Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4961/21T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
LOCAL DE TRABALHO
MOTORISTA
INDETERMINABILIDADE
INVALIDADE
Data do Acordão: 02/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 280.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL, 59.º, N.º 1, ALÍNEA B), DA CONSTITUIÇÃO, E 22.º, ALÍNEAS C) E N), DO DLEI N.º 446/85, DE 19-10.
Sumário:
I – Os negócios jurídicos de objecto indeterminável, mas não os de objecto indeterminado, são nulos.

II – O local de trabalho deve ser fixado, com referência ao momento da celebração do contrato de trabalho, de modo a que possa ser determinável, sob pena da sua estipulação ser nula.

III – A natureza da actividade laboral não se compadece com a fixação de um local de trabalho único ou mesmo preponderante como é o caso dos motoristas.

IV – A cláusula ínsita num contrato de trabalho que estipula que “O local da prestação de trabalho é o das áreas abrangidas pelas concessões, atuais e futuras, da Empresa B..., lda.” apenas é nula, por indeterminabilidade, na parte em que o local de trabalho é fixado com referência às futuras áreas de concessão.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Apelação 4961/21T8VIS.C1

Relator: Felizardo Paiva.

Adjuntos: Paula Roberto.

Azevedo Mendes.


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Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

AA, residente na Rua ..., ..., intentou a presente acção declarativa com forma de processo comum contra B..., L.DA, com sede em ...; pedindo que a presente acção seja julgada procedente por provada e em consequência seja:

a) decidido que o contrato de trabalho celebrado entre o autor e a ré é um contrato de adesão;

b) que a cláusula quarta deve ser excluída do contrato de trabalho, referido na alínea anterior;

SUBSIDIARIAMENTE, se assim não se entender, deve decidir-se:

c) que é nula e de nenhum efeito a cláusula 4ª do contrato de trabalho celebrado entre autor e ré;

d) que o local de trabalho do autor é em B..., concelho ...;

e) que a alteração do local de trabalho do autor, determinada pela ré é ilícita;

f) condenando-se a ré a reconhecer tais nulidades e ilicitudes e a repor o autor, no prazo de oito dias, o seu local de trabalho em B...;

Se assim não se entender, ou seja, se vier a ser decidida a legalidade da transferência do local de trabalho, deve a ré ser condenada a:

g) pagar-lhe todas as despesas que o autor passou a suportar, com tal alteração, nomeadamente os quilómetros percorridos diariamente a mais do que os quilómetros que fazia no serviço prestado com o local de trabalho em B..., à razão de € 0,36/Km, num total diário de, pelo menos, 28 Kms, no serviço de ... e 19Kms no serviço de S..., à razão de, pelo menos a quantia diária de e 10,00€ quando o autor efectuar o serviço de ... e de € 6,84 quando efectuar o serviço de S...;

h) a pagar-lhe todas as despesas que o autor efectuar com as refeições (almoços) que tiver de tomar em restaurante no cumprimento dos novos serviços emergentes da alteração do seu local de trabalho, mediante a entrega, por parte do autor, da competente factura.

Para fundamentar os seus pedidos alegou, em síntese, tal como consta da sentença impugnada, que é trabalhador da ré com contrato de trabalho por tempo indeterminado, tendo sido admitido em 01/02/2009. Acrescentou que aquando da contratação, foi-lhe apresentado o contrato de trabalho, com cláusulas previamente elaboradas e redigidas pela ré, restando ao autor aceitar as mesmas assinando o contrato ou não assinar e não ser contratado.

Alega ainda que se sujeitou a assinar tal contrato de trabalho, sem discussão das mesmas cláusulas, desde logo, porque não lhe foram atempadamente comunicadas, onde se inclui a cláusula respeitante ao local de trabalho, o qual ao ser estipulado de modo tão abrangente, pode comprometer a vida pessoal e familiar do autor.

Acrescentou que, o autor é casado, tem uma filha menor de quatro anos e reside em ..., concelho ..., tendo sido admitido para fazer de segunda a sexta o serviço de carreira interurbana de B... que dista 5,9Km da sua residência, tendo ficado convencido de que esse seria o seu local de trabalho.

