Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1267/10.1TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: UNIÃO DE FACTO
DIREITO A ALIMENTOS
DIREITO REAL DE HABITAÇÃO
MÁ FÉ
INDEMNIZAÇÃO
ACTO ILÍCITO
Data do Acordão: 02/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA DE COMPETÊNCIA MISTA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 2020º DO C. CIVIL; DEC. LEI Nº 496/77, DE 25/11; LEI Nº 135/99, DE 28/08; LEI Nº 7/2001, DE 11/05; LEI N.º 23/10, DE 30 DE AGOSTO.
Sumário: I – O Decreto-lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, iniciou um movimento legislativo de atribuição de efeitos jurídicos às relações de união de facto, com a consa­gração no artigo 2020º do C.C. de um direito a alimentos por morte de um dos seus membros ao companheiro sobrevivo, a satisfazer pela herança daquele.

II - Seguiu-se a atribuição esparsa de outros direitos aos membros das uniões de facto, sobretudo quando se verificava a morte de um deles, em matérias como o arrendamento, as relações laborais e a segurança social, até que a Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto, veio a enunciar num só diploma os diversos direitos atribuídos por lei às pessoas que vivam em união de facto.

III - Nesses direitos logo se incluiu a atribuição de um direito real de habitação ao membro da união de facto sobrevivo, no caso de morte do outro membro proprietário da casa de mora de família – art.º 4º, n.º 1 –, não se constituindo esse direito quando sobrevivessem ao falecido descendentes ou ascendentes que com ele vivessem há pelo menos 1 ano e pretendessem continuar a habitar a casa, ou no caso de disposição testamentária em contrário – art.º 4º, n.º 2.

IV - A Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto, foi revogada e substituída pela Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, a qual manteve a atribuição daquele direito nos mesmos termos - n.ºs 1 e 2 do art.º 4º.

V - O legislador, em protecção da relação familiar assente numa união de facto, entendeu consagrar uma solução semelhante à atribuição ao cônjuge sobrevivo do direito a ser encabeçado, no momento da partilha, no direito de habitação da casa de morada de família que havia sido introduzido pela Reforma de 1977 no C. Civil (art.º 2103º-A).

VI - Assim, para além de se ter estendido o direito de uso ao recheio da casa de morada de família, por se ter entendido que a posição preferencial dos descendentes e ascendentes do membro da união de facto proprietário da casa de morada de família que com ele convivessem e a possibilidade do falecido poder, por testamento, dispor dessa casa de modo diverso, enfraqueciam consideravelmente a protecção conferida ao membro da união de facto sobrevivo, foi eliminada a previsão destas causas impediti­vas da atribuição do direito de habitação, passando assim o membro sucessivo da união de facto a ser um “legatário legitimário” do companheiro falecido – artº 5º da Lei nº 7/2001, na redacção da Lei n.º 23/10, de 30 de Agosto.

VII - Daí que, sem uma intervenção expressa do legislador nesse sentido, o simples facto do membro sobrevivo duma relação de união de facto ser proprietário duma outra casa no concelho onde se situa a casa de morada de família quando esta era propriedade do membro falecido, não é impeditivo ou extintivo do direito real de habitação atribuído por lei àquele.

VIII - Por estas razões, no domínio das Leis n.º 135/99, de 28 de Agosto, e n.º 7/2001, de 11 de Maio (redacção original), essa situação não impedia, nem era motivo de extinção do direito real de habitação atribuído no art.º 4º, n.º 1, de ambos os diplomas.

IX - O mesmo já não sucede após as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/10, de 30 de Agosto, actualmente em vigor, que no seu art.º 5º, n.º 6, impede que o direito real de habitação previsto no n.º 1 seja conferido ao membro sobrevivo se este tiver casa própria na área do respectivo concelho da casa de morada da família, incluindo-se, no caso das áreas dos concelhos de Lisboa ou do Porto, os concelhos limítrofes.

X - O legislador de 2010, tendo em atenção que a atribuição deste direito real onera o direito de propriedade dos sucessores do membro da união de facto falecido, numa composição de interesses contrapostos, entendeu excluir aquele direito nas situações em que o membro sobrevivo dispunha de uma casa própria, com uma localiza­ção próxima, onde podia estabelecer a sua habitação.

