Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6/07.9TBPNH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: DEPÓSITO BANCÁRIO
PROPRIEDADE
VALOR
Data do Acordão: 09/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PINHEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1205º E 1206º CC
Sumário: I – Qualquer que seja a qualificação jurídica do contrato de depósito bancário (depósito irregular, mútuo, contrato misto de depósito irregular e de mútuo, contrato bancário autónomo), impõe-se distinguir a titularidade da conta e a propriedade das quantias depositadas, ou seja a “titularidade jurídica” e a “titularidade económica” da conta.

II - O pedido formulado pelo autor na petição inicial (art. 467º, nº 1, e) do CPC) deve, em regra, ser feito na conclusão. Contudo, tal não obsta a que possa também ser expresso na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos pretendidos.

III - Fazendo-se pedidos alternativos quando tal não é permitido (por falta de alternatividade substantiva), a sanção adequada não é a da ineptidão da petição inicial, mas, na falta de disposição especial, a improcedência do pedido em relação ao qual o autor não tem direito .

IV - É que a condenação em pedido fixo não implica condenação em objecto diverso do pedido, pois a reportada a um dos termos da alternativa que coincida com o direito do autor nenhum prejuízo acarreta para quem quer que seja e evita a repetição da acção para reapreciar o mesmo tema.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

1.1.- Os Autores – M…, A…, C…, F…, G…, E…, F…, H… e L… (por intervenção principal provocada) - instauraram na Comarca de Pinhel acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra os Réus – N… e T… (por morte deste, os habilitados …).

Alegaram, em resumo:

C… faleceu em 27 de Janeiro de 2000, no estado de solteiro, intestado, não tendo deixado descendentes, nem ascendentes, nem tendo efectuado quaisquer doações ou disposições de última vontade, enunciando os herdeiros por óbito daqueles.

Correu inventário judicial na Comarca de Pinhel, no qual houve reclamação à relação de bens, pedindo-se a inclusão de determinadas verbas, nomeadamente da totalidade dos depósitos efectuados no Banco A…, e ainda das quantias que aí referem, tendo a decisão de tal reclamação sido relegada para os meios comuns, daí a pendência da presente acção.

Em relação aos depósitos no Banco A…, apesar de serem tais contas tituladas pelo falecido e pela aqui Ré, bem como por A…, o dinheiro era apenas do falecido, sendo certo que 1/3 está relacionado no inventário e 1/3 já foi reconhecido por A… que era do de cujus, pelo que apenas está em discussão 1/3.

Quanto ao dinheiro depositado no Banco B…, apesar da conta ser titulada também pelos réus e por A…, o dinheiro era pertença do falecido C…, sendo certo que foi o réu quem deu ordem para proceder à transferência do saldo desta conta, quando o falecido se encontrava internado em estado semi-comatoso.

Quanto à conta de aforrista que tinha como beneficiária da cláusula de movimentação E…, tendo esta, nos últimos meses antes do falecimento do autor da sucessão, procedido ao resgate de todos os títulos propriedade de C…. seu titular. Mas o certo é que a quantia movimentada de 7.169.488$00 não passou para o seu proprietário, que já se encontrava em débil estado de saúde, nem constituiu qualquer doação que o mesmo tenha efectuado, pelo que deverá tal quantia ser também reposta na herança, e ser objecto de partilha pelos herdeiros, sob pena de enriquecimento sem causa.

Os demandados apropriaram-se ilegitimamente dos depósitos e montantes referidos, no montante total de € 62.092,22, pelo que deverão proceder à restituição à massa da herança ou então aos demais herdeiros das quantias correspondentes ao seu quinhão hereditário.

Pediram (na conclusão) a condenação dos Réus a procederem à entrega das quantias no valor total de € 62.069,22, pertença da herança deixada por óbito de C…, aos demais herdeiros, na proporção do respectivo quinhão hereditário.

Contestaram os Réus, defendendo-se, em síntese:

As quantias alegadas foram doadas pelo inventariado à sua irmã, tanto que a fez titular das contas ou beneficiária da cláusula de movimentação dos certificados de aforro, visto ter sido ela quem tomava conta dele e a doação foi a forma de a compensar, e o direito dos Autores já prescreveu.

Em reconvenção, alegaram que a Ré E… ficou impossibilitada de obter o pagamento dos serviços prestados através da herança do falecido C…, porque os demais herdeiros se negaram a aprovar o passivo, que é da responsabilidade da herança (arts. 2068, 2097 e 2098 CC) e despesas com o tratamento do falecido no valor de € 37.700,00.

