Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
65/14.8GATBU.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
CRITÉRIOS
Data do Acordão: 01/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS 40.º, 69.º E 70.º, DO CP
Sumário: I - Prevenção e culpa são os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena (art. 40º, nºs 1 e 2, do C. Penal), reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite às exigências de prevenção e portanto, o limite máximo da pena.

II - A medida da pena resultará da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – [prevenção geral positiva ou de integração] – temperada pela necessidade de prevenção especial de socialização, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

            No [já extinto] Tribunal Judicial da comarca de Tábua o Ministério Público requereu o julgamento, em processo especial sumário, do arguido A..., com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), ambos do C. Penal.

Por sentença de 5 de Maio de 2014, foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de um 50 dias de multa à taxa diária de € 6,50, perfazendo o montante global de € 325, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de três meses.


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            Inconformada com a decisão recorreu a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            A. O arguido A... foi acusado, em processo sumário, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p.p, pelo artigo 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal e condenado pela prática desse ilícito – em face da factualidade dada como provada nos presentes autos – numa pena de 50 dias de multa à taxa diária de € 6,50 e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de três meses;

B. Ficou provado que o arguido conduzia um veículo a motor na via pública com uma taxa de 2,24 g/l de alcoolemia;

C. Conduzindo o arguido com tal taxa de álcool no sangue ter-se-á de considerar que a culpa do arguido é elevada, bem como é elevado o grau de ilicitude do facto;

D. A pena principal e a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, previstas nos artigos 47.º, 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal devem ser graduadas, segundo os critérios gerais de determinação das penas que decorrem dos artigos 40.º, 70.º, 71.º do Código Penal;

E. A pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, sendo a sua finalidade a intimidação da generalidade dirigindo-se, ainda, à perigosidade do agente, razão pela qual dentro da moldura penal abstrata de três meses a três anos, há que atender à culpa do arguido e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depuserem a favor ou contra ele;

F. Na fixação das medidas das penas há que atender aos critérios da culpa, da prevenção geral e da prevenção especial, sendo que quanto a esta importa a necessidade de ressocialização do arguido e a vertente da necessidade de advertência individual para que não volte a delinquir, bem como o facto de dever ser especialmente considerado um fator que, de certo modo, também toca a culpa: a suscetibilidade de o agente ser influenciado pela pena;

G. Atentos os bens jurídicos violados, a gravidade do ilícito, a medida da culpa e as necessidades de prevenção (geral e especial), em face da moldura penal abstratamente aplicável – de 10 dias a 120 dias, quanto à pena de multa; e de 03 meses a 03 anos, quanto à pena acessória –, o arguido teria de ser condenado numa pena de multa não inferior a setenta dias e a uma pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período não inferior a sete meses;

H. Ao não o fazer, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40.º, nºs. 1 e 2, 69.º, n.º 1, alínea a), 70.º, 71.º e 292.º, n.º 1, do Código Penal;

I. Pelo que deve a Sentença ser substituída, nesta parte, por outra que condene o arguido como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo artigo 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, numa pena de multa não inferior a setenta dias e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período não inferior a sete meses.

Nestes termos e nos demais de Direito a Sentença proferida pelo Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 69.º, n.º 1, alínea a), 292.º, n.º 1 e artigo 71.º, todos do Código Penal, pelo que deverá ser revogada, no que à medida da pena principal de multa e da pena acessória de inibição de conduzir concerne, e substituída por outra que, condene o arguido, no mínimo, a uma pena de 70 (setenta) dias de multa e a uma pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de 07 (sete) meses, julgando o recurso ora interposto procedente e alterada a Decisão proferida pelo Tribunal a quo.


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            O arguido não respondeu ao recurso.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, sublinhando que a TAS apurada demonstra ilicitude e culpa elevadas pelo que, pena principal e acessória deveriam ser agravadas, e concluiu pelo provimento do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal, tendo respondido o arguido, dando por reproduzidas as alegações do recurso.

