Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
649/12.9TACTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ABÍLIO RAMALHO
Descritores: ACUSAÇÃO PARTICULAR
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
Data do Acordão: 05/14/2014
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: 2.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1º F) E 285º Nº 4 CPP
Sumário: 1.- Apenas o acrescento factual com idoneidade/aptidão/adequação à imputação a sujeito-arguido dalgum distinto crime – obviamente entendido por tipo-de-ilícito criminal diverso do(s) anteriormente assacado(s) em pertinente peça de acusação e/ou pronúncia – ou ao agravamento do(s) limite(s) máximo(s) da(s) moldura(s) penal(ais)/sancionatória(s) aplicável(eis) será suscetível de configurar alteração substancial dos factos, e não qualquer outra que em nada com tais fronteiras contenda.

2.- Assim, tendo sido deduzida acusação particular contra a arguida, por assacado cometimento de um crime de difamação qualificada e de um outro de injúrias, nada obsta a que o Ministério Público, ao abrigo do artigo 285º nº 4 CPP, complemente a imputação à arguida dalgumas outras expressões de natureza ofensiva da honra do dito indivíduo – “atrasado mental”, “mentiroso”, “canalha” e “filho da puta” –, ainda tida por bastantemente indiciada, porque integrante de conteúdo documental para que remetera aqueloutra acusação particular, com que a própria arguida fora oportunamente confrontada.

Decisão Texto Integral: DECISÃO-SUMÁRIA1

I – INTRODUÇÃO

1 – Pugnando pela respeitante revogação, recorreu o MINISTÉRIO PÚBLICO da vertente decisória do despacho judicial (de Ex.ma JIC) documentado na peça de fls. 200/207 por cujo conteúdo, mediante a invocação da proibição legal de discernida alteração substancial de factos, se lhe rejeitou a efectuada ampliação factual – pela peça ínsita a fls. 172/178 (cujo conteúdo nesta sede se tem por integrado) –, na oportunidade conferida pelo n.º 4 do art.º 285.º do Código de Processo Penal (compêndio legal doravante também referenciado pela sigla CPP), da anterior acusação particular do cidadão-assistente A... (documentada a fls. 153/164) contra a arguida B..., por assacado cometimento – em acumulação/concursivo efectivo – de um crime de difamação qualificada [p. e p. pelos arts. 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, al. a), do Código Penal] e de um outro de injúrias (p. e p. pelo art.º 181.º, n.º 1, do mesmo compêndio legal), essencialmente consistente na complementar imputação à id.ª cidadã da pessoal produção dalgumas outras expressões de natureza ofensiva da honra do dito indivíduo – “atrasado mental”, “mentiroso”, “canalha” e “filho da puta” –, ainda tida por bastantemente indiciada, porque integrante de conteúdo documental para que remetera aqueloutra acusação particular, com que a própria arguida fora oportunamente confrontada.

2 – Respondeu a id.ª sujeita, sustentando a validade legal da criticada solução jurídico-processual, (cfr. peça de fls. 217/218).

3 – Nesta Relação foi emitido douto parecer por Ex.mo representante do mesmo órgão da administração da justiça (M.º P.º) em sentido concordante com a tese e pretensão recursória, (vd. peça de fls. 227/229).

II – AVALIAÇÃO

1 – Com o devido respeito pela Ex.ma magistrada judicial signatária do despacho ora sindicado, o seu questionado entendimento qualificativo de tal complementar acrescento acusatório como alteração substancial de factos, e, assim, da respectiva impertinência/ilegalidade, colide abertamente quer com o textual conceito normativo enunciado sob a al. f) do art.º 1.º do CPP2, quer com a de há muito uniformemente consolidada linha jurisprudencial nacional, profusa e exaustivamente esclarecida por inúmeros arestos dos diversos tribunais superiores a tanto concernentes, muitos dos quais sobejamente divulgados e presumivelmente conhecidos, no incontornável e consistente sentido subjacente ao argumentário recursório, qual seja, de que só/apenas o acrescento factual com idoneidade/aptidão/adequação à imputação a sujeito-arguido dalgum distinto crime – obviamente entendido por tipo-de-ilícito criminal diverso do(s) anteriormente assacado(s) em pertinente peça de acusação e/ou pronúncia – ou ao agravamento do(s) limite(s) máximo(s) da(s) moldura(s) penal(ais)/sancionatória(s) aplicável(eis) será susceptível de configurar tal figura jurídico-processual, e não qualquer outra que em nada com tais fronteiras contenda.

