Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4/13.3ZRGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
FALSIFICADOR
USUÁRIO
Data do Acordão: 06/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (JL ALMEIDA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 256.º DO CP
Sumário: Segundo o art. 256.º, n.º 1, al. e), do CP, na redacção da Lei 59/2007, de 4/9, pratica o crime de uso de documento de identificação falsificado, independentemente de ser o próprio que o usa ou terceiro a falsificá-lo, como foi intenção do legislador ao omitir na previsão dos elementos objectivos a expressão «fabricado ou falsificado por outra pessoa», que constava do art. 256.º, al. c), do CP, na anterior redacção.
Decisão Texto Integral:





Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - Relatório
No processo supra identificado foi julgado o arguido A... , filho de (...) e (...) , natural de Cabo Verde, nascido em 04/09/1967, solteiro, desempregado, residente em (...) , Inglaterra, pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. e) e f) e n,º 3, por referência ao art. 255.º, al. c) do Código Penal, pelo qual foi absolvido.
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Inconformado recorreu o Ministério Público, o qual pugna pela condenação do arguido, formulando as seguintes conclusões:
«I. O arguido A... , por sentença datada de 25 de Setembro de 2013, foi absolvido de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo disposto no artigo 256.°, n.º 1, alínea e) e f) e n.º 3 do Código Penal, sendo desta decisão que discordamos, e daí a interposição do presente recurso.
II. A douta sentença, de 25 de Setembro de 2013, proferida pelo tribunal a quo, deu como provado que:
1. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 23/01/2013, de forma não concretamente apurada, o arguido A... entrou na posse de um documento semelhante a um bilhete de identidade de cidadão nacional da República Portuguesa emitido pelo Arquivo de Identificação de Lisboa.
2. O documento referido em 1. é uma falsificação de um bilhete de identidade de cidadão nacional da República Portuguesa, onde foi colada uma fotografia do arguido e inscritos os seus elementos de identificação. O documento referido em 1. tinha inscrito no campo reservado ao número de documento, o n.º (...) , correspondente a um bilhete de Identidade emitido pelo Arquivo de Identificação de Viana de Castelo em nome de F..., que já faleceu.
3. No dia 23/01/2013, pelas 14h40, em Vilar Formoso, quando o arguido tripulava um autocarro proveniente de Londres/Paris com destino a Lisboa, identificou- se perante inspectores do SEF como sendo de nacionalidade portuguesa, apresentando, para o efeito e como tendo sido emitido a seu favor, o documento referido em 1.
4. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de usar o referido documento, bem sabendo que o mesmo não foi emitido pela República Portuguesa a seu favor.
5. Sabia igualmente não ser cidadão de nacionalidade portuguesa e que, só apresentando-se com tal nacionalidade lhe seria permitido entrar em território Inglês sem necessidade de qualquer visto.
6. O arguido actuou da forma descrita visando obter vantagens que bem sabia não lhe serem devidas, designadamente a de se identificar como cidadão nacional, assim prejudicando o Estado Português, entidade que credencia a fé pública conferida aos documentos, por si, emitidos.
III. No âmbito da motivação daquela douta sentença é referido que: " (...) Contudo o Tribunal não logrou apurar quem foi o autor do referido documento. Nem se foram terceiros, nem se foi o próprio arguido. Ora, para se considerar a verificação objectiva da incriminação por uso de documento falso, necessário se torna apurar a autoria do mesmo, uma vez que a lei prevê que haja a distinção entre a pessoa que fabricou o documento falso e a que o usou. (...) Ora, se não se logrou apurar quem fabricou o documento, necessariamente se há-de concluir pela impossibilidade da afirmação de que houve distinção entre a pessoa que elaborou as inscrições e a que o usou - o ora arguido. Assim sendo, entende o Tribunal pela não verificação da al. e) do artigo 256.º do Código Penal."
IV. O tribunal a quo não deveria ter interpretado o artigo 256.°, n.º 1, alínea e) do Código Penal no sentido em que tem de haver distinção entre a pessoa que fabricou o documento falso e a pessoa que o usou.
V. Na verdade, nos termos da primeira versão do artigo 256.° do Código Penal o legislador efectivamente previa que se verificasse aquela distinção: "1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo: Usar documento a que se referem as alíneas anteriores, fabricado ou falsificado por outra pessoa; é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa." (redacção do Decreto-Lei n." 48/95, de 15 de Março).
