Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
18338/13.5YYLSB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANA VIEIRA
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO ATÍPICO
CONTRATO DE UTILIZAÇÃO DE LOJA
CENTRO COMERCIAL
Data do Acordão: 12/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - ANSIÃO - JUÍZO DE EXECUÇÃO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS 10 Nº5, 703, 707 NCPC, ARTS. 46, 50 CPC/95, ART.405 CC, ART.14- NRAU
Sumário: I- O contrato denominado «Contrato de Utilização de espaço integrado em Retail Park», traduz-se num contrato, por via do qual o titular de uma loja integrada num centro comercial cede a outrem o direito à ocupação e utilização de um determinado espaço desse centro comercial, com vista à instalação e exploração de um estabelecimento comercial.
II- Os contratos celebrados entre as entidades exploradoras de centros comerciais e os respectivos lojistas são habitualmente qualificados como correspondendo legalmente a contratos atípicos, visto não corresponderem exactamente a nenhum dos tipos legais previstos e regulados, e não representam qualquer constituição ou reconhecimento de dívida por parte dos executados e nessa medida não se encontram revestidos de força executiva para efeitos do disposto na al.c) do n.º 1 do art.º 46.º do CPC 1995/1996.

III. Porque se trata da um contrato atípico, e não de contrato de arrendamento, não tem aplicação o art. 14º-A do NRAU que estabelece como título executivo para a execução para pagamento de rendas, o contrato de arrendamento quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.

Decisão Texto Integral:











Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I- RELATÓRIO

O B (…)  (representado por B (…) S.A) e Fundo (…) (gerido e representeado por I (…) S.A) intentaram acção executiva contra H (…) Unipessoal, Ld.ª  alegando, em síntese, que celebraram com a executada um contrato de utilização de espaço integrado em Retail Park, sendo objecto do mesmo a utilização do espaço designado por loja no piso zero do Retail Park e que a executada apesar de interpelada não procedeu ao pagamento de valores em divida, e peticiona o pagamento da quantia de 22.890,05 euros.

Alegam em resumo no requerimento executivo: «…1. Os Exequentes (i) B (…) gerido e representado por B (…)S.A., e (ii) Fundo F (…) gerido e legalmente representado por I (…) S.A., são Fundos de Investimentos Imobiliário, que têm por objecto social a gestão de Fundos de Investimento Mobiliário, abertos e fechados, cujos patrimónios são sobretudo constituídos por activos imobilizados (imóveis), e cuja principal actividade consiste na compra, venda e arrendamento de bens imóveis, tendo em vista a sua rentabilização financeira.

2. Os Exequentes são comproprietários na proporção 80% (correspondente (…) (...) , sob o n.º 3417 e inscrito na matriz sob o artigo 9128 da freguesia de (...) , conforme cópia de escritura pública e certidão de registo predial que ora se juntam designadamente, como Doc. 1. e Doc. 2

3. Em 16 Junho de 2011, no âmbito das suas actividades, os Exequentes celebraram com o Executado um Contrato de Utilização de Espaço Integrado em Retail Park, doravante apenas designado por “Contrato”, cuja cópia se junta como Doc. 3 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos, sendo objecto do mesmo a utilização, pela Executada, do espaço designado como “Loja D”, ou “n.º4”, no piso zero, do Retail Park edificado no prédio acima referido, de ora em diante designado apenas como “loja”.

4. O referido Contrato de Utilização de Espaço Integrado em Retail Park teve o seu início de produção de efeitos no dia 20.07.2011, vigorando pelo prazo certo de 6 anos, cfr. Cláusula Segunda, número 1, do Contrato.

5. Conforme estabelecido na Cláusula Décima Primeira e Décima Segunda do Contrato, ficou convencionado entre as partes que, como contrapartida pela cedência do gozo temporário do imóvel supra identificado, a Executada pagaria aos Exequentes uma remuneração mensal que compreendia: (i) Parcela fixa mensal no valor de €669,70 (seiscentos e sessenta e nove euros e setenta cêntimos), acrescido de IVA à taxa em vigor, a ser paga até ao dia 5 (cinco) do mês a que disser respeito, anualmente actualizada por aplicação do valor do Índice de Preços no Consumidor, sem habitação, correspondente aos últimos 12 meses e publicado pelo Instituto Nacional de Estatística – cfr. Cláusula Décima Segunda, número 4 do Contrato, (ii) Parcela variável correspondente a uma percentagem de 7% (sete por cento) da facturação bruta da loja, durante o mês em questão, livre de impostos, a ser paga até ao dia 10 (dez) do mês seguinte ao qual se refere e, (iii) Prestação mensal relativa aos encargos comuns no valor de €74,20 (setenta e quatro euros e vinte cêntimos).

6. Estabeleceram ainda as partes na Cláusula Décima Primeira, que todas as remunerações previstas no Contrato são indissociáveis umas das outras.

7. Com o fim de assegurar o pontual pagamento das remunerações acima referidas, a Executada entregou ao Exequente uma garantia bancária de montante equivalente a 6 (seis) meses de remunerações (conforme Cláusula Décima Segunda, n.º 6 do Contrato), que se junta como doc.4 cujo o conteúdo se considera reproduzido para todos os efeitos legais.

8. Ora, sucede que a Executada deixou de efectuar o pagamento pontual das remunerações e Valor da Execução: 22.890,05 € (Vinte e Dois Mil Oitocentos e Noventa Euros e Cinco Cêntimos)

8. Ora, sucede que a Executada deixou de efectuar o pagamento pontual das remunerações e encargos a que estava obrigada – cfr. mapa de valores em dívida que ora se junta como Doc. 5 e cujo conteúdo se considera reproduzido para todos os efeitos legais.

9. Apesar de ter sido interpelada para o efeito, a Executada não procedeu ao pagamento dos montantes em dívida - cfr. cópia das cartas de interpelação que ora se juntam como Doc. 6 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos.

10. Acresce que nos termos da Cláusula Décima Primeira número 2 do Contrato foi fixado que a taxa de juro de mora aplicável seria de 2% ao mês, e uma multa compensatória de 15% para atraso até 10 dias, e de 20% para atraso superior a 20 dias.

11. Presentemente (30.08.2013) o valor do capital em dívida por parte da Executada a título de remunerações e encargos ascende a 18.820,69 € (dezassete mil oitocentos e setenta e seis euros e setenta e quatro cêntimos) correspondente a rendas e encargos vencidos e não pagos entre Agosto e Dezembro de 2011, e de Fevereiro de 2012 até à presente data, conforme se pode confirmar no mapa de dívida junto como Doc. 4.

12. Ao valor acima referido acresce o montante de (i) €376,94 (trezentos e setenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos) correspondente a juros de mora de 2% ao mês, (ii) o montante de €3.692,42 (três mil seiscentos e noventa e dois euros e quarenta e dois cêntimos) correspondente a multa compensatória de 15% e 20%, prevista na Cláusula Décima Primeira n.º 2, do Doc.3.

14. Pelo que nesta data, os Exequentes são assim credores da quantia €22.890,05 (vinte e dois mil oitocentos e noventa euros e cinco cêntimos).

15. Não se prescinde e por isso também se peticionam: - A parcela variável de 7% sobre a facturação bruta, prevista na Cláusula Décima Segunda n.º1 b) do Contrato;

- As Remunerações e os encargos vincendos e respectivos juros de mora e multa compensatória, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento da dívida.

16. O Exequente, B (…) representado pela B (…), S.A., tem legitimidade para instaurar a presente acção executiva, conforme cópias certificadas do Boletim da CMVM e do Regulamento de Gestão do Fundo que ora se juntam como Docs. 7 e 8 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

17. O Exequente Fundo (…) gerido e legalmente representado por I (…), S.A., tem igualmente legitimidade para instaurar presente acção executiva, conforme cópias certificadas do Boletim da CMVM e do Regulamento de Gestão do Fundo, que se protestam juntar como Doc. 9 e 10…» (sic).

Com o requerimento executivo juntaram um contrato de compra e venda, o registo predial, um contrato designado de «contrato de utilização de espaço integrado em retail park» contendo anexos (planta do retail park, Regulamento interno do Retail Park, anexo de ordem de transferência bancaria, e minuta de garantia bancaria) e juntam 3 cartas de interpelação para pagamento de valores que indicam estarem em divida e um mapa de valores em dívida ou conta corrente elaborada pelas exequentes.

          Assim, as exequentes instauraram um processo de execução contra a executada pedindo o pagamento da quantia global de 22.890,05 euros.

                                                           +

A executada deduziu oposição á execução tendo alegado em resumo no requerimento inicial que o contrato de utilização de espaço e o documento de garantia bancária não são título executivo e que as exequentes deduzem pretensão ininteligível onde não indicam qual a natureza do alegado titulo nem concretizam o alegado titulo (contrato, a garantia ou as cartas). E referem que o doc. 3 não está assinado pelas exequentes e nessa medida é nulo por falta de forma. Mais referem que os outros documentos nunca poderiam ser títulos por terem sido emitidos unilateralmente pelas exequentes. Por fim referem que a loja não tem licença e nessa medida o contrato seria nulo.

          As exequentes deduziram contestação pugnando em síntese pela existência de titulo, alegando em resumo que o contrato de utilização juntamente com os extractos de valores em divida (conta corrente) – junta com a contestação como doc. 3) são titulo executivo. Alega ainda na contestação que deduziu notificação judicial avulsa onde interpela para o pagamento, junta sob. Doc.4 com esse articulado.

A fls 56 dos autos foi proferido despacho onde se convida a exequentes a proceder á junção de documentos que não juntaram no requerimento inicial, alegando que o requerimento executivo não está instruído com todos os documentos a que alude e por não estarem numerados.

A exequente veio juntar os documentos, tendo junto o doc. 8 que não havia junto e os documentos 9 e 10 que tinha protestado juntar e juntou o doc. 11 e 12 que são o registo predial e matricial actualizados pedidos no despacho referido.