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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pela Digna Magistrada recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se foi incorrectamente determinada a medida concreta das penas, principal e acessória.


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            Para a resolução desta questão importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

            A) Nela foram considerados provados os seguintes factos [tal como se ouvem no registo da audiência de julgamento, por nós numerados]:

            “ (…).

            1. No dia 17 de Abril de 2014, pelas 17h15, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula HC (...), pela EN 337, km 69,500, nesta localidade de Tábua.

                2. Nessa altura o arguido conduzia a viatura, estando ao seu volante, possuindo uma TAS de 2,24 g/l, decorrente do prévio consumo de bebidas alcoólicas.

                3. O arguido agiu nestes termos, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, agindo voluntária, livre e conscientemente.

4. O arguido é cantoneiro, trabalha na Câmara Municipal de Tábua, aufere € 600 por mês a título de retribuição mensal, vive com a mulher que está empregada, em casa própria, suporta uma prestação mensal por crédito à habitação no valor de € 264 por mês, e paga ainda mensalmente o valor correspondente a um crédito ao consumo para aquisição de veículo automóvel, uma carrinha Isuzu, no valor de € 164 por mês, não tendo outros encargos que não os associados à sua subsistência.

5. Não há notícia de que o arguido tenha sido previamente condenado por qualquer prática criminal.

6. O arguido é visto, genericamente, como pessoa pacata e trabalhadora.      

(…)”.

B) E dela não constam factos não provados.


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Da incorrecta determinação da medida concreta das penas, principal e acessória

1. Alega a Digna Magistrada recorrente – conclusões C a I – que a condução do arguido com a TAS apurada significa um grau elevado de ilicitude e de culpa e por isso, atentas as exigências de prevenção geral e especial e as molduras penais aplicáveis, a pena de multa deveria ser agravada para setenta dias e a pena acessória para sete meses de proibição de conduzir veículos com motor.

Vejamos se lhe assiste ou não, razão.

1.1. Dispõe o art. 40º, nº 1 do C. Penal que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Por sua vez, dispõe o nº 2 do mesmo artigo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Prevenção e culpa são, portanto, os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena (art. 40º, nºs 1 e 2, do C. Penal), reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite às exigências de prevenção e portanto, o limite máximo da pena.

A medida da pena resultará da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – [prevenção geral positiva ou de integração] – temperada pela necessidade de prevenção especial de socialização, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena.

1.2. Frequentemente a determinação da pena, em sentido amplo, passa pela operação de escolha da pena, o que sucede, designadamente, quando o crime é punido, em alternativa, com pena privativa e com pena não privativa da liberdade. Nestes casos, o critério de escolha da pena encontra-se fixado no art. 70º do C. Penal segundo o qual, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.  

1.3. Escolhida a pena, há que determinar a sua medida concreta. Para tanto, o tribunal deve atendera todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal). Entre outras, haverá então que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do art. 71º do C. Penal).

1.4. Finalmente, cumpre referir que os critérios legais, supra sintetizados, são integralmente aplicáveis às penas acessórias. Com efeito, estas, embora pressuponham a condenação do arguido numa pena principal [prisão ou multa], são verdadeiras penas criminais, também elas ligadas à culpa do agente e justificadas pelas exigências de prevenção (cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1ª edição, 2013, pág. 34).

2. O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por cuja prática foi o arguido condenado, é punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Ora, o tribunal recorrido optou, e bem, pela pena não privativa da liberdade, opção que, aliás, não integra o objecto do presente recurso.

3. Não se suscitando qualquer dúvida quanto a ter o arguido praticado um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, atentemos agora na pena de multa decretada pela 1ª instância que foi a de 50 dias de multa à taxa diária de € 6,50.

Como vimos, a determinação da medida concreta da pena é feita em função das necessidades de prevenção e da culpa do agente, devendo para tanto, o tribunal atendera todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal).

