Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
91/18.8T8IDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
REMUNERAÇÃO
Data do Acordão: 02/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - I.-A-NOVA - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEI Nº 15/2013 DE 8/2
Sumário: 1.-No contrato de mediação imobiliária, a obrigação do mediador é comummente classificada como uma obrigação de meios, pois a sua actividade é orientada para conseguir, como resultado, pessoa interessada em outorgar como contraparte do cliente no desejado contrato, mas este resultado/acontecimento não consubstancia a obrigação do mediador, uma vez que está fora da sua disponibilidade, dependendo antes do conjunto de vontades do cliente e do terceiro angariado.

2.- Contudo, o resultado alcançado é condição para o direito do mediador à remuneração, já que que esta é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.

3.- No contrato de mediação com cláusula de exclusividade a remuneração do mediador depende quase unicamente do cumprimento da sua obrigação e do sucesso desta, não dependendo do evento futuro e incerto constituído pela celebração do contrato visado, quando este evento não se concretize por causa imputável ao cliente.

4.- No contrato de mediação imobiliária com regime de exclusividade, o mediador tem o direito de ser o único a promover o contrato desejado e, por isso, pode ter direito à remuneração independentemente da conclusão deste contrato se o contrato visado não se concretizar por causa imputável ao cliente, ou mesmo que não tenha contribuído para a sua celebração, como no caso do interessado/destinatário ter sido encontrado com o recurso a outro mediador.

5.- No contrato de mediação imobiliária com regime de exclusividade, nada sendo especificamente estipulado, a exclusividade apenas afasta a concorrência de outros mediadores e não a própria actividade do cliente.

6.- Mesmo no contrato de mediação imobiliária simples, o prazo do contrato implica que o cliente não pode deixar de remunerar o mediador se vier a celebrar o contrato visado com pessoa que até si chegou graças à actividade desenvolvida pelo mediador durante o prazo de vigência do contrato, isto é, se o cliente aproveitar a actividade da empresa de mediação realizada no prazo de vigência do contrato não pode deixar de pagar a remuneração acordada.

Decisão Texto Integral:










            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

“I (…)”, com sede (…) em (...) , intentou a presente acção declarativa comum, contra M (…) e S (…), residentes (…), (...) ,

peticionando a condenação dos Réus no pagamento da quantia total de € 6.150,00 (seis mil cento e cinquenta euros), acrescida de juros de mora à taxa legal.

Alegou, para tanto e em síntese, que a 22.12.2015 celebrou com os Réus um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, tendo o referido contrato como objecto a venda do imóvel, propriedade daqueles, identificado no artigo 2.º da petição inicial.

 Mais alega que os réus se obrigaram, na sequência do referido contrato, a título dos serviços prestados pela Autora, a pagar a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), acrescida de IVA à taxa legal em vigor.

A Autora desenvolveu esforços tendo em vista angariar potenciais interessados na compra do mesmo. Porém, não obstante ter angariado compradores, os Réu declararam, em sede de escritura pública, que não se verificou qualquer intervenção de mediador imobiliário.

Concluem, desta forma, peticionando pela condenação dos Réus naquela quantia peticionada.

Regularmente citados, os Réus apresentaram contestação nos autos.

Para o efeito, por impugnação, alegaram que efectivamente celebraram contrato de imediação imobiliária com a Autora, porém, tal contrato teve o seu terminus a 22 de Dezembro de 2016, por nesta data o terem revogado e a venda do imóvel em causa ocorreu em Fevereiro de 2017, pelo que nada devem à Autora.

Mais alegaram, que após a denúncia do contrato com a Autora, uma funcionária da mesma os contactou, transmitindo-lhe o interesse de terceiros na aquisição do imóvel, ficando convencidos de que a Autora representava os compradores.

Concluem, pela improcedência da acção e, consequentemente, absolvição dos Réus do pedido.

Realizada infrutífera tentativa de conciliação, com dispensa de audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 113 a 121, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte:

“Pelo exposto, em conformidade com as supra referidas disposições legais, julgo procedente a presente acção e, em consequência, decide-se:

1. Condenar os Réus M (…) e S (…) a pagar à Autora “I (…), LDA.”, a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), quantia acrescida de IVA à taxa legal em vigor;

2. Condenar os Réus no pagamento de juros de mora sobre a quantia referida em 1., contados desde a data da citação (ocorrida a 15.10.2019), calculados à taxa legal de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento.

3. Condenar Réus nas custas do processo, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.”.

Inconformados com a mesma, interpuseram recurso os réus (…) recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo – (cf. despacho de fl.s 138), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

(…)

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.   