A fls 209 foi proferido despacho no sentido de que falta juntar os doc. 9 e 10 , documento certificativo da representação do exequente Fundo (…) por I (…) e pediu-se a digitalização dos documentos que acompanham o requerimento executivo no sentido correcto.

A fls 210 e ss foi proferido despacho saneador no qual em resumo se considera existir titulo executivo e foram fixados os temas de prova e designado julgamento.

A executada recorreu do despacho saneador não tendo sido proferido nenhum despacho sobre o recurso.

Apos o julgamento as exequentes juntam requerimento onde juntam documento que alegadamente comprovaria os valores em divida- fls. 235 e ss- na sequencia de na audiência de discussão e julgamento se ter determinado a notificação da exequente para juntar documento com os valores em dívida.

Foi proferida sentença que julgou improcedente o incidente de oposição à execução mediante embargos de executado.

A executada deduziu recurso declarando interesse na decisão do outro recurso deduzido contra o despacho saneador.

                                                           *

          Foi proferido despacho que admitiu os dois recursos da executada a fls 276 nos seguintes termos:«.. 1. Admissibilidade do recurso interposto da sentença:

Nos termos do artigo 641.º do Código de Processo Civil, admito os recursos interpostos pelo Oponente/Executado H (…) Unipessoal, Lda (apresentados a 07-01-2019 e 20-06-2019) por serem admissíveis [cfr. Artigos 629º, n.º 1 e 630º, a contrario do CPC], estarem em tempo [cfr. Art. 638º, n.º 1, 3 e 7 do CPC] e o recorrente ter legitimidade [cfr. Art. 631º do CPC].

O recurso é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos (apenso), e com efeito meramente devolutivo [cfr. Arts. 644º, n.º 1, 645.º, n.º 1, alínea a), e 647.º, n.º 1, todos do CPC].

Notifique.

*

2. Admissibilidade das contra-alegações ao recurso da sentença:

Admito a resposta ao recurso deduzida pela Oponida/Exequente B (…) ao recurso apresentado a 20.06.2019 (apresentada a 19.06.2019) por ser legal e tempestiva [cfr. artigo 638.º, n.º. 5 do CPC].

Notifique.

*

Após, subam os autos (apenso) ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, com suporte digital das alegações, contra-alegações e das decisões recorridas nos presentes autos em formato Word…»(sic).

*

                                                 *

Foi proferido despacho neste tribunal a admitir o recurso nos seguintes temos: Compulsados os autos verifica-se que a oponente deduziu dois recursos e que foram ambos admitidos por despacho de fls. 276, sendo que até esse despacho o tribunal a quo não havia proferido nenhuma decisão sobre o primeiro recurso que foi deduzido após o despacho saneador (tendo admitido ambos os recursos no predito despacho após a sentença) não tendo dado cumprimento ao artigo 641 do CPcivil quanto a esse recurso.

Resulta que implicitamente o tribunal a quo ao só ter admitido o primeiro recurso conjuntamente com o segundo recurso após a sentença considerou que o primeiro recurso apenas subiria a final.

Entende-se que o primeiro recurso dado versar sobre o despacho saneador no segmento em que considerou existir título executivo não sobe autonomamente porque não se enquadra na alínea b) do nº1 do artigo 644 do CPc dado que não decidiu de mérito nem sobre uma excepção peremptória, mas apenas sobre uma questão que se traduz em excepção dilatória.

Assim, o primeiro recurso não sobe autonomamente, mas apenas com o recurso atinente á sentença (644 nº3 do CPCivil) e será conhecido nesse âmbito.

Pelo exposto, apesar de o despacho que admitiu o recurso não se ter pronunciado sobre o motivo de só admitir nessa altura o recurso e de previamente não ter sido proferido despacho a admitir ou não o recurso conforme exige o artigo 641 do CPCivil (podendo a parte caso o entendesse reclamar sobre a eventual não admissão do recurso), considera-se que implicitamente o tribunal a quo considerou que o primeiro recurso só subiria a final e os autos irão prosseguir os seus termos.

Recurso próprio quanto à espécie, modo de subida e efeitos, sem prejuízo do teor da decisão que antecede sobre o despacho de admissão dos recursos.

Nada obsta ao conhecimento do recurso.

                                       *

Cumpre consignar que dada a questão da existência de dois recursos  deduzidos em momentos diferentes e de não se ter proferido despacho sobre o primeiro recurso e em face da tramitação dos autos foi feito o resumo dessa tramitação por forma a se lograr apreender a totalidade dos actos processuais dos autos e das questões a decidir.

                                                 *

Foi proferido despacho saneador nos seguintes termos:«… 1.

Termos posteriores aos articulados

O presente processo segue os termos do processo comum declarativo (artigo 732.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Considerando que a audiência prévia apenas se destinaria aos fins indicados no artigo 591.º, n.º 1, alíneas d) a g), do Código de Processo Civil, não se mostrando necessária para os fins previstos nas demais alíneas na medida, e encontrando-se a matéria amplamente discutida nos articulados, dispensa-se, nos termos do artigo 593.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a realização da audiência prévia.

2.

Despacho saneador

(Artigo 595.º do Código de Processo Civil)

2.1. Do valor da causa

Fixa-se em €22.890,05 o valor da presente causa (artigos 296.º, 297.º, n.º 1, 299.º, n.ºs 1 e 2, 302.º, n.º 1 e 306.º do Código de Processo Civil).

2.2. Saneamento

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

Não há nulidades que invalidem todo o processo e processo é o próprio.

As partes têm personalidade, capacidade e legitimidade e estão devidamente representadas.

Não há outras nulidades, excepções ou quaisquer questões prévias e incidentais que cumpra conhecer.

*** *Da exequibilidade do título executivo*

A executada/embargante entende que o título executivo é inválido quer por não estar assinado pelas exequentes/embargadas quer por não comportar qualquer constituição e reconhecimento de obrigação pecuniária.

*

Prescreve o artigo 10.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.

O título executivo é o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade da realização coactiva da correspondente prestação através de uma acção executiva, constituindo, assim, o pressuposto ou condição geral de qualquer execução (“nulla executio sine titulo”) e a “prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fáctico-jurídicas” (cfr. Acórdão do S.T.J. datado de 18.10.2007, no processo n.º 07B3616, in www.dgsi.pt).

Trata-se de um documento que incorpora um acto constitutivo ou certificativo de obrigações a que a lei reconhece a eficácia de servir de base ao processo executivo, incorporando o direito de o credor executar o património do devedor ou de um terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação (cfr. Manuel de Andrade in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, pág. 58, bem como Amâncio Ferreira in “Curso de Processo de Execução”, 10.ª edição, pág. 23).

É ponto assente que as partes não podem atribuir ou retirar força executiva a um documento, pois tal natureza executiva resulta da própria lei (“nullus titulus sine lege”).

O artigo 703.º, n.º 1, do Código de Processo Civil prevê as várias espécies de títulos executivos.

À data da celebração do contrato, estava em vigor o artigo 46.º do Código de Processo Civil que, no seu n.º 1, alínea c), previa que os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto, eram títulos executivos.

A este propósito, o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 408/2015, de 14 de Outubro, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.

Ou seja, os documentos particulares emitidos à data da vigência do anterior artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do anterior Código de Processo Civil e que, nessa data, eram títulos executivos, mantêm a sua validade como tal, mesmo nas execuções instauradas após a data da entrada em vigor do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.

No caso vertente, entende-se que o contrato de utilização de espaço integrado em Retail Park constitui um título executivo válido quando conjugado com a notificação judicial avulsa da resolução do contrato na qual consta a quantia em dívida por força do incumprimento imputável à executada/embargante (neste sentido, devidamente adaptado para o caso em apreço, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 11.11.2000, do processo n.º 7925/09.6YYPRT-A.P1, disponível em www.dgsi.pt).

Analisado o documento facilmente se conclui que importa a constituição ou reconhecimento de uma obrigação pecuniária, cujo montante é determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes.

Acresce que não padece de qualquer nulidade na medida em que está assinado por todas as partes, reconhecendo as exequentes/embargantes que a ele se vincularam.

Entende-se, pois, que o documento apresentado é um título executivo válido por ter sido emitido à data da vigência do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil revogado pela Lei n.º 408/2015, de 14 de Outubro.

Conclui-se, assim, que o título executivo é válido e exequível, improcedendo o fundamento invocado pela executada/embargante.

***

Não há outras nulidades, excepções ou quaisquer questões prévias e incidentais que cumpra conhecer.

3.

Despacho de identificação do objecto do litígio e de enunciação dos temas da prova

(Artigo 596.º do Código de Processo Civil)

3.1. Identificação do objecto do litígio

O objecto do litígio circunscreve-se à exigibilidade da obrigação exequenda.

3.2. Enunciação dos temas da prova

Os temas da prova a enunciar são os seguintes:

3.2.1. Cumprimento do contrato pela executada/embargante.

3.2.2. Cedência da loja à executada/embargante sem licença de utilização para cafetaria.

4.

Despacho de programação e marcação da audiência final

4.1. Admissão dos requerimentos probatórios

4.1.1. Requerimento de prova da executada/embargante

4.1.1.1. Prova testemunhal

Admite-se o rol de testemunhas indicado pela executada/embargante.

A testemunha é a apresentar (artigo 507.º do Código de Processo Civil).

4.1.2. Requerimento de prova das exequentes/embargadas

4.1.2.1. Prova testemunhal

Admite-se o rol de testemunhas indicado pela exequente/embargada.

A testemunha é a apresentar (artigo 507.º do Código de Processo Civil).

4.1.2.2. Prova documental

Admite-se a junção aos autos dos documentos.

4.2. Programação e marcação da audiência final

Para a realização da audiência final designa-se o dia 21 de Janeiro de 2019, às 14h00m, neste tribunal.