Na sentença [como resulta da audição do registo da audiência de julgamento] o Mmo. Juiz a quo considerou que o arguido agiu com dolo directo, que agiu à luz do dia e portanto, sem especial sagacidade ou astúcia, que a TAS era elevada, que não era marcante o alarme social decorrente da conduta que não levada a cabo dentro da malha urbana, e que, sendo primário o arguido, não se fazem sentir as necessidades de prevenção especial, vindo, a final, a fixar a pena principal num ponto situado entre o primeiro quarto e a metade da moldura penal abstracta.

Ora, o grau de ilicitude do facto é efectivamente elevado uma vez que a concreta TAS de que o arguido era portador em muito excede o limiar da tipicidade.

O dolo foi intenso posto que o arguido agiu com dolo directo.

As necessidades de prevenção geral são muito elevadas, quer pela frequência com que, por toda a parte, é praticada a condução automóvel influenciada pelo álcool, quer pelas negras estatísticas nacionais no que respeita à sinistralidade rodoviária, sabido que é a frequência com que os acidentes são provocados por condutores alcoolizados. E neste âmbito, dando de barato que a condução do arguido decorreu fora de malha urbana, não vemos que, ressalvado sempre o devido respeito por diversa opinião, tal circunstância possa reduzir as exigências preventivas, sendo certo que nos encontramos perante um crime de perigo abstracto.

A inexistência de antecedentes criminais do arguido não evidencia as exigências de prevenção especial mas, e regressando de novo ao teor da sentença, sempre diremos que nela, o Mmo. Juiz considerou as declarações do arguido ensaiadas, inconsistentes e contendo uma versão carecida de fundamento, o que só pode significar que este se revelou incapaz de assumir, ao menos de forma integral, o desvalor dos actos por si praticados e por isso, a sua culpa.

Finalmente, o arguido revelou-se um cidadão inserido, laboral, familiar e socialmente.

Aqui chegados, sobrepondo-se as circunstâncias agravantes às circunstâncias atenuantes, e sendo significativas as necessidades de prevenção geral, consideramos que o agravamento da pena pretendido pela Digna Magistrada recorrente, situado muito ligeiramente acima do ponto médio da moldura penal abstracta assegura mais adequadamente, face aos critérios enunciados, as finalidades da punição.

Assim, deve o arguido ser condenado na pena de 70 dias de multa, à fixada taxa diária de € 6,50, perfazendo a multa global de € 455.

4. Nos termos do art. 69º, nº 1, a) do C. Penal, a proibição de conduzir veículos com motor para arguido punido pela prática do crime previsto no art. 292º do mesmo código, é fixada por um período entre três meses e três anos.    

Sendo aqui integralmente aplicáveis as considerações tecidas no ponto que antecede, quanto às circunstâncias e às exigências preventivas a considerar, afigura-se-nos manifestamente insuficiente a pena concreta fixada pela 1ª instância.

Por outro lado, especialmente quando a pena principal não é pena detentiva, é maior a advertência individual da pena acessória do que a da pena principal.

Deste modo, situando-se o agravamento da pena acessória pretendido pela Digna Magistrada recorrente ainda abaixo do primeiro oitavo da moldura abstracta, consideramos que o período de sete meses de proibição de condução de veículos com motor assegura de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Deve pois ser o arguido condenado na pena acessória de sete meses de proibição de conduzir veículos com motor.


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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso. Consequentemente, decidem:

A) Revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o arguido A... – pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), ambos do C. Penal – na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 6,50, perfazendo o montante global de € 325, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de três meses.

B) Condenar o arguido A... – pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), ambos do C. Penal – na pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), perfazendo a multa global de € 455 (quatrocentos e cinquenta e cinco euros), e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de sete meses.

C) Confirmar, quanto ao mais, a sentença recorrida.


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Recurso sem tributação.

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Coimbra, 28 de Janeiro de 2015


(Vasques Osório - relator)


(Fernando Chaves - adjunto)