XI - Se o direito real de habitação já se achava constituído quando entraram em vigor as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/10, de 30 de Agosto, a regra nele contida – art.º 5º, n.º 6 – que impede a atribuição de tal direito ao membro sobrevivo se este tiver casa própria na área do respectivo concelho da casa de morada da família, incluindo-se, no caso das áreas dos concelhos de Lisboa ou do Porto, os concelhos limítrofes, já não é aplicável ao caso.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
O Autor intentou a presente cação com processo ordinário contra Herança aberta por óbito de M…, representada pelos herdeiros: …, alegando em síntese:
• M… nasceu em 22 de Outubro de 1932, tendo vindo a fale­cer no dia 18 de Abril de 2010;
• Nunca contraiu matrimónio, nem deixou descendentes, nem ascendentes, deixando como herdeiros os ora identificados.
No ano de 1995, o Autor e M… decidiram passar a viver juntos em união de facto, na residência desta, na … e desde essa data, 1995, até ao presente, essa foi a casa de morada de família do ora Autor e de M… e é o local onde ainda hoje o Autor habita.
O Autor aufere uma pensão de reforma de € 115 mensais, auferindo ainda de rendimentos mensais provindos do arrendamento de quartos, uma média mensal de € 300, considerando o ano lectivo.
Embora o Autor tenha duas irmãs, as mesmas não têm capacidade de contri­buir para o seu sustento.
A herança é constituída por quatro prédios e por um extenso e valioso recheio do referido segundo andar.
A pensão de alimentos a atribuir ao Autor não poderá ser inferior a € 400 mensais de forma a garantir rendimentos muito próximos da remuneração mínima nacional.
Concluiu, pedindo que seja proferida sentença que:
I. Reconheça a existência da união de facto entre o ora A. e a falecida M;
II. Reconheça e atribua-lhe o direito real de habitação no segundo andar sito no nº … e em conformidade condene a Ré, na pessoa dos herdeiros …, a esse mesmo reconhecimento;
III. Reconheça e atribua-lhe e assim condene a Ré ao pagamento de uma pensão de alimentos.
Citada a Ré foi apresentada contestação alegando, em síntese:
Já não existe Herança Jacente, uma vez que a mesma já foi aceite pelos her­deiros testamentários, pelo que não tem a demandada herança personalidade judiciária.
Só os que são demandados como Réus podem ser condenados e não os que são citados pura e simplesmente como representantes da Herança, como acontece no caso sub judice, sendo, aliás, certo que no caso dos 4º e 5º citados se trata apenas de legatários, que, por isso, não representam a Herança Ré.
Pelo menos desde os inícios dos anos 90 do século passado e até Fevereiro de 2000 M…manteve um relacionamento amoroso com o sr. T…, com quem se fazia acompanhar publicamente.
Nunca o Autor e a falecida agiram ou viveram como se de um casal se tratasse, nem como tal alguma vez foram reputados pelos familiares, amigos, vizinhos ou outras pessoas em geral.
O Autor é proprietário de, pelo menos, dois andares, na cidade de Coimbra, sempre tendo tido a sua residência na Rua …, onde, ao que se sabe, tinha também o seu domicilio fiscal e eleitoral bem como aí recebia toda a sua correspondia, já que jamais a recebeu no andar pertencente à falecida.
O Autor nunca teve durante a vida da falecida, incluindo no período do seu internamento nos HUC, acesso a quaisquer outros cómodos da casa para além de um quarto numa situação similar à de um hóspede.
O Autor tem, pelo menos, 6 quartos arrendados, nas 2 casas que possui, donde retira, no mínimo, cerca de € 900 mensais.
Para além disso tem uma loja arrendada para salão de cabeleireiro donde retira mais de € 160.
O Autor deturpa grosseiramente a verdade dos factos, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não ignora.
Conclui, pedindo que sejam julgadas procedentes e provadas as excepções deduzidas, absolvendo-se a Ré da instância, com as legais consequências. Caso assim não se entenda, deve a acção ser julgada improcedente e não provada, dela se absolvendo a Ré, com as legais consequências.
Pede ainda a condenação do Autor como litigante de má fé, em multa e indemnização, esta a favor da Ré, em montante não inferior a € 5.000,00.
Replicando, veio o Autor manter o já alegado na petição inicial, dizendo quanto às excepções invocadas e em síntese que:
É manifesto que os citados vêm aos autos, assim se reconhecem, como representantes da herança. Assim, dúvidas não restam que se terá de ter por assente que a citação requerida nos presentes autos é para intervirem como representantes da herança.
Ao se oporem como o fazem, contestam de forma que manifestamente sabem ser destituído de todo e qualquer fundamento, alterando a verdade dos factos de forma grosseira e grotesca, usando de forma manifestamente reprovável o articulado da contestação, o que justifica que sejam condenados a pagar ao Autor uma indemnização de valor não inferior a € 5.000, tudo nos termos do artigo 456º do C. P. Civil.
Concluiu, pedindo a improcedência das excepções alegadas.
Treplicando, veio a Ré alegar que o Autor peticionou em sede de réplica a condenação da Ré no pagamento da quantia de 5.000,00 Euros a título de danos não patrimoniais.
Ainda que tal pedido esteja formulado no seguimento do pedido de litigância de má fé, caso não se entenda que o mesmo se enquadra neste instituto, tal configura uma modificação do pedido e da causa de pedir, fundamentando a tréplica. Mais alega que a Ré, com a sua conduta, não praticou quaisquer actos que possam ter sido causa determinante dos danos que o Autor alega ter sofrido, não podendo, por isso, ser condenado em qualquer indemnização, o que se requer seja declarado, com as legais consequências.
Concluiu, pedindo que a modificação do pedido e da causa de pedir seja jul­gado improcedente por não provado, com as legais consequências e o pedido de conde­nação como litigante de má fé ser julgado improcedente.