Notifique, cumprindo o disposto no artigo 151.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, dando-se a data como definitivamente designada caso a ela ninguém se oponha.

Caso os Ilustres Mandatários se oponham à data sugerida e proponha nova datas, abra conclusão a fim de ser designada nova data para a realização da audiência final.

Após, e uma vez fixada definitivamente a data, d.n. para a realização da audiência.

*

Admite-se a gravação da audiência final (artigo 155.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

*

Notifique…»(sic, sendo o sublinhado destacado por nós dado ser o objecto do recurso)

                                                           *

      Inconformada com tal decisão, veio a executada interpor recurso, verificando-se que o mesmo será analisado conjuntamente com a sentença dado que o predito recurso não sobe de forma autónoma, mas com o recurso que versa sobre a sentença e será conhecido nesta forma.

A executada com o requerimento de interposição do recurso deduzido inicialmente quanto ao despacho saneador apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: «… CONCLUSÕES:

1. Nenhum dos documentos juntos com o requerimento executivo - i.e., um escrito denominado “contrato de utilização de espaço integrado em Retail Park” (não assinado pelos exequentes); cartas supostamente dirigidas à Executada e um documento denominado de garantia bancária cujo banco garante é o B (…) e beneficiários os exequentes – se enquadra nas espécies de títulos executivos elencados no artigo 46º do anterior CPC.

2. O contrato que o tribunal a quo considera como título executivo é um mero documento particular que configura um “contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais” no qual as exequentes têm a qualidade de senhorios e a executada a qualidade de inquilina, estando fixada no mesmo a contrapartida a pagar por esta àqueles como contrapartida da correspondente ocupação.

3. Em tal contrato não se encontra liquidada qualquer obrigação, não valendo para efeitos de execução a “liquidação” feita pelos Exequentes no seu requerimento executivo, uma vez que tal não passa dum cálculo aritmético com base em elementos que não resultam da simples inspeção desse documento, não sendo possível também concluir do mesmo que houve um qualquer incumprimento contratual por parte da Executada ora oponente.

4. Os quantitativos executados emergem de– suposto - incumprimento contratual que dependia da alegação e prova de factos, uma vez que não têm expressão no documento ao qual foi dado o cunho de título executivo - isto é, não estão por ele documentados nos termos exigidos pelo artigo 46.º n.º 1, alínea c) do anterior C.P.C. -, pelo que, o tribunal a quo violou claramente este normativo bem como os princípios de certeza e segurança das obrigações, que o mesmo visava assegurar.

5. Da análise desse contrato, não emerge qualquer incumprimento nem obrigação de pagamento para recorrente, tendo esta deduzida oposição relevante a esta alegação dos recorridos ao alegar, na sua oposição por embargos que não incumpriu com qualquer obrigação que para ela emergisse por força do contrato em causa.

6. Mostra-se pacifico que não basta a mera invocação do incumprimento de contrato para se afirmar, como fez a exequente, que está dotada de título executivo para pagamento de quantia certa, sendo certo que, a situação dos autos, apenas poderá ser dirimida, em plena ação declarativa, com salvaguardar de toda a bateria de direitos e deveres das partes aí previstas pela lei adjetiva

7. Neste sentido veja-se o que foi doutamente entendido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão de 27/06/2007 (Apelação nº 5194/2007-7) in www. dgsi.pt, em caso semelhante, nomeadamente no que concerne á necessidade de, do título executivo, ter de resultar, claramente, a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias dada a necessidade de se acautelar a certeza e segurança das obrigações.

8. Resulta assim claro que a exequente, com o “contrato de utilização..., não se encontra munida de título executivo para a execução de pagamento de quantia, de harmonia com o exigido pela alínea c) do art. 46º, do C.P. Civil.

9. Acresce que o Tribunal a quo também feriu de nulidade o douto despacho e errou ao considerar que, “o contrato de utilização de espaço integrado em Retail Park constitui um título executivo válido quando conjugado com a notificação judicial avulsa da resolução do contrato na qual consta a quantia em dívida por força do incumprimento imputável à executada/embargante.”

10. Com efeito, o tribunal a quo, não só não poderia considerar como meio de prova válido o documento que os recorridos juntam com a sua contestação sob a designação de DOC.4 – nos autos a fls (…) – como não poderia atribuir-lhe a qualificação de notificação judicial avulsa e muito menos dar-lhe o cunho de título executivo - como fez -.

11. Na verdade, tal documento não constitui o original do instrumento judicial – notificação judicial – que a 1ª instância trás á colação para criar o seu título compósito, nem certidão, documento autêntico, ou outro com a força probatória que lhe deu este respeitado tribunal - documento esse impugnado pela recorrente -, constituindo apenas uma mera cópia incompleta – 8 folhas de 46 - duma suposta notificação efetuada aos recorridos datada de 17/06/2015 a dar conhecimento do cumprimento da “notificação judicial á recorrente” – com o seguinte teor: “temos a honra de enviar a Vª Exª a notificação judicial devidamente cumprida” -.

12. Assim, ainda que o titulo executivo nos autos pudesse ser um titulo executivo composto, por integração duma qualquer notificação judicial avulsa - que não pode, diga-se -, a veracidade e validade formal da mesma não se encontra demonstrada nos autos, o que o seria essencial para a formação desse titulo, estando assim os autos despojados de titulo executivo e ferido de nulidade o douto despacho.

13. Para além desta realidade, o douto despacho encontra-se ferido de nulidade não só por excesso de pronuncia, mas também porque o decidido no segmento ora recorrido, constitui uma verdadeira decisão surpresa, uma clara violação dos princípios do contraditório - expressamente consagrado no artigo 3º n.º 2 e 3 do CPC – e da proibição da indefesa.

14. Como é consabido, a oposição por embargos á execução comporta apenas dois articulados - a oposição do executado e a contestação do exequente -, estabilizando-se, em seguida a instância executiva.

15. Tendo presente os documentos juntos com o requerimento executivo, os factos alegados no mesmo por parte dos recorridos, a oposição apresentada pelos recorrentes e a contestação - que, sendo o último articulado passível de ser apresentado, estabilizou a respetiva instância -, é manifesto que a douta decisão de considerar que estamos perante um título executivo composto por dois documentos, tendo, um deles, sido apresentado apenas com a contestação, é desajustada e errada.

16. Na verdade, considerar-se que uma notificação judicial, cumprida mais de um ano e meio após a apresentação do requerimento executivo, junta à execução quase dois sobre a data de tal apresentação - e com o ultimo articulado possível de ser apresentado nos autos -, viria a constituir título executivo em conjunto com outro documento junto com o requerimento inicial, consubstancia uma solução jurídica que a recorrente não tinha obrigação de prever e sobre a qual não teve, sequer, oportunidade de se pronunciar.

17. Esta decisão surpresa constitui uma nulidade processual nos termos do artigo 195º do CPC que interferiu na decisão em causa, ademais porque a recorrente negou o incumprimento contratual invocado pelos exequentes, nulidade essa que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos e que, como é consabido pode ser feita em sede de recurso por estar coberta por uma sentença judicial que a confirmou. 3º n.º 2 e 3 do CPC.

18. Tal como alegado, a causa de pedir nos autos - tal como a apresentaram os exequentes -, assenta num suposto incumprimento contratual, do qual, segundo os exequentes resultam quantitativos pecuniários a pagar pela recorrente e que esta executa nos autos e que a recorrente negou na sua oposição por embargos.

19. Ora, a execução deu entrada em 30/08/2013 e, apenas em 05.05.2016 - com a sua douta contestação à oposição por embargos – os recorridos juntam a - suposta – notificação judicial que terá sido cumprida em junho de 2015 - i.e., esta notificação terá sido peticionada quase dois anos após os recorridos terem intentado a presente execução -, mas mesmo aqui limitando-se a exequente a alegar que a mesma constituiu interpelação para pagamento e entrega do locada, não lhe atribuindo em qualquer momento a natureza de titulo executivo, nem isolado nem composto.

20. Atenta esta realidade, a decisão do tribunal a quo de formar um “titulo executivo composto”, consubstancia um claro excesso de pronuncia, uma vez que, em momento algum os exequentes, alegaram que o título executivo nos autos era constituído por esse contrato conjugado com a notificação judicial avulsa, o que fere de nulidade a decisão – nos termos do artigo 615º nº 1 do CPC.-.

21. Com efeito, a 1ª instancia conheceu de uma questão que não foi colocada pelas partes, e que não é de conhecimento oficioso, por integrar matéria decisória de facto e de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções, uma vez que nunca tal documento foi dado á execução, nem nunca o mesmo constituiu causa de pedir, ou sobre ele foram alegados pelos recorridos quaisquer factos integradores do mesmo num qualquer titulo executivo.

22. O douto despacho, no segmento ora recorrido, apresenta também uma clara violação do princípio da proibição da indefesa uma vez que o recorrente, quando foi junta a - suposta - notificação judicial, já não tinha articulado de resposta, tendo apenas à sua disposição a impugnação desse documento - como efetivamente fez -, não tendo, portanto, oportunidade de sobre ele se pronunciar no seu articulado de oposição, uma vez que o mesmo não integrava, nem nunca integrou a causa de pedir.

23. Também a validação dum documento que não foi junto com o requerimento inicial – notificação judicial avulsa - para formar o título executivo composto, constitui uma clara violação do artigo 724º do CPC e no nº 1 alínea d) artigo 729º do mesmo diploma legal, uma vez que, da conjugação dos mesmos, resulta que o título executivo tem de ser desde logo junto com o requerimento inicial em ordem, obviamente, a integrar e fundamentar a causa de pedir e, para que o executado possa exercer o seu contraditório em pleno.