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Incorrecta análise e apreciação da prova, relativamente aos factos constantes das alíneas a) e b), dos factos não provados, que devem passar a considerar-se como provados e, ainda dar-se com provado que “A autora prestou serviços de mediação mobiliária aos compradores com vista à celebração do contrato de compra e venda do imóvel sub judice e;

B. Se em face da alteração da matéria de facto dada como provada, não é devido, pelos réus, o pagamento da remuneração peticionada pela autora ou, a sê-lo, a mesma é devida, pelos réus, apenas, na proporção de metade.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1. A Autora é uma sociedade comercial cujo objecto social é a mediação imobiliária, com a licença AMI n.º 9603.

2. Os Réus, até 27 de Fevereiro de 2017, foram donos e legítimos proprietários do prédio urbano destinado à habitação, sito no Lugar de (...) , n.º 116, Entr.1, em (...) - (...) e (...) – concelho de (...) , correspondente à fracção “f”, descrito na conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 928, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial 4864.

3. No exercício da actividade por si desenvolvida, a Autora celebrou com os Réus acordo escrito intitulado de “Contrato de Mediação Imobiliária” n.º 375/2015, datado de 22 de Dezembro de 2015, e assinado pela Autora e pelos Réus.

4. No referido acordo ficou exarado que:

a. Cláusula 2ª (identificação do negócio) 1. “A Mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra, pelo preço de 86.000,00 Euros (oitenta e seis mil euros), desenvolvendo para o efeito, as acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e caracteristicas dos respectivos imóveis.

2-Qualquer alteração ao preço fixado no número anterior deverá ser comunicada de imediato e por escrito á mediadora.

b. “Cláusula 4ª (Regime de Contratação): 1. O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de Exclusividade.”

“Cláusula 5ª (Remuneração): 1. A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato e também, nos casos em que o contrato tenha sido celebrado de exclusividade, o negócio não se concretize por causa imputável ao cliente.

2- O segundo contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração: a quantia de 5.000,00euros (cinco mil euros) acrescida de IVA à taxa legal em vigor.

3- O pagamento da remuneração apenas será efectuado nas seguintes condições: o total da remuneração aquando da celebração da escritura, documento particular ou conclusão do negócio visado.”

Cláusula 8ª (Prazo de duração do contrato): O presente contrato tem uma validade de 6 meses contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes, através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo."

5. O acordo referido em 3., foi sucessiva e automaticamente renovado.

6. Em execução do acordo referido em 3., e tendo em vista captar interessados na aquisição daquele imóvel, a Autora publicitou a fracção dos Réus através da página oficial da Internet e colocou cartaz publicitário no imóvel.

7. Nessa sequência, a Autora promoveu a visita efectuada ao imóvel por N (…), a 18.11.2016, disso informando os Réus através de contacto telefónico.

8. Posteriormente, em data não apurada, N (…) voltou a visitar aquele imóvel juntamente com a esposa, S (…).

9. Por mail datado de 02 de Dezembro de 2016, remetido para o endereço (…) os Réus deram a conhecer à Autora que “pretendo denunciar o contrato de mediação imobiliária, com efeitos a partir de 22 de Dezembro de 2016, comunicando a V. Ex..ª dentro do prazo indicado no contrato estabelecido (clausula 8 º - prazo do contrato).

10. Na mesma data mencionada em 10., e como forma de resposta, aos Autores foi solicitado, por C (…)- Coordenadora, a identificação do imóvel a que faziam referência naquela comunicação.

11. Com data de 07 de Dezembro de 2016, os Réus, para o mesmo contacto de e-mail referido em 10., identificaram o imóvel sito no Lugar de (...) , n.º 116, Entr.1, fracção “f”, freguesia de (...) , concelho de (...) .

12. Em data não apurada, N (…) e esposa S (…) manifestaram junto da Autora interesse na aquisição do imóvel referido em 2.

13. Em dia não concretamente apurado, mas que se situa no final do mês de Dezembro de 2016, a Autora, através de contacto telefónico, deu a conhecer aos Réus que N (…) e S (…) manifestaram interesse na aquisição do mencionado imóvel.

14. Após o encetar de negociações, os Réus aceitaram reduzir o preço do imóvel para €80.000,00 (oitenta mil euros).

15. Com vista à concretização na venda do imóvel, a Autora diligenciou junto das entidades competentes pela obtenção de certidões necessárias para o efeito, como seja a da licença de habitabilidade e certificado energético.

16. Com vista a obtenção do certificado energético, a Autora contactou Engenheiro para o efeito e acompanhou-o ao imóvel para realizar medições, tudo com a concordância dos Réus.