Por despacho judicial datado de 14.06.2011 o Autor foi convidado a apresen­tar nova p.i., através da qual apareça devidamente rectificada a identificação da Ré nos autos e de quem a representa, só devendo ser deduzida a acção contra pessoal e individualmente algum(ns) do(s) herdeiros(s), na hipótese de tal efectivamente se justificar, sendo certo que a verificar-se a pretensão de dedução autónoma do dito pedido de indemnização por danos morais, deve ser devidamente explicitada e concreti­zada a correspondente factualidade constitutiva da causa de pedir, harmonizando-a com esse pedido, pedido que deverá, então, ser formulado expressamente como tal no petitório final.
Respondendo ao convite que lhe foi dirigido, veio o A. apresentar nova peti­ção, deduzindo a acção contra Herança Ilíquida e Indivisa Aberta por Óbito de M…, representada por todos os herdeiros, que identifica como … e, ainda, contra, individualmente considerada, G…, man­tendo, no essencial, tudo o alegado na petição inicial e completado na réplica, conclui peticionando que:
I. Seja reconhecido a existência da união de facto, entre o ora A. e a falecida M…, e assim seja a Ré, a Herança Ilíquida e Indivisa Aberta por Óbito de M…, representada pelos cinco herdeiros identificados, condenada a reconhecer a existência de tal união de facto;
II. Seja reconhecido, e atribua ao ora A., o direito real de habitação no segundo andar sito no nº … e, em conformi­dade, seja a Ré, a Herança Ilíquida e Indivisa Aberta por Óbito de M…, representada pelos cinco herdeiros identificados, condenada a reconhecer esse mesmo direito sendo o mesmo a seu cargo;
III. Seja reconhecido, e atribua ao A., e assim seja a Ré, a Herança Ilíquida e Indi­visa Aberta por Óbito de M…, representada pelos cinco herdeiros identifica­dos, condenada ao pagamento de uma pensão de alimentos a cargo da herança, ou caso a mesma seja insuficiente, a cargo do próprio património dos herdeiros na proporção da quota que lhes couber.
IV. Seja condenada a Ré, assim representada pelos cinco herdeiros identificados, por se considerar provado, como litigante de má-fé, e, em consequência, deve ser condenada ao pagamento de multa, a arbitrar pelo tribunal, e de indemnização, a conceder ao A. em valor não inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros).
V. Deve a presente acção, quanto à causa de pedir atinente à herdeira G…, individualmente considerada, ser julgada totalmente procedente por provada e, em consequência, deverá a mesma ser condenada ao pagamento ao A., a título de indemnização por danos morais, da quantia de 5.000,00 (cinco mil euros).
Contestando veio a Ré herança manter tudo o por si alegado nos articulados anteriores, concluindo nos mesmos termos em que já o havia feito.
A Ré G… contestou, pedindo a condenação do Autor em multa e condigna indemnização a favor desta em montante não inferior a € 2.500,00, a título de litigância de má fé.
No despacho saneador foi proferida decisão que determinou que a acção ape­nas prosseguiria contra a Herança Ré representada apenas pelos herdeiros … e já não pelos legatários ...
Veio a ser proferida sentença que julgou a acção nos seguintes termos:
I. Reconhecer a existência da união de facto, entre o ora A., O…, e a falecida M...
II. Absolver a Ré, a Herança Ilíquida e Indivisa Aberta por Óbito de M…, dos demais pedidos formulados contra si pelo A.
III. Condenar G… no pagamento ao A. das quantia de 200,00 Euros a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a presente decisão e até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.
IV – Julgar totalmente improcedentes todos os pedidos de litigância de má fé, absolvendo A. e RR. em conformidade.
V – Custas pelo A. e R. G… na proporção do respectivo decaimento, fixando em 99% o decaimento do A. e 1% o decaimento da R. G… (art.º 446º do CPC)
VI – Custas pelos incidentes de litigância de má fé formulados a cargo de A. e RR. respectivamente, fixando a taxa de justiça devida por cada um dos pedidos de litigância, em 1 UC (art.º 7º, n.º 4 e tabela II em anexo)