24. É assim manifesto que, com a formação do título executivo com um documento que não instruiu o requerimento inicial o douto despacho ficou ferido de nulidade por clara violação do disposto no artigo 724º do CPC em conjugação com o disposto no nº 1 alínea d) artigo 729º do mesmo diploma legal, devendo ser declarada a inexistência de titulo executivo por força da aplicação do artigo 734º nº 1 do CPC.

25. Também o segmento do douto despacho que considerou que o documento junto pelos Exequentes - que estes denominam de contrato e que juntaram com o requerimento executivo sob a designação de DOC. 3 -, não padecia de qualquer nulidade na medida em que está assinado por todas as partes, assenta em erro que viciou a decisão sobre esta questão .

26. Ora, em sede de contestação – apresentada em 05/05/2016 - os recorridos alegaram que tinha sido junta cópia de um contrato que não se encontrava assinado por mero descuido, voltando, no entanto, a juntar nova cópia mas, de novo, sem qualquer assinatura dos senhorios/recorridos - em clara contradição com o por ela alegado -.

27. È assim claro que o contrato em causa, não está assinado pelos exequentes - ora recorridos - sendo, portanto, efetivamente um contrato nulo por irregularidade de forma, o que invalida formalmente o negócio, afetando não só a constituição do dever de prestar mas também uma qualquer eficácia que o respetivo documento pudesse ter como título executivo - que, tal como alegado, não tem -.

28. Nem venha dizer-se que, mesmo atenta tal nulidade por vicio de forma, o documento pode permanecer como título executivo, porque efetivamente não pode. Com efeito, do mesmo não consta qualquer reconhecimento por parte da recorrente do incumprimento contratual e da suposta dívida executada pelos recorridos, incumprimento de tais obrigações imputadas á recorrente que foram por ela negadas, de forma relevante e sem margem para dúvidas na sua oposição por embargos.

29. Encontra-se assim demonstrado nos autos que o contrato denominado de “contrato de utilização em Retail Park”, a quem a 1ª instância atribuiu a natureza de título executivo, não está assinado pelos exequentes - ora recorridos - sendo, portanto, efetivamente um contrato nulo, por irregularidade de forma, o que invalida formalmente o negócio, afetando não só a constituição do dever de prestar mas também uma qualquer eficácia que o respetivo documento pudesse ter como título executivo - que, tal como alegado, não tem -, isoladamente ou por compósito.

30. Faz-se notar que o douto acórdão que o tribunal a quo, traz á colação em sede de fundamentação de direito, não é aplicável, in casu, por não ter qualquer semelhança com os presentes autos.

31. Com efeito, não só o objeto desse aresto é um efetivo título dado é execução constituído por um contrato de cessão de exploração ao qual as partes atribuem força executiva decorrente da cláusula resolutiva - em caso vencimento do pagamento de qualquer uma das prestações de pagamento do valor do preço da cessão poderia ser resolvido de imediato o contrato - , como também a execução ai em causa tem a natureza de entrega de coisa certa e não de pagamento de coisa certa – como é a dos autos -.

32. Ao contrário do decidido no segmento do douto despacho do qual ora se recorre não existe nos autos um qualquer título executivo válido nem exequível, mesmo tendo em conta que, á data, vigorava o artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil - revogado pela Lei n.º 408/2015, de 14 de Outubro -, pelo que terão de ser consideradas procedentes, por provadas, as exceções perentórias suscitadas em sede de oposição por embargos. Termos em que, e no mais que por V. Exªs, será doutamente suprido, deve o douto despacho ora recorrido ser revogado, e serem consideradas procedentes, por provadas as exceções invocadas pela recorrente e, em consequência ser declarada procedente, por provada, a oposição por embargos tudo com as inerentes consequências legais, nomeadamente a absolvição da ora recorrente, pois assim se fará JUSTIÇA!..»(sic).

Após a sentença a executada junta recurso no qual formula as seguintes conclusões (e declara interesse na decisão do primeiro recurso):«… CONCLUSÕES:

1. Nenhum dos documentos juntos com o requerimento executivo - i.e., um escrito denominado “contrato de utilização de espaço integrado em Retail Park” (não assinado pelos exequentes); cartas supostamente dirigidas à Executada e um documento denominado de garantia bancária cujo banco garante é o B (…) e beneficiários os exequentes – se enquadra nas espécies de títulos executivos elencados no artigo 46º do anterior CPC.

2. O contrato que o tribunal a quo considera como título executivo é um mero documento particular que configura um “contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais” no qual as exequentes têm a qualidade de senhorios e a executada a qualidade de inquilina, estando fixada no mesmo a contrapartida a pagar por esta àqueles como contrapartida da correspondente ocupação.

3. Em tal contrato não se encontra liquidada qualquer obrigação, não valendo para efeitos de execução a “liquidação” feita pelos Exequentes no seu requerimento executivo, uma vez que tal não passa dum cálculo aritmético com base em elementos que não resultam da simples inspeção desse documento, não sendo possível também concluir do mesmo que houve um qualquer incumprimento contratual por parte da Executada ora oponente.

4. Os quantitativos executados emergem de– suposto - incumprimento contratual que dependia da alegação e prova de factos, uma vez que não têm expressão no documento ao qual foi dado o cunho de título executivo - isto é, não estão por ele documentados nos termos exigidos pelo artigo 46.º n.º 1, alínea c) do anterior C.P.C. -, pelo que, o tribunal a quo violou claramente este normativo bem como os princípios de certeza e segurança das obrigações, que o mesmo visava assegurar.

5. Da análise desse contrato, não emerge qualquer incumprimento nem obrigação de pagamento para recorrente, tendo esta deduzida oposição relevante a esta alegação dos recorridos ao alegar, na sua oposição por embargos que não incumpriu com qualquer obrigação que para ela emergisse por força do contrato em causa.

6. Mostra-se pacifico que não basta a mera invocação do incumprimento de contrato para se afirmar, como fez a exequente, que está dotada de título executivo para pagamento de quantia certa, sendo certo que, a situação dos autos, apenas poderá ser dirimida, em plena ação declarativa, com salvaguardar de toda a bateria de direitos e deveres das partes aí previstas pela lei adjetiva

7 Neste sentido veja-se o que foi doutamente entendido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão de 27/06/2007 (Apelação nº 5194/2007-7) in www. dgsi.pt, em caso semelhante, nomeadamente no que concerne á necessidade de, do título executivo, ter de resultar, claramente, a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias dada a necessidade de se acautelar a certeza e segurança das obrigações.

8. Resulta assim claro que a exequente, com o “contrato de utilização..., não se encontra munida de título executivo para a execução de pagamento de quantia, de harmonia com o exigido pela alínea c) do art. 46º, do C.P. Civil.

9. Acresce que o Tribunal a quo também feriu de nulidade o douto despacho e errou ao considerar que, “o contrato de utilização de espaço integrado em Retail Park constitui um título executivo válido quando conjugado com a notificação judicial avulsa da resolução do contrato na qual consta a quantia em dívida por força do incumprimento imputável à executada/embargante.”

10. Com efeito, o tribunal a quo, não só não poderia considerar como meio de prova válido o documento que os recorridos juntam com a sua contestação sob a designação de DOC.4 – nos autos a fls (…) – como não poderia atribuir-lhe a qualificação de notificação judicial avulsa e muito menos dar-lhe o cunho de título executivo - como fez -. 11. Na verdade, tal documento não constitui o original do instrumento judicial – notificação judicial – que a 1ª instância trás á colação para criar o seu título compósito, nem certidão, documento autêntico, ou outro com a força probatória que lhe deu este respeitado tribunal - documento esse impugnado pela recorrente -, constituindo apenas uma mera cópia incompleta – 8 folhas de 46 - duma suposta notificação efetuada aos recorridos datada de 17/06/2015 a dar conhecimento do cumprimento da “notificação judicial á recorrente” – com o seguinte teor: “temos a honra de enviar a Vª Exª a notificação judicial devidamente cumprida” -.

12. Assim, ainda que o titulo executivo nos autos pudesse ser um titulo executivo composto, por integração duma qualquer notificação judicial avulsa - que não pode, diga-se -, a veracidade e validade formal da mesma não se encontra demonstrada nos autos, o que o seria essencial para a formação desse titulo, estando assim os autos despojados de titulo executivo e ferido de nulidade o douto despacho.

13. Para além desta realidade, o douto despacho encontra-se ferido de nulidade não só por excesso de pronuncia, mas também porque o decidido no segmento ora recorrido, constitui uma verdadeira decisão surpresa, uma clara violação dos princípios do contraditório - expressamente consagrado no artigo 3º n.º 2 e 3 do CPC – e da proibição da indefesa.

14. Como é consabido, a oposição por embargos á execução comporta apenas dois articulados - a oposição do executado e a contestação do exequente -, estabilizando-se, em seguida a instância executiva.

15. Tendo presente os documentos juntos com o requerimento executivo, os factos alegados no mesmo por parte dos recorridos, a oposição apresentada pelos recorrentes e a contestação - que, sendo o último articulado passível de ser apresentado, estabilizou a respetiva instância -, é manifesto que a douta decisão de considerar que estamos perante um título executivo composto por dois documentos, tendo, um deles, sido apresentado apenas com a contestação, é desajustada e errada.

16. Na verdade, considerar-se que uma notificação judicial, cumprida mais de um ano e meio após a apresentação do requerimento executivo, junta à execução quase dois sobre a data de tal apresentação - e com o ultimo articulado possível de ser apresentado nos autos -, viria a constituir título executivo em conjunto com outro documento junto com o requerimento inicial, consubstancia uma solução jurídica que a recorrente não tinha obrigação de prever e sobre a qual não teve, sequer, oportunidade de se pronunciar.

17. Esta decisão surpresa constitui uma nulidade processual nos termos do artigo 195º do CPC que interferiu na decisão em causa, ademais porque a recorrente negou o incumprimento contratual invocado pelos exequentes, nulidade essa que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos e que, como é consabido pode ser feita em sede de recurso por estar coberta por uma sentença judicial que a confirmou. 3º n.º 2 e 3 do CPC.