VI. Contudo, depois da alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, o legislador deixou de a exigir: "1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: (...) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito; é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.
VII. Temos, assim, que foi intenção do legislador deixar de exigir, para a incriminação pelo uso de documento falso (artigo 256.°, n.º 1, alínea e), do Código Penal, que a pessoa que realiza tal actividade (usando o documento falso) seja distinta daquela que o tenha fabricado ou falsificado.
VIII. Na verdade, entendimento diverso, conduziria à verificação de situações de absoluta impunidade, o que certamente não foi a intenção do legislador.
IX. O tribunal a quo deveria ter interpretado o artigo 256°, n.º 1, alínea e) do Código Penal no sentido de não exigir a demonstração nos termos da qual a pessoa que fabricou o documento falso e a pessoa que o usou sejam distintas, assim condenando o arguido.
X. Ainda que se entendesse de modo diferente, sempre os factos dados como provados integrariam a conduta da alínea f) daquela norma, pois que no presente caso, o arguido, no dia 23 de Janeiro de 2013, detinha um documento falsificado, com o qual se identificou perante os inspectores do SEF, assim tendo preenchido uma das modalidades de acção típica da norma aqui em consideração, pelo que, ao não ter condenado o arguido, violou o tribunal a quo desde logo, o artigo 256.º, n.º 1, alínea f) do Código Penal.
XI. Assim, substituindo a sentença recorrida por outra, que, expurgada dos vícios que lhe são ora imputados, e que condene o arguido pelo crime que lhe é imputado, farão V. Exas. a habituada Justiça!».
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Notificado o arguido, nos termos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, não respondeu.
Nesta instância, os autos tiveram vista do Ex.ma Senhora Procuradora-geral Adjunta, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, o qual emitiu douto parecer no sentido de que deve julgado provido o recurso.
Notificado o arguido, nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP não respondeu ao parecer.
Cumprido o art. 418.º, do CPP, e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Vejamos pois a factualidade apurada pelo tribunal e respectiva motivação:
Factos provados:
«1. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 23/01/2013, de forma não concretamente apurada, o arguido A... entrou na posse de um documento semelhante a um bilhete de identidade de cidadão nacional da República Portuguesa emitido pelo Arquivo de Identificação de Lisboa.
2. O documento referido em 1. é uma falsificação de um bilhete de identidade de cidadão nacional da República Portuguesa, onde foi colada uma fotografia do arguido e inscritos os seus elementos de identificação.
3. O documento referido em 1. tinha inscrito no campo reservado ao número de documento, o n.º (...) , correspondente a um bilhete de identidade emitido pelo Arquivo de Identificação de Viana de Castelo em nome de F..., que já faleceu.
4. No dia 23/01/2013, pelas 14h40, em Vilar Formoso, quando o arguido tripulava um autocarro proveniente de Londres/Paris com destino a Lisboa, identificou-se perante inspectores do SEF como sendo de nacionalidade portuguesa, apresentando, para o efeito e como tendo sido emitido a seu favor, o documento referido em 1.
5. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de usar o referido documento, bem sabendo que o mesmo não foi emitido pela República Portuguesa a seu favor.
6. Sabia igualmente não ser cidadão de nacionalidade portuguesa e que, só apresentando-se com tal nacionalidade lhe seria permitido entrar em território Inglês sem necessidade de qualquer visto.
7. O arguido actuou da forma descrita visando obter vantagens que bem sabia não lhe serem devidas, designadamente a de se identificar como cidadão nacional, assim prejudicando o Estado Português, entidade que credencia a fé pública conferida aos documentos, por si, emitidos.
8. Do Certificado do Registo Criminal não consta que o arguido tenha antecedentes criminais».
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II - O Direito
As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questões a decidir:
Apreciar se a lei exige para a incriminação pelo uso de documento falso (artigo 256.°, n.º 1, alínea e), do Código Penal, que a pessoa que faz uso do documento falso, seja distinta daquela que o tenha fabricado ou falsificado, levando à absolvição se tal não for demonstrado.

Apreciando:
O Ministério Público deduziu acusação pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. e) e f) e n,º 3, por referência ao art. 255.º, al. c) do Código Penal, estando em causa nos presentes autos o uso de bilhete de identidade falsificado.