Só muito esporadicamente é que fazia outro tipo de serviço em local diferente.

A partir de agosto de 2020 a ré alterou o seu local de trabalho, passando este a iniciar o seu serviço em ... ou no S..., conforme os interesses da ré, o que acarretou transtornos e despesas para o autor, pelo que, peticiona que seja declarada a nulidade de tal cláusula, a qual é inconstitucional. Se assim não se entender deve a ré custear as despesas de deslocação e alimentação do autor, em virtude da alteração do local de trabalho.


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Na tentativa de conciliação não se logrou a composição amigável do litígio pelo que se ordenou a notificação da ré para contestar.

Na contestação que apresentou alegou a ré, em síntese, que em causa não está um contrato de adesão, nem qualquer mudança do local de trabalho, sendo a cláusula quarta, que convenciona o local de trabalho, válida.

Conclui pugnando pela improcedência da acção e dos pedidos formulados pelo autor na petição inicial.


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II – Findos os articulado, foi proferido despacho saneador, dispensou-se a enunciação dos temas de prova tendo, a final, sido proferida sentença cujo dispositivo de transcreve:

“Por tudo o exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência:

- Reconhece-se que o contrato de trabalho celebrado entre autor e ré é um contrato de adesão;

- Julga-se a cláusula quarta do contrato celebrado entre autor e ré, parcialmente nula, na parte em que refere concessões futuras, por indeterminabilidade, nos termos do disposto no artigo 280º, n º 1 do Código Civil, considerando-se a mesma de nenhum efeito e, portanto, excluída, apenas nessa parte.

- Absolve-se a ré dos demais pedidos principais e subsidiários formulados.”.


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III – Não se conformando com esta decisão dela o autor veio apelar, alegando e concluindo:

a) Sendo o contrato de trabalho do autor um contrato de adesão, como provado ficou, o mesmo obedece ao regime das cláusulas contratuais gerais instituído pelo DL-446/85, de 25/10, com as alterações posteriores.

b) Ora, em conformidade com o disposto no art. 5.º, n.º 1, do referido DL446/85, as cláusulas contratuais gerais que configuram o dito contrato de trabalho, devem ser "comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las", no caso em apreço o A. limitou-se apenas a subscrevê-las e a aceitá-las.

c) E tal comunicação "deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência" - cfr. art. 5.º, n.º 2 do referido diploma legal.

d) O que não ocorreu no caso em apreço, pois não se provou (prova que competia à ré - art. 5º, n.º 3 do dito diploma) que a recorrida tivesse informado o autor dos aspectos compreendidos nas cláusulas do contrato cuja aclaração se justificava - cfr. art. 6.º do DL-446/85 - ou que tivesse sequer comunicado as cláusulas ao autor.

e) Por isso, não foi possibilitado ao autor um efectivo e integral conhecimento do contrato, cujas condições não negociou e que lhe foram apresentadas sem que tivesse tido o poder de conformar de forma diferente o seu conteúdo contratual, pois, na realidade, o autor não teve sequer a percepção dos termos do contrato, ou seja, dos elementos constitutivos do contrato.

f) Pelo que foram claramente violados, por parte da ré, os deveres de comunicação e de informação ou de aclaração do conteúdo e sentido das cláusulas contratuais consignados nos arts. 5.º e 6.º do DL-446/85.

g) De entre as cláusulas que careciam de especial informação está, precisamente, a cláusula quarta do contrato de trabalho, referente ao local de trabalho.

h) Ora, por falta dessa referida comunicação, informação e explicação, o autor não conformou em consciência a sua vontade na assinatura do contrato, pois não conseguiu prever as corretas e concretas consequências do contrato que estava a assinar, não sabia, por exemplo, quais eram, na altura, as concessões da ré, nem quais as que poderia vir a angariar no futuro, o que inquinou a sua vontade e consciência.

i) Assim, nos termos da al. a) do art. 8.º do DL-446/85, de 25/10, as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do seu art. 5.º, consideram-se excluídas dos contratos singulares; por isso, deve ser excluída do contrato de trabalho do autor a referida cláusula quarta; não se decidindo assim, viola-se o disposto nos preceitos atrás indicados (art. 5.º e 6.º do DL-446/85).