18. Tal como alegado, a causa de pedir nos autos - tal como a apresentaram os exequentes -, assenta num suposto incumprimento contratual, do qual, segundo os exequentes resultam quantitativos pecuniários a pagar pela recorrente e que esta executa nos autos e que a recorrente negou na sua oposição por embargos.

19. Ora, a execução deu entrada em 30/08/2013 e, apenas em 05.05.2016 - com a sua douta contestação à oposição por embargos – os recorridos juntam a - suposta – notificação judicial que terá sido cumprida em junho de 2015 - i.e., esta notificação terá sido peticionada quase dois anos após os recorridos terem intentado a presente execução -, mas mesmo aqui limitando-se a exequente a alegar que a mesma constituiu interpelação para pagamento e entrega do locada, não lhe atribuindo em qualquer momento a natureza de titulo executivo, nem isolado nem composto.

20. Atenta esta realidade, a decisão do tribunal a quo de formar um “titulo executivo composto”, consubstancia um claro excesso de pronuncia, uma vez que, em momento algum os exequentes, alegaram que o título executivo nos autos era constituído por esse contrato conjugado com a notificação judicial avulsa, o que fere de nulidade a decisão – nos termos do artigo 615º nº 1 do CPC.-.

21. Com efeito, a 1ª instancia conheceu de uma questão que não foi colocada pelas partes, e que não é de conhecimento oficioso, por integrar matéria decisória de facto e de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções, uma vez que nunca tal documento foi dado á execução, nem nunca o mesmo constituiu causa de pedir, ou sobre ele foram alegados pelos recorridos quaisquer factos integradores do mesmo num qualquer titulo executivo.

22. O douto despacho, no segmento ora recorrido, apresenta também uma clara violação do princípio da proibição da indefesa uma vez que o recorrente, quando foi junta a - suposta - notificação judicial, já não tinha articulado de resposta, tendo apenas à sua disposição a impugnação desse documento - como efetivamente fez -, não tendo, portanto, oportunidade de sobre ele se pronunciar no seu articulado de oposição, uma vez que o mesmo não integrava, nem nunca integrou a causa de pedir.

23. Também a validação dum documento que não foi junto com o requerimento inicial – notificação judicial avulsa - para formar o título executivo composto, constitui uma clara violação do artigo 724º do CPC e no nº 1 alínea d) artigo 729º do mesmo diploma legal, uma vez que, da conjugação dos mesmos, resulta que o título executivo tem de ser desde logo junto com o requerimento inicial em ordem, obviamente, a integrar e fundamentar a causa de pedir e, para que o executado possa exercer o seu contraditório em pleno.

24. É assim manifesto que, com a formação do título executivo com um documento que não instruiu o requerimento inicial o douto despacho ficou ferido de nulidade por clara violação do disposto no artigo 724º do CPC em conjugação com o disposto no nº 1 alínea d) artigo 729º do mesmo diploma legal, devendo ser declarada a inexistência de titulo executivo por força da aplicação do artigo 734º nº 1 do CPC.

25. Também o segmento do douto despacho que considerou que o documento junto pelos Exequentes - que estes denominam de contrato e que juntaram com o requerimento executivo sob a designação de DOC. 3 -, não padecia de qualquer nulidade na medida em que está assinado por todas as partes, assenta em erro que viciou a decisão sobre esta questão 26. Ora, em sede de contestação – apresentada em 05/05/2016 - os recorridos alegaram que tinha sido junta cópia de um contrato que não se encontrava assinado por mero descuido, voltando, no entanto, a juntar nova cópia mas, de novo, sem qualquer assinatura dos senhorios/recorridos - em clara contradição com o por ela alegado -.

27. È assim claro que o contrato em causa, não está assinado pelos exequentes - ora recorridos - sendo, portanto, efetivamente um contrato nulo por irregularidade de forma, o que invalida formalmente o negócio, afetando não só a constituição do dever de prestar mas também uma qualquer eficácia que o respetivo documento pudesse ter como título executivo - que, tal como alegado, não tem -.

28. Nem venha dizer-se que, mesmo atenta tal nulidade por vicio de forma, o documento pode permanecer como título executivo, porque efetivamente não pode. Com efeito, do mesmo não consta qualquer reconhecimento por parte da recorrente do incumprimento contratual e da suposta dívida executada pelos recorridos, incumprimento de tais obrigações imputadas á recorrente que foram por ela negadas, de forma relevante e sem margem para dúvidas na sua oposição por embargos.

29. Encontra-se assim demonstrado nos autos que o contrato denominado de “contrato de utilização em Retail Park”, a quem a 1ª instância atribuiu a natureza de título executivo, não está assinado pelos exequentes - ora recorridos - sendo, portanto, efetivamente um contrato nulo, por irregularidade de forma, o que invalida formalmente o negócio, afetando não só a constituição do dever de prestar mas também uma qualquer eficácia que o respetivo documento pudesse ter como título executivo - que, tal como alegado, não tem -, isoladamente ou por compósito.

30. Faz-se notar que o douto acórdão que o tribunal a quo, traz á colação em sede de fundamentação de direito, não é aplicável, in casu, por não ter qualquer semelhança comos presentes autos.

31. Com efeito, não só o objeto desse aresto é um efetivo título dado é execução constituído por um contrato de cessão de exploração ao qual as partes atribuem força executiva decorrente da cláusula resolutiva - em caso vencimento do pagamento de qualquer uma das prestações de pagamento do valor do preço da cessão poderia ser resolvido de imediato o contrato - , como também a execução ai em causa tem a natureza de entrega de coisa certa e não de pagamento de coisa certa – como é a dos autos -.

32. Ao contrário do decidido no segmento do douto despacho do qual ora se recorre não existe nos autos um qualquer título executivo válido nem exequível, mesmo tendo em conta que, á data, vigorava o artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil - revogado pela Lei n.º 408/2015, de 14 de Outubro -, pelo que terão de ser consideradas procedentes, por provadas, as exceções perentórias suscitadas em sede de oposição por embargos. 

33. Na sua contestação a recorrente alegou que o locado não possuía licença de utilização para a finalidade de uso para o qual a recorrida o deu de arrendamento tendo os recorridos na sua contestação admitido a sua inexistência e a testemunha (…), funcionário dos embargados, cujo depoimento prestado mereceu total credibilidade ao tribunal confirmou que: “(…) de facto os exequentes /embargados não diligenciaram pela obtenção da Licença de utilização (…)”

34. Deverá assim ser dado inserir-se um novo facto como provado na matéria de facto dada

como provada nos autos com o seguinte teor: “O locado não possuía licença de utilização á data da outorga dos contratos em causa nos autos, nem em momento posterior”.

35. Em sede de embargos a embargante, excecionou com a nulidade do contrato argumentando que os embargados cederam a exploração dum espaço destinado a “cafetaria” sem licença de utilização para essa finalidade de uso, e, bem assim que tal falta para o fim específico do contrato, só podia ser imputada aos exequentes

36. Mais argumentou que a sede executiva não era a sede própria para discutir e interpretar os factos alegados na P. I. Executiva, carecendo de ser declarada a existência do suposto incumprimento da Oponente e eventualmente e só depois de a correspondente obrigação se tornar exigível e liquida, poderia então, ser executada em sede sede executiva.

37. A douta decisão em 1ª Instância, e neste segmento, é, com o devido respeito desajustada e não colhe porquanto encontra-se demonstrado que o imóvel não dispunha de licença de utilização para a finalidade de uso para o qual os exequentes o deram de arrendamento.

38. Atendendo a esta falta de licença de utilização, o contrato é originalmente nulo porque desde o início existiu a impossibilidade legal de contratar – neste sentido Acórdão do STJ, nº 5255/11.2TCLRS.L1. S1 de 13/05/2014, in www.dgsi.pt. -

39. Nem venha dizer-se que as clausulas do contrato atiravam a responsabilidade obtenção da licença de utilização para a recorrente, porque, sendo o contrato nulo, nulas são as suas clausulas.

40. De nada vale a menção no contrato de que a responsabilidade pela obtenção da licença em causa era da recorrente, porquanto tal não existe é nulo - atenta a nulidade do contrato -, sendo certo que a licença tem de existir á data da celebração do contrato e não em momento posterior.

41. In casu, tendo sido atribuída natureza definitiva - e não prometida - ao contrato, este nunca poderia dispor para o futuro o preenchimento dum requisito legal de validade legal desse mesmo contrato, quando a sua própria validade dependia desse requisito já estar preenchido na data da sua outorga.

42. Acresce que, a falta de cumprimento da existência e apresentação no momento da celebração do contrato, não pode ser imputada á recorrente, não tendo os recorridos demonstrado que era ela recorrente a culpada da sua inexistência - não afastando assim a presunção de culpa que para eles decorria por força do n.º 1 do art. 799º do Código Civil – antes tendo ficado provado no ponto 4.1.5 da douta sentença “que os exequentes não diligenciaram pela licença de utilização do espaço”.

43. Acresce ainda que, como é consabido, atenta a necessidade de licenciamento administrativo dos edifícios ou frações autónomas, e os interesses subjacentes a esta formalidade não pode o locatário ficar impedido de arguir a nulidade dos contratos de arrendamento com fundamento na omissão de licença de utilização para a finalidade especifica para o qual o tomou de arrendamento.

44. Na verdade, tal como vem sendo entendimento jurisprudencial, outro entendimento, que considerasse aplicável o instituto do abuso de direito, implicaria convalidar contratos de arrendamentos nulos e inválidos insuscetíveis de serem cumpridos por força de norma imperativa que o proíbe, no caso de inexistir licença de utilização.

