Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
315/11.2TTFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO
AÇÃO ESPECIAL
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Data do Acordão: 10/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 98º-B E SEG.S DO C.P.T.
Sumário: I – Verifica-se erro na forma de processo se, na acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, regulada nos artºs 98º-B e seg.s do C.P.T., é controvertida a questão do momento e forma da cessação do contrato, não estando assente que haja despedimento assumido formalmente enquanto tal.

II – Não se podem aproveitar os actos praticados no processo, com vista à tramitação como acção comum, prevista nos artºs 51º e seg.s do CPT, se o próprio trabalhador invoca que o contrato cessou antes da comunicação do despedimento, não formulando qualquer pedido com base nessa cessação.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

F... (adiante designado por Autor) instaurou a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, com processo especial, contra o CENTRO DE DESENVOLVIMENTO EDUCATIVO DE C... (adiante designado por Réu), através do formulário a que se alude no art. 98.º n.º 1 do Cod. Proc. Trabalho, na versão do Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13/10, alegando que foi despedido pelo Réu em 8 de Novembro de 2011.

Juntou os documentos de fls. 3 a 8.

Frustrada a tentativa de conciliação realizada em audiência das partes, o Réu apresentou articulado de motivação do invocado despedimento, no qual alegou, em síntese e para além da incompetência em razão do território do T.T. da Figueira da Foz, que o procedimento disciplinar foi válido e que o Autor cometeu factos integradores de justa causa de despedimento.

Com tais fundamentos, requereu a remessa do processo para o T.T. de Coimbra, a declaração da regularidade e licitude do despedimento, com a improcedência da acção, e que, com a admissão da cumulação de pedidos, seja o Autor condenado a pagar-lhe € 10 000,00 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais e de todos os danos patrimoniais que indica, a liquidar em sede de sentença.

O Autor apresentou contestação/reconvenção, entretanto objecto de aperfeiçoamento, propugnando pela improcedência da excepção de incompetência territorial, e alegando que o Réu proferiu a decisão de despedimento em 08/09/11 e notificou-a ao Autor na mesma data.

No entanto, em tal data já não subsistia o contrato de trabalho porquanto já havia procedido à resolução do mesmo com invocação de justa causa. Em 30/08/11 enviou uma carta para a sede do Réu e outra de idêntico teor para o seu local de trabalho, comunicando-lhe aquela resolução, sendo que a primeira veio devolvida e a segunda foi entregue ao Réu em 06/09/2011, produzindo efeitos nesta data, pelo que na mesma cessou o contrato que vinculava o trabalhador ao empregador, razão pela qual aquela decisão de despedimento terá de ser considerada nula ou ineficaz.

À cautela, e para o caso de se considerar que o contrato cessou com o despedimento, defende que não existiu justa causa para o despedimento, não tendo praticado os factos que lhe são imputados no procedimento disciplinar.

Termina, concluindo:

“Nestes termos e nos demais de direito, deve:

1. Considerar-se improcedente a excepção de incompetência territorial do Tribunal deduzida pelo R.

2. Rejeitar-se, por inadmissível, o pedido cumulativo deduzido pelo R.; ou

Caso assim não se decida,

- Considerar-se improcedente, por não provado, o referido pedido cumulativo;

3. Declarar-se ilícito o despedimento nulo ou ineficaz;

Ou, Caso assim não se decida,

- Declarar-se o despedimento do A. ilícito, por ausência de justa causa;

- Condenar-se o R. no pagamento ao A. da quantia de € 3.998,96, a título de remunerações e subsídio de férias vencidos e não pagos;

- Condenar-se o R. no pagamento da quantia de € 3.607,04 a título de trabalho extraordinário efectuado pelo A. e não pago, acrescido de juros, à taxa legal, desde a data do presente pedido e até integral pagamento.

- Condenar-se o R. no pagamento da quantia de € 1.856,32 relativa aos proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal decorrentes da extinção do contrato de trabalho;

- Condenar-se o R. a pagar ao A., a título de indemnização de antiguidade, a quantia de € 2.754,48”.

O Réu apresentou resposta, dizendo que as cartas a que alude o trabalhador não poderiam ser recebidas, reclamadas ou levantadas por si, na medida em que foram dirigidas a pessoa diferente do representante do empregador e seria impossível este ter tido conhecimento do seu teor, já que esteve ausente entre 03/09 e 11/09/2011 e, no que respeita à segunda carta, não foi o mesmo que a recebeu e não teve conhecimento do seu conteúdo, sendo que a mesma, quando muito, foi entregue numa valência da empregadora e não ao seu representante.

Procedeu ao despedimento do Autor sem ter conhecimento do conteúdo da carta que o Autor alegadamente enviou para o local de trabalho.

Foi proferido, em 12/01/2012, despacho, que veio a transitar em julgado, a considerar territorialmente competente o Tribunal do Trabalho de Coimbra.

A fls. 199- 201, a Srª Juíza exarou o seguinte despacho:

(...)

Pese embora o despacho proferido a fls. 138, no sentido de o trabalhador completar a sua reconvenção, cumpre conhecer da eventual existência de erro na forma de processo, atento o alegado pelo trabalhador na sua contestação, questão de que, aquando da prolação daquele, não me apercebi.

*

Assim: No caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega, pelo trabalhador, de requerimento em formulário próprio (artigo 98º-C, nº 1, do C.P.T.).

O A. juntou a decisão de fls. 3 a 8, proferida pelo empregador no sentido do seu despedimento com justa causa, sem indemnização ou compensação.

Ora, esta decisão junta pelo o trabalhador consubstancia, sem dúvida, uma das decisões de despedimento previstas no citado normativo, razão pela qual, o processo prosseguiu os seus trâmites normais como ação especial. Acontece que, face ao alegado pelo trabalhador na sua contestação, no sentido de que quando recebeu esta decisão de despedimento já tinha feito cessar o contrato de trabalho que o vinculava ao empregador, através de resolução com invocação de justa causa, não devia ter intentado a presente ação mas antes a respetiva ação de processo comum, sendo que, salvo o devido respeito, nem se compreende porque continua a afirmar que tem de impugnar em juízo a sanção que lhe foi aplicada.

Na verdade, ou o trabalhador resolveu o contrato em data anterior à decisão de despedimento proferida pelo empregador e, desta forma, aquando da mesma decisão já tinha cessado o poder disciplinar deste, ou aquela comunicação de resolução não produziu efeitos e este poder manteve-se, questões que não podem ser apreciadas neste processo especial.

Estamos, assim, perante um erro na forma de processo, sendo que, tendo em conta as especialidades da presente ação, nada desta pode ser aproveitado (artigo 199º, nº 1, do C.P.C.).

*

Pelo exposto, ao abrigo do disposto nos artigos 61º, nº 2, do C.P.T., 510º, nº 1, a) e 493º, ambos do C.P.C., julgo procedente a exceção de erro na forma do processo e absolvo o empregador da instância.

Custas a cargo do trabalhador.

Valor da acção: € 2.000”.

Inconformado com tal decisão, veio o Autor, para alem de invocar, expressa e separadamente, a nulidade da sentença, interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

[…]

A Ré contra-alegou, propugnando pela manutenção do julgado.

Foram colhidos os vistos legais, tendo o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

x

Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, como questões em discussão:

- a nulidade da sentença;

- se se verifica erro na forma de processo.

x

Como circunstancialismo relevante, temos o descrito no relatório do presente acórdão.

x

-o direito:

- a nulidade da sentença:

Entende o Réu- apelante que a sentença é nula, por omissão de pronúncia, já que não conheceu das questões da existência, ou não, de vínculo contratual no momento da comunicação da decisão de despedimento, sendo que tal apreciação e decisão se impunha para se concluir, ou não, pela adequação da forma de processo utilizada

Apreciando, temos que a nulidade de omissão de pronúncia- prevista no nº 1, al. d), do artº 668º do Cód. Proc. Civil- se verifica quando o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento, ou quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, em violação do disposto no art.º 660, n.º 2, do CPC, isto é, do dever, por parte do juiz, de não ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, assim como de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Refira-se que as “questões” que o juiz deve conhecer se reportam às pretensões formuladas, não estando obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, sendo certo que, quanto ao enquadramento legal, não está o mesmo sujeito às razões jurídicas invocadas pelas partes, pois o julgador é livre na interpretação e aplicação do direito - art.º 664, do CPC.

No caso em apreço, resulta do despacho recorrido que a Sr.ª Juíza considerou controvertida a questão referida pelo recorrente, concluindo que não cabia no âmbito do presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento a apreciação de tal questão, mas sim na acção com processo comum.

Sendo esse o seu entendimento, é manifesto que não tinha que apreciar a referida questão, e se essa sua asserção está certa ou errada é problemática que tem que ver com o acerto dessa decisão, não consubstanciando, de forma alguma, qualquer omissão de pronúncia.

A recorrente confunde, aqui, a arguição da nulidade da sentença consistente na omissão de pronúncia sobre questão que deveria ser apreciada (artº 668º, nº 1, al. d), do CPC) com a impugnação da decisão de direito, por inadequada aplicação do mesmo.

Pelo que se considera não existir a invocada nulidade.

x

- o erro na forma de processo:

A Sr.ª Juíza considerou – o que o apelante não aceita- que se verifica o erro na forma de processo, por, face à alegação do trabalhador, na sua contestação, de quando recebeu a decisão de despedimento já tinha feito cessar o contrato de trabalho por sua iniciativa, entender que não cabe no âmbito da presente acção especial de impugnação de despedimento a apreciação de tal questão.

Acrescentando:

“Na verdade, ou o trabalhador resolveu o contrato em data anterior à decisão de despedimento proferida pelo empregador e, desta forma, aquando da mesma decisão já tinha cessado o poder disciplinar deste, ou aquela comunicação de resolução não produziu efeitos e este poder manteve-se, questões que não podem ser apreciadas neste processo especial”.

E - desde já o adiantamos - não merece qualquer censura tal decisão.

Como resulta do art.º 98º- C do CPT, na versão introduzida pelo Dec-Lei nº 295/2009, de 13/10, em vigor desde 01/01/2010, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, é aplicável a nova acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento.

Com a nova acção especial, pretendeu o legislador criar um mecanismo processual que permita a resolução rápida e célere dos despedimentos individuais, atenta a natureza dos interesses em jogo, em particular para o trabalhador, que se vê desprovido do seu trabalho e do seu salário, em muitos casos por longos períodos, face à demora da resolução da acção (de impugnação judicial do despedimento) prevista no processo comum - artigos 51º e seguintes.

Assim, conforme refere Albino Mendes Batista, in A nova acção de impugnação do despedimento e a revisão do Cód. Proc. Trabalho, Coimbra Editora, Reimpressão, pags. 73 e 74 “a nova acção de impugnação do despedimento é apenas aplicável aos casos em que haja despedimento assumido formalmente enquanto tal”, ficando fora do âmbito desta impugnação outras situações que o dito autor enumera como sejam: o despedimento verbal; a invocação do abandono do trabalho quando não estão verificados os respectivos pressupostos; os casos em que o trabalhador entenda existir um contrato de trabalho que o empregador entende tratar como contrato de prestação de serviços e os casos em que o trabalhador entenda que não há motivo justificativo para o contrato a termo, relativamente ao qual o empregador acabou de invocar a respectiva caducidade.

De fora terão de ficar, igual e necessariamente, situações de dúvida acerca do momento e da forma em que cessou o contrato de trabalho e, designadamente situações como aquela que nos ocupa, em que se levantam legítimas dúvidas se, no momento em que o trabalhador recebe a comunicação de despedimento, já havia cessado, por qualquer outra forma, o contrato de trabalho, retirando àquela comunicação qualquer eficácia prática.