2 – São, a propósito, exemplificativamente representativos, os seguintes arestos:

2.1 – Do Tribunal Constitucional:

– Acórdão n.º 450/2007, de 18/09/2007, (DR, 2.ª Série, n.º 205, de 24/10/2007), consultável em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos;

2.2 – Do Supremo Tribunal de Justiça:

– Assento n.º 2/93, de 27/01/1993, (DR, , 1.ª Série-A, n.º 58, de 10/03/1993), consultável em http://www.stj.pt/jurisprudencia/fixada/criminal/353-criminal1993, e Acórdão de 21/03/2007, (produzido no âmbito do proc. n.º 07P024), consultável em http://www.dgsi.pt/jstj;

2.3 – Do Tribunal da Relação de Guimarães:

– De 21/05/2007, (produzido no âmbito do proc. n.º 605/07-1); 08/03/2010, (no proc. n.º 246/07.0GAAMR.G1); 18/03/2013, (no proc. n.º 53/09.6TACMN.G1); 22/04/2013, (no proc. n.º 592/11.9GCGMR.G1), e 07/10/2013, (no proc. n.º 1280/11.1GBGMR.G1), in http://www.dgsi.pt/jtrg;

2.4 – Do Tribunal da Relação do Porto:

– De 16/01/2013 (2), (produzidos nos procs. ns. 4928/08.1TDPRT.P1 e 72/10.0TAAMM.P1), in http://www.dgsi.pt/jtrp;

2.5 – Do Tribunal da Relação de Lisboa:

– De 31/01/2012, (no proc. n.º 947/10.6PEAMD.L1-5); 14/02/2012, (no proc. n.º 373/09.0SZLSB.L1-5); 10/07/2012, (no proc. n.º 201/11.6TOLSB.L1-5), e 22/05/2013, (no proc. n.º 455/12.0PCLSB.L1-3), in http://www.dgsi.pt/jtrl;

2.6 – Do Tribunal da Relação de Évora:

– De 20/11/2012, (no proc. n.º 561/11.9TDEVR.E1); 07/12/2012, (no proc. n.º 17/07.4GBORQ.E2), e 20/12/2012, (no proc. n.º 281/11.4GDFA.E1), in http://www.dgsi.pt/jtre.

2.7 – E desta Relação de Coimbra:

– De 28/09/2011, (no âmbito do proc. n.º 47/09.1GATND.C1) e 13/11/2013, (no proc. n.º 520/11.1TBTNV.C1), consultáveis em http://www.dgsi.pt/jtrc.

3 – Por conseguinte, por nenhuma nova razão plausível e juridicamente oponível a tal linha interpretativa se alcançar, justificativa da correspectiva divergência, verificando-se a perfeita conformidade legal do enunciado acto acusatório do Ministério Público com a disciplina jurídico-processual estabelecida no referenciado art.º 285.º, n.º 4, do C. P. Penal3, por incontornável inadequação/inidoneidade da operada complementarização descritivo-factual da referida acusação particular – pela sinalizada assacação à id.ª sujeita-arguida do infamante denegrimento do dito cidadão queixoso-assistente A...pela respectiva apodação de “atrasado mental”, “mentiroso”, “canalha” e “filho da puta” – à imputação de qualquer outra infracção criminal distinta das cujo cometimento lhe (arguida) oportunamente haviam sido atribuídas naqueloutra peça acusatória do assistente, ou, mesmo, à modificação das respectivas molduras penais abstractas – o que, aliás, nem sequer se ousou conjecturar no criticado despacho judicial –, impõe-se ora assim identicamente concluir, e, decorrentemente, conceder provimento ao avaliando recurso.

III – DISPOSITIVO

Assim em conformidade com a estatuição normativa do art.º 417, n.º 6, al. d), do C. P. Penal –, decido conceder provimento ao avaliando recurso do Ministério Público, e, decorrentemente, revogar a questionada vertente decisória do enunciado despacho judicial documentado na peça de fls. de fls. 200/207, e determinar o pronunciamento da id.ª cidadã-arguida B... pelo acumulativo cometimento (cfr. art.º 30.º, n.º 1, do C. Penal) das duas indiciadas/referenciadas infracções criminais de difamação qualificada [p. e p. pelos arts. 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, al. a), do Código Penal] e de injúrias (p. e p. pelo art.º 181.º, n.º 1, do mesmo compêndio legal), por referência à amplitude fáctico-comportamental imputada nas duas mencionadas peças acusatórias – do visado cidadão-assistente A...e do Ministério Público (respectivamente documentadas a fls. 153/164 e 172/178).

***

Sem tributação.

***

Coimbra, 14/05/2014.

 (Abílio Ramalho – Juiz-desembargador-relator)


1 Em conformidade com o disposto no art.º 417.º, n.º 6, al. d), do C. P. Penal.

2  Artigo 1.º (Definições legais)

Para efeitos do disposto no presente Código considera-se:

[…]

f) «Alteração substancial dos factos» aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis;

[…]

3 Artigo 285.º (Acusação particular)

1 – Findo o inquérito, quando o procedimento depender de acusação particular, o Ministério Público notifica o assistente para que este deduza em 10 dias, querendo, acusação particular.

2 – O Ministério Público indica, na notificação prevista no número anterior, se foram recolhidos indícios suficientes da verificação do crime e de quem foram os seus agentes.

3 - É correspondentemente aplicável à acusação particular o disposto nos n.os 3 e 7 do artigo 283.º 

4 – O Ministério Público pode, nos cinco dias posteriores à apresentação da acusação particular, acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles.