Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
160/12.8GAPNI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE FRANÇA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 03/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (SEC. COMP. GEN. DA INSTÂNCIA LOCAL DE PENICHE - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 496.º, N.º 2, DO CC
Sumário: No caso de morte da vítima, toda a indemnização correspondente aos danos não patrimoniais, quer os sofridos pela vítima, quer os sofridos pelo familiares, cabe, não aos herdeiros por via sucessória, mas antes aos familiares por direito próprio, de acordo e pela ordem prevista no artigo 496º, n.º 2, do Código Civil.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

Nos autos de processo comum (singular) que, sob o nº 160/12.8GAPNI, correram termos pela Secção de Competência Genérica, Instância Local de Peniche, da Comarca de Leiria– J1, foi o arguido A... submetido a julgamento, acusado pela prática de um crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo artigo 137º, nº 1 do Código Penal com referência à contraordenação causal prevista no artigo 46º, nº 1 do CE.

A assistente G.... deduziu pedido de indemnização civil contra a Companhia de Seguros H... , S.A., peticionando a condenação desta no pagamento da quantia global de € 65.000,00, correspondente ao dano pela perda do direito à vida, no montante de € 40.000,00, e aos danos morais sofridos pela assistente, mulher da vítima, no montante de € 25.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar da citação até integral pagamento.

B... e C... deduziram pedido de indemnização civil contra a Companhia de Seguros H... , S.A. e contra o arguido, peticionando a condenação destes no pagamento da quantia global de € 80.000,00, relativos à perda do direito à vida e os danos morais sofridos pelos demandantes, pais da vítima, com a morte, acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar da decisão até integral pagamento.

O arguido apresentou contestação.

A demandada civil Companhia de Seguros H... , SA, apresentou contestação, referindo que quanto ao pedido de indemnização formulado pela mulher da vítima, peca por excessivo, sendo que os juros são devidos apenas desde a decisão e quanto ao pedido de indemnização formulado pelos progenitores da vítima, estes não têm legitimidade, pois se o falecido deixou cônjuge sobrevivo apenas este tem direito à indemnização.

Os demandantes B... e C... responderam à contestação apresentada pela demandante, referindo que têm direito a receber indemnização, e que não se trata de um exceção de ilegitimidade, mas uma situação de improcedência do pedido, concluindo que deve ser julgada improcedente a exceção de ilegitimidade. 

Por despacho de fls. 258 e 259 não foi admitido o pedido de indemnização civil deduzido pelos demandantes B... e C... contra o arguido A... .

            Efectuado o julgamento, viria a ser proferida sentença, decidindo nos seguintes termos (extracto):

«Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Absolver o arguido A... , da prática do crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo artigo 137º, nº 1 do Código Penal.

b) Absolver a demandada COMPANHIA DE SEGUROS H... , SA do pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes B... e C.

c) Condenar a demandada COMPANHIA DE SEGUROS H... , SA a pagar à assistente G... a quantia global de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), acrescida dos juros vincendos desde a data da presente sentença até integral pagamento, absolvendo-a do pedido de juros vencidos desde a notificação do pedido de indemnização civil.

d) Condenar os demandantes B... e C... nas custas do pedido de indemnização civil por si formulado (artigos 527º do CPC e 523º do CPP).

e) Condenar a demandada Companhia de Seguros H... , SA nas custas do pedido de indemnização civil formulado pela assistente G... (artigos 527º do CPC e 523º do CPP).

f) Sem custas criminais

            Inconformados, os demandantes cíveis B... e C interpuseram o presente recurso, que motivaram, concluindo nos seguintes termos:

A) Tem-se entendido doutrinária e jurisprudencialmente, máxime após o acórdão do STJ de uniformização de jurisprudência de 17/3/1971 (BMJ 205/150), que, em caso de morte, do artº 496º, 2 e 3 do CC resultam três danos não patrimoniais indemnizáveis: - o dano pela perda do direito à vida; - o dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte; - o dano sofrido pela vítima antes de morrer, variando este em função de factores de diversa ordem, como seja o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima estava consciente ou em coma, se teve dores ou não e qual a sua intensidade, se teve ou não consciência de que ia morrer.

B) Como resulta do ac. do STJ de 17 de Março de 1971, - tirado em reunião conjunta de secções e com tal objectivo, nos termos do artº 728º, 3 CPC (redacção então em vigor) -, a tese de que a perda do direito à vida é um direito de personalidade, em si mesmo, passível de reparação pecuniária, porque a violação ilícita desse direito não pode deixar de dar lugar à obrigação de indemnizar, nos termos do artº 483º, 1, do CC e que a obrigação nasce no momento em que o agente inicia a prática do acto ilícito, integrando-se o correspondente direito a essa reparação no património da vítima e assim e transmitindo aos seus herdeiros, mesmo que a morte seja imediata.

C) Relativo ao dano pela perda do direito à vida, na sequência daquele referido acórdão uniformizador de jurisprudência, a jurisprudência, ao longo de décadas teve sempre a mesma doutrina, ou seja, “a perda do direito à vida é, em si mesma, passível de reparação pecuniária, sendo a obrigação gerada pela acção de que a morte é consequência. Tal direito à reparação integra-se no património da vítima e, com a morte desta, mantém-se e transmite-se aos seus sucessores, mesmo que se trate de morte imediata”.

D) Foi esta pacífica orientação jurisprudencial, de que são exemplos os acórdãos do STJ de 27/3/79 (proc.067802), de 19/4/1979 (p.067823), de 24/3/1981 (p.069118), de 4/3/1982 (p.0697796), de 16/3/90 (p.078225) e de 15/10/97 (p.98P302), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj, entre muitas dezenas de outros acórdãos sobre a mesma questão, que podem ser encontrados no mesmo sítio e que se manteve sempre, apesar de até cerca de meados da década de 80 do séc. XX, o cônjuge não ser herdeiro, o que só sucedeu a partir de 1 de Abril de 1978.

E) Esta é a jurisprudência correcta, pois, sendo titular do bem ofendido a vítima – quer no caso de morte, o bem vida, quer no caso de ofensa corporal, o bem integridade física – a respectiva indemnização integra-se logicamente no seu património, quer diga respeito à ofensa do bem vida, quer diga respeito à ofensa do bem integridade física.

F) Da mesma maneira que o progenitor não pode vir em nome próprio reclamar um crédito do filho, também, após a morte do mesmo, só pode reclamar invocando a qualidade de sucessor, pelo que a indemnização por ofensa do bem vida, bem como a indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela vítima, só por esta, ou no caso de morte, pelos seus sucessores pode ser reclamada.

G) Caso contrário, estamos perante um caso de ilegitimidade processual, porquanto sucessor não é, salvo nessa qualidade, titular de um interesse directo. - Cfr. artº 30º do NCPC.

H) A decisão proferia, no sentido de considerar que a indemnização pela perda do direito à vida da infeliz vítima se insere nos danos não patrimoniais próprios do cônjuge não tem qualquer coerência com a titularidade do direito ou interesse violado.

I) Determina o artº 9º, 3, do CC que “na fixação do sentido e alcance da letra da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, pelo que interpretação seguida na sentença faz do legislador – os julgadores que consagraram a indemnização pela perda do direito à vida -, pelo menos, pessoas muito distraídas que atribuindo a titularidade do direito à vida e integridade física à vitima, fazem radicar de forma originária o direito de indemnização pela sua violação em outras pessoas terceiras e permitem duas soluções sobre a titularidade do direito à indemnização, consoante o ofendido morra ou não, o que é uma total e completa aberração, pois os direitos de crédito nãos e extinguem com a morte do credor.

J) Face ao exposto, tem de ser revogada a sentença recorrida, na parte em que julgou o pedido dos ora recorrentes quanto à indemnização pela violação do direito à vida do seu filho F... , como sucessores que são do mesmo, nos termos legais.

K) Entende também a decisão recorrida que os ora recorrentes estão excluídos do direito à indemnização por danos próprios, embora tenham sido considerados provados factos demonstrativos do sofrimento dos ora recorrentes. – Cfr. factos 47 a 51 -, seguindo uma interpretação restritiva do artº 496º, 2, CC, no sentido de que os ascendentes só têm direito a indemnização por danos morais se não houver cônjuges, nem descendentes.

L) Segundo os critérios de interpretação da lei, vertidos no nº 1 do artº 9º do CC, “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.

M) Ao tempo em que entrou em vigor o CC, o artº 2133º, na sua redacção inicial, excluía o cônjuge da qualidade de herdeiro, mas entendeu o legislador, em matéria infortunística, em especial de indemnização por danos não patrimoniais sofridos com a morte de alguém, não podia deixar de ser originariamente atribuído o direito à indemnização por esses danos por ele sofridos e englobou o cônjuge logo na primeira linha das pessoas com direito a essa indemnização, pois é o cônjuge e os descendentes que foram o núcleo familiar directo de cada pessoa.

N) Em 1 de Abril de 1978 o legislador consagrou a regra de que o cônjuge também era herdeiro, através da alteração do artº 2133º CC, mas apesar de o considerar herdeiro legitimário, juntamente com os descendentes do falecido, entendeu de seguida que, na falta destes, o cônjuge seria herdeiro juntamente com os ascendentes, pois considerou que o vínculo matrimonial não destruía a relação de sangue, nem atenuava a mesma e, mantendo os direitos do cônjuge, chamou à sucessão os ascendentes se ainda forem vivos.

O) Ora é o que se passa, na interpretação do artº 496º, 2, CC, pelo que, ao atribuir uma indemnização originária aos descendentes, a lei teve em vista o núcleo familiar directo, pelo que, determinou que, na falta de descendentes, seriam chamados os ascendentes, se eles faltassem, como inculca a expressão “na falta destes”, pelo que esta expressão só pode querer referir aos descendentes, caso contrário teria referido “na sua falta”, o que seria mais abrangente.

P) Para além disso, a família de sangue do falecido ficaria irremediavelmente afastada da compensação pelo seu sofrimento com a perda da vítima, em detrimento de quem, não sendo da família de sangue, quebrados os laços conjugais, muitas vezes retoma-os com novo projecto de vida, quer por casamento, quer por simples união de facto e não parece ter sido esta intenção do legislador, que até faz expressa referência aos pais do falecido.

Q) Por outro lado, esta interpretação é uma interpretação que apenas beneficia o lesante, porque a indemnização que seria paga aos descendentes, não acresce ao cônjuge.

R) Consequentemente, deve interpretar-se o artº 496º, 2, CC, no sentido de que faltando os descendentes da infeliz vítima são chamados a reclamar os danos não patrimoniais os pais da mesma, sobretudo, como no caso presente, em que está provada a relação de proximidade do falecido F... com os ora recorrentes, pelo que também na parte em que negou o direito dos ora recorrentes a serem indemnizados pelos danos não patrimoniais próprios, deve a sentença recorrida ser revogada.

S) A indemnização arbitrada à viúva do infeliz F... é manifestamente miserabilista e não segue os critérios que vêm sendo seguidos pelos tribunais superiores no seu arbitramento por equidade, não podendo nunca ser compensados por essa dor e sendo juridicamente relevante este dano de natureza não patrimonial, pelo que deve ser arbitrada aos ora requerentes uma indemnização por esse dano não patrimonial de valor inferior a 80.000 euros.

T) No cálculo da indemnização pela perda do direito à vida e segundo as regras do direito sucessório, nos termos do artº 2142º CC, cabendo aos ora requerentes 1/3 desse valor e atenta a idade do infeliz F... , apenas 42 anos, o facto de ser uma pessoa saudável e estimada social e profissionalmente, não pode ser inferior a 80.000 euros, sendo este o valor que tem sido atribuído pelas mais recentes decisões dos tribunais superiores. – Cfr. ac. STJ, de 31/5/2012, proferido no processo 14143/07.6TBVNG.P1.S1.

U) A esse valor acresce, em virtude do que foi alegado atrás, a uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por cada um dos ora requerentes, na qualidade de pais da infeliz vítima, os quais têm legalmente de ser indemnizados, não podendo ser em valor inferior a 25.000 euros para cada um, pois é este o valor que os tribunais superiores têm atribuído por danos não patrimoniais sofridos por pais com a morte de filhos adultos.

V) Como compensação mínima, justa e legal pelos danos não patrimoniais sofridos e a sofrer pelos ora requerentes e os sofridos pelo seu filho F... , pela perda do direito à vida e o sofrimento nos momentos que mediaram entre o momento que foi baleado (?!!) e a sua morte, não pode a indemnização global a arbitrar computar-se em valor inferior a 80.000 euros.

X) A esta quantia acrescem juros legais desde a decisão final que vier a ser proferida até integral pagamento, nos termos do artº 805º, 3, CC.

Y) É assim ilegal e injusta a sentença recorrida, a qual manifestamente violou o disposto no artº 496º do CC, devidamente interpretado, segundo os critérios que constam do artº 9º do mesmo diploma legal.

Z) Consequentemente, deve ser revogada e substituída por outra decisão que, em procedência do recurso, arbitre aos ora recorrentes a indemnização pedida por eles oportunamente, como é de lei e de justiça!

            Respondeu a demandada COMPANHIA DE SEGUROS H... , S.A., concluindo pelo não provimento do recurso.

            Também a demandante G... respondeu, concluindo no mesmo sentido.

            Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

FACTOS ASSENTES:

1. No dia 4 de Maio de 2012, pelas 11 horas e 10 minutos, o arguido A... conduzia o veículo pesado de mercadorias com a matrícula (...) CL.

                                                                      

2. Que transportava um carregamento de pedra destinada a ser descarregada para ancorar e consolidar o terreno adjacente a um poste da EDP que se encontrava a ser levantado junto da berma do arruamento conhecido por Rua das Regueiras, sito na freguesia de Serra del Rei.

                                                                      

3. Estacionado na faixa de rodagem encontra-se o veículo pesado-grua com a matrícula (...) TI.

                                                                      

4. Cuja grua suportava na vertical o poste de betão enquanto se procedia aos trabalhos de implantação no terreno e junto do qual se iria proceder ao descarregamento da pedra necessária ao ancoramento.

                                                                      

5. O arguido A... aproximou-se do local descendo a Rua das Regueiras em marcha atrás.

                                                                      

6. Esta manobra iniciou-se a cerca de 100 metros do local onde o pesado grua se encontrava imobilizado.

                                                                      

7. Após ter percorrido a distância referida, e quando se encontrava junto do pesado grua, o arguido não se apercebeu da presença da vítima F... , que tinha andado a escavar uma fundação para a colocação de um poste e naquele momento encontrava-se agachado junto da traseira do pesado-grua a limpar um martelo pneumático.

                                                                      

8. O arguido prosseguiu com a manobra de marcha atrás sem ter visto a vítima no enfiamento da trajetória seguida para a marcha atrás, por esta se encontrar agachada.

9. Quando já se encontrava nas imediações do pesado-grua, e quando o arguido travou a fundo para imobilizar o veículo por si tripulado este, por razões que se desconhecem, aumentou a velocidade de andamento de marcha atrás, e o arguido não conseguiu controlar a marcha do veículo, de modo a imobilizá-lo tendo este percorrido cerca de 4/5 metros e colhido a vítima a qual acabou entalada entre as traseiras de ambos os pesados.