17. No dia 27 de Fevereiro de 2017, no cartório notarial de (...) , os Réus declararam vender aos compradores N (…) e S (…)  que declaram comprar, pelo preço de €80.000,00 (oitenta mil euros), a fracção autónoma designada pela letra “F”, piso três, habitação tipo T-Três, sinalizada pela letra F, garagem no piso zero, marcada com o número três, que integra um prédio urbano, sito no lugar de (...) , lote 116, freguesia de (...) , (...) e (...) , concelho de (...) , inscrito na respectiva matriz sob o artigo 4864, descrito na conservatório do Registo predial do mesmo concelho pela ficha novecentos e vinte e oito, da freguesia de (...) e (...) .

18. Naquele acto, os Réus declararam que, relativamente a eles, a venda não foi objecto de intervenção imobiliária.

19. Já os compradores, N (…) e S (…) declararam que, relativamente a eles, a venda foi objecto de intervenção do mediador imobiliário, I (…), Lda., com a licença AMI 9603.

20. Autora facturou e reclamou junto dos Réus o pagamento da comissão mencionada no acordo entre ambos celebrado, no montante de €6.150,00 (seis mil, cento e cinquenta euros) por referência à venda mencionada em 18.

21. Os Réus recusaram-se a efectuar o pagamento da quantia indicada em 21.

22. Os Réus foram citados para os termos da acção a 15.10.2018.

*

B. FACTOS NÃO PROVADOS:

a) Os Réus, na pessoa da Ré S (…), transmitiram a M (…) funcionária da Autora, que estariam interessados na venda do imóvel, mas não pagariam qualquer comissão, porquanto, o contrato entre ambos havia já cessado.

b) Ao que a Autora, na pessoa daquela funcionária, acedeu.

A. Incorrecta análise e apreciação da prova, relativamente aos factos constantes das alíneas a) e b), dos factos não provados, que devem passar a considerar-se como provados e, ainda dar-se com provado que “A autora prestou serviços de mediação mobiliária aos compradores com vista à celebração do contrato de compra e venda do imóvel sub judice.

Alegam os réus, ora recorrentes, que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao dar como não provados os factos ora referidos, devendo, na sua óptica, os mesmos serem dados como provados, em consonância com o que alegam em recurso e acima reproduzido, estribando-se, para tal, quanto aos primeiros, nos depoimentos prestados pelas testemunhas (…) e depoimento da ré, (…) e quanto ao segundo, no depoimento da testemunha (…)

Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está da prova que, em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são, pois, elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância – cf. Acórdão do STJ, de 22 de Fevereiro de 2011, in CJ, STJ, ano XIX, tomo I/2011, a pág. 76 e seg.s e de 30/05/2013, Processo 253/05.7.TBBRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 662.º, do CPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados (sem prejuízo, como acima referido de, com base neles, formarmos a nossa própria convicção).

Vejamos, então, a factualidade posta em causa pelos ora recorrentes, nas respectivas alegações de recurso.

A. Incorrecta análise e apreciação da prova, relativamente aos factos constantes das alíneas a) e b), dos factos não provados, que devem passar a considerar-se como provados e, ainda dar-se com provado que “A autora prestou serviços de mediação mobiliária aos compradores com vista à celebração do contrato de compra e venda do imóvel sub judice.

Para melhor esclarecimento e facilitar a decisão desta questão, passa-se a transcrever o teor de tal factualidade:

“a) Os Réus, na pessoa da Ré S (…), transmitiram a M (…), funcionária da Autora, que estariam interessados na venda do imóvel, mas não pagariam qualquer comissão, porquanto, o contrato entre ambos havia já cessado.

b) Ao que a Autora, na pessoa daquela funcionária, acedeu.”.

 

Como acima já referido e consta da sentença recorrida, a matéria de facto em causa foi considerada como não provada, conforme ora se transcreveu.

É a seguinte a respectiva motivação (cf. fl.s 116 a 118):

“(…)

Com efeito, e no que à prova testemunhal diz respeito, T (…) funcionária bancária, de forma escorreita e descomprometida, explicou que conhece a Autora por que esta deter uma parceria com a entidade bancária para na qual exerce funções.

Esclareceu que nada sabe acerca da realização da escritura de compra e venda do imóvel em causa nos autos, mas disse ter sido a própria a tratar de toda a documentação relativa ao empréstimo bancário concedido aos compradores, (…), sendo que iniciou o procedimento cerca de um a dois meses antes da celebração da escritura.

Mencionou que foi uma funcionária da Autora que remeteu toda a documentação necessária relativa ao imóvel, designadamente o certificado energético.

S (…), funcionária da Autora, não obstante a relação laborar que apresenta com a Autora, o seu depoimento afigurou-se objectivo e credível.

Demonstrou ser conhecedora do imóvel, que descreveu como sendo de tipologia T3.