45. Não ficou demonstrada a impossibilidade de alegar/invocar a exceção decorrente da nulidade do contrato por falta da licença de utilização, nomeadamente por abuso de direito, nem tal poderia ser declarado por ausência de factos alegados e provados que demonstrassem que o mesmo ocorreu na vertente da proteção da confiança, porque só o facto de não serem pagas as rendas, demonstra que o contrato não foi cumprido, nem os embargados poderiam ter criado tal convicção.

46. Não obstante, ainda que tal fosse possível, decorrendo a invalidade da inobservância de normas legais de ordem pública, e alheia a qualquer ação da recorrente, a proceder a indicada figura, sempre tal implicaria convalidar contratos de arrendamentos nulos e inválidos insuscetíveis de ser cumpridos por força de norma imperativa que o proíbe, no caso de inexistir licença de utilização - O contrato é originalmente nulo porque desde o início existiu a impossibilidade legal de contratar – neste sentido Acórdão do STJ, nº 5255/11.2TCLRS.L1.S1 de 13/05/2014, in www.dgsi.pt. -47. A 1ª Instância considerou que a quantia exequenda era exigível e líquida e nos termos peticionados e atualizados a 28 de janeiro de 2019, entendendo a recorrente que também aqui não assiste razão a esta respeitada Instância, considerando esta que a própria fundamentação de direito empregue na douta sentença recorrida demonstra, com o devido respeito, o desacerto da mesma.

48. Com efeito, percorrendo tal douta fundamentação, constatamos que a mesma assenta unicamente: o cumprimento pontual das obrigações decorrentes de contratos nos termos dos artigos 406º nº 1 do 762º nº 1 do C. Civil ; a obrigatoriedade de pagamento da contrapartida da ocupação do espaço; a possibilidade de exigir judicialmente o cumprimento nos termos preceituados nos artigos 817º e segs do C. Civil e a as regras do incumprimento das obrigações previstas nos artigos 798 e 799 do C. Civil .

49. Conclui-se assim que, em momento algum a 1ª Instância fundamenta a exigibilidade e liquidez da quantia exequenda, porque, com o devido respeito, nunca o poderia fazer, porque os embargados apesar de terem indicado valor líquido, tê-lo-ão feito com apelo - para efetuar o respetivo cálculo aritmético - a elementos que não resultam da simples inspeção de quaisquer dos documentos em causa, nos autos.

50. Não podia assim a 1ª Instância considerar como liquida e exigível a quantia que fixou como devida aos recorrido com base em supostas rendas vincendas não existindo qualquer documento nos autos que liquide ou torne exigível essa mesma obrigação, não valendo para efeitos de execução a liquidação feita pelos Exequentes no seu requerimento executivo para definição da quantia exequenda, porque ai não se encontra qualquer reconhecimento da executada de incumprimento de qualquer obrigação pecuniária

51. O mesmo é dizer, salvo melhor entendimento, que estamos perante uma validação dum suposto crédito, como quantia exequenda, quando tal é inadmissível, ilegítimo e uma vez que que não só não estamos em sede de execução de sentença, como não estamos em sede de liquidação de sentença, na qual a embargada tenha sido condenada a pagar rendas vincendas, nem existe qualquer documento dado á execução que o torne liquido e exequível.

Termos em que, e no mais que por V. Exªs, será doutamente suprido, deve a oposição por embargos á execução, ser considerada totalmente procedente, por provada, tudo com as inerentes consequências legais, nomeadamente a absolvição da ora recorrente, pois assim se fará a costumada JUSTIÇA!..»(sic).

                                                           *

As exequentes juntaram contra-alegações nas quais formulam as seguintes conclusões:«… CONCLUSÕES A. A Recorrente interpor o presente recurso da decisão do Tribunal a quo que julgou a oposição à execução mediante Embargos de Executado totalmente improcedente por não provada.

B. No entendimento do douto Tribunal, a Recorrente incumpriu o contrato de cedência de loja integrada num espaço comercial (Retail Park) ao não proceder ao pagamento das remunerações a que estava obrigada.

C. A obrigação de obtenção de licença de utilização recaía, nos termos contratuais, sobre a Recorrente.

D. O contrato oferecido à Execução é título executivo bastante, válido e eficaz.

E. Aquando da celebração do contrato, a alínea c) do artigo 46.º do CPC previa que os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importassem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante fosse determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, fossem títulos executivos, como o é o contrato dos autos.

F. O documento oferecido pelos Recorridos à Execução cumpre com todos os pressupostos exigidos pela referida disposição legal.

G. O Acórdão n.º 408/2015 do Tribunal Constitucional, de 14 de Outubro, manteve a validade dos documentos particulares emitidos à data da vigência do já referido artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC.

H. O título executivo é composto pela conjugação do contrato com o extrato dos valores em dívida, pelo que estamos perante um título executivo válido.

I. A Recorrente reconhece a existência e celebração do contrato.

J. Nos termos contratuais, a obrigação da obtenção da licença de utilização pertencia à Recorrente.

K. Se tal licença inexiste, nos termos alegados pela Recorrente, é à mesma que tal falta se deve e tem de ser imputada.

L. A Recorrente continua a usar o espaço e a explorar a Loja, mesmo após a resolução contratual e recusando-se a proceder à sua entrega voluntária.

M. O contrato celebrado foi incumprido pela Recorrente.

N. Razão pela qual, nasceu na esfera jurídica da mesma a obrigação de pagamento dos montantes vencidos em dívida às Recorridas.

O. A obrigação é exigível pois a Recorrente foi interpelada para pagamento dos valores em dívida.

P. A Recorrente nunca alegou que não usufruiu da Loja e que os montantes peticionados na Execução não são devidos, nem que tinha cumprido contrato.

Q. A obrigação é líquida pois os montantes em dívida são determináveis por simples cálculo aritmético.

R. Não merece qualquer reparo a decisão do Tribunal a quo, que deve manter-se na íntegra.

Nestes termos, indeferindo o presente recurso e mantendo a decisão recorrida, fareis Vossas Excelências, Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra, o que é de inteira JUSTIÇA…»(sic).

                                                           *
***

          II- DO MÉRITO DO RECURSO

1. Definição do objecto do recurso

          O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].

          Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas:


A- Da nulidade do despacho saneador ao considerar que, “o contrato de utilização de espaço integrado em Retail Park constitui um título executivo conjuntamente com a notificação judicial avulsa.


B- Se o contrato de exploração, completado com documentos juntos (com a conta corrente e garantia bancária e cartas e notificação judicial), constitui título executivo.

C- Saber se existiu erro na apreciação da prova e se, em função disso, importa alterar a matéria de facto.

                                                           ***

          III- FUNDAMENTOS DE FACTO

A materialidade a atender para efeito de apreciação do objecto do presente recurso é a que dimana do antecedente relatório, conjugada com a seguinte factualidade que consta dos autos, quanto á questão da existência de titulo executivo:

1- Os exequentes/embargados B (…) gerido e representado B (…)S.A., e Fundo (…), gerido e legalmente representado por I (..), S.A., são Fundos de Investimentos Imobiliário, que têm por objecto social a gestão de Fundos de Investimento Mobiliário, abertos e fechados, cujos patrimónios são sobretudo constituídos por activos imobilizados (imóveis), e cuja principal actividade consiste na compra, venda e arrendamento de bens imóveis, tendo em vista a sua rentabilização financeira.

2- Os exequentes/embargados são comproprietários na proporção 80% (correspondente ao B (…)) e 20% (correspondente ao Fundo (…)) do Retail Park sito (…) (...) , sob o n.º 3417 e inscrito na matriz sob o artigo 9128 da freguesia de (...) .

3-Em 16 Junho de 2011, no âmbito das suas actividades, os exequentes/embargados celebraram com a executada/embargante um Contrato de Utilização de Espaço Integrado em Retail Park, sendo objecto do mesmo a utilização, pela executada/embargante, do espaço designado como “Loja D”, ou “n.º4”, no piso zero, do Retail Park edificado no prédio referido, destinando-se, exclusivamente, a cafetaria (cfr. contrato junto com o requerimento executivo que aqui se dá por integralmente reproduzido).

4- O referido contrato teve o seu início de produção de efeitos no dia 20 de Julho de 2011, vigorando pelo prazo certo de 6 anos.

5- Conforme estabelecido na Cláusula Décima Primeira e Décima Segunda do Contrato, ficou convencionado entre as partes que, como contrapartida pela cedência do gozo temporário do imóvel, a executada/embargante pagaria aos exequentes/embargados uma remuneração mensal que compreendia: (i) Parcela fixa mensal no valor de €669,70 (seiscentos e sessenta e nove euros e setenta cêntimos), acrescido de IVA à taxa em vigor, a ser paga até ao dia 5 (cinco) do mês a que disser respeito, anualmente actualizada por aplicação do valor do Índice de Preços no Consumidor, sem habitação, correspondente aos últimos 12 meses e publicado pelo Instituto Nacional de Estatística (cláusula décima segunda, número 4 do Contrato) (ii) Parcela variável correspondente a uma percentagem de 7% (sete por cento) da facturação bruta da loja, durante o mês em questão, livre de impostos, a ser paga até ao dia 10 (dez) do mês seguinte ao qual se refere e, (iii) Prestação mensal relativa aos encargos comuns no valor de €74,20 (setenta e quatro euros e vinte cêntimos).

6- Estabeleceram as partes na Cláusula Décima Primeira, que todas as remunerações e previstas no contrato são indissociáveis umas das outras.

7- Com o fim de assegurar o pontual pagamento das remunerações, a executada entregou aos exequentes/embargantes uma garantia bancária de montante equivalente a 6 (seis) meses de remunerações.

8- Consta no ponto E e F do predito contrato que as partes pretendem celebrar um contrato atípico que qualificam de «utilização de espaço integrado em retail park» e que afastam a qualificação como contrato de arrendamento.