O Autor interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
...
As Rés apresentaram resposta, defendendo a confirmação da sentença profe­rida.
1. Do objecto do recurso
Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale­ga­ções do Recorrente cumpre apreciar as seguintes questões:
a) A sentença é nula por falta de fundamentação?
b) A lei aplicável à pretendida atribuição ao Autor do direito real de habita­ção é aquela que se encontrava em vigor à data do óbito do outro membro da união de facto?
c) A condenação da Ré G… no montante indemnizatório arbitrado ao Autor deve ser alterada para montante superior?
d) A Ré herança deve ser condenada como litigante de má-fé?                                          
2. Da nulidade da sentença
O Autor imputa à sentença recorrida a nulidade consistente na sua falta de fundamentação, nulidade esta prevista no art.º 668º, n.º 1, b) do C. P. Civil, alegando não aceitar a interpretação das normas que regulam o instituto da união de facto feita naquela.
Dispõe aquele art.º 668º, n.º1, b):
É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A nulidade em causa verificar-se-á quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
A fundamentação da decisão é indispensável, nomeadamente, em caso de recurso para se saber em que se fundou.
Analisando a decisão recorrida constata-se que a mesma especifica os funda­mentos quer de facto, quer de direito em que se baseia, sendo a discordância do Autor somente quanto ao conteúdo e sentido da fundamentação e não ausência da mesma.
Assim, não se verifica a nulidade invocada.
3. Dos factos:
...
4. O direito aplicável
Com este recurso o Autor pretende que, na sequência da declaração da situa­ção de união de facto entre si e a falecida M…, lhe seja reconhecido e atribuído o direito real de habitação no segundo andar sito no nº …, que seja alterada a decisão na parte em que conde­nou a Ré G… a pagar-lhe por danos não patrimoniais apenas a quantia de € 200,00, e seja a Ré Herança condenada como litigante de má-fé no pagamento de multa e indemnização a seu favor.
4.1 Do direito real de habitação
Resulta dos factos apurados que na data do óbito de M…, esta e o Autor viviam em união de facto no segundo andar sito no nº …, que era propriedade daquela.
A companheira do Autor faleceu em 18.4.2010.
A decisão recorrida, qualificando como união de facto a relação entre o Autor e a falecida, entendeu ser aplicável ao caso a Lei n.º 7/2001, de 11.5, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 23/10, de 30.8, concluindo pela improcedência do pedido de atribuição do direito real de habitação, uma vez que o Autor tem casa própria no mesmo concelho.
Defende o Recorrente a aplicação da lei na redacção vigente à data do óbito da sua companheira, lei essa que se encontrava ainda em vigor na data em que celebrou transacção na providência cautelar que a Ré G… lhe intentou, visando a sua saída daquela casa.
 Por sua vez os Réus pugnam pela aplicação da lei nova, invocando que as razões que justificaram a sua aplicação ao regime das prestações sociais e levaram à prolação pelo S.T.J. do acórdão uniformizador de 15.3.2012 são válidas para a atribuição do direito real de habitação e direito de preferência na aquisição conferido ao unido sobrevivo.
Em Portugal até à profunda reforma do Direito de Família operada pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, as situações de união de facto apenas eram consideradas, excepcionalmente, para a consagração de efeitos completamente alheios ao reconhecimento de qualquer estatuto jurídico a essa realidade
Contudo, a crise do casamento que se manifestou nas últimas décadas do século passado, acompanhada duma crescente opção pelo estabelecimento de relações de união de facto, deu força a uma realidade social cuja importância não podia mais deixar de suscitar a intervenção do Direito.
E foi esse reconhecimento jurídico, normalmente obtido através da extensão aos membros destas uniões dos mais diversos direitos atribuídos pela ordem jurídica aos cônjuges, que começou a ser reclamado, em nome de uma visão alargada do direito à protecção da família.
O referido Decreto-lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, iniciou um movimento legislativo de atribuição de efeitos jurídicos às relações de união de facto, com a consa­gração no artigo 2020º do C.C. de um direito a alimentos por morte de um dos seus membros ao companheiro sobrevivo, a satisfazer pela herança daquele.
Seguiu-se a atribuição esparsa de outros direitos aos membros das uniões de facto, sobretudo quando se verificava a morte de um deles, em matérias como o arrendamento, as relações laborais e a segurança social, até que a Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto, veio a enunciar num só diploma os diversos direitos atribuídos por lei às pessoas que vivam em união de facto.
Nesses direitos logo se incluiu a atribuição de um direito real de habitação ao membro da união de facto sobrevivo, no caso de morte do outro membro proprietário da casa de mora de família – art.º 4º, n.º 1 –, não se constituindo esse direito quando sobrevivessem ao falecido descendentes ou ascendentes que com ele vivessem há pelo menos 1 ano e pretendessem continuar a habitar a casa, ou no caso de disposição testamentária em contrário – art.º 4º, n.º 2.
A Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto, foi revogada e substituída pela Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, a qual manteve a atribuição daquele direito nos mesmos termos.
Dispunham os n.º 1 e 2 do art.º 4º da Lei 7/2001, de 11 de Maio, a qual se encontrava em vigor na data em que a autora da sucessão faleceu – 18.4.2010:
1. Em caso de morte do membro da união de facto proprietário da casa de morada comum, o membro sobrevivo tem direito real de habitação, pelo prazo de cinco anos, sobre a mesma, e, no mesmo prazo, direito de preferência na sua venda.
2. O disposto no número anterior não se aplica caso ao falecido sobrevivam descendentes com menos de um ano de idade ou que com ele convivessem há mais de um ano e pretendam habitar a casa, ou no caso de disposição testamentária em contrário.
O legislador, em protecção da relação familiar assente numa união de facto, entendeu consagrar uma solução semelhante à atribuição ao cônjuge sobrevivo do direito a ser encabeçado, no momento da partilha, no direito de habitação da casa de morada de família que havia sido introduzido pela Reforma de 1977 no C. Civil (art.º 2103º-A).
Não sendo o companheiro sobrevivo herdeiro legal do de cujus e sendo-lhe deferido um direito que onera um bem da herança, com a atribuição deste direito de habitação sobre um bem certo e determinado, aquele passou a ser, em termos sucessó­rios, um “legatário legítimo” do seu companheiro[1].
Posteriormente a atribuição deste direito foi alterada pela Lei n.º 23/10, de 30 de Agosto, passando a constar do art.º 5, o seguinte:
1 — Em caso de morte do membro da união de facto proprietário da casa de morada da família e do respectivo recheio, o membro sobrevivo pode permanecer na casa, pelo prazo de cinco anos, como titular de um direito real de habitação e de um direito de uso do recheio.
2 — No caso de a união de facto ter começado há mais de cinco anos antes da morte, os direitos previstos no número anterior são conferidos por tempo igual ao da duração da união.
3 — Se os membros da união de facto eram comproprietários da casa de morada da família e do respectivo recheio, o sobrevivo tem os direitos previstos nos números anteriores, em exclusivo.
4 — Excepcionalmente, e por motivos de equidade, o tribunal pode prorrogar os prazos previstos nos números anteriores considerando, designadamente, cuidados dispensados pelo membro sobrevivo à pessoa do falecido ou a familiares deste, e a especial carência em que o membro sobrevivo se encontre, por qualquer causa.
5 — Os direitos previstos nos números anteriores caducam se o interessado não habitar a casa por mais de um ano, salvo se a falta de habitação for devida a motivo de força maior.
6 — O direito real de habitação previsto no n.º 1 não é conferido ao membro sobrevivo se este tiver casa própria na área do respectivo concelho da casa de morada da família; no caso das áreas dos concelhos de Lisboa ou do Porto incluem-se os concelhos limítrofes.
7 — Esgotado o prazo em que beneficiou do direito de habitação, o membro sobrevivo tem o direito de permanecer no imóvel na qualidade de arrendatário, nas condições gerais do mercado, e tem direito a permanecer no local até à celebração do respectivo contrato, salvo se os proprietários satisfizerem os requisitos legalmente estabelecidos para a denúncia do contrato de arrendamento para habitação, pelos senhorios, com as devidas adaptações.
8 — No caso previsto no número anterior, na falta de acordo sobre as condições do con­trato, o tribunal pode fixá-las, ouvidos os interessados.
9 — O membro sobrevivo tem direito de preferência em caso de alienação do imóvel, durante o tempo em que o habitar a qualquer título.
10 — Em caso de morte do membro da união de facto arrendatário da casa de morada da família, o membro sobrevivo beneficia da protecção prevista no artigo 1106.º do Código Civil.
Da leitura desta nova disposição verifica-se que o legislador procurou regu­lamentar como maior pormenor a atribuição deste direito, tendo introduzido também significativas modificações relativamente ao regime anterior.
Assim, para além de se ter estendido o direito de uso ao recheio da casa de morada de família, por se ter entendido que a posição preferencial dos descendentes e ascendentes do membro da união de facto proprietário da casa de morada de família que com ele convivessem e a possibilidade do falecido poder, por testamento, dispor dessa casa de modo diverso, enfraqueciam consideravelmente a protecção conferida ao membro da união de facto sobrevivo[2], foi eliminada a previsão destas causas impediti­vas da atribuição do direito de habitação, passando assim o membro sucessivo da união de facto a ser um “legatário legitimário” do companheiro falecido[3].
E, com sinal contrário, o n.º 6 do transcrito art.º 5º passou a impedir que a constituição deste direito nos casos em que o membro da união de facto sobrevivo tem casa própria na área do respectivo concelho da casa de morada da família, incluindo-se os concelhos limítrofes no caso das áreas dos concelhos de Lisboa ou do Porto, e o n.º 5 do mesmo artigo previu a extinção desse direito quando o interessado não habitasse a casa por mais de um ano, salvo se a falta de habitação fosse devida a motivo de força maior.
No domínio das anteriores leis reguladoras das uniões de facto, França Pitão[4] já sustentava, contudo, a extinção do direito de habitação em situações de não utilização da casa pelo seu titular ou de disponibilidade de residência noutro local:
“Em primeiro lugar, atribui-se um direito de habitação que, embora de carácter temporário, é igual ao atribuído ao cônjuge sobrevivo, sujeito ao regime previsto nos artigos 1484.º e seguintes do Código Civil. Assim aplica-se-lhe o disposto nesta matéria quanto à sua extensão e formas de extinção. Tal significa que o direito de habitação será exercido na medida das necessidades pessoais do morador usuário, bem como da sua família, como resulta da noção vertida no o n.º 1, do citado artigo 1484º, aplicável ao caso concreto por força do disposto no n.º 2 do mesmo preceito, devendo realçar-se que tais necessidades são medidas de acordo com a condição social daquele (id. Artigo 1486º).