Mencionou que foi contactada pelo Sr. N (…), tendo este demonstrado interesse em visitar o imóvel propriedade dos Réus, agendou vista para o dia imediato ao do contacto. Quem lhe facultou as chaves do imóvel foi a funcionária F (…)sendo que essa primeira visita decorreu só com o Sr. N (…), e, após, decorreu uma segunda visita que já com a presença da Sra S (…), esposa daquele. A segunda visita terá decorrido em Novembro de 2016, tendo junto documento, datado de 18.11.2016, demonstrativo de uma das visitas realizada por aquele – cfr. fls. 109. Explicou que o Sr. N (…) e Sra S (…) demonstraram interesse na aquisição do imóvel, mas nunca falou com os vendedores, essa tarefa estava a cargo da funcionária F (…), tendo sido esta a tratar de toda a documentação com vista a celebração do negócio, inclusive do certificado energético.

M (…), também funcionária da Autora, o seu depoimento apresentou-se aguerrido e até enfadado com o processo, mas resultou evidente e crível, de acordo com as regras da experiência comum (sendo tal resultado, quanto aos termos do contrato celebrado, secundado pela prova documental acima indicada).

Esclareceu que era a própria que detinha contacto com a Ré, (…), com quem sempre falou telefonicamente, nunca tendo estabelecido quaisquer contactos com o réu (…) Deixou até demonstrado que estreitou contacto com esta, pois falaram por várias vezes telefonicamente. Confrontada com o e-mail junto pelos Réus sobre a denúncia do contrato, demonstrou espanto (que se afigurou natural) com essa informação, asseverando ser desconhecedora de tal facto. Pois sendo a própria o ponto de contacto com a Ré, estranhou que tal e-mail não lhe tivesse sido enviado pela Ré ou, pelo menos, que lhe tivesse transmitido essa informação por telefone.

Mencionou os termos em que publicitou o imóvel (placa no local, só retirada após a venda do imóvel; flyers; publicitação na página oficial); a informação, via telefone, sobre a visita do interessado Nuno ao imóvel; negociações para baixa do preço (que teve a concordância dos Réus); a informação sobre e todas as diligências realizadas com vista a obtenção dos documentos necessários para a realização do contrato de compra e venda (certificado energético e demais documentação).

Do seu relato, foi possível ainda percepcionar que a chave do imóvel esteve em poder da Autora até à data da realização da escrita pública, facto confirmado pela Ré S (...) , assim como confirmou que a placa publicitária colocada pela Autora ainda se encontrava no imóvel nessa mesma data.

Finalmente, sobre a falta de pagamento da quantia fixada no contrato celebrado com os Réus, a testemunha disse que foi com indignação que viu recusado o pagamento por parte dos Réus, afirmando que a Ré S (…) no próprio dia da celebração da escritura de compra e venda lhe solicitou, por telefone, que o valor da comissão fosse revisto, mas nunca lhe transmitiu que a não pagaria.

E (…), cunhada do Réu, A (…), cunhado dos Réus, M (…) mãe da Ré S (…), como que a uma só voz, declaram que, em dia qua não se recordavam, mas que todos situaram entre o Natal e o final do ano de 2016, quando todos se encontravam no interior do veículo, juntamente com os Réus, indo todos a caminho do imóvel em causa nos autos com vista a proceder à sua pintura tendo em vista a sua valorização para venda, S (…) atendeu uma chamada em alta voz, proveniente da Autora, que lhe fez saber que alguém detinha interesse na aquisição do imóvel. S (…) terá dito que o contrato havia terminado, mas que recebeu como resposta que tal facto não detinha importância, razão pela qual já não foram ao imóvel e não procederam à sua pintura.

O relato das testemunhas, em uníssono, não se mostrou de todo credível. Com efeito, a coincidência da Ré S (…) ter recebido uma chamada telefónica na presença de todos os familiares é já por si só uma situação invulgar, ao que acresce o facto da chamada se encontrar em alta voz, e assim continuar quando estava a tratar de assuntos pessoais.

Ademais, não passou no crivo do Tribunal o facto de todas as testemunhas assegurarem, de forma peremptória, que após aquela chamada, já não foram pintar o apartamento (quando a conclusão do negócio ainda não era certa), nem sequer ao local chegaram. Já S (…) de forma igualmente peremptória, asseverou que, após o contacto da Autora, continuou a viagem com os familiares até ao apartamento, onde todos estiveram, mas já não o pintaram. Face a tal contradição, não se afigurou credível o relato das testemunhas, nem, nesta parte, o da Ré S (…), razão pela qual se deu como não provada a factualidade constante na alínea a) e b) (que, de resto, não vem alegada na contestação, mas que foi invocada pela Ré S (…) no seu depoimento de parte).

