado do despacho de inadmissibilidade interpôs recurso que instruiu com as suas alegações que rematou formulando as seguintes conclusões: ... Notificada da oposição, a exequente/apelada apresentou as suas contra-alegações e concluiu: … 2. Delimitação do objecto do recurso As questões a decidir na apelação e em função das quais se fixa o objecto do recurso sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 660º e artigos 661º, 664º, 684º, nº 3 e 685ºA, todos do Código de Processo Civil, são as seguintes: Ø A redacção ao artigo 814º do CPC foi declara inconstitucional por acórdão do Tribunal Constitucional nº 283/2011, publicado no DR nº 137, Série II, de 19/7/2011? Ø A falta de oposição à injunção na sequência de notificação não preclude a possibilidade do requerido apresentar os meios de defesa embora não contemplados no artigo 814º do CPC? Ø Em sede de injunção não tem aplicação o disposto no artigo 489º do CPC? Ø O artigo 814º do CPC viola os artigos 20º, nº 1 e 202º da CRP? 3. Colhidos os vistos, aprecia-se e decide-se 3.1 – Requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória Defende a apelante que a execução tem por base um requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória, porém, tal título executivo não contém o reconhecimento de um direito nem a imposição ao requerido de cumprimento de prestação, como resulta de uma sentença e daí que se tenha formado à margem da intervenção do Juiz. O artigo 45º do Código Processo Civil evidencia que toda e qualquer acção executiva tem por base um título, sem o qual a execução não pode ser intentada, título que determina o seu fim e limites. O título executivo é o documento do qual consta a exequibilidade de uma pretensão e, consequentemente, a possibilidade de realização coactiva da correspondente prestação através de uma acção executiva, cumprindo uma função constitutiva, ao possibilitar que a correspondente prestação seja realizada coercivamente através de medidas impostas ao executado pelo tribunal[1]. Por sua vez, a alínea d) do artigo 46º declara: à execução apenas podem servir de base (…) os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva são os chamados títulos judiciais impróprios (…) formados num processo mas não resultantes de uma decisão judicial”[2]. O artigo 1º do DL nº 226/2008, de 20.11, aditou ao artigo 814º do CPC o nº 2 com a seguinte redacção: o disposto no número anterior aplica -se, com as necessárias adaptações, à oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido, passando a lei equiparar a fórmula executória à sentença para efeitos de oposição à execução, o que leva a considerar que os fundamentos da oposição à acção executiva instaurada com base no requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória são exactamente os mesmos que estão previstos para a sentença. A alteração do artigo 814º do CPC nos termos acima mencionado torna inconcludentes todos os argumentos que defendam a não equiparação a sentença do requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória, já que tal entendimento – o da não equiparação – colide com norma expressa. 3.2 – O que podemos discutir e a apelante aporta tal questão nas suas alegações/conclusões é se tal equiparação e subsequente interpretação do nº 2 do artigo 814º do CPC, por restringir os direitos de defesa do executado, é ou não inconstitucional por violação do princípio da proibição da indefesa ínsito no direito de acesso ao direito e aos tribunais – artigo 20º da CRP – e pela violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva – artigo 20º da CRP – e do princípio da confiança no Estado de Direito. O Sr. Juiz Conselheiro Salvador da Costa sumariza as duas posições[3] conhecidas nos Tribunais da Relação e acaba por aderir ao entendimento da verificação da preclusão tendo em conta a estrutura do procedimento de injunção. Apoiada no acórdão do TC nº 283/2011 a apelante defende a inconstitucionalidade do artigo 814º do CPC. Vejamos se lhe assiste razão. Não colocando o apelante em causa toda a tramitação vazada nos artigos 7º a 13º-A do DL nº 269/98, de 1.9, chegamos ao artigo 14º que tem a seguinte redacção: 1. Se, depois de notificado, o requerido não deduzir oposição, o secretário aporá no requerimento de injunção a seguinte fórmula: este documento tem força executiva. 