8- Com o requerimento executivo juntaram um contrato de compra e venda, o registo predial, um contrato designado de «contrato de utilização de espaço integrado em retail park» contendo anexos (planta do retail park, Regulamento interno do Retail Park, anexo de ordem de transferência bancária, e minuta de garantia bancaria) e juntam 3 cartas de interpelação para pagamento de valores que indicam estarem em divida e juntam um extracto de conta corrente com os alegados valores em dívida.

9- A execução deu entrada em 30/08/2013.

10- Com a apresentação da contestação á oposição á execução as exequentes juntaram a 5-5-2016 cópia de uma notificação judicial avulsa realizada a 17-6-2015 onde comunicam a resolução do contrato e pedem o pagamento de remunerações vencidas no valor total de 37.699,69 euros  e para desocupar a loja.

                                                                     ***

IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO

 


A- A primeira questão a analisar contende com a decisão da questão prévia sobre a alegada existência de nulidade da decisão dado a executada alegar ter existido uma decisão surpresa no despacho saneador que considerou existir titulo executivo face ao contrato junto e á notificação judicial avulsa junta com a contestação, visto não lhe ter facultado o contraditório.

          Refere que a decisão ao ter considerado essa notificação judicial avulsa conjugada com o contrato como titulo é nula porque teve em conta um documento junto com a contestação e não aquando do requerimento executivo e considerou como elemento do titulo uma notificação cumprida mais de um ano e meio apos a apresentação do requerimento executivo. Mais refere que o despacho saneador ao considerar essa notificação incorre em nulidade dado que em momento algum as exequentes alegaram que i titulo era o contrato e a notificação judicial avulsa.

          Conforme se dispõe no artigo 3, nº 3, do Código de Processo Civil, “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenha tido a possibilidade de, agindo com a diligência devida, sobre elas se pronunciarem”

O princípio do contraditório é entendido como um direito de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.

Este princípio envolve a proibição de decisões surpresa, não sendo lícito aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

          Quanto á questão de existir nulidade por estarmos perante uma decisão surpresa, desde logo, resulta que não existiu nulidade dado que por um lado foi suscitada a questão da inexistência de titulo executivo e nessa medida o tribunal a quo sempre se teria de pronunciar sobre a questão. Igualmente não foi preterido o contraditório, não obstante a notificação judicial avulsa ter sido junta com a contestação, porque verifica-se que a executada por requerimento de fls. 48 e de fls.189 exerceu o contraditório quanto á prova documental que foi sendo junta aos autos, sendo que aquando da junção desse requerimento de fl. 48 já constava o documento junto pelas exequentes quanto á notificação judicial avulsa.

Por fim, não existe excesso de pronuncia por parte do tribunal ao considerar esse documento (notificação judicial avulsa) como integrante do título visto que a questão foi suscitada pela executada e os documentos foram juntos e o tribunal sempre teria de decidir sobre a existência ou não de titulo (sem prejuízo da bondade ou não da decisão sobre a existência de titulo executivo).

Pelo exposto, improcede a questão suscitada quanto á nulidade da decisão.

                                                           *
B- Cumpre analisar a questão de saber se a decisão recorrida, no sentido de considerar a existência de titulo executivo, deve ou não ser mantida.

 Por outras palavras a questão suscitada é determinar sobre a existência ou inexistência de título executivo que fundamente a presente acção executiva.

                                                          

          Face ao requerimento executivo verifica-se que estamos perante uma execução de pagamento de quantia certa.

                   

Conforme se dispõe no artº. 10º, nº 5, do CPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os fins e os limites da ação executiva.

O título executivo, enquanto documento certificativo da obrigação exequenda, assume uma função delimitadora (por ele se determinam o fim e os limites, objetivos e subjetivos), probatória e constitutiva, estando sujeito ao princípio da tipicidade.

          O título executivo é condição necessária da acção executiva, porque não há execução sem título, o qual tem de acompanhar o requerimento inicial (vide, Lebre de Freitas, in A acção Executiva, 1993, pág.56 e ss.).

          Conforme ensina A. Geraldes, in Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, Ano IV- nº7-2003, Almedina, pág.36 e seguintes, o título executivo mais do que um mero documento comprovativo de um direito de crédito, foi elevado á categoria de verdadeiro requisito, sem o qual a acção executiva não pode ser instaurada ou prosseguir.    O titulo executivo é auto-suficiente, demonstrando a sua análise, de forma quase imediata, tantos os aspectos de ordem subjectiva, como os aspectos de ordem objectiva ligados aos fins e limites da acção executiva.

          Continuando na senda do citado Autor, cumpre referir que o título para além de ser a condição necessária - «chave que abre a porta á acção executiva», Castro Mendes, citado pelo referido Autor, in obra citada, pág. 36-, é condição suficiente, o que implica que basta a apresentação do título executivo, o qual fazendo presumir a existência do direito, dispensa, em geral, a alegação é prova de quaisquer outros factos.
No caso sub judice, invoca a recorrente que o contrato de utilização de espaço integrado em retail park mesmo que complementado com o extrato de conta corrente e as cartas de interpelação não vale como titulo executivo.
Mais invoca que não se pode atender como titulo a notificação judicial avulsa dado que a mesma já foi requerida já muito depois da execução ter dado entrada.
Neste segmento resulta que igualmente se considera que a notificação judicial avulsa não pode ser tida em conta como titulo porque a mesma foi feita e junta aos autos muto tempo depois da entrada do requerimento executivo e a exequente ao remeter o titulo deveria ter feito de forma unitária e não mediante novos requerimentos. A notificação judicial avulsa data de 2015 e a execução deu entrada em Agosto de 2013 e nessa medida resulta manifesto que não se poderia atender a esse documento junto aos autos em 2016 com a contestação como fazendo parte do titulo executivo.
A decisão recorrida defende o entendimento de que o contrato de utilização de espaço integrado em retail park e a notificação judicial avulsa de resolução do contrato onde consta uma quantia em divida é titulo executivo.
Todavia, é manifesto que quanto ao requerimento executivo não se poderá atender a essa notificação judicial avulsa porque a mesma foi junta em 2016 (e feita em 2015) e a execução entrou no ano de 2013, isto é, essa notificação foi feita mais de ano e meio apos a entrada da execução e o documento ou documentos a ter em conta como titulo devem ser apresentados com o requerimento executivo.
Assim, é manifesto que a decisão constante no despacho saneador de que o contrato e a notificação judicial avulsa se traduz num título executivo carece de possibilidade legal dado que a notificação judicial avulsa foi feita no ano de 2015 e junta aos autos em 2016 e a execução entrou em 2013 (e nessa medida nunca se poderia considerar essa notificação judicial avulsa).
Acresce que, e adiantando a decisão em apreço, mesmo a considerar essa notificação judicial avulsa igualmente não haveria titulo executivo porque não estamos perante nenhum contrato de arrendamento e a mesma foi feita mais de ano e meio após a entrada da execução.

Neste sentido, vide Ac RP 5901/13.3YYPRT-B.P1         Relator           CARLOS GIL de  02-02-2015, disponível na base de dados da DGSI (local de origem de toda a jurisprudência citada) :«Sumário:     …II - Os documentos particulares não autenticados não são título executivo quando neles se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras, porquanto a lei apenas confere exequibilidade nesses casos a documentos autênticos ou autenticados.

III - Embora o título executivo não seja a causa de pedir da acção executiva, dada a sua relevância para a configuração do objecto da acção executiva (veja-se o artigo 10º, nº 5, do Código de Processo Civil) justifica-se a aplicação, por identidade de razão, dos preceitos legais que disciplinam a alteração da causa de pedir (artigo 265º, nº 1, do Código de Processo Civil) à substituição de um título executivo por outro título executivo, para a mesma pretensão executiva.

IV - Sendo o título executivo um pressuposto processual da acção executiva, por definição, deve verificar-se a sua existência logo no requerimento inicial ou na sequência de despacho de aperfeiçoamento (veja-se o artigo 726º, nºs. 2, alínea a), 4 e 5, do Código de Processo Civil), não sendo legalmente admissível que a comprovação da sua existência e suficiência possa ser efectuada até á realização da audiência de discussão e julgamento no apenso de embargos de executado.».
                                            *


Vejamos agora se o contrato de utilização de espaço integrado em retail park apresentado conjuntamente com a garantia bancária e as cartas de interpelação e conta corrente de valores alegadamente em divida e do registo predial se se traduzem em titulo executivo.

    Estabelece o artigo 703 do CPCivil que à execução apenas podem servir de base:           a) As sentenças condenatórias;

              b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;

              c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;

              d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

       2 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.

          Estabelece o artigo 363 nº2 do Ccivil que apenas são autênticos os documentos exarados com as formalidades legais pelas autoridades publicas e no seu nº3 que os documentos particulares são havidos por autenticados se forem confirmados pelas partes perante o notário nos termos das leis notariais (os documentos particulares confirmados pelas partes perante o notário), circunstância que terá de constar da respectiva autenticação, não bastando o facto de os mesmos procederem ao reconhecimento das assinaturas.

No caso dos autos o contrato não é documento autenticado, e nessa medida não podem ser considerados títulos executivos nos termos da alínea b) do artigo 703 do CPC.

          Pelo exposto, teremos de concluir que estamos perante um documento particular.

O artigo 703 do CPC revela uma alteração na tendência de alargamento do elenco dos títulos executivos existente na reforma operada pelo DL 329-A/95de 12-12. Verifica-se que com a entrada em vigor do novo código os documentos particulares preexistentes e assinados pelo devedor perdem a sua exequibilidade, mas para evitar a retroactividade da lei o artigo 6 nº3 da Lei nº 41/2013limitou a aplicação do novo regime ás execuções iniciadas após a entrada em vigor do novo código a 1-9-2013.