                                                                      

10. Em consequência do embate a vítima sofreu lesões traumáticas meningo-encefálicas, vertebro-meningo medulares cervicais, tóraco-abdominais e da bacia, conforme relatório de autópsia de fls. 125 e seguintes que se dá por integralmente reproduzido para todos efeitos legais. 

           

11. Tais lesões foram causa direta e necessária da sua morte.

                                                                      

12. O arruamento onde ocorreu o acidente apresenta uma inclinação de 5% a descer atento o sentido da marcha atrás empreendida pelo arguido.

                                                                      

13. O que pode favorecer, juntamente com o peso resultante da carga de pedra transportada, a aceleração da viatura. 

                                                                      

14. O arguido podia ter realizado a aproximação à zona de trabalho descendo o arruamento em condições normais, transpondo o pesado-grua, sendo que para isso era necessário recolher uma das sapatas do pesado-grua, indo inverter o sentido de marcha a cerca de 30 metros junto do túnel sob o IP 6 e regressando ao local de descarga no sentido da subida, para junto do pesado-grua se imobilizar iniciando a manobra de marcha atrás sem necessidade de empreender um trajeto de marcha atrás superior a 10 metros.

                                                                      

15. Este movimento podia alertar a vítima da manobra de aproximação.

16. O pesado conduzido pelo arguido apresentava o sistema sonoro de aviso de marcha atrás em funcionamento.

                                                                      

17. O piso estava molhado e não havia outro tráfego na ocasião.

18. No local, aquando do acidente, encontravam-se, além da vítima F... , também D... e E... , colegas de trabalho do arguido A... e da vítima F... , que se encontravam a executar trabalhos por conta da empresa I... , SA.

19. Quando o arguido e os três colegas iniciaram o trabalho pela manhã, conversaram entre si quanto ao modo de execução dos trabalhos, sendo do conhecimento de todos que o arguido iria deslocar-se ao estaleiro para carregar o veículo pesado com pedra para trazer para o local.

20. O arguido executou aquela manobra de marca atrás, conforme indicações que lhe haviam sido dadas pelo colega D... , e fê-lo em marcha lenta, socorrendo-se dos espelhos retrovisores, com a mudança de marcha atrás engatada e utilizando o travão de montanha.

21. Quando o arguido iniciou a manobra de marcha atrás, e quando já tinha percorrido cerca de metade do percurso, ou seja, a cerca de 50 metros do local do acidente, o colega E... começou a ajudá-lo na execução da mesma, tendo-se colocado ao lado do pesado e foi dando orientações ao arguido para execução da manobra, o que fez durante o resto do percurso, nunca tendo informado o arguido de que a vítima se encontrava na trajetória do pesado.

22. O colega de trabalho do arguido, E... , enquanto deu orientações ao arguido na execução da manobra, nunca se apercebeu da presença da vítima F... na trajetória do pesado, tal sucedeu apenas quando o veículo já se encontrava muito próximo do pesado grua e aquele, E... , colocou-se também atrás do pesado tripulado pelo arguido, e foi quando o pesado aumentou de velocidade, e E... desviou-se para não ser embatido e gritou à vítima avisando-a do perigo, porém, não foi a tempo de evitar o embate.

23. O arguido tem carta de pesados desde 12/02/2007.

24. O arguido não tem antecedentes criminais.

25. O arguido é o mais novo de dois filhos de um casal de modesta condição socioeconómica. O pai era pedreiro e a mãe exerceu a profissão de empalhadora na empresa J... , onde permaneceu até a empresa fechar.

 26. Apesar das dificuldades vividas pelo agregado familiar, os pais procuraram proporcionar aos filhos uma educação assente em valores prosociais e a frequência escolar.

27. O arguido apenas concluiu o 4º ano de escolaridade, referindo que a falta de motivação e gosto pela escola foram os aspetos para o seu baixo desempenho a este nível.

28. Motivado para o trabalho começou a sua carreira profissional aos 15 anos na construção civil, tendo começado pouco depois a trabalhar na empresa L... , onde permaneceu durante 14 anos até à falência da empresa, exercendo predominantemente a profissão de manobrador de máquinas.

29. Pouco tempo permaneceu desempregado, tendo iniciado idênticas funções na empresa I... em Agosto de 2007 e onde se mantém.

30. O seu percurso de vida tem sido direcionado para o trabalho e a família, havendo uma grande afetividade para com os pais.

31. O arguido integra o agregado familiar composto pelos pais, já que o irmão se autonomizou da família de origem e vive na Figueira da Foz.

32. O pai está reformado e a mãe ainda vai fazendo algumas horas como doméstica em casas particulares. Possuem um terreno que cultivam e do qual retiram produtos para autoconsumo, sendo ajudados pelo filho quando necessário, e mesmo no plano económico o arguido ajuda os pais nas despesas comuns.

33. O arguido aufere mensalmente quantia de cerca de € 650,00.

34. Durante a semana o arguido passa os tempos livres em casa a ver televisão ou no computador, ao fim de semana o arguido sai com os amigos e desloca-se à Figueira da Foz ou à sede da freguesia.

35. O arguido é considerado uma pessoa discreta e sobre quem não recai qualquer referência desabonatória, não existindo problemas de inserção ou relacionamento social.