2. O despacho de aposição da fórmula executória é datado, rubricado e selado ou, em alternativa, autenticado com recurso a assinatura electrónica avançada. 3. (…) 4. (…) 5. Aposta a fórmula executória, a secretaria disponibiliza ao requerente, preferencialmente por meios electrónicos, em termos a definir por Portaria do Ministério da Justiça, o requerimento de injunção no qual tenha sido aposta fórmula executória. Este artigo foi alterado pelo DL nº 107/2005, de 1 de Julho e o seu nº 5 tem a redacção conferida pelo DL nº 226/2008 de 20 de Novembro cujo nº 2 do seu artigo 22º tem a seguinte redacção: O disposto no artigo 10.º, na parte em que altera os artigos 10.º, 11.º e 14.º do anexo ao Decreto -Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, com a redacção que lhe foi dada pelos Decretos -Leis nºs 383/99, de 23 de Setembro, 183/2000, de 8 de Outubro, 323/2001, de 17 de Dezembro, 32/2003, de 17 de Fevereiro, 38/2003, de 8 de Março, 324/2003, de 27 de Dezembro, 53/2004, de 18 de Março, 107/2005, de 1 de Julho, 14/2006, de 26 de Abril, e 303/2007, de 24 de Agosto, pela Lei n.º 67 -A/2007, de 31 de Dezembro, e pelo Decreto -Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, aplica -se a todos os procedimentos de injunção, incluindo aqueles em que o requerimento de injunção foi apresentado antes da entrada em vigor do presente decreto -lei. Aliás o Tribunal Constitucional através do seu Acórdão nº 283/2011, DR nº 137, Série II de 19 de Julho de 2011, não veio declarar inconstitucional o artigo 814º do CPC o que veio dizer foi coisa bem distinta ao declarar inconstitucional a interpretação normativa dos nºs 1 e 2 do artigo 814º do CPC, na redacção do Decreto-lei nº 226/2008, de 20.11, conjugado com o «regime transitório» deste diploma, na medida em que não salvaguarda a aplicação da lei antiga quanto aos fundamentos de oposição à execução baseada nas injunções a que foi conferida força executiva anteriormente à data da entrada em vigor desse diploma legal. Como se vê através da simples leitura do sumariado do douto acórdão do Tribunal Constitucional a questão não se colocava relativamente à inconstitucionalidade do artigo 814º do CPC quando interpretado na impossibilidade de deduzir oposição à execução – após aposição da fórmula executória na sequência de falta de oposição do requerido/ artigo 14º, nº 1 acima transcrito – mas apenas quanto à interpretação dada aos nºs 1 e 2 do artigo 814º do CC que não salvaguardava a aplicação da lei antiga quanto aos fundamentos de oposição à execução baseada nas injunções a que foi conferida força executiva anteriormente à data da entrada em vigor desse diploma legal. Todavia, o Tribunal Constitucional através do seu acórdão 658/2006[4] – processo nº 292/2006 – DR nº 6 – II Série, de 9.1.2007, escreveu a propósito dos poderes jurisdicionais conferidos aos Tribunais pelo artigo 205º da Constituição em confronto com aqueles outros que o DL nº 404/93 confere aos Secretários Judiciais, concluindo, escorado nos Srs. Prof. Gomes Canotilho e Vital Moreira que o exercício da função jurisdicional está reservada aos Tribunais e conclui que a actividade do secretário judicial (…) não implica a resolução com recurso a critérios jurídicos de quaisquer conflitos de interesses, acrescentando nós que a sua actividade se limita a verificar se o requerido deduziu ou não oposição e em caso de resposta negativa limita-se a apor a fórmula executória, o mesmo é dizer que a lei interpreta a não oposição à injunção como uma aceitação por parte do requerido dos fundamentos que estruturam o pedido e com base neste raciocínio desjudicializa a futura intervenção, através da aposição da fórmula. A situação só se complica quando o requerido é notificado, não deduz oposição e confrontado com uma execução entende que a ela se pode opor nos termos do artigo 814º do CPC, escorando a inadmissibilidade da oposição à execução no facto de os fundamentos invocados na oposição à execução não se enquadrarem em qualquer das situações enunciadas no artigo 814º do CPC, fundamentos que não podem ser discutidos após a aposição da fórmula executória. Já dissemos que são os Tribunais quem nos termos constitucionais têm competência para administrar a justiça em nome do povo – artigo 202º/1 – e no cumprimento de tal desiderato o nº 2 desta norma constitucional declara que incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados. Em