M (…) e S (…), nos seus depoimentos e declarações de parte, confirmaram que a chave do imóvel estava em poder da Autora na data da celebração do negócio de compra e venda. Tal como certificaram que os terceiros compradores do imóvel tomaram conhecimento do mesmo através da Autora, que lhe foi dar a conhecer o imóvel.

Descreveram os termos do negócio celebrado; as renovações operadas; e o teor dos e-mails remetidos para a Autora com vista a por fim ao contrato com esta celebrado.

Explicaram que escolheram aquele e-mail para denunciar o contrato porque era o que constava do contrato. Confrontados, mencionaram que efectivamente não falaram sobre esse assunto com a funcionária F (…)

(…)

Confrontados os Réus se a Autora lhes transmitiu que estavam a actuar em nome dos compradores, estes mencionaram que sempre partiram desse pressuposto, pois já tinham terminado o contrato celebrado, mas isso nunca lhes foi transmitido por qualquer meio.

A data da citação dos Réus (facto 22), resultou provada atento os respectivos A/R juntos a fls. 28 e 29.

No que tange aos factos não provados, a convicção do Tribunal ateve-se à ausência de prova consistente acerca da verificação dessa realidade ou de ter sido feita prova do contrário, como supra mencionado.”.

Vejamos, então, se dos depoimentos invocados pelos recorrentes, e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que as supras mencionadas respostas sejam modificadas ou alteradas.

Ora, ouvido, na íntegra, o depoimento prestado pela testemunha, M (…), a mesma referiu que é mediadora imobiliária e, nessa qualidade, presta serviços à autora.

Relativamente ao negócio dos autos disse que acompanhou “a venda celebrada desde o princípio ao fim. Desde o início”. Fez a avaliação do imóvel e angariação e elaborou o contrato de mediação. Fez visitas ao imóvel, com a sua colega SA (...) “que tinha o cliente comprador”.

Depois das visitas conseguiu interessados pela quantia de 80 mil euros, disso informando a ré, tendo-lhe, estes, dito, um ou dois dias depois, que a aceitavam, o que situou em finais de Novembro de 2016. Informou a sua colega SA (…)e iniciaram os contactos para obter crédito bancário.

Mais disse que a ré a autorizou a contactar um engenheiro para obter o certificado energético, tendo assinado um documento que para isso era necessário e, posteriormente pagou directamente ao dito engenheiro, por tais serviços.

Referiu, ainda, que tiveram na sua posse a chave do imóvel até à escritura e também se manteve no mesmo a placa.

Disse que no dia da escritura a ré “discutiu a comissão, queria baixar a comissão. Como baixámos o preço da venda, também devia baixar a comissão”.

A testemunha E (…), disse que é cunhada do réu.

Quanto aos factos, relatou que entre o Natal e a passagem de ano de 2016, iam numa carrinha, para se deslocarem ao apartamento, para o pintarem e que a S (…) recebeu uma chamada “da Sr.ª da R (...) ”, a perguntar se ainda estava interessada em vender o apartamento e a cunhada respondeu “que já não tinha contrato com a empresa e a senhora disse que isso não era problema, depois resolviam” e a S(…) disse que “então depois falavam”.

Estava com o seu companheiro e a mãe da ré e o telefone “era em alta voz, ligado ao rádio”.

A testemunha A (…), referiu que vive com a E(…)e é irmão do réu.

Confirmou o telefonema referido pela E (…). Iam pintar o apartamento para o vender, entre o Natal e a passagem de ano de 2016. Ligou uma senhora da R (...) e a S(…) atendeu “no altifalante do carro”. A senhora da R (...) perguntou à S(…) “se ainda estava interessada em vender, que tinham um comprador”.

A S (…)disse que sim mas “que não se podia esquecer que o contrato já tinha terminado. Disse isso mais que uma vez” e a senhora da R (...) respondeu “que isso não era problema, depois conversavam os dois”.

Acabaram por não pintar o apartamento, porque já havia comprador, “viemos embora”.

Pela testemunha M (…), mãe da ré, foi confirmado o teor da chamada telefónica, em idênticos termos aos das últimas duas testemunhas ora referidas.

“Iam dar uma pintadela ao apartamento mas não o chegaram a pintar. Já lá não havia placas da R (...) porque a minha filha já não tinha o apartamento na R (...) ”.

Relativamente ao telefonema, disse que a D.ª (…) telefonou e a filha atendeu, perguntando se ainda tinha o apartamento à venda. A filha respondeu que sim e disse que “já não temos contrato com vocês” e a D.ª (…) respondeu que “não há problema, depois voltamos a conversar e desligou o telefone”.