36. O arguido é considerado um bom trabalhador, acata as ordens que lhe são dadas, é educado e respeitado pelos colegas.

37. Na sequência dos factos que originaram a morte do colega de trabalho, o arguido passou por um período de grande tensão emocional, tendo necessitado de apoio médico/medicamentoso, nomeadamente para regularizar o sono. Os pais foram a sua principal ajuda e suporte naquele período, mas a empresa também o apoiou.

38. O arguido é detentor de capacidades pessoais e sociais e tem pautado a sua vida no respeito pelos valores sociais, não existindo conhecimento de comportamentos socialmente desajustados.

39. O veículo de matrícula (...) CL, à data do acidente, era utilizado pela empresa I... , SA, que do mesmo usufruía, estando, no dia em causa, a ser conduzido pelo arguido A... que se encontrava no exercício das suas funções e sob as ordens e direção da sua entidade patronal, a referida empresa I... , SA.

40. À data do acidente a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo veículo de matrícula (...) CL havia sido transferida pela empresa I... , SA para a Companhia de Seguros H... , SA, através da apólice 201313851.

41. A vítima F... casou com a assistente G... em 05/08/2000.

42. A vítima F... nasceu em 10/07/1969, e tinha à data do acidente 42 anos de idade, gozando de boa saúde.

43. F... era um homem feliz, trabalhador, gozava de uma vida económica estável e ambicionava evoluir profissionalmente e poder melhorar de vida.

44. Em consequência da morte do marido, a assistente G... sentiu-se desesperada e desamparada.

45. A assistente sofreu e ainda sofre com a morte do marido F... , que lhe causou dor, angústia, tristeza e solidão.

45. A assistente e o marido formavam um casal feliz e muito unido.

46. A assistente não se conforma com a perda do marido, sentindo falta da sua boa disposição, da sua proteção, dos seus cuidados e afetos.

47. B... e C são pais da vítima F... .

48. A vítima F... era estimado e respeitava os cidadãos com quem tinha de lidar.

49. A vítima F... era um bom filho, dava-se muito bem com os pais, sendo muito ligado aos pais, assim como estes eram ao mesmo.

50. F... era uma pessoa trabalhadora e nos seus intervalos laborais ajudava os pais nas tarefas agrícolas.

51. A vítima F... era uma pessoa sociável e bem disposta, sendo que a sua morte foi um choque para os seus pais, para quem era muito querido e amado, deixando-os mergulhados num desgosto profundo, o que ainda perdura, causando-lhe sofrimento.

MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA:

1. A vítima F... encontrava-se a operar com o martelo pneumático.

2. O arguido ignorou os riscos decorrentes da inclinação da via e da carga transportada ao ter optado pela execução da manobra de marcha atrás, em vez de ter executado a manobra como descrito no ponto 14. dos factos provados.

3. O movimento referido em 14. dos factos provados, dada a sua pequena extensão, impediria a aceleração da viatura e o seu consequente descontrole em consequência do peso da carga e da inclinação da via.  

4. Ao conduzir da forma descrita o arguido atuou sem respeito pelas normas estradais, com falta de perícia, cautela e consideração pelos demais utentes da via pública, agindo sem constrangimento a uma atuação livre e esclarecida.

5. O arguido violou as regras de prudência e de cuidado que era capaz de adotar e que devia ter adotado para evitar um resultado que podia e devia prever, mas que não previu, dando causa às lesões que foram causa adequada da morte.

6. À data do acidente o veículo de matrícula (...) CL era propriedade da empresa I... , SA.

7. A assistente sente falta das brincadeiras do marido.

8. A assistente desde a morte do marido F... tem sofrido tratamentos médicos cuja origem radica na morte do seu marido, pois não consegue apagar a desgraça que se abateu sobre a sua família.

9. Os pais da vítima F... apoiavam-no no seu trabalho, sentindo os seus êxitos profissionais, orgulhando-se da estima e consideração que lhe era dada pelos colegas e superiores.

10. A vítima F... era um trabalhador estimado no seio daqueles com quem trabalhava, era disciplinado e cumpridor dos seus deveres, sendo cooperante e leal com os colegas.

11. A vítima F... era muito querido na sua aldeia natal de Viso.

12. F... foi chamado à atenção por um colega de trabalho para sair da traseira do pesado grua, pois que se esperava que o arguido ali viesse descarregar a pedra para colocar na sapata do poste.

13. Não obstante ver a aproximação do veículo conduzido pelo arguido o falecido manteve-se no mesmo local agachado.

DECIDINDO:

            Analisadas as conclusões formuladas pelos recorrentes, as quais procedem à delimitação temática do âmbito do presente recurso, logo se constata que as questões através delas colocadas à nossa apreciação são meramente de direito e, mesmo assim, limitadas à vertente cível do presente processo.

            Tendo sido julgado improcedente o respectivo pedido de indemnização, pedem agora a revogação da sentença, nessa parte, e a sua substituição por decisão que lhes arbitre tal compensação, relativamente ao dano morte e bem assim aos danos não patrimoniais sofridos por eles e pela infeliz vítima.