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j) Para além de tudo isso, a referida cláusula é igualmente nula (por se apresentar vaga, abstracta, imprevisível e contrária à boa fé) e inconstitucional.

k) Na verdade, nos termos do art. 105.º do C.T., o regime das cláusulas contratuais gerais aplica-se aos factos essenciais do contrato de trabalho que não resultem de prévia negociação específica.

Ora:

l) Por um lado, o art. 15.º do DL446/85 prescreve que são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé, determinando o art. 16.º do mesmo diploma que, na aplicação da cláusula 15.º, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito.

m) Por outro lado, o art. 22.º, al. n) do referido diploma legal prescreve que são proibidas as cláusulas contratuais que fixem locais, horários ou modos de cumprimento despropositados ou inconvenientes.

n) Assim, a cláusula quarta, do contrato de trabalho em análise, ao permitir e ordenar que o autor preste a sua actividade em todas as áreas abrangidas pelas suas concessões atuais e futuras, na prática está a determinar ao autor que preste a sua actividade em qualquer parte do país e até do mundo, pelo que tal cláusula, além de imprevisível e vaga, é claramente contrária à boa fé; pois é criticável, no campo deste princípio, o recurso a uma cláusula de tão enorme generalidade e abrangência; e sendo contrária à boa fé, tal cláusula é, consequentemente, nula.

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o) Mas é, igualmente, inconstitucional por violação frontal do disposto no art. 59.º, n.º 1, al. b) da Constituição da República Portuguesa, que preceitua que todos os trabalhadores têm direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes de forma a facultar a realização pessoal e a permitir ao trabalhador a conciliação da sua actividade profissional com a vida familiar.

p) A ré, ao estipular (como faz na cláusula quarta do contrato de trabalho) de modo tão vago, abrangente e imprevisível o local de trabalho do autor, que lhe permite, a qualquer momento alterar-lhe o local de trabalho de forma a poder comprometer-lhe a sua vida pessoal e familiar (ao autor que até é casado e tem uma filha menor de 5 anos de idade), fá-lo em clara violação do disposto naquele referido art. 59.º, n.º 1, al. b) da C.R.P.

q) O local de trabalho configura um aspecto essencial do contrato de trabalho, devendo o trabalhador, em princípio (nos termos do art. 193.º do C.T.), exercer a atividade no local contratualmente definido.

r) No caso em apreço, devendo ser excluída ou ser declarada nula e inconstitucional a cláusula quarta do contrato de trabalho, ficamos sem a estipulação expressa do local de trabalho.

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Contudo,

s) Como o A., desde a sua admissão ao serviço da recorrida, ocorrida em 01.02.2009, até Agosto de 2020, sempre exerceu a sua actividade iniciando e finalizando o serviço em B..., concelho ... (durante, portanto, mais de 11 anos), deverá ser este local o considerado como seu local de trabalho.

t) A M.ª Juíza a quo ao ter considerado válida a cláusula quarta do contrato de trabalho, nos termos em que o fez - com exclusão apenas das concessões futuras -, e ao decidir pela validade da alteração do local de trabalho, ou até mesmo que o local de trabalho do A. não era em B... (mas nas concessões atuais da ré), fá-lo à revelia do disposto na Cl.ª 16.ª do CCTV aplicável, em violação do disposto no seu n.º 1 que considera o local de trabalho aquele para onde o trabalhador foi contratado (e o autor foi contratado, como referiu, para fazer o serviço de B..., o que fez durante 11 anos).

u) E do disposto no seu n.º 2, que refere que o local de início do serviço só pode ser alterado para outro, desde que a distância entre esse local e a residência do trabalhador seja igual ou inferior à distância entre o local de trabalho contratado e a referida residência, o que não sucede no caso em apreço, não podendo, pois, sem mais, ser-lhe alterado o local de trabalho.