Mais disse que já não foram pintar o apartamento porque já havia comprador e de novo instada sobre a existência de placas disse “acho que não devia lá ter nada, que já não tinha contrato. Não devia ter, mas não posso jurar”.

A ré, S (…), disse que as chaves estavam com a R (...) . “Não tinham data nenhuma para ir buscar as chaves. Iam lá quando fossem de férias”. Acabaram por não as ir buscar, porque a D.(…) pediu para ir mostrar o apartamento ao comprador.

Relativamente à chamada telefónica da D.ª (…), referiu que aconteceu quando iam para pintar o apartamento, com as pessoas já referidas e atendeu em “alta voz”.

Disse que estava interessada em vender mas disse-lhe que “já não temos qualquer contrato, eu já rescindi, não temos contrato nenhum” e a F (…) “confirmou que sabia e que não havia qualquer problema e eu pensei que estava a trabalhar para o senhor”.

Acrescentou que a D.ª (…) “disponibilizou-se para arranjar a documentação para a escritura e confirmou que foi aquela que indicou quem tratasse do certificado energético, tendo sido ela (ré) a pagar tais custos.

Disse, ainda, que no dia em que iam para pintar o apartamento, foram lá, mas já não o pintaram.

No dia da escritura, a D.ª (…) disse que tinham que pagar a comissão mas eu “pensei que estavam a trabalhar para o comprador, para mim não estaria a trabalhar, porque já não havia contrato”.

Depois do telefonema acima referido “não falámos mais nisso” (comissão).

Analisados estes depoimentos e demais referidos elementos probatórios, designadamente, os documentais acima referidos, pensamos ser de sufragar, na íntegra, a conclusão a que se chegou na sentença recorrida.

A matéria de facto colocada em crise no presente recurso, a questão que, nesta sede, verdadeiramente, importa decidir, é a de saber se os réus acordaram com a testemunha F (…) que não pagariam qualquer comissão, porque o contrato já havia cessado, o que esta aceitou.

Desde já adiantando a solução, repete-se, não vemos razões para discordar da conclusão que, quanto a esta factualidade, se chegou na sentença em análise.

Desde logo cumpre realçar que a referida F (…) nada referiu acerca da alegada chamada, quando os réus e familiares iam no carro, para pintar o apartamento.

Quanto à análise que foi feita acerca das declarações da ré e seus familiares, concordamos com a mesma.

Efectivamente, é de estranhar a coincidência de tal chamada ter  acontecido quando todos se encontravam juntos na referida viagem (que para uns chegou ao fim e para outros não), a que acresce o facto de não se mostrar verosímil a necessidade de se deslocarem todas aquelas pessoas para irem pintar o apartamento.

De realçar, ainda, quanto a isto, não se lhes ter perguntado quais os apetrechos e/ou ferramentas que transportavam para realizar tal pintura, bem como a cor da tinta.

Mas, para além disso, estranha-se que a chamada tenha ocorrido na presença de tanta gente, como se estranha que pelo simples facto de se ter indicado que havia um comprador, sem mais e sem se falar nas concretas condições do negócio, designadamente, o preço, se tenha desistido de pintar o apartamento, sem esquecer que Dezembro não é, propriamente, a altura ideal para se pintar uma casa/apartamento que, ainda por cima, se encontrava desabitado.

Não foram juntas as facturas detalhadas das chamadas efectuadas dos ou para os telemóveis usados em tal chamada.

Por tudo isto, não vemos razões para passar a considerar como provada a matéria constante das alíneas a) e b) dos factos não provados que, assim se mantêm.

No que respeita ao demais, não se trata de qualquer facto.

Saber se a autora “prestou serviços de mediação imobiliária aos compradores com vista à celebração do contrato de compra e venda do imóvel sub judice” seria uma conclusão a extrair de factos que integrassem a previsão do referido contrato, sendo que, quanto a tal nada foi alegado.

Na contestação (artigo 22.º) apenas se alega que a ré estava convencida “que a autora representava os potenciais compradores”, o que, para efeitos da existência de um contrato de mediação celebrado entre a autora e esses potenciais compradores é insuficiente e, por isso, irrelevante.

De resto, não se mostra junto aos autos a celebração de qualquer contrato deste tipo, que não o celebrado entre a autora e os réus.

Para além de que sempre estaríamos em presença de factos essenciais e que, por isso, careciam de alegação pela parte, o que não aconteceu o que, de todo o modo, inviabilizaria a pretensão dos réus, em conformidade com o disposto no artigo 5.º, n.os 1 e 2, do CPC.

Assim, também, nesta parte, nada há a acrescentar à factualidade a ter em conta.

Consequentemente, relativamente a esta questão improcede o recurso, mantendo-se inalterada a matéria de facto dada como provada e não provada na sentença recorrida.