Pelo que ficou acima referido a propósito dos pressupostos do direito de habitação, pode concluir-se que, mesmo antes de decorrido o prazo de 5 anos supra referido, este direito pode extinguir-se, desde que se prove que o companheiro sobrevivo não tem necessidade de habitar o prédio (ou fracção autónoma), ou porque já lá não vive, ou porque tem solucionado definitivamente o seu problema habitacional noutro local”.
Esta posição situava-se na linha daqueles que defendem que os direitos de uso e habitação, além das causas de extinção previstas para o usufruto, para onde remete o art.º 1485º do C. Civil, também podem terminar com a cessação da necessidade pessoal que havia justificado a sua constituição[5].
Na verdade, estando o direito real de habitação direccionado à satisfação de necessidades habitacionais do seu titular, deixando de se verificar a situação de necessi­dade que a constituição daquele direito visou satisfazer, justifica-se a extinção do direito, por este ter perdido a razão social da sua previsão.
Se as necessidades que justificam a constituição de um direito real de habita­ção devem constar do respectivo título, quando este tem uma proveniência legal as suas necessidades fundantes encontram-se nas razões que levaram o legislador a atribuir tal direito, o qual se constitui ope legis, não exigindo a prolação de sentença que o reco­nheça.
E essas razões são as mesmas que motivaram a introdução pela Reforma de 1977 do disposto no artigo 2103º-A do C. Civil, que atribuiu ao cônjuge sobrevivo o direito a ser encabeçado, no momento da partilha, no direito de habitação da casa de morada de família. É uma medida de protecção da família que garante ao membro sobrevivo duma relação conjugal ou de uma união de facto, a permanência na casa de morada de família, mesmo após a morte do membro dessa relação que era o proprietário do imóvel, de modo a satisfazer o seu interesse na manutenção do ambiente doméstico em que até aí havia decorrido a sua vida familiar. É esse interesse que define a necessi­dade que finalisticamente limita o direito real de habitação atribuído ao unido de facto.
Não estamos, pois, perante uma necessidade absoluta de habitação, mas sim perante uma necessidade relativa do titular do direito continuar a habitar na casa que havia partilhado com o seu companheiro até à morte deste.
Daí que, sem uma intervenção expressa do legislador nesse sentido, o simples facto do membro sobrevivo duma relação de união de facto ser proprietário duma outra casa no concelho onde se situa a casa de morada de família quando esta era propriedade do membro falecido, não é impeditivo ou extintivo do direito real de habitação atribuído por lei àquele.
Por estas razões, no domínio das Leis n.º 135/99, de 28 de Agosto, e n.º 7/2001, de 11 de Maio (redacção original), essa situação não impedia, nem era motivo de extinção do direito real de habitação atribuído no art.º 4º, n.º 1, de ambos os diplomas.
O mesmo já não sucede após as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/10, de 30 de Agosto, actualmente em vigor, que no seu art.º 5º, n.º 6, impede que o direito real de habitação previsto no n.º 1 seja conferido ao membro sobrevivo se este tiver casa própria na área do respectivo concelho da casa de morada da família, incluindo-se, no caso das áreas dos concelhos de Lisboa ou do Porto, os concelhos limítrofes.
O legislador de 2010, tendo em atenção que a atribuição deste direito real, onera o direito de propriedade dos sucessores do membro da união de facto falecido, numa composição de interesses contrapostos, entendeu excluir aquele direito nas situações em que o membro sobrevivo dispunha de uma casa própria, com uma localiza­ção próxima, onde podia estabelecer a sua habitação.
Tendo, neste caso, a morte do membro da união de facto que era o proprietá­rio da casa de morada de família ocorrido ainda na vigência da versão original da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, coloca-se a questão de saber qual dos regimes é o aplicável: aquele que vigorava à data da morte, ou o actualmente vigente.
Como já acima dissemos o direito real de habitação sobre a casa de morada de família a favor do membro da união de facto sobrevivo constitui-se, por determinação legal, com a morte do outro membro dessa união que era o proprietário da casa, não sendo necessária para essa constituição qualquer reconhecimento judicial. Este poderá verificar-se, em caso de litígio sobre a existência do direito, mas não é nesse momento que o direito se constitui na esfera jurídica do membro sobrevivo, mas sim na data da morte do seu companheiro.
Ora se o direito real de habitação já se achava constituído quando entraram em vigor as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/10, de 30 de Agosto, a regra nele contida – art.º 5º, n.º 6 – que impede a atribuição de tal direito ao membro sobrevivo se este tiver casa própria na área do respectivo concelho da casa de morada da família, incluindo-se, no caso das áreas dos concelhos de Lisboa ou do Porto, os concelhos limítrofes, já não é aplicável ao caso sub iudice.
Estamos perante uma regra que consagra um novo pressuposto impeditivo da constituição de um direito pelo que, nos termos da 1.ª parte do n.º 2 do artigo 12º do C. Civil, não é aplicável aos direitos já constituídos.
A igual resultado chegamos se encararmos a atribuição deste direito real de habitação na perspectiva de um chamamento sucessório – um legado legítimo –, uma vez que a determinação dos chamados se define pela lei vigente à data da morte do de cujus[6].
Solução contrária violaria princípios do Estado de direito, como os da segu­rança jurídica e da confiança.
A sentença recorrida e os Recorridos defenderam que esta situação era idên­tica à abordada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido pelo S.T.J. em 15.3.2012[7], pelo que também neste caso seria aplicável o disposto no art.º 5º, n.º 6 da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, na redacção da Lei n.º 23/10, de 30 de Agosto, o que obstaria ao reconhecimento do direito de habitação a favor do Autor.
Nesse acórdão estava em discussão a aplicação das alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, à Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, sobre o regime de prestações sociais em caso de óbito de um dos elementos da união de facto beneficiá­rio de sistema de Segurança Social, às situações em que o óbito do beneficiário também havia ocorrido antes da entrada em vigor do novo regime.
No entanto entre a presente situação e aquela que foi decidida pelo referido acórdão uniformizador há uma distinção que justifica soluções diferenciadas.