Concluíram pela improcedência da acção e em reconvenção pediram

a). A condenação dos Autores a reconhecerem a dívida da herança para com a Ré reconvinte;

b) A condenação de cada um dos Autores a pagar à Ré reconvinte a quantia que dos € 30.160,00 lhe couber, na respectiva proporção da quota que na herança tenha cabido.

Os Autores replicaram e os Réus treplicaram.

Por despacho de fls. 170 e ss. foi admitida a intervenção principal provocada de … vieram fazer seus os articulados dos autores.

1.2. - No saneador decidiu-se julgar improcedente a excepção de ilegitimidade activa dos Autores e da excepção da prescrição, afirmando-se a validade e regularidade da instância.

1.3. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção e a reconvenção improcedentes, absolvendo-se os Réus e os Autores dos respectivos pedidos.

1.4. - Inconformados, os Autores recorreram de apelação, com as seguintes conclusões:

Contra-alegaram os Réus (fls. 470 e segs.), no sentido da improcedência do recurso.


II - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – O objecto do recurso

A questão essencial submetida a recurso, delimitado objectivamente pelas conclusões, consiste em saber se assiste aos Autores o direito de pedir a restituição dos bens (quantia de € 62.092,22) à herança, aberta por óbito de C…, falecido em 27 de Janeiro de 2000 (a qualificação da acção e dedução de pedidos na parte narrativa da petição).

2.2. – Os factos provados (descritos na sentença)

            2.3. – O mérito do recurso:

            A sentença recorrida, embora reconhecendo que o dinheiro depositado pertencia exclusivamente ao falecido C…, afastando a tese dos Réus de que havia sido doado à irmã, julgou a acção improcedente com base nos seguintes tópicos argumentativos:

            a) Uma vez remetidos no inventário para os meios comuns, o pedido que necessariamente teria que ser feito era o de reconhecimento de que os bens em causa fazem parte do património do inventariado, cabendo, assim, à herança. No entanto, o pedido formulado pelos Autores não se ajusta à causa de pedir, porque ao invés de pedirem o reconhecimento de que os bens são da titularidade da herança, antes peticionam, já o dissemos, a condenação dos réus a entregarem ou pagarem determinada quantia aos demais herdeiros, na proporção das respectivas quotas”;

            b) Os Autores lançaram mão da acção de enriquecimento sem causa, mas não o podiam ter feito, dada a natureza subsidiária e a circunstância de haverem sido remetidos no inventário para os meios comuns, ou seja, acção para averiguar da titularidade dos bens, se pertencem ou não à herança, sendo que não provaram os factos constitutivos do direito, pela ausência da comprovação da “falta de causa”.

            Em contrapartida, objectam os Apelantes dizendo haverem deduzido o pedido de restituição dos bens para a herança, se interpretado conforme a alegação, e, por outro lado, ele está claramente feito na parte narrativa (cf. arts. 23º e 29º), sendo a conclusão um resumo, embora imperfeito, pedido que se ajusta à causa de pedir.

O contrato de depósito bancário não se encontra expressamente previsto na lei, embora haja diplomas que regulam algumas espécies de depósito (por ex., DL nº430/91 de 2/11; DL nº269/94 de 25/10).

            No entanto, o depósito bancário tem sido qualificado como depósito irregular (arts.1205 e 1206 CC), através do qual se opera a transferência da propriedade do dinheiro para o Banco, pois este pode utilizá-lo, sendo obrigado a restitui-lo, tese que arranca da génese histórica do instituto e da função de custódia (cf. por ex, Ac STJ de 9/2/95, C.J. ano III, tomo I, pág.76, de 25/3/96, C.J. ano IV, tomo II, pág.83).

            Outra teoria qualifica o contrato de depósito como um contrato de mútuo. Na verdade, o art. 362 do Código Comercial, ao enumerar as operações de banco, não contempla do depósito bancário, mas o art. 406 do mesmo diploma que prevê que o depositário pode servir-se da coisa entregue, para si ou para os seus negócios (como é o caso do depósito bancário) manda aplicar as regras do empréstimo mercantil do art. 394 e segs., aponta para a qualificação do contrato de mútuo (por ex., Ac STJ de 18/3/75, BMJ 245, pág.507, de 20/6/95, BMJ 448, pág.371).