O arguido foi absolvido com o fundamento de que o uso de documento falso só é punido no caso de se tratar de usso de documento por pessoa distinta da que falsificou.
Não andou bem o tribunal a quo ao absolver o arguido com este fundamento.
Se não vejamos.
Ficou apurado nos autos que o arguido, cidadão natural de Cabo Verde, no dia 23/01/2013, em Vilar Formoso, se fez passar por cidadão de nacionalidade portuguesa, exibindo perante inspectores do SEF um documento semelhante a um bilhete de identidade de cidadão nacional.
O bilhete de identidade emitido pelas autoridades portuguesas é um documento autêntico e de identificação, e, como tal presume-se que provem da autoridade ou oficial público a quem é atribuída a sua emissão, e, servindo para atestar a identificação do seu titular, faz prova plena dos factos que nele são atestados, nos termos do art. 370.º, n.º 1 e 371.º, n.º 1, do CC.
O documento com que o arguido se pretendia identificar, é uma falsificação de um bilhete de identidade de cidadão nacional da República Portuguesa, onde foi colada a fotografia do arguido e inscritos os seus elementos de identificação, tendo inscrito no campo reservado ao número de documento, o n.º (...) , correspondente a um bilhete de identidade emitido pelo Arquivo de Identificação de Viana de Castelo em nome de F..., que já faleceu.
O documento usado pelo arguido traduz-se numa falsificação material, porque não fabricado e emitido pela entidade com competência para tal.
É inquestionável que existe falsificação de um bilhete de identidade emitido por entidade competente, a favor de cidadão de nacionalidade portuguesa, fazendo constar do mesmo os dados identificativos respeitantes ao arguido e como sendo de nacionalidade portuguesa.
É inquestionável também que o arguido usou documento de identificação falsificado.
O tribunal a quo considerando que não se logrou apurar quem foi o autor da falsificação, se terceiros ou o próprio arguido absolveu o arguido, considerando que para se considerar a verificação objectiva da incriminação por uso de documento falso, necessário se torna apurar a autoria do mesmo, uma vez que a lei prevê que haja distinção entre a pessoa que fabricou o documento falso e a que o usou.
Para tal, apoia-se na posição do Ac. do TRC de 23/11/2010 – Proc. n.º 269/09.5TACBR.C1, relatado pelo Desembargador Alberto Mira, disponível in www.dgsi.pt/jtrc, que considera que o uso de documento falso só é punido no caso de se tratar de uso de documento por pessoa distinta da que que procedeu á falsificação.
O tribunal recorrido seguiu erradamente os trilhos deste douto aresto ao pretender apoiar-se nos fundamentos ali expostos, uma vez que os argumentos ali expendidos para revogar a sentença da 1.ª instância, não têm aplicação agora no caso concreto, pois os factos da questão ali dirimida dizem respeito a 27/04/2007.
Efectivamente àquela data vigorava uma versão diferente do art. 256.º, do CP, sendo definidos os requisitos de punibilidade de ordem objectiva, quanto ao crime de uso de documento falsificado, nos seguintes termos:
«1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo:
 a) Fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento, ou abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso;
 b) Fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante; ou
c) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores, fabricado ou falsificado por outra pessoa.
(…)».
 Porém, os factos destes autos respeitam a 23/01/2013.
Entretanto o legislador, na redacção dada pela Lei 59/2007, de 4/9, alterou os elementos constitutivos relativamente ao crime em análise, passando o actual art. 256.º, do CP, no que ao caso dos autos diz respeito, relativamente aos requisitos de ordem objectiva, a considerar que pratica o crime de uso de documento de identificação falsificado:  
«1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;
(…)
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito;
(…)».
A grande diferença, face ao regime anterior é que na al. e), correspondente à al. c), do regime anterior, foi suprimida a expressão «fabricado ou falsificado por outra pessoa», querendo com isso o legislador expressamente punir o simples uso de documento falsificado, independentemente de ser o próprio que o usa ou terceiro a falsificá-lo.
Basta o simples uso de documento falsificado e conhecimento da falsificação ou conhecimento de que foi fabricado/elaborado, sem ser emitido por autoridade ou oficial público.
Por outro lado, a lei passou a punir a facultação ou detenção documento falsificado ou contrafeito.