Enquanto a ocorrência do óbito do membro da união de facto proprietário da casa de morada de família é, só por si, facto constitutivo do direito real de habitação na esfera jurídica do membro da união sobrevivo, o óbito do membro da união de facto beneficiário de sistema de Segurança Social apenas confere ao membro sobrevivo a faculdade de requerer o reconhecimento judicial (na versão original da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio) ou administrativo (na versão da mesma Lei, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto), ao recebimento das prestações sociais, por morte do seu companheiro, adquirindo-se o respectivo direito apenas com esse reconheci­mento.
Neste segundo caso o direito só se considera adquirido após esse acto de reconhecimento, pelo que a aprovação de uma lei nova que venha modificar as condi­ções dessa aquisição ainda é aplicável, mesmo que o facto que deu origem a essa faculdade lhe seja anterior[8]. Uma vez que quando a lei nova entra em vigor ainda não existe constituído um direito subjectivado, apesar de já ter ocorrido o facto que confere a faculdade de o constituir, os princípios da segurança jurídica e da confiança não proíbem aqui a sua aplicação.
Daí que os fundamentação que justificou a solução suportada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido pelo S.T.J. em 15.3.2012 não seja transponí­vel para o presente caso em que o Autor já era titular de um direito real de habitação quando uma alteração legislativa veio aditar novos impedimentos à constituição desse direito.
É, pois, aplicável à situação sub iudice, a redacção original da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio. E como vimos, no domínio dessa legislação, o facto do membro da união de facto sobrevivo ter casa própria na área do respectivo concelho da casa de morada da família, não era impeditivo da constituição do direito real de habitação previsto no artigo 4º, n.º 1 daquele diploma, pelo que importa reconhecê-lo, julgando-se procedente o recurso nessa parte.
4.2 Do montante indemnizatório pelos danos não patrimoniais
Pretende o Autor que a indemnização no montante de € 200,00 em que a Ré G… foi condenada como ressarcimento pelos danos não patrimoniais que lhe causou com a sua conduta ilícita seja aumentada, atendendo aos direitos violados e ao grau de culpa da agente.
A condenação proferida resulta de ter sido considerado que a Ré G… incorreu em responsabilidade civil extra-contratual pelo facto de ao proferir ameaças ao Autor ter violado o seu direito de personalidade, ameaças essas que lhe causaram transtornos, tendo-se por adequado para compensação desses danos o mon­tante de € 200,00.
Nos termos do disposto no art.º 496º, n.º 1 do C. Civil, na fixação da indem­ni­zação pelos danos não patrimoniais deve atender-se àqueles que, pela sua gravidade, afe­rida em termos objectivos, mereçam a tutela do direito.
O montante pecuniário desta indemnização deve fixar-se equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias a que se reporta o artigo 494º do C. Civil, ex vi art.º 496º, n.º 3, 1ª parte, do mesmo diploma.
Deste modo, as circunstâncias a que, em qualquer caso, o artigo 496º, nº 3 do C. Civil manda atender são o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar no circuns­tancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana.
No caso dos autos não se coloca em dúvida que existiram danos morais que assumem uma gravidade bastante para justificar a fixação duma indemnização que compense o Autor.
Dos factos provados resulta, quanto a este aspecto:
- Após o falecimento da M…, as relações pessoais do Autor com os familiares que foram nomeados herdeiros daquela por via do testamento da mesma têm sido tensas, particularmente com a Ré G…, a qual nomeadamente ameaçou verbalmente o Autor e quem o acompanhava numa vez em que ele foi ao 2º andar do dito n.º …
- Causando isso angústias, cefaleias e mal-estar.
Assim, com relevância para a questão em apreço, provou-se que a Ré amea­çou verbalmente o Autor, causando-lhe angústias, cefaleias e mal-estar.
Não se pode desta materialidade avaliar o conteúdo da ameaça que a Ré terá feito ao Autor, pois não se sabe em que é que a mesma concretamente consistiu.
Assim, não se podendo aferir da gravidade do ilícito cometido pela Ré, não é possível valorar os danos de forma diversa da que foi feita pela decisão recorrida.
Improcede, deste modo, nesta parte o recurso.
4.3 Da má-fé da Ré
Pretende ainda o Autor a condenação da Herança como litigante de má-fé em multa e indemnização a seu favor, alegando que, tendo resultado provados factos donde resulta fundamentos bastantes para a sua condenação em multa e indemnização, contra­riamente ao que se considerou na decisão recorrida.
A litigância por má-fé configura-se como um instituto processual, de tipo público, visando a imediata fiscalização do processo, correspondendo a um sistema sancionatório próprio, de âmbito limitado e com objectivos muito práticos e restritos[9].
Por razões de economia processual, contém uma vertente de reparação de alguns dos danos sofridos pela parte contrária com a actuação processual censurada.
A litigância de má-fé faz incorrer a parte em condenação em multa e indem­nização à parte contrária, se esta a pedir – art.º 456º, n.º 1 do C. P. Civil.
Dispõe o n.º 2 do art.º 456º do C. P. Civil:
Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
 a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
 c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
 d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso mani­festa­mente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou, protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A má-fé a que alude o citado preceito reveste-se de dois aspectos: a má-fé material, aquela a que se referem as alíneas a), b) e c), e a má-fé instrumental, a referida na alínea d).
Ao direito concreto de exercer a actividade processual são impostas limita­ções pela ordem jurídica, nomeadamente, exigindo-se que o litigante esteja de boa-fé ou suponha ter razão.
Se a parte agiu com a consciência de que não tinha razão ou se não pon­derou com prudência as suas pretensas razões, a sua conduta é ilícita, impondo o art.º 456º do C. P. Civil que seja condenada em multa e numa indemnização à parte contrária se esta o pedir.
No caso em análise não resulta de nenhum dos factos provados e invocados pelo recorrente a má-fé da Ré, porquanto não se encontra provado que esta tinha conhecimento dos factos em questão.
A Ré limitou-se a litigar arrojadamente sem que tenham pra­ticado alguma das condutas acima referidas com dolo ou negligência grosseira evidentes.
 Assim, por não ser possível emitir um juízo de censura à sua conduta, deve ser indeferido o pedido de condenação destes como litigante de má-fé, confirmando, nesta parte, a decisão.
Decisão
Nos termos expostos, julga-se parcialmente procedente o recurso, alterando-se o constante do ponto I da decisão recorrida, passando-se também a reconhecer-se ao Autor o direito real de habitação sobre o segundo andar sito no nº …, mantendo-se tudo o demais decidido.
Custas da acção pelo Autor, na proporção de 45%, pela Ré Herança, na pro­porção de 44%, e pela Ré G…, na proporção de 1%.
Custas do recurso, pelo Autor e pela Ré Herança, em igual proporção.