Há quem o qualifique ainda de contrato misto de depósito irregular e de mútuo, contrato atípico, embora a tendência moderna é de conceber o depósito bancário como contrato bancário autónomo, pois que "o típico depósito bancário vai dirigido hodiernamente, menos à satisfação da necessidade da segurança (custódia) ou finalidades afins do que ao escopo de um serviço de caixa mediante o qual se opera a gestão da tesouraria do cliente bancário" (cf. SIMÕES PATRÍCIO, A Operação Bancária de Depósito, pág.35).

Seja como for, uma coisa é a titularidade da conta e outra a propriedade das quantias depositadas, distinguindo-se entre a titularidade “jurídica“ e a titularidade “económica” da conta. É que o poder de disposição deriva exclusivamente do contrato celebrado com o banco, pois a solidariedade activa respeita às relações entre o banco e o co-titulares entre si.

Por seu turno, o contrato caracteriza-se por uma “dupla disponibilidade das quantias entregues ao banco”, na medida em que o banco adquire a propriedade do dinheiro depositado, conservando o depositante a disponibilidade dos fundos depositados, com o poder de exigir a restituição, mas dada a fungibilidade do dinheiro o banco não restitui exactamente o que lhe foi entregue, mas o equivalente em género e quantidade (restituição do tantundem) - cf., por ex., PAULA CAMANHO, Do Contrato de Depósito Bancário, pág.134 e segs..

Para a hipótese de não se provar a propriedade da quantia depositada, entende-se, segundo o critério do art.516 do CC, que há uma presunção legal de compropriedade em partes iguais dos valores depositados (cf., por ex., P.LIMA/A.VARELA, Código Civil Anotado, vol.I, pág.532, Ac do STJ de 26/10/04, de 11/10/05, disponíveis em www dgsi.pt).

Comprovando-se que as contas bancárias do Banco A… eram tituladas pelo falecido C…, E… e A…, e a conta bancária no Banco B... era também titulada pelos mesmos e ainda por T…, bem assim que E… era a beneficiária da cláusula de movimentação da conta aforrista (certificados de aforro), eles podiam livremente movimentá-las e levantar o saldo. Mas a titularidade da conta não se confunde com a propriedade do dinheiro.

Contrariamente ao alegado pelos Réus, que defendiam que as quantias haviam sido doadas à E…, provou-se que a propriedade exclusiva do dinheiro depositado pertencia ao falecido C… (cf. r.q. 5º).

Não obstante, o certo é que os Réus se apropriaram do dinheiro depositado (cf. r.q. 1º a 3º) e resgataram os certificados de aforro (cf. r.q. 4ºe 7º), e fizeram suas tais quantias (cf. r.q. 11º e 12º).

Por conseguinte, uma vez comprovado que o valor de € 62.069,22, com que os Réus se apropriaram, pertence à herança, aberta por óbito de C…, a questão colocada no recurso contende, no essencial, com um problema de natureza processual, desde logo sobre a causa de pedir e qualificação da acção, e quanto ao pedido (e sua interpretação) ou seja, se os Autores pediram a restituição dos bens para a herança (com vista à partilha adicional).

Nos termos do art.467 nº1 e) do CPC, na petição inicial o autor deve formular o pedido, que irá conformar o objecto do processo, pelo que o tribunal, sob pena de nulidade, não pode condenar em quantidade superior ou objecto diverso. Isto por força do princípio do dispositivo que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual, e o princípio do contraditório segundo o qual o tribunal não pode resolver o conflito de interesses sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada a deduzir oposição.

            A condenação em quantidade superior ao pedido implica a nulidade da sentença (art.668 nº1 e) do CPC), havendo mesmo quem entenda que a violação do princípio do pedido é de conhecimento oficioso (cf., por ex., Ac do STJ de 3/6/93, BMJ 428, pág.562).

            Considerando a estrutura da petição inicial (intróito/narração/conclusão) tem-se discutido se só é processualmente válido o pedido feito na conclusão.

            Segundo determinado entendimento, o pedido há-de ser expressamente deduzido na conclusão, não bastando que apareça acidentalmente referido na narração (cf., por ex., ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, pág.234).

Outra opinião é no sentido de que o pedido pode estar formulado no articulado, desde que se revele com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos pretendidos (cf., por ex., Ac RC de 27/1/87, BMJ 363, pág.612, de 3/2/93, BMJ 424, pág.748, de 20/3/07, em www dgsi.pt).