Nos presentes autos, as partes estão em desacordo em relação a esta particular e decisiva questão: o trabalhador entende que a entidade empregadora recebeu a comunicação de resolução do contrato por iniciativa do primeiro em data anterior à do envio da comunicação da decisão de despedimento, enquanto o empregador sustenta que nunca recebeu aquela primeira comunicação de resolução.

E essa questão não pode ser dirimida na presente acção, como processo especial, mas sim em sede de processo comum.

Poder-se-ia levantar a questão de se não seria de aproveitar o processado, em obediência ao disposto no artº 199º do CPC, que rege:

“1. O erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.

2. Não devem, porém, aproveitar-se os actos praticados, se do facto resultar uma diminuição das garantias do réu.”

A este propósito escreveu-se no Ac. da Rel. de Lisboa de 6/4/2011 (proc. 799/10.6TTLRS.L1-4 e disponível em www.dgsi.pt):

“A lei processual civil não constitui um fim em si mesma, devendo antes ser encarada, tendo precisamente em conta o seu papel adjectivo. O fim disciplinador que ela também encerra deve ser confinado àquela finalidade.

Daí que o formalismo processual não tenha um carácter rígido ou absoluto, podendo as irregularidades cometidas ser objecto, em princípio, das necessárias correcções ou adaptações, salvo nos casos em que a lei determine o contrário (Acórdão do STJ, de 26/11/1996, BMJ 461º, 379).

Entendemos, por isso, que verificado o erro na forma de processo, o juiz deve convolar a forma de processo que foi utilizada para a que devia ter sido utilizada, devendo observar fielmente, nessa convolação, o “princípio de boa economia processual” subjacente ao art. 199º do CPC, ou seja, só deve anular os actos que de todo em todo não possam ser aproveitados. Como sustentam o Prof. Alberto dos Reis (Código do Processo Civil Anotado, pág. 310) e o Prof. Lebre de Freitas (Acção Declarativa Comum, Coimbra Editora, pág. 46), os actos praticados até ao momento em que o juiz conheça o erro na forma de processo só devem ser anulados se de todo em todo não puderem ser aproveitados para a forma adequada ou se desse aproveitamento resultar uma diminuição das garantias do réu”.

Pelo que sempre será legítima a interrogação se se justificará anular qualquer acto praticado no processo, porquanto todos eles podem ser aproveitados e adequados à forma correspondente à acção comum, sem qualquer diminuição das garantias de defesa do Réu (entidade empregadora), podendo, perfeitamente o articulado do Autor (trabalhador) funcionar como petição inicial e os articulados apresentados pela entidade empregadora como contestação, e tendo em conta que se poderia considerar o “pedido cumulativo” como dedução de pedido reconvencional.

No caso em apreço entendemos, todavia, que não será possível tal convolação, já que o trabalhador, na contestação ao articulado do empregador, para além de sustentar, como vimos, que a cessação do contrato ocorreu, por sua iniciativa, em momento anterior à comunicação do despedimento, não retira dessa sua alegação a respectiva consequência em termos de pedido, isto é estruturando este com base nessa sua resolução do contrato; o que faz é, por mera cautela e não prescindido daquela sua tese, formular o pedido com base na ilicitude do despedimento, peticionando que se declare essa licitude, “por ausência de justa causa”.

Face a esta sua atitude processual (não deixando de causar estranheza que, apesar do seu entendimento quanto à cessação do contrato, tenha optado pela presente acção especial), sendo que, como também já tivemos oportunidade de acentuar, é controvertida a questão do momento e forma da cessação do contrato, não vemos qualquer viabilidade de aproveitamento do processado, nos termos e para o efeitos do artº 199º do CPC.

Improcedem, assim, as conclusões do recurso.

x

Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se em negar provimento à apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

 Ramalho Pinto (Relator)

Azevedo Mendes

Joaquim José Felizardo Paiva