                      
Sílvia Pires (Relatora)
Henrique Antunes
José Avelino


[1] França Pitão, em Uniões de facto e economia comum, pág. 243, ed. de 2002, Almedina, e Francisco Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, vol. I, pág. 113, 2.ª ed., Coimbra Editora, Jorge Duarte Pinheiro, em O direito das sucessões contemporâneo, pág. 497, ed. de 2011, AAFDL.
[2] Ver, efectuando essa crítica, Francisco Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, na ob. e loc. cit.

[3] Jorge Duarte Pinheiro, em O direito da família contemporâneo, pág. 736-737, da 3.ª ed. da AAFDL.

[4] Ob. cit., pág. 241-243.
[5] Neste sentido, Oliveira Ascensão, em Direito Civil. Reais, pág. 425, 4.ª ed., Coimbra Editora, Pires de Lima/Antunes Varela, em Código Civil anotado, vol. III, pág. 553, 2.ª ed. da Coimbra Editora, Rodrigues Bastos, em Notas ao Código Civil, vol. V, pág. 269, ed. 1997, do Rei dos Livros, Carvalho Fernandes, em Lições de direitos reais, pág. 361-362, ed. 1996, da Quid iuris, e Rui Pinto Duarte, em Curso de Direitos Reais, pág. 168, ed. de 2002, da Principia, e o Acórdão da Relação do Porto de 23.3.2006, relatado por Pinto de Almeida, acessível em www.dgsi.pt.
[6] Inocêncio Galvão Telles, em Direito das Sucessões. Noções fundamentais, pág. 276, 4.ª ed., da Coimbra Editora, Carvalho Fernandes, em Lições de direito das sucessões, pág. 34-36, ed. 1999, da Quid iuris?

[7] Acessível em www.dgsi.pt.
[8] Vide, neste sentido, Baptista Machado, em Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, pág. 216-219, ed. de 1968, Livraria Almedina.
[9] Menezes Cordeiro, in Litigância de Má Fé Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, pág. 27, ed. 2006, Almedina.