B. Se em face da alteração da matéria de facto dada como provada, não é devido, pelos réus, o pagamento da remuneração peticionada pela autora ou, a sê-lo, a mesma é devida, pelos réus, apenas, na proporção de metade.

No que a esta questão concerne, defendem os réus, ora recorrentes, que a presente acção deve improceder, na totalidade, por se dever considerar terem provado que quando foi feita a venda do apartamento em causa, o contrato de mediação que haviam celebrado com a autora já havia cessado, através da denúncia que lhe comunicaram ou, a assim não se entender, pelo menos, deve reduzir-se para metade o valor da retribuição a pagar à autora, com o fundamento em que a autora, quando se consumou a referida venda, estaria a prestar serviços, tanto para os compradores como para os vendedores.

Não discutem as partes – e assim é, efectivamente – que estamos em face de um contrato de mediação imobiliária, apenas importando averiguar se o negócio se concretizou em função da actividade da autora ou, se por os réus já o terem denunciado, já aquela não tem direito à peticionada retribuição.

A obrigação do mediador imobiliário é comummente classificada como uma obrigação de meios; a sua actividade é orientada para conseguir, como resultado, pessoa interessada em outorgar como contraparte do cliente no desejado contrato, mas este resultado/acontecimento não consubstancia a obrigação do mediador, uma vez que está fora da sua disponibilidade, dependendo antes do conjunto de vontades do cliente e do terceiro angariado.

Porém, sendo uma obrigação de meios (estando o resultado fora da disponibilidade do mediador), o resultado não deixa de desempenhar um papel especial no contrato, na medida em que, como resulta do art. 19.º/1 da Lei 15/2013 (em que se diz que “a remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação[1]), este é condição necessária do nascimento do direito do mediador à remuneração.

Efectivamente, o art. 19.º/1 confere ao contrato de mediação a característica de a remuneração do mediador não depender apenas do cumprimento da sua prestação, exigindo-se, ainda, a ocorrência de um evento não prestacional e independente da sua vontade: a celebração do contrato visado[2]. Sendo ainda necessário, para a remuneração ser devida, que a actividade do mediador tenha contribuído para a celebração do contrato visado, ou seja, que se verifique um nexo entre a sua actividade e o contrato final celebrado, aferindo-se o cumprimento do mediador pela existência deste nexo.

Ou seja, repetindo, o mediador só será remunerado se for bem sucedido na procura e se, na sequência disso, o cliente vier a celebrar o contrato desejado.

No contrato de mediação com cláusula de exclusividade (como é o caso) a remuneração da mediadora depende quase unicamente do cumprimento da sua obrigação e do sucesso desta, não dependendo do evento futuro e incerto constituído pela celebração do contrato visado, quando este evento não se concretize por causa imputável ao cliente (como resulta do art. 19.º/2 do da lei 15/2013, em que se dispõe que “é igualmente devida a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente (…)”).

No contrato de mediação imobiliária com regime de exclusividade, o mediador tem o direito de ser o único a promover o contrato desejado e, por isso, pode ter direito à remuneração independentemente da conclusão deste contrato (se, repete-se, o contrato visado não se concretizar por causa imputável ao cliente da empresa mediadora) ou mesmo que não tenha contribuído para a sua celebração, como no caso do interessado/destinatário ter sido encontrado com o recurso a outro mediador.

Mas mesmo aqui, no contrato de mediação imobiliária com regime de exclusividade, nada sendo especificamente estipulado (nos termos do art. 16.º/2/g, segundo o qual devem as partes estipular os concretos efeitos da cláusula/regime de exclusividade), a exclusividade, segundo entendimento doutrinal e jurisprudencial[3], apenas afasta a concorrência de outros mediadores e não a própria actividade do cliente; ou seja, via de regra, estar-se-á perante uma cláusula de exclusividade simples (e não perante uma cláusula de exclusividade absoluta/reforçada) que impede o cliente de recorrer a outras mediadoras, mas que não impede que ele próprio seja contactado e encontrado por um interessado.

Evidentemente, a circunstância do cliente ter uma ampla margem de desistência de celebração do contrato (na mediação simples), não significa que ele possa colocar termo ao contrato duma forma discricionária e que, furtando-se ao pagamento da remuneração, vá a seguir (à “revogação” por si operada do contrato de mediação) celebrar o contrato com um interessado angariado pela mediadora.

Mesmo no contrato de mediação imobiliária simples, o prazo do contrato implica que o cliente não pode deixar de remunerar a mediadora se vier a celebrar o contrato visado com pessoa que até si chegou graças à actividade desenvolvida pela empresa de mediação durante o prazo de vigência do contrato; isto é, se o cliente aproveitar a actividade da empresa de mediação realizada no prazo de vigência do contrato não pode deixar de pagar a remuneração acordada[4].