            Como o pedido deve ser o corolário lógico dos fundamentos (causa de pedir) e terá que ser feito com precisão, de modo a que não haja dúvidas sobre o efeito jurídico pretendido, sob pena de ineptidão (art.193 nº2 a) e b) do CPC), faz todo o sentido que seja formulado na conclusão.

            Porém, tal não obsta a que se acolha a segunda orientação, naqueles casos em que o pedido tenha sido deduzido na narração. Em primeiro lugar, porque a petição configura uma declaração de vontade tendente a obter um determinado efeito jurídico, devendo ser interpretada segundo o critério estabelecido nos arts.236 nº1 e 238 nº1 do CC (cf., por ex., Ac do STJ de 21/4/05, em www dgsi.pt). Depois porque se não releva a ineptidão por falta ou ininteligibilidade do pedido no caso de o réu haver interpretado convenientemente a petição inicial (art.193 nº3 do CPC), por maioria de razão, ou por aplicação analógica, deve admitir-se um pedido feito no corpo do articulado, maxime se foi correctamente interpretado pelo demandado.

            Analisada a petição inicial, verifica-se que os Autores, depois de haverem alegado a situação sucessória, a propriedade exclusiva do dinheiro a favor do falecido de A… (cf. arts. 1º a 14º pi) e a movimentação e apropriação pelos Réus (cf. arts. 15º a 22º da pi), concluíram que “tal quantia deverá ser reposta na herança, de molde a que a mesma possa ser objecto de partilha de entre todos os seus herdeiros e dentro dos limites legais dos quinhões hereditários competentes” (art.23º pi).

            Afirmando a apropriação ilegítima pelos demandados (arts. 24º e 25º pi) concluíram:

            Assim, deverão os demandados proceder à restituição à massa da herança ou então aos demais herdeiros das quantias correspondentes ao seu quinhão hereditário (…) “ (art.29º pi), no total de € 62.069,22 (art. 30º pi).

            No pedido, formulado na parte final, requereram “ a condenação dos demandados a procederem à entrega das quantias no valor total 62.069,22 € - sessenta e dois mil sessenta e nove euros e vinte e dois cêntimos – pertença da herança deixada por óbito de C…, aos demais herdeiros na proporção do seu quinhão hereditário”.

            A primeira observação é no sentido de que os Autores sempre afirmaram que os bens (as quantias) pertencem à herança, aberta por óbito de C…, e não aos seus herdeiros, chegando mesmo a referirem-no expressamente no pedido formulado a final (“pertença da herança deixada por óbito de C...“).

            Se é certo que na parte final pedem a restituição da quantia (pertencente à herança) aos demais herdeiros, não é menos verdade que na parte narrativa são claros e inequívocos ao pedirem a restituição à herança (cf. arts.23º e 29º pi).

            Aliás, a interpretação que se colhe é no sentido de que o pedido feito a final apenas corresponde ao referido na segunda parte do art.29º, mas toda a estrutura da petição e declaração de vontade nela vertida revela que a pretensão é o da restituição à herança.

O pedido costuma qualificar-se como a pretensão do autor (art.467 CPC) para a qual requer a tutela judicial, ou seja, é o feito jurídico pretendido (pretensão processual) e, em regra, deve ser único, certo e exigível. O art.470 do CPC permite a cumulação de pedidos, que pressupõe a simultaneidade ou multiplicidade de pretensões, ou seja, o autor pede a satisfação ao mesmo tempo de mais de uma prestação, exigindo-se, contudo, a compatibilidade substancial, verificando-se a incompatibilidade sempre que as prestações se excluem mutuamente, sejam contrárias entre si, de tal forma que uma impeça o exercício da outra, ou seja, quando produzem efeitos contraditórios ou sob o aspecto material ou sob o aspecto processual.

            Estamos, assim, como parece resultar da conjugação dos arts. 23º e 29º com a formulação final, perante um pedido alternativo (conforme expressamente plasmado no art.29º), em que apenas a segunda pretensão aparece na parte final.

            Não é um pedido subsidiário (art.469 CPC) pois não foi feito para a hipótese de o primeiro não proceder, reconduzindo-se, antes, a um pedido alternativo (art.468 CPC), porque a alternatividade pressupõe a dedução de duas ou mais pretensões disjuntivas, para apenas uma delas se efectivar. Tanto nos pedidos subsidiários, como alternativos, há uma singularidade de pretensões, já que o autor pretende valer contra o réu um dos pedidos, o que não sucede na cumulação.