Dispõe, a propósito, o artº 129º do CP, que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.
Nos termos do artº 483º, 1, do CC, aquele que dolosa ou culposamente viola ilicitamente o direito de outrem «fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação». Por outro lado, «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão» (artº 563º, CC).

            Na fixação do montante das indemnizações a título de reparação de danos de natureza não patrimonial, deve o Tribunal socorrer-se das regras da equidade, não estando vinculado a critérios de legalidade estrita (artº 496º citado, nº 3)

            A indemnização "in natura" deste tipo de danos é impossível, pela própria natureza das coisas, o que, todavia, não nos dispensa de lhes atribuir um valor monetário que funcione como modo de os minorar. Como ensina De Cupis (“Os Direitos da Personalidade”, Lx., 1961, pag. 63), «a força jurídica do sujeito apoia-se sobre os bens da vida, da integridade física, etc; mas a conservação destes está em função do comportamento negativo da generalidade.»

            Difícil é apreciar tal matéria dada a subjectividade que acompanha a análise da existência e extensão deste tipo de danos e, depois, porque eles são insusceptíveis de ser «reparados»; apenas se preocupa a lei com a atribuição aos lesados de uma compensação monetária. Para Borrell Macia ("Responsabilidades Derivadas de Culpa Extracontratual Civil", Barcelona, 1958, pag. 211), os danos morais são os que afectam a personalidade física ou moral do Homem, ou ambas a um tempo, a integridade das faculdades físicas ou as sensações e sentimentos da alma humana.

Na sentença recorrida foi considerado - face à invocação negativa desse pressuposto pela demandada civil – que os ora recorrentes detinham a necessária legitimidade processual activa para demandar; contudo, em sede de apreciação do mérito do respectivo pedido - em termos de procedência/improcedência - concluiu que os demandantes em questão não tinham direito a ser indemnizados relativamente àqueles peticionados danos.

Para tanto, ficou dito na sentença (transcrição parcial):

«Os demandantes B... e C deduziram pedido de indemnização civil, pedindo a condenação da demandada no pagamento do montante de € 80.000,00 por compensação de todos os danos não patrimoniais sofridos pela morte do filho, bem como pela parte proporcional que lhes cabe como herdeiros da indemnização pela perda do direito à vida do seu filho F... .

(…)

Estabelece o artigo 496º, n.º 1, do Código Civil, que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Por sua vez, dispõe o n.º 2 do mesmo artigo que, em caso de morte da vítima, o direito à indemnização por tais danos cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.

Por fim, estatui o n.º 3 do mesmo preceito legal, que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.

(…)

Do referido artigo 496º, nºs 2 e 3 do Código Civil, resulta, em caso de morte, três danos não patrimoniais indemnizáveis, a saber, o dano pela perda do direito à vida, o dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte e o dano sofrido pela vítima antes de morrer, variando este em função de fatores de diversa ordem, como sejam o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima estava consciente ou em coma, se teve dores ou não, e qual a sua intensidade, se teve ou não consciência de que ia morrer.

(…)

Quanto à indemnização pela perda do direito à vida ela deve ser concedida, a doutrina maioritária defende a reparabilidade autónoma do dano morte, nos termos do artigo 496º, nº 2 do Código Civil, vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 3.ª edição, 1980, vol. I, págs. 503 a 509, “é incontestável que a perda do direito à vida por parte da vítima da lesão constitui, nos termos do n.º 2 do artigo 496º, um dano autónomo, susceptível de reparação pecuniária”.

Entende-se ainda porque a morte absorve todos os outros prejuízos não patrimoniais, que o montante da sua indemnização deve ser superior à soma dos montantes de todos os outros danos, devendo a indemnização ser fixada a um nível superior, pois a morte é um dano acrescido.

No montante a fixar, dever-se-á ter em conta a própria vida em si, como bem supremo, a idade da vítima, saúde, a sua vontade e alegria de viver, o estado civil, os projectos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia-a-dia, incluindo a sua situação profissional e socioeconómica.

Quanto ao dano próprio da vítima está em causa o dano não patrimonial próprio sofrido pela vítima pela antevisão da sua respectiva morte, sofrido pela própria vítima entre o facto danoso e a morte, antes de falecer, com a perceção da iminência da morte, com a perturbação, susto, medo, sofrimento, até à morte.

Quanto ao dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte, há que referir que nestes casos há um círculo restrito de pessoas ligados à vítima por estreitos laços de convivência, afeição, carinho e ternura, a quem a lei concede reparação/compensação quando pessoalmente afectadas por isso nesses sentimentos.

Os danos destas vítimas emergem da dor moral que a morte da vítima pessoalmente lhes causou, havendo lugar a indemnização em conjunto ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes, e na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representarem, conforme o já referido artigo 496º, n.º 2, do Código Civil.

O que está em causa é um dano próprio que os familiares da vítima sentiram e sofreram com a morte do lesado, contemplando o sofrimento moral decorrente da morte, o desgosto provocado pela morte do ente querido, sendo que a compensação é devida pelo sofrimento da perda abrupta e irreparável daquele ente, não sendo de atribuir o direito à indemnização a quem não tenha sofrido o dano.

