Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
203/18.1T8CBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: CASAMENTO
REGIME DE COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS
BENS COMUNS
PLANO POUPANÇA REFORMA ( PPR )
BEM MÓVEL
OCUPAÇÃO
Data do Acordão: 09/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 1318, 1722, 1723, 1724, 1733 CC
Sumário:
1 - Um Plano Poupança Reforma (PPR) constituído durante a vigência do casamento celebrado em regime de comunhão de adquiridos é um bem comum, nos termos do artigo 1724.º, al. b), do Código Civil (bem adquirido pelo cônjuge na constância do matrimónio), se não for excetuado por lei.
2- A aquisição do direito de propriedade sobre um bem móvel, por ocupação, nos termos do artigo 1318.º do Código Civil, não é excetuada da comunhão no regime da comunhão de adquiridos.
Decisão Texto Integral:
Tribunal da Relação de Coimbra – 2.ª Secção. Recurso de Apelação.
Processo n.º 203/18.1T8CBR-C do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra
Juízo de Família e Menores de Coimbra - Juiz 2
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Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço
1.º Juiz – adjunto…….José Vítor dos Santos Amaral
2.º Juiz – adjunto……..Luís Filipe Dias Cravo
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Sumário:
I - Um Plano Poupança Reforma (PPR) constituído durante a vigência do casamento celebrado em regime de comunhão de adquiridos é um bem comum, nos termos do artigo 1724.º, al. b), do Código Civil (bem adquirido pelo cônjuge na constância do matrimónio), se não for excetuado por lei.
II - A aquisição do direito de propriedade sobre um bem móvel, por ocupação, nos termos do artigo 1318.º do Código Civil, não é excetuada da comunhão no regime da comunhão de adquiridos.
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Recorrente…………………E (…)
Recorridos…………………A (…)
I. Relatório
a) O presente recurso insere-se num procedimento cautelar de arrolamento, prévio à ação de divórcio que a Recorrente instaurou contra o seu marido, visando arrolar bens imóveis, um automóvel, saldos bancários, certificados de aforro, PPR´s e outros valores, uma arma e o recheio da casa de morada de família.
O arrolamento foi decretado e executado, tendo o Requerido deduzido oposição ao arrolamento.
No final foi proferida a seguinte decisão:
«Pelo exposto, julgo a oposição do requerido, nesta parte, procedente, pelo que ordeno o levantamento do arrolamento sobre a fritadeira de marca Moulinex, a terrina em estanho, a imagem da justiça em metal contendo um relógio e os 4 quadros rectangulares, efectuado a fls. 62 a 69.
Custas pelo requerido, a atender na acção respectiva (cfr. o artigo 539º, nºs 1 e 2 do C.P.C.)»
b) É desta decisão que recorre o Requerido, tendo formulado as seguintes conclusões:
(…)
c) A recorrida não contra-alegou.
d) O tribunal recorrido julgou improcedentes as nulidades de sentença invocadas no recurso.
II. Objeto do recurso
De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.
Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:
1. A primeira questão a analisar respeita à matéria de facto.
a) A recorrente pretende que os factos declarados não provados sejam declarados provados.
Tais factos são os seguintes:
«- que os certificados de aforro tenham sido efectuados com dinheiro da herança do pai do requerido.
A recorrente pretende com a inclusão deste factos nos «factos provados» excluir do arrolamento o valor do certificado.
- que a cómoda com 4 gavetas e espelho e as duas mesas de cabeceira tenham sido comprados com dinheiro doado pela mãe do requerido a este;
A recorrente pretende com a inclusão deste factos nos «factos provados» excluir do arrolamento a cómoda, o espelho e as duas mesas de cabeceira.
b) O recorrente afirma que o tribunal considerou como facto não provado «que a arca em madeira contenha toalhas oferecidas ao requerido», mas que a Requerente não colocou em causa tal facto, nem foi produzida prova para considerar que no seu conteúdo não existem toalhas do Requerido, pelo que tal facto dado como facto não provado, deve ser dado como facto provado, e as toalhas pertencentes ao Requerido serem levantadas do arrolamento
Em segundo lugar, já em sede de direito, o Recorrente pretende que seja excluído do arrolamento o PPR efetuado na F… no valor de EUR 10.042,52 por ser bem próprio.