            Na situação dos autos, muito embora os Autores qualifiquem a causa de pedir como de enriquecimento sem causa, a verdade é que os factos valem independentemente dessa qualificação, não vinculativa para o tribunal (art. 664 nº1 CPC). Por isso, uma diferente qualificação jurídica não representa alteração da causa de pedir.

            É inegável que os Autores (herdeiros) imputaram aos Réus a apropriação ilegítima de bens (dinheiros) da herança (o que se comprovou) e, nesta perspectiva, a pretensão (real) é a da restituição de bens pertencentes à herança, não parecendo que estejamos propriamente perante acção de petição da herança (art. 2075 CC), de natureza mista (pessoal e real), mas antes de uma acção de reivindicação dos bens apropriados, para a qual a lei confere a qualquer dos herdeiros legitimidade, para tanto (art. 2078 CC).

            Conforme já se referiu, os Autores formularam (expressamente) pedidos alternativos (cf. art. 29 da petição), um deles na parte narrativa (pedido de restituição para a herança) e o outro tanto na parte narrativa como na parte final (conclusiva) (pedido de restituição para os herdeiros).

            Designa-se “cumulação alternativa” quando no mesmo processo se formulam duas ou mais pretensões disjuntivamente para uma delas vir a ser satisfeita. O pressuposto desta “cumulação alternativa” é o da alternatividade substantiva entre pedidos, como nas obrigações alternativas (arts. 543 a 549 CC) e nas obrigações com faculdade alternativa.

            Os pedidos dos Autores não obedecem aos requisitos da alternatividade (art. 468 CPC), porque não são direitos que por sua natureza sejam alternativos ou que se possam resolver em alternativa.

            Fazendo-se pedidos alternativos quando tal não é permitido (por falta de alternatividade substantiva), tem-se entendido que a sanção adequada não é a da ineptidão da petição inicial, mas, na falta de disposição especial, a traduz-se na improcedência do pedido em relação ao qual o autor não tem direito (cf., por ex., Ac STJ de 13/7/1976, BMJ 259, pág. 212, de 26/5/1981, BMJ 307, pág. 257).

            Na verdade, a condenação em pedido fixo não implica condenação em objecto diverso do pedido (art. 668 nº1 e) CPC), pois a reportada a um dos termos da alternativa que coincida com o direito do autor nenhum prejuízo acarreta para quem quer que seja e evita a repetição da acção para reapreciar o mesmo tema.

            Por conseguinte, procede a acção quanto ao pedido de condenação dos Réus a restituírem à herança, aberta por óbito de C…, as quantias apropriadas, no valor total de € 62.069,22, e improcede o pedido de restituição dessa quantia aos demais herdeiros, na proporção do quinhão hereditário.

            2.4. – Síntese conclusiva:

1.- Qualquer que seja a qualificação jurídica do contrato de depósito bancário (depósito irregular, mútuo, contrato misto de depósito irregular e de mútuo, contrato bancário autónomo), impõe-se distinguir a titularidade da conta e a propriedade das quantias depositadas, ou seja, a titularidade “ jurídica “ e a titularidade “ económica” da conta.

2.- O pedido formulado pelo autor na petição inicial (art. 467 nº1 e) CPC) deve, em regra, ser feito na conclusão. Contudo, tal não obsta a que possa também ser expresso na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos pretendidos.

            3.- Fazendo-se pedidos alternativos quando tal não é permitido (por falta de alternatividade substantiva), a sanção adequada não é a da ineptidão da petição inicial, mas, na falta de disposição especial, a improcedência do pedido em relação ao qual o autor não tem direito .

            4.- É que a condenação em pedido fixo não implica condenação em objecto diverso do pedido, pois a reportada a um dos termos da alternativa que coincida com o direito do autor nenhum prejuízo acarreta para quem quer que seja e evita a repetição da acção para reapreciar o mesmo tema.


III – DECISÃO

            Pelo exposto, decidem:

1)

            Julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida.

2)

            Julgar a acção parcialmente procedente e

a) Condenar os Réus a restituírem à herança, aberta por óbito de C…, as quantias apropriadas, no valor total de € 62.069,22 (sessenta e dois mil e sessenta e nove euros e vinte e dois cêntimos);

b) Absolver os Réus do pedido de entrega dessa quantia aos demais herdeiros, na proporção do quinhão hereditário.

            c) Condenar Autores e Réus nas custas da acção, na proporção de 30% e 70%, respectivamente.


3)

Condenar os Réus nas custas da apelação.

           

Jorge Arcanjo (Relator)

Teles Pereira

Manuel Capelo.