v) Ora, além de não estarem preenchidas as exigências ou requisitos substantivos, há ainda regras formais e procedimentos que não foram observados, em especial os constantes do art. 196.º do C.T., o que, também, por aqui, torna a ordem de transferência do local de trabalho ilícita, pois que a ré não cumpriu com o disposto no art. 196.º, nºs 1 e 2 do C.T., uma vez que não comunicou ao autor, com a devida antecedência, a sua transferência definitiva, muito menos a fundamentou, em clara violação destes normativos.

v) Mas se porventura o local de trabalho pudesse-lhe ser alterado sem o seu consentimento, e resultando provado que, com a alteração do local de trabalho, o A. tem mais despesas, sempre estas teriam de lhe ser pagas por força do n.º 3 da referida Cl.ª 16.ª do CCTV aplicável, pelo que decidindo em sentido diferente viola-se este normativo.

Termos em que V. Exas. concedendo provimento ao recurso e alterando a douta decisão recorrida nos termos pugnados nas presentes alegações.


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Contra alegou a ré concluindo:

(…).


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O Exmº PGA emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença impugnada.

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IV – A 1ª instância considerou provada a seguinte matéria:

1 – A ré B..., L.DA, exerce a indústria de passageiros em veículos automóveis ligeiros e pesados de aluguer e de mercadorias, em veículos pesados de aluguer, como resulta da certidão permanente com o código de acesso ...73, fazendo entre outros, carreiras interurbanas, transportando passageiros entre localidades em vários concelhos do distrito ... (artigo 3º da contestação e 1º da petição inicial).

2 – No exercício da actividade aludida em 1) foi-lhe atribuída a concessão de vários serviços de transporte público de passageiros, incluindo os transportes urbanos de ..., carreiras interurbanas essencialmente para vários concelhos do distrito ..., tendo ainda algumas concessões de menor expressão no distrito ..., as quais promove através de viaturas próprias conduzidas pelos seus motoristas (artigos 4º e 5º ambos da contestação).

3 – O autor é trabalhador da ré, com contrato de trabalho, por tempo indeterminado, tendo sido por esta admitido em 01/02/2009, como resulta do documento de fls. 16/17 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (artigo 2º da petição inicial).

4 – Com a categoria de motorista auferindo, o salário base de € 795,90 (setecentos e noventa e cinco euros e noventa cêntimos), acrescido de um subsídio de agente único no montante mensal variável, entre outras retribuições, como resulta do documento de fls. 18 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (artigo 3º da petição inicial).

5 – Desde a sua admissão, e sob as ordens, instruções e fiscalização da ré, o autor tem vindo a conduzir viaturas pesadas de passageiros, propriedade da ré, fazendo carreiras que esta lhe determina, em cumprimento de horários pela ré previamente fixados em escalas de serviço (artigo 4º da petição inicial).

6 – O autor encontra-se filiado no STRUP – Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal, (como resulta do documento de fls. 18 verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), por sua vez filiado FECTRANS e a ré é associada na ANTROP (artigo 5º da petição inicial).

7 - As relações laborais entre o A. e Ré, encontram-se reguladas pelas disposições do CCTV para o sector privado de passageiros, celebrado entre a ANTROP – Associação Nacional de Transportes de Pesados de Passageiros e a FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos e outros, publicada no BTE, 1.ª Série, n.º 8 de 29.02.80, revisto e publicado no BTE, 1.ª série, n.º 20, de 29.05.1999, que foi substituído pelo CCT celebrado entre a ANTROP e o STRUP, atrás referido, publicado no BTE, 1.ª Série. N.º 48, de 29.12.2015, que, por sua vez, foi revisto em 2018, tendo sido tal revisão publicada no BTE n.º 23, de 22.06.2018 e alterado em 2019, cuja publicação ocorreu no BTE n.º 35, de 22.09.2019 (artigos 6º da petição inicial e 6º e 7º ambos da contestação).

8 – Aquando da contratação do autor, foi-lhe apresentado o contrato de trabalho, cuja cópia consta de fls. 16/17 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (artigo 8º da petição inicial e artigo 9º, 1ª parte da contestação).

9 – Tal contrato é um contrato cujas cláusulas foram previamente elaboradas e redigidas pela ré, na sequência de um recrutamento que naquela altura efectuou em função das suas necessidades (artigo 9º da petição inicial).