E pretende que sejam excluídas do arrolamento as obrigações do B…, por apenas ter contribuído o Requerido contribuiu para a sua criação.
Pretende que a cama em madeira seja excluída do arrolamento por se tratar de bem próprio.
3 – Em terceiro lugar cumpre analisar as inconstitucionalidades arguidas, nestes termos:
«Face ao exposto, considera-se que a decisão recorrida faz uma interpretação inconstitucional ao manter o arrolamento dos bens próprios como os certificados de aforro efectuados com dinheiro doado pela mãe do Recorrente, a cómoda com 4 gavetas, espelho e duas mesas de cabeceira e o PPR na F… Seguro de vida e valor mobiliário no B…, pelo que violou o Direito Fundamental de acesso ao direito e aos tribunais previsto no Art. 20° da CRP, bem como violou os Arts. 2.º n.º 3, 3° ,13°, 18° todos da CRP, Inconstitucionalidade que se argui com as demais consequências legais».
III. Fundamentação
a) Impugnação da matéria de facto
(…)
Face ao exposto, verifica-se que a matéria de facto não sofre alterações.
b) Matéria de facto
1. Factos provados
1. Requerente e requerido casaram um com o outro em 9 de dezembro de 1978, sem convenção antenupcial.
2. Em 4 de agosto de 2017 foi ordenado o arrolamento dos bens e valores indicados pela requerente.
3. Na sequência, foram arrolados, além do mais:
- certificados de aforro em nome do requerido, no valor de 12.235,31 euros:
- uma fritadeira de marca Moulinex;
- uma arca em madeira;
- uma terrina em estanho;
- uma imagem da justiça em metal contendo um relógio;
- uma cómoda com 4 gavetas e um espelho e duas mesas de cabeceira;
- uma cama em madeira ;
- 4 quadros retangulares com motivos de mulheres;
- o valor mobiliário n.º …, no B..., no valor de 11.500 euros;
- PPR n.º 76/146633, com início em 11 de dezembro de 2008 e vencimento em 11 de dezembro de 2021, no valor de 10.042,52 euros, na F....
4. Até 1 de dezembro de 2016 existiu uma apólice de seguro de vida em nome do requerido, no valor de 7.245,14 euros, que lhe foi paga naquela data.
5. A fritadeira de marca Moulinex, a terrina em estanho, a imagem da justiça em metal contendo um relógio e os 4 quadros retangulares com motivos de mulheres foram oferecidos ao requerido pelo seu afilhado de crisma, M….
6. A cama em madeira foi encontrada pelo requerido e por ele arranjada.
2 – Factos não provados
- que os certificados de aforro tenham sido efetuados com dinheiro da herança do pai do requerido;
- que a arca em madeira contenha toalhas oferecidas ao requerido;
- que a cómoda com 4 gavetas e espelho e as duas mesas de cabeceira tenham sido comprados com dinheiro doado pela mãe do requerido a este;
- que a requerente não tenha contribuído com qualquer valor para os PPR´s e as obrigações.
c) Apreciação da restante questão objeto do recurso.
1 - A reanálise do aspeto jurídico da sentença estava dependente em parte da procedência do recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto.
Como a matéria de facto não sofreu alteração o recurso também improcede quanto ao seu aspeto jurídico, quanto à matéria das toalhas, da cómoda com 4 gavetas e espelho e as duas mesas de cabeceira.