É claro que a Lei 59/2007, de 4/9 não só veio a punir o uso de documento, independentemente de que é o falsificador, como ainda o simples facto do arguido, sem justificação, deter em seu poder o documento que sabia ser falsificado, mesmo antes de o exibir para se identificar, perante os inspectores do SEF, pela criação de um perigo abstracto para a segurança e a credibilidade no tráfico jurídico probatório decorrente a detenção de um documento de identificação enquanto documento autêntico.
O bem jurídico protegido com a criminalização da falsificação e uso de documento falsificado é a respectiva fé pública, isto é, pretende-se salvaguardar o sentimento geral de confiança que devem revestir os documentos.
Há também quem na doutrina entenda que o bem jurídico do crime de falsificação de documento é o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que se respeita à prova documental, conforme Helena Moniz, in O Crime de Falsificação de Documentos, 1999, 41 e segts.
Sobre os interesses protegidos no crime de falsificação e uso de documento falso sustenta-se no Ac. do STJ de 13/03/1991, AJ n.º 17 – Proc. n.º 41437, que o bem jurídico protegido é a segurança e a confiança do tráfico jurídico, especialmente do tráfico probatório, a verdade intrínseca do documento enquanto tal e não protege a confiança ou verdade do conteúdo do documento, nem o património.
O crime de falsificação de documento é um crime de perigo abstracto, na medida em que tal ilícito criminal se encontra consumado independentemente de se produzir ou não o resultado querido pelo agente, sendo que a consumação do crime não exige que em concreto se verifique uma concreta violação da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental, bastando a mera falsificação do documento.
Por outro lado, o crime de falsificação de documento é um crime formal ou de mera actividade já que não exige a violação do bem jurídico que pretende salvaguardar.
Está assente nos autos que o arguido A... entrou na posse de um documento semelhante a um bilhete de identidade de cidadão nacional da República Portuguesa, onde foi colada uma fotografia do arguido e inscritos os seus elementos de identificação.
Esse mesmo documento tinha inscrito no campo reservado ao número de documento, o n.º (...) , correspondente a um bilhete de identidade emitido pelo Arquivo de Identificação de Viana de Castelo em nome de F..., que já faleceu.
Não obstante o arguido não ser de nacionalidade portuguesa, no dia 23/01/2013, em Vilar Formoso, quando o arguido tripulava um autocarro proveniente de Londres/Paris, identificou-se perante inspectores do SEF como sendo de nacionalidade portuguesa, apresentando, para o efeito e como tendo sido emitido a seu favor, o documento acima mencionado.
O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de usar o referido documento, bem sabendo que o mesmo não foi emitido pela República Portuguesa a seu favor e que a sua conduta era proibida por lei.
Como acima deixámos claro, com a redacção dada pela Lei 59/2007, de 4/9, ao art. 256.º, do CP, pratica o crime de uso de documento de identificação falsificado, independentemente de ser o próprio que o usa ou terceiro a falsificá-lo, como foi intenção expressa do legislador ao omitir na previsão dos elementos objectivos a expressão «fabricado ou falsificado por outra pessoa», que constava do art. 256.º, al. c), do CP, na anterior redacção.
Ora, o arguido sabia que usava um bilhete de identidade falso, ao identificar-se perante os inspectores do SEF, nas circunstância atrás descritas e que que a sua conduta era proibida por lei, pelo que se constituiu como autor material de um crime de uso de documento de identificação falsificado, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. e), por referência à al. b) e n.º 3 e art. 255.º, al. c), CP, cuja moldura penal abstracta é pena de prisão de seis meses a cinco anos ou pena de multa de 60 a 600 dias.
Tendo sido absolvido o arguido importa agora determinar a pena.
Como primeiro princípio na escolha da pena, o art. 70.º, do CP, dispõe que sendo aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar sempre preferência à segunda sempre que esta se mostre de forma adequada e suficiente a realizar as finalidades da punição, o que no caso dos presentes autos sendo o crime de uso de documento autêntico falsificado, punível com pena de prisão ou pena de multa, o tribunal deve optar por esta, desde que não se justifique o afastamento da aplicação daquele princípio.
“O tribunal deve optar pela pena alternativa ou de substituição mais conforme com as necessidades de prevenção especial de socialização, salvo se as necessidades de prevenção geral impuserem a aplicação da pena de prisão”, conforme Pinto de Albuquerque, em anotação ao artigo 70.º, in Comentário do Código Penal, 2.ª ED., UCE, pág. 266.