Em regra, a perda do ente querido é para os seus familiares mais próximos causa de sofrimento profundo, sendo facto notório o grave dano moral que a perda de uma vida humana traz aos seus familiares, às pessoas que lhe são mais chegadas, sendo que um dos factores a ponderar na atribuição desta forma de compensação será sempre o grau de proximidade ou ligação entre a vítima e os titulares desta indemnização.

Assim, na sua determinação há que considerar o grau de parentesco, mais próximo ou mais remoto, o relacionamento da vítima com esses seus familiares, se era forte o sentimento que os unia, se a dor com a perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa.

Por outro lado, conforme resulta do já referido artigo 496º do Código Civil, o montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida (Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, páginas 627 e 628).

O montante compensatório que corresponde aos danos não patrimoniais calcula-se segundo critérios de equidade, deve atender-se à própria extensão e gravidade dos prejuízos, e demais circunstâncias que contribuam para uma solução equitativa, o grau de culpa do agente (quando aplicável), a situação económica deste e do lesado.

Equidade é a justiça do caso concreto, humano, pelo que o julgador deverá ter presente as regras de boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, tendo presentes os padrões de indemnização geralmente adoptados pela jurisprudência.

No que concerne à titularidade do direito à indemnização pelos danos não patrimoniais, nos termos do disposto no referido artigo 496º, nº 2 do Código Civil, entende-se que a mesma cabe apenas à assistente, mulher da vítima.

Vejamos.

No referido artigo 496º, nº 2 do Código Civil, consta de forma inequívoca quem são os titulares do direito à indemnização, ou seja, as pessoas cujos danos devem ser tomados em linha de conta.

Existem assim três grupos de pessoas, a saber: o cônjuge e descendentes, na falta destes os pais ou outros ascendentes, e por último os irmãos ou sobrinhos com direito de representação, e a indemnização cabe a estes e apenas estes, e os ascendentes só têm direito à indemnização se não houver cônjuge nem descendentes da vítima, e os irmãos ou sobrinhos só serão chamados na falta de qualquer daqueles familiares que integram o primeiro e segundo grupo.

No caso de morte, toda a indemnização correspondente aos danos não patrimoniais (incluindo o dano pela perda do direito à vida), quer sejam os sofridos pela vítima, quer sejam os sofridos pelo familiares, cabe não aos herdeiros por via sucessória, mas antes aos familiares por direito próprio e de acordo e pela ordem já referida e prevista no artigo 496º, nº 2 do Código Civil.

Na verdade, no referido preceito não se distingue, na atribuição da indemnização, entre os danos morais sofridos pela própria vítima e os danos morais sofridos pelo cônjuge e outros parentes, sendo que no nº 3 do referido preceito prevê-se expressamente que no caso de morte, a indemnização tanto abrange uns como outros.

Assim, e da conjugação dos referidos nºs 2 e 3 do artigo 496º do Código Civil, resulta que nenhum direito à indemnização se atribui por via sucessória aos herdeiros da vítima, como sucessores mortis causa, e por outro lado, no caso de morte, toda a indemnização corresponde aos danos morais, quer os sofridos pela vítima, quer os sofridos pelos familiares mais próximos e enumerados no preceito, por direito próprio, nos termos e segundo a ordem ali indicada, conforme entendimento predominantemente sufragado pelo STJ e doutrina maioritária (neste sentido, a título de exemplo, vide Antunes Varela e Pires de Lima in Código Civil Anotado, 4ª edição, página 500, Acórdão do STJ de 30/04/2015, Acórdão do STJ de 24/05/2007, Acórdão da Relação de Lisboa de 26/03/2015, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/01/2004, todos disponíveis em www.dgsi.pt). 

Quanto ao limite máximo da indemnização legalmente imposto no caso de responsabilidade pelo risco, prevê o artigo 508º, nº 1 do Código Civil, como limite máximo no caso de não haver culpa em acidentes de viação, o montante equivalente ao seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.

Por tudo o exposto, entende-se não assistir qualquer direito de indemnização aos pais da vítima F... , os demandantes B... e C, porquanto o mesmo à data da morte era casado com a assistente G... , cabendo apenas a esta o direito à indemnização, pelo que, improcede o pedido de indemnização civil por aqueles formulado.»

            Face a tal decisão, vieram os demandantes B... e C, pais do falecido F... , recorrer, manifestando a sua discordância relativamente ao decidido, e pretendendo que a norma do artº 496º, 1, do CC, se devidamente interpretada, não os exclui da co-titularidade do direito à indemnização por danos não patrimoniais derivados da morte do filho.

            Para tanto, começam por fazer apelo ao texto do artº 9º, 3, do CC, segundo o qual “na fixação do sentido e alcance da letra da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”; invocam também o nº 1 de tal artº 9º, do qual resulta que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.

            Na interpretação que fazem do disposto no artº 496º, 2, do CC, os recorrentes retiram que, nos casos em que a vítima, no momento da morte, apesar de casada, mas não separada de pessoas e bens, não deixa filhos ou outros descendentes, a indemnização por danos não patrimoniais caberá, em conjunto, ao cônjuge e aos pais ou outros ascendentes. Para justificar a sua posição, traçam a evolução histórica dessa norma, por confronto como o regime sucessório originário do actual CC e com o resultante da reforma operada pelo DL nº 496/77, de 25/11. Pretendem que a redacção daquele artº 496º, 2 se deveu à circunstância de, à data da entrada em vigor do CC, e até à reforma operada pelo referido DL 496/97 o cônjuge não gozar da qualidade de herdeiro prioritário, já que apenas figurava na 4ª classe de sucessíveis legítimos.