Dir-se-á apenas que não se tendo provado que tais bens foram adquiridos através de algum facto integrador das diversas hipóteses previstas nos artigos 1722.º e 1723.º do Código Civil, tais bens são considerados comuns seja porque são abrangidos pela presunção de comunicabilidade constante do artigo 1725.º do Código Civil, seja porque são considerados comuns face ao disposto no artigo 1724.º do mesmo Código onde se dispõe que «Fazem parte da comunhão: a) O produto do trabalho dos cônjuges; b) Os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei».
Tais bens devem, por isso, manter-se arrolados.
2 – O Recorrente pretende que seja excluído do arrolamento o PPR efetuado na F... no valor de EUR 10.042,52 por ser bem próprio do seu ex-marido por se tratar de «…um seguro de vida apenas em nome do requerido e que se vencerá apenas a favor do Requerido…».
Que atento o contrato que celebrou com a F..., dado o referido no art. 1.º das suas «definições» e o disposto no art. 3.º das Condições Gerais do referido Contrato de Seguro sobre as «Garantias», se verifica que em caso de vida o presente contrato apenas garante à pessoa Segura o capital do capital seguro à data do vencimento e só em caso de morte é que os herdeiros legais poderão beneficiar do mesmo, pelo que o PPR celebrado com a F... deve ser considerado bem próprio, nos termos do Art. 1733.º, n.º 1 al. e), do C. Civil.
Não tem razão.
O PPR em questão não é um seguro de vida.
Um PPR é um Plano Poupança Reforma o que pressupõe a entrega de uma quantia em dinheiro e o seu reembolso futuro nos momentos determinados na lei, isto é, mencionados no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 158/2002, de 2 de Julho, como a reforma ou a situação de invalidez do beneficiário ou completar a idade de 60 anos
Com efeito, nos termos do artigo 1.º do DL.º 158/2002, «1 - Para efeitos do presente diploma consideram-se «planos de poupança» os planos poupança-reforma (PPR), os planos poupança-educação (PPE) e os planos poupança-reforma/educação (PPR/E).
2 - Os PPR, PPE e PPR/E são constituídos, respetivamente, por certificados nominativos de um fundo de poupança-reforma (FPR), de um fundo de poupança-educação (FPE) ou de um fundo de poupança-reforma/educação (FPR/E).
3 - Os fundos de poupança referidos no número anterior terão a forma de fundo de investimento mobiliário, de fundo de pensões ou, equiparadamente, de fundo autónomo de uma modalidade de seguro do ramo «Vida», devendo a respetiva denominação incluir a sigla PPR, PPE ou PPR/E, consoante os casos».
O PPR pode, sim, constituir-se na forma de seguro do ramo «Vida», como resulta do n.º 3 deste artigo 1.º, mas não é um seguro de vida, pois, como resulta do disposto artigo 183.º do Decreto - Lei Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, «No seguro de vida, o segurador cobre um risco relacionado com a morte ou a sobrevivência da pessoa segura».
No PPR não se cobre qualquer risco próprio do contrato de seguro, relacionado como a «morte» ou com a «sobrevivência da pessoa segura», coloca-se sim uma soma de dinheiro numa entidade que a gerirá e reembolsará mais tarde com juros.
Trata-se, pois, de uma poupança do casal ( Neste sentido ver o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-09-2014, no processo 7728/10.5TCLRS (Rosa Maria Ribeiro Coelho), com este sumário:
I - O plano poupança-reforma (PPR), quando reveste a forma de contrato de seguro, não é, verdadeiramente, um contrato de seguro destinado a acautelar um risco, mas uma forma de investimento de quantias já existentes no património do participante tomador, a recuperar ainda em vida deste ou por sua morte, nos termos definidos pelo Dec. Lei nº 158/2002, de 2 de Julho;
II – Na falta de estipulações especiais em cláusula beneficiária, a distribuição a fazer, em caso de morte do participante, da quantia que a entidade pagadora reembolsará, deve observar as regras do direito sucessório e do regime de bens do casal
Ver também os Prof. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira quando referem que «devem considerar-se parte integrante do património comum os bens adquiridos em substituição de salários, como as pensões de reforma, os complementos de reforma resultantes de aforros de salários, por exemplo através de planos-poupança-reforma, e as indemnizações, por qualquer causa, que tenham na sua base uma intenção de compensar a diminuição da capacidade de ganho» - Curso de Direito da Família, Volume I, 2.ª edição, pág. 543.