Conforme referem Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, in A Ação Executiva Anotada e Comentada, pág.125, este normativo corresponde ao artigo 46 do CPcivil com duas diferenças: desaparecimento do elenco dos títulos executivos dos documentos particulares e que os títulos de crédito prescritos poderão servir de base á execução desde que a relação subjacente conste do próprio documento ou seja alegada no requerimento executivo.

          Os documentos particulares não autenticados deixaram de ser título executivo válido para a instauração da execução se forem subscritos depois da data de 31/8/2013, mesmo face ao teor do acórdão do Tribunal Constitucional nº 408/2015.

O Tribunal Constitucional em 23-9-2015 proferiu o Acórdão nº 408/2015 declarando a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma que aplica o artigo 703 do CPC a documentos particulares emitidos em data anterior á sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46 nº1 c) do CPC de 1961, por violação do principio da protecção da confiança (artigo 2º da CRP).

Conforme resulta desde acórdão os documentos particulares não autenticados que hajam sido emitidos anteriormente a 31-8-2013 apenas poderão ser apresentados á execução nos precisos termos em que eram exequíveis por força do artigo 46 nº1 alínea c) do CP civil de 1961 ou seja, se um documento particular não autenticado por qualquer razão não constitua titulo executivo á luz deste normativo não será por força do citado acórdão do Tribuna Constitucional que adquirirá essa qualidade. Conforme referem Virgínio Ribeiro e Sérgio Rebelo (obra citada, pág. 130) os documentos particulares não autenticados que hajam sido subscritos antes de 1-9-2013 só terão força executiva desde que estejam assinados pelo devedor, importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as clausulas dele constantes ou de obrigações de entrega de coisa ou de prestação de facto.

          No caso dos autos o contrato de utilização do espaço data de 16-6-2011, e nessa medida baseando-se a execução em documento particular emitido em data anterior á entrada em vigor do código de processo civil, e sem prejuízo de o artigo 703 não considerar titulo os documentos particulares, cumpre analisar se este documento é titulo executivo nos termos do artigo 46 do CPC anterior.

De acordo com o artigo 46º, c), do anterior CPC são títulos executivos "os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinável.».

         

O contrato denominado «Contrato de Utilização de espaço integrado e retail park» tendo como objecto uma loja, traduz-se num contrato, por via do qual o titular de uma loja integrada num centro comercial cede a outrem o direito à ocupação e utilização de um determinado espaço desse centro comercial, com vista à instalação e exploração de um estabelecimento comercial.

A jurisprudência maioritária, á qual aderimos, considera que esse contrato não é um mero e típico contrato de arrendamento comercial, mas sim como um contrato atípico ou inominado, que, como tal, se regula pelas cláusulas que os outorgantes entenderem fixar – ao abrigo da liberdade contratual que lhe é conferida pelo art. 405º do C.C. – e, quando necessário, pelas regras próprias da figura contratual que lhe esteja mais próxima. 

Neste sentido, vide o  Ac RC 830/12.0TBCTB.C1 (Relator: Maria catarina Gonçalves) de 13-11-2012:«Sumário:          I – Ainda que não esteja em causa um verdadeiro e típico contrato de arrendamento e sim um contrato atípico e inominado, o lojista ou utilizador de loja em centro comercial que lhe foi cedida por “contrato de utilização de loja” – à semelhança do que acontece com o locatário em contrato de arrendamento – pode, durante a vigência do contrato, recorrer aos meios possessórios, mesmo contra o cedente, para defender o seu direito à ocupação e utilização da loja cujo gozo lhe foi cedido…»(sic).

E o  Ac RL 2759/09.0TBVIS.L2-2(Relator: MARIA JOSÉ MOURO) de 06-12-2012:«Sumário:    I – Os contratos celebrados entre as entidades exploradoras de centros comerciais e os respectivos lojistas são habitualmente qualificados como correspondendo legalmente a contratos atípicos, visto não corresponderem exactamente a nenhum dos tipos legais previstos e regulados, embora não socialmente atípicos, uma vez que nesta perspectiva são claramente identificáveis.

Verifica-se que o contrato de utilização de espaço integrado em retail park mesmo acompanhado das cartas de interpelação para pagamento e garantia bancária e registo predial (apenas atinente ao registo da propriedade em nome das exequentes) e com extrato de alegados valores em divida não se traduz num titulo executivo porque não está demonstrada a existência de nenhum incumprimento (alegadas quantias em dívida).

                    Pelo exposto, o predito contrato não corresponde a um documento que importe a constituição ou reconhecimento da concreta obrigação pecuniária que está a ser exigida na presente execução e, como tal, não se insere no âmbito de previsão do art. 46º, nº 1, alínea c), do CPC.

Acresce que dado tratar-se de um contrato atípico que não se pode considerar contrato de arrendamento e nessa medida não se pode aplicar o artigo  14º-A do NRAU que estabelece que constitui título executivo para a execução para pagamento de rendas, o contrato de arrendamento quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.  O título executivo a que se reporta o art. 14º-A do NRAU tem natureza complexa, sendo integrado pelo contrato de arrendamento e pela comunicação ao devedor (arrendatário ou fiador), sendo que, no entanto, no caso não é aplicável este normativo porque estamos perante um contrato atípico e mão perante nenhum contrato de locação e dado que a notificação judicial avulsa por um lado não foi junta com o requerimento executivo em 2013 e por outro lado foi feita em 2015.

Cumpre agora analisar se esse contrato que não se traduz num titulo executivo se acompanhado pelo extracto das alegadas quantias em dívida e das cartas de interpelação se demonstra esse incumprimento.

Desde logo cumpre referir que o documento de garantia bancária e o teor do registo predial não atribuem natureza executiva a esse contrato dado que não demonstram qualquer incumprimento contratual.

Dispunha o art. 50º do anterior CPC que “Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes”.

Por seu lado o artigo 707 do actual diploma adjectivo civil corresponde ao anterior artigo 50 do anterior CPC.

          Dado que estamos perante um documento particular e perante obrigações futuras e atento o teor do artigo 50º do CPC anterior que apenas se aplica a documentos autênticos ou autenticados (o que não é o caso dos autos) considera-se que o extracto de alegadas quantias em dívida emitido pelas exequentes é insuficiente para demonstrar a existência de qualquer incumprimento contratual invocado pelas Exequentes.

Por outro lado, não podemos confundir o artigo 50 com o artigo 804 do CPC porque o primeiro diz respeito á fase de constituição de uma obrigação e o segundo reporta-se á demonstração da sua exigibilidade ou vencimento.

          Assim, uma vez que ao artigo 50 do CPcivil não é aplicável aos documentos particulares, verifica-se que a junção do extacto de valores em divida e das cartas não permitem demonstrar o alegado incumprimento contratual dado que esses documentos são emitidos de forma unilateral pelas exequentes e não demonstram a alegada situação de incumprimento, ter-se-á de concluir que carece de força executiva.

Mesmo analisando o caso dos autos como se fosse um titulo executivo complexo (conjunto de documentos complementares o extracto e as cartas de interpelação) igualmente não estaríamos perante um titulo executivo porque o extracto e as cartas juntas foram elaboradas pela exequente e não está subscrito pela executada nem tem a sua intervenção.

Pelo exposto, para que os documentos dados á execução pudessem ser considerados títulos executivos, nos termos da invocada al. c) do art. 46º do CPC de 1961, era absolutamente indispensável que deles decorresse directamente qual o quantitativo do valor do incumprimento, no momento da instauração da execução, não sendo sequer bastante que tal saldo constasse dum documento complementar, dado ser inaplicável a tais documentos particulares a previsão do cit. art. 50º do mesmo Código.

Dos documentos particulares apresentados como títulos executivos não resulta demonstrado o alegado incumprimento (não pagamento da remuneração) pelo que não corporizam, só por si, tais documentos particulares a constituição de qualquer obrigação pecuniária a cargo da Executada, cujo cumprimento possa ser coactivamente exigido com base nesses mesmos documentos particulares, os quais não constituem títulos executivos.

          Neste sentido, vide Ac da RL 5194/2007-7  Relator:        ABRANTES GERALDES, de 27-06-2007:«I-A lei confere hoje força executiva a todos os “ documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805.º (artigo 46.º/1, alínea c) do Código de Processo Civil).

II- Do título executivo devem resultar, dada a necessidade de se acautelar a certeza e segurança das obrigações, a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias o que não sucede quando estão em causa quantitativos que emergem de situações de incumprimento contratual que dependem da alegação e prova de factos que não têm expressão no próprio título, isto é, não estão por ele documentados nos termos exigidos pelo referenciado artigo 46.º/1, alínea c9 do C.P.C

          De resto, deverá salientar-se que durante a audiência de discussão e julgamento o tribunal a quo determinou a notificação das exequentes para juntarem prova documental dos valores alegadamente em dívida, o que manifestamente se traduz numa contradição com a decisão constante no saneador de que existiria título executivo.

 Em suma, face á ausência de prova documental que defina, com segurança, o direito de crédito das exequentes e alegada correspondente obrigação da executada, há que concluir pela verificação da falta de título executivo.

          Pelo exposto, conclui-se que não existe título executivo e nessa medida o despacho recorrido deverá ser revogado, devendo-se considerar extinta a execução  (a execução não tem título executivo nos termos do artigo 726º, nº 2, al. a), do CPcivil).

Fica assim prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas nas alegações nos termos do artigo 608 nº2 e 663 do CPCivil.

          O presente recurso de apelação terá, por conseguinte, de proceder.

           

                                                           ***

III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, e assim revoga-se a decisão recorrida que considerou existir titulo executivo e nessa medida, considera-se que é manifesta e total a falta de título executivo à luz do artigo 726.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, o que conduz ao indeferimento do requerimento executivo e á extinção da execução (com a procedência da oposição á execução).

 Custas a cargo das apeladas exequentes (art. 527º, nºs 1 e 2).

                    Coimbra,18-12-2019

Ana Vieira ( Relatora)

Carvalho Martins

          Carlos Moreira                                                     


[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.