            Acrescentam que a expressão usada, na terminologia legal, “na falta destes” só pode querer referir-se aos filhos ou outros descendentes e não também ao cônjuge. Assim, no seu entendimento, e na falta de filhos ou outros descendentes, passariam a ocupar a primeira posição na ordem da titularidade do direito em causa, conjuntamente com o cônjuge.

            Opõe a demandada seguradora que o entendimento dos recorrentes «não pode colher na medida em que a lei afasta claramente a aplicabilidade das regras do direito sucessório do artº 2142º do CC, como decorre do artº 496º, 2 do CC» e que «os ora recorrentes estão incluídos na segunda ordem de titularidade do direito invocado, dado que a letra da lei é expressa na utilização da expressão “na falta destes”».

            No mesmo sentido se pronuncia a demandante G... que, na sua resposta conclui que «os recorrentes parecem confundir o direito à indemnização por morte com a sucessão legítima previstos nos artºs 2133º e seg.s do CC».

            Cremos que a razão assiste aos respondentes.

            Em primeiro lugar por razões históricas: a técnica legislativa usada na redacção daquele artº 496º criou um regime de atribuição da titularidade do direito diversa daquela que resultaria da aplicação das regras do direito sucessório, pois que era diversa a posição ocupada pelo cônjuge numa e noutra das situações; depois, se fosse intenção do legislador aplicar ao caso as regras da sucessão legitima, apenas teria de remeter para as normas correspondentes, não criando um regime próprio, como o fez.

            Depois, por razões de interpretação lógica: se foi criado tal regime de discriminação positiva do cônjuge na redacção inicial do CC, tal discriminação seria de manter, após a reforma operada pelo DL de 1977, que reviu a posição sucessória do cônjuge, colocando-o na primeira classe de sucessíveis.

            Depois, por razões de interpretação actualista: se ao operar tal reforma do CC, na sequência da mudança de regime em Portugal, fosse intenção do legislador aplicar ao caso as regras da sucessão legitima e legitimária, que vimos já reviram favoravelmente a posição sucessória do cônjuge, nada impediria o legislador, na sua presumida sapiência (artº 9º, 3, CC), de alterar também a redacção daquele nº 2 do artº 496º, remetendo pura e simplesmente para a norma do artº 2133º, como forma de determinar a titularidade do direito em causa.

            Finalmente, por razões de interpretação literal: desde o início que o regime estatuído por aquele nº 2 foge do regime geral do direito sucessório, o que inculca a ideia de que o legislador inicial, e o da reforma, tiveram em consideração que estávamos perante situações diversas, mantendo de forma consciente a diferença entre os respectivos regimes jurídicos.

            Se é verdade que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei (artº 9º,1), não é menos verdade que «não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal» (nº2), tanto mais que ele deve presumir que «o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (nº3).

            Ou seja, o intérprete deve presumir que o legislador é inteligente, e que não é mais inteligente do que ele.

            Acresce que a redacção do artº 496º, 2, do CC é de tal forma clara que não pode suscitar questões de interpretação como aquelas que os recorrentes ora levantam.

            Como referem Pires de Lima e A. Varela, no seu “CC Anotado” (vol. I, 2ª Ed., pag.s 434 e 435), «dos nºs 2 e 3 deste artigo e da sua história (vide Antunes Varela, Das obrigações em geral, 2ª ed. Vol. I, pag.s 492-494) resulta, por um lado, que no caso de a agressão ou lesão ser mortal, toda a indemnização correspondente aos danos morais (quer sofridos pela vítima, quer pelos familiares mais próximos) cabe, não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares por direito próprio (iure próprio), nos termos e segundo a ordem do disposto no nº 2»; e, mais adiante: «Pode naturalmente suceder que a morte da vítima causa ainda danos não patrimoniais a outras pessoas, não contemplados na graduação que faz o nº 2, como pode acontecer que esses danos afectem as pessoas abrangidas na disposição legal por uma forma diferente da ordem de precedências que o legislador estabeleceu. Mas este é um dos aspectos em que as excelências da equidade tiveram de ser sacrificadas às incontestáveis vantagens do direito estrito

            Face a tão preclara lição, parece não merecer censura a interpretação que daquela norma fez o tribunal recorrido, assim concluindo não assistir qualquer direito de indemnização aos pais da vítima, existindo cônjuge. E tal não é obstaculizado pela existência de óbvios e manifestos danos de natureza não patrimonial sofridos pelos pais da vítima; apesar de tal, a lei não lhes confere tutela.

Termos em que, nesta Relação, se acorda em negar provimento ao recurso dos demandantes, confirmando na íntegra a douta decisão recorrida.

Os recorrentes pagarão as custas relativas ao seu decaimento, atendendo-se ao valor peticionado.

Coimbra, 2 de Março de 2016

(Jorge França - relator)

(Cacilda Sena - adjunta)