A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º, n.º 1 e 2 do CP).
A prevenção e a culpa são pois instrumentos jurídicos obrigatoriamente atendíveis e necessariamente determinantes para balizar a medida da pena concreta a aplicar.
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração) é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.
Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 55 e seguintes e Ac. STJ 29.4.98 CJ, T. II, pág. 194.
Uma vez escolhida a natureza da pena há que determinar a sua medida concreta, tendo em conta os limites mínimo e máximo apontados pela moldura penal abstracta, devendo o tribunal ter em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção, conforme os trilhos apontados pelo art. 71.º, n.º 1, do CP.
E a concretização desse critério para determinar a pena concreta que se pretende justa e adequada a cada caso concreto tem desenvolvimento, na ponderação que o tribunal deve ter, de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor e/ou contra o agente do crime, conforme art. 71.º, n.º 2, do CP.
E aquele preceito prevê, “nomeadamente”, nas al. a) a f), que o julgador deve ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita.
A lei ao referir que se deve atender nomeadamente àquelas circunstâncias, por serem as mais comuns, mais não diz que o tribunal deve atender a outras ali não especificadas, isto é, a todas as circunstâncias susceptíveis de influenciarem a determinação da pena concreta.
Se o princípio é a aplicação de pena não privativa da liberdade, a opção por esta não exige grande fundamentação, pois apenas nos cabe apreciar de existem elementos que afastem aquele princípio.
Estamos perante um crime de uso do documento de identificação falsificado, ao qual o arguido, cidadão cabo-verdiano, lançou mão, fazendo-se passar por cidadão português, para poder entrar em Inglaterra e poder assim usufruir dos direitos de qualquer cidadão europeu.
A necessidade de procurar melhores dias levou-o a fazer uso de tal documento e não com outros intuitos, como seja o de obter avultadas vantagens patrimoniais.
É do conhecimento geral a tolerância com os imigrantes ilegais acossados pela guerra ou de quem vem das ex-colónias portuguesas à procura de melhor sorte e outras condições e vida.
A gravidade e as consequências do crime são pois relativas.
Por outro lado, o arguido nascido em 04/09/1967, à data dos factos tinha 45 anos de idade, era solteiro e encontrava-se desempregado.
Importa ainda a ter em conta que, conforme consta do CRC, não tem antecedentes criminais.
Justifica-se inquestionavelmente a opção pela pena de multa, nos termos do art. 70.º, do CP, por se mostrar que realiza de forma adequada as finalidades da punição.
E considerando as circunstâncias que depõem a favor do arguido e que inexistem circunstâncias agravantes, de acordo com o critério apontado pelos art. 40.º n.ºs 1 e 2, 47.º n.º 1 e 2 e 71.º, do CP, para a determinação da medida concreta da pena, mostra justo e adequado, em função da gravidade e consequência do crime e a culpa com que actuou fixar a pena em 150 dias de multa, à taxa mínima de 5,00€.
Em conclusão: Segundo a art. 256.º, n.º 1, al. e), do CP, na redacção da Lei 59/2007, de 4/9, pratica o crime de uso de documento de identificação falsificado, independentemente de ser o próprio que o usa ou terceiro a falsificá-lo, como foi intenção do legislador ao omitir na previsão dos elementos objectivos a expressão «fabricado ou falsificado por outra pessoa», que constava do art. 256.º, al. c), do CP, na anterior redacção.
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III- Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, consequentemente se revoga a sentença recorrida, que absolveu o arguido e a qual se substitui pela condenação do A... , como autor material de um crime de uso de documento de identificação falsificado, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. e), por referência à al. b) e n.º 3 e art. 255.º, al. c), CP, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), o que perfaz o montante de 750,00€ (setecentos e cinquenta euros).
Custas pelo arguido, em virtude da condenação, com taxa de justiça de 3UCs, nos termos do art. 513.º, n.º 1 e 514, n.º 1, do CPP e art. 8.º, n.ºs 7 e 9, do Reg. das Custas Processuais e Tabela III.
Boletins ao CRC, a cumprir na 1.ª instância, após trânsito.
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NB: O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 
Coimbra, 28 de Junho de 2017
(Inácio Monteiro - relator)
(Alice Santos - adjunta)