O que, como é óbvio, mas evidente e forçoso se torna no caso de um contrato de mediação, em regime de exclusividade, que tem de ser respeitado durante todo o prazo, sem admissibilidade de cessação por decisão unilateral do cliente e sem causa justificativa – neste sentido, v. g., o Acórdão da Relação de Lisboa, de 5 de Junho de 2018, Processo n.º 85/17.0T8VFX.L1-7, disponível no respectivo sítio do itij.

Como refere Higina Orvalho Castelo, in Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, Almedina, 2015, a pág. 105 “No contrato de mediação com cláusula de exclusividade, a revogabilidade ad nutum conduziria à inutilização da cláusula”.

Acrescentando a pág. 132 que “O contrato de mediação com uma tal cláusula tem de ser respeitado durante todo o seu prazo. Sendo inadmissível a sua cessação por decisão unilateral do cliente, sob pena de total ineficácia da cláusula. Sempre que quisesse celebrar o contrato com interessado angariado por outro mediador (ou por si, no caso de exclusividade absoluta), bastaria ao cliente revogar o encargo do mediador exclusivo. Ao contrato de mediação exclusivo não pode, portanto, ser posto termo unilateralmente e sem causa justificativa”.

Por outro lado, reitera-se, a remuneração só é devida se houver uma relação causal entre a actuação do mediador e a conclusão e perfeição do contrato – cf., entre outros, o Acórdão do STJ, de 15 de Novembro de 2007, Processo n.º 07B3569 e da Relação do Porto, de 25 de Junho de 2019, Processo n.º 142/18.6T8MCN.P1, ambos disponíveis no respectivo sítio do itij.

Ora, volvendo ao caso em apreço, como resulta da factualidade descrita nos itens 6.º a 17.º, dos factos provados, resulta que a autora, no âmbito do contrato que celebrou com os réus, praticou actos tendentes à angariação de interessado na aquisição do apartamento em causa, visitando-o, em 18 de Novembro de 2016 e posteriormente a esta data, com as pessoas que vieram a adquiri-lo, manifestação de vontade que estes confirmaram no final de Dezembro de 2016, vindo a escritura a ser outorgada em 27 de Fevereiro de 2017, pelo preço acordado entre as partes (mais baixo do que o inicialmente previsto) , tendo sido a autora a obter as certidões necessárias para tal, bem como a diligenciar pela obtenção do necessário certificado energético, tudo com a concordância dos réus.

Ou seja, o apartamento foi vendido a um cliente angariado pela autora, ainda dentro do prazo de validade do contrato – cf. itens 7.º a 9.º – pelo que o facto de em 7 de Dezembro de 2016, os réus terem denunciado o contrato de mediação, com efeitos a partir de 22 desse mês, em nada afecta o direito da autora a receber a contratualizada remuneração.

Para mais, já depois desta data, os réus anuíram a que a autora continuasse a diligenciar pela celebração da escritura, nos termos acima referidos, em face do que não conceder à autora o direito a receber tal remuneração, constituiria uma flagrante violação do que deve ser uma actuação pautada pela boa fé, que vincula os contratantes, no cumprimento das obrigações assumidas, como resulta do disposto no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil.

Por último, de referir que a pretendida redução da remuneração a metade, não tem suporte nos factos alegados, por não se ter demonstrado a factualidade em que os réus assentam tal pretensão, o que, desde logo, acarreta a respectiva improcedência – cf. artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil.

Consequentemente, nesta parte, igualmente, improcede o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas, pelos apelantes.

Coimbra, 18 de Fevereiro de 2020.

Arlindo Oliveira ( Relator )

Emídio Santos

Catarina Gonçalves


[1] E é também o que diz a cláusula 5.ª/1 do contrato sub-judice, de que consta “que a remuneração só é devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado, nos termos e com as excepções previstas no art. 19.º da Lei 15/2013”.

[2] Contrato esse que tem que ser perfeito/eficaz (v. g., não pode ser nulo).
[3] Maria de Fátima Ribeiro in “O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração”, pág. 140; e Ac do TRG de 20/04/2010 e 04/06/2013 e Ac. do TRC de 18/02/2014, todos in ITIJ.

[4] Repare-se que, em tal hipótese (do cliente “revogar” o contrato de mediação e ir a seguir celebrar o contrato com um interessado angariado pela mediadora), se verificam as 3 circunstâncias cumulativas (supra referidas) de que depende a sua remuneração: a) cumpriu a sua prestação (encontrando interessado); b) o cliente celebrou o contrato desejado; e c) há nexo causal entre a actividade do mediador e o contrato desejado.