sede de princípios gerais a que os Tribunais devem obediência enquanto órgãos de soberania, destaca-se a obrigação de rechaçar toda e qualquer norma ou interpretação normativa que em viole o artigo 18º da CRP[5]. Refere o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 437/2012[6] que a possibilidade de se introduzir limites ao princípio da proibição de «indefesa», ínsito na garantia de acesso ao direito e aos tribunais consagrada no artigo 20º da Constituição, existe apenas na medida necessária à salvaguarda do interesse geral de permitir ao credor da obrigação pecuniária a obtenção de «forma célere e simplificada» de um título executivo (…) assim se alcançado o justo equilíbrio entre esse interesse e o interesse do executado de, em sede de oposição à execução, se defender através dos mecanismos previstos na parte final do nº 1 do artigo 815º do CPC – correspondente hoje ao artigo 816º na redacção introduzida pelo Decreto-lei nº 38/2003, de 8 de Março. A formulação restritiva consignada no nº 2 do artigo 814º do CPC limita injustificadamente os fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória e por isso padece do vício de inconstitucionalidade por violar o princípio de proibição da indefesa, enquanto acepção ao direito e aos tribunais – artigo 20º da CRP – declarando a inconstitucionalidade da norma contida n o artigo 814º do CPC quando interpretada no sentido de limitar a oposição à execução fundada em injunção à qual foi aposta a fórmula executória. Partilhando o entendimento do Tribunal Constitucional de que o artigo 814º, nº 2 do CPC viola os artigos 18º e 20º da CRP, então torna-se admissível à luz do direito defesa que mesmo após a aposição da fórmula executória sempre o executado pode alegar, em sede de oposição à execução, factos impeditivos – artigo 816º do CPC – na medida em que, sublinha-se, a fórmula executória aposta no requerimento de injunção não contém o reconhecimento de um direito já que não foi objecto de análise e decisão jurisdicional, repetindo-se que a opção legislativa apenas teve em vista dotar de maior celeridade e simplificação a reclamação de dívidas até determinado montante e não obstar, limitar os restringir os direitos do executado em deduzir oposição à execução nos termos do artigo 816º do CPC. Estamos com a apelante quando sustenta a inconstitucionalidade do artigo 814º do CPC quando seja interpretado no sentido de limitação do direito de defesa do executado[7]. Embora desnecessário em face da procedência da questão da inconstitucionalidade da interpretação feita pelo Tribunal a quo relativamente ao artigo 814º do CPC, diremos que o artigo 489º do CPC reporta única e exclusivamente ao processo declarativo e o seu quadro injuntivo não tem aplicação à injunção a que foi aposta a fórmula executória não funcionando, por isso, qualquer cominação quanto à possibilidade da parte exercer os seus direitos de defesa – artigo 816º do CPC – após notificação da execução. Em suma: I. O executado pode opor à execução, que tenha por título um requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória, os fundamentos plasmados no artigo 816º do CPC. II. Por violar o princípio de proibição da indefesa, enquanto acepção ao direito e aos tribunais – artigo 20º da CRP – não se aplica o artigo 814º do CPC por se entender que é inconstitucional quando interpretado no sentido de limitar a oposição à execução fundada em injunção à qual foi aposta a fórmula executória. Decisão: Nos termos e com os fundamentos expostos acordam os Juízes que constituem a 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1. Não se aplica o nº 2 do artigo 814º do CPC por se considerar materialmente inconstitucional quando interpretado no sentido de restringir os direitos de defesa do executado em deduzir oposição à execução fundada em injunção à qual foi aposta a fórmula executória – artigo 20º da CRP. 2. Julgar a apelação procedente e consequentemente revogam o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que admita a oposição à execução, a menos que se verifique a existência de razão diversa da que está subjacente à decisão recorrida e que obste à admissibilidade da oposição. * Custas a cargo da apelada – artigo 446º do CPC. Notifique.
Jacinto Meca (Relator) Falcão de Magalhães Sílvia Pires
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