).
No caso dos autos, o PPR foi constituído durante a vigência do casamento pelo Recorrente, pelo que é bem comum, nos termos do artigo 1724.º, al. b), do Código Civil, por se tratar de um bem adquirido pelo cônjuge na constância do matrimónio e não é excetuado por lei.
Aliás, se a solução legal fosse a preconizada pelo Recorrente era fácil a um cônjuge apoderar-se do património comum, pois bastava constituir com as respetivas poupanças do casal, à revelia do outro cônjuge, PPRs nos quais fosse o beneficiário exclusivo.
Improcede, por isso, a pretensão de exclusão deste bem do rol dos bens arrolados.
3 - E pretende que sejam excluídas do arrolamento as obrigações do B..., por ter contribuído apenas o Recorrente para a sua constituição.
Não tem razão.
Nos termos do artigo 1724.º do Código Civil, que se volta a transcrever, diz-se que «Fazem parte da comunhão: a) O produto do trabalho dos cônjuges; b) Os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei».
É o caso.
Mesmo que as obrigações tenham sido adquiridas com dinheiro canalizado do salário do Recorrente, sempre tais obrigações seriam comuns.
Assim como são comuns porque adquiridas na constância do matrimónio e o Recorrente não mostrou tratar-se de bem excluído da comunhão, nos termos da al. b) do mencionado artigo 1724.º.
Com efeito, não se tendo provado que tais bens foram adquiridos através de algum facto integrador das diversas hipóteses previstas nos artigos 1722.º e 1723.º do Código Civil, tais bens são considerados comuns, seja porque são abrangidos pela presunção de comunicabilidade constante do artigo 1725.º do Código Civil, seja porque são considerados comuns face ao disposto no artigo 1724.º.
Tal bem deve, por isso, manter-se arrolado.
4. Pretende ainda o recorrente que a cama em madeira seja excluída do arrolamento por se tratar de bem próprio, por ter sido achada por si e restaurada por si.
Não tem razão, como se refere na sentença.
O caso da aquisição do direito de propriedade por ocupação, como é o caso, previsto no artigo 1318.º do Código Civil, não é excetuado da comunhão no regime da comunhão de adquiridos, como resulta do disposto nas várias alíneas do n.º 1, do artigo 1733.º do Código Civil.
Improcede, pelo exposto, a pretensão do recorrente.
5. Inconstitucionalidade
O Recorrente afirma que a decisão recorrida fez «…uma interpretação inconstitucional ao manter o arrolamento dos bens próprios como os certificados de aforro efectuados com dinheiro doado pela mãe do Recorrente, a cómoda com 4 gavetas, espelho e duas mesas de cabeceira e o PPR na F... Seguro de vida e valor mobiliário no B..., pelo que violou o Direito Fundamental de acesso ao direito e aos tribunais previsto no Art. 20° da CRP, bem como violou os Arts. 2.º n.º 3, 3° ,13°, 18° todos da CRP, inconstitucionalidade que se argui com as demais consequências legais».
O Recorrente faz esta afirmação, mas não indicou nas alegações fundamentação de suporte e o tribunal não vislumbra que qualquer uma das normas aplicadas e respetiva interpretação seja contrária aos preceitos constitucionais, pelo que se julga improcedente a alegada inconstitucionalidade.
IV. Decisão
Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
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Coimbra, 25 de setembro de 2018

Alberto Ruço ( Relator)
Vítor Amaral
Luís Cravo