10 – Tais cláusulas eram, todas elas, da autoria da ré, que as elaborou de um modo genérico para todos os candidatos que pretendia recrutar, e as apresentava a todos os seus candidatos, como sucedeu com o autor, compiladas num único documento com diversas páginas sem que estes, o autor incluído, pudessem alterar ou negociar, quaisquer dessas cláusulas (artigo 10º da petição inicial).

11 – Da cláusula quarta do contrato aludido em 16/17 dos autos, consta que “O local da prestação de trabalho é o das áreas abrangidas pelas concessões, atuais e futuras, da B..., L.DA” (2ª parte do artigo 22º da petição inicial).

12 – O autor é casado, tem uma filha menor de 5 anos e reside em ..., concelho ... (artigo 41º da petição inicial).

13 – O autor em Fevereiro de 2009, quando foi admitido ao serviço da ré, foi fazer de segunda a sexta feira o serviço da carreira interurbana de B..., concelho ..., que dista cerca de 5,9 Km da sua residência, tendo-lhe sido atribuída a chapa de serviço n º 109, como resulta dos documentos de fls. 19 e 19 verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (artigo 42º da petição inicial).

14 – Tal serviço consistia em assegurar o transporte escolar do concelho ... iniciando e terminando em B..., concelho ..., onde o autor pegava na viatura que lhe estava adstrita ao serviço e a deixava diariamente ficar no final do serviço, deslocando-se de casa para B... na sua própria viatura (parte do artigo 43º da petição inicial).

15 – Iniciava o serviço diariamente pelas 7h45m e terminava pelas 18h10m, com pausa das 11h30 às 16h30, (conforme resulta do documento de fls. 22 verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) altura em que ia a casa almoçar, apanhando boleia de outros colegas (artigo 45º e parte do artigo 58º ambos da petição inicial).

16 – Nas alturas das férias escolares o autor fazia outro tipo de serviço em local diferente, fazendo também a substituição de colegas que estivesse de férias (parte do artigo 46º da petição inicial).

17 – A partir de agosto de 2020 autor passou a iniciar o serviço em ... ou em S..., fazendo as chapas 107 e 108, conforme os interesses da ré (parte do artigo 48º e parte do artigo 49º ambos da petição inicial).

18 – A partir de Setembro de 2021 o autor deixou por completo de fazer o serviço com inicio em B..., tendo passado a fazer os dois serviços do concelho ... (o de ... e o de S...) (parte do artigo 51º da petição inicial).

19 – Os serviços das chapas n º 107 e 108 implicam que o autor tenha de se deslocar diariamente com a sua viatura particular mais quilómetros, com as inerentes despesas de combustível, desgaste da viatura, desgaste dos pneus, dos óleos, dos travões, de todos os componentes perecíveis do veículo e gastos de tempo (artigo 52º e última parte do artigo 94º ambos da petição inicial).

20 – Na realização da chapa n º 107, carreira de ..., o autor percorre de casa para ... e vice-versa, cerca de 20 Kms para cada lado, e na realização da chapa n º 108, carreira do S..., percorre cerca de 15,5 Kms para cada lado, como resulta dos documentos de fls. 20 verso a 22 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (artigo 53º da petição inicial).

21 – Para fazer os serviços das chapas 107 e 108 o autor tem de sair mais cedo de casa e chega mais tarde a casa (1ª parte do artigo 55º da petição inicial).

22 – A chapa n º 107 (...) inicia, de segunda a sexta feira pelas 6h45 e termina pelas 20h, com intervalos das 10h15 às 12h e das 16h55m às18h40m, como resulta do documento de fls. 20 verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (artigo 56º da petição inicial).

23 – O serviço da chapa n º 108 (S...) tem inicio pelas 7h25m e términus pelas 18h35, com intervalos entre as 9h30 e as 12h30 e das 14h às 15h, conforme documento de junto aos autos a fls. 21 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (parte do artigo 57º da petição inicial).

24 – Diariamente o autor, no serviço de B..., pelo meio dia conseguia arranjar boleia para ir almoçar a casa, regressando pelas 16h15m, dando-lhe tempo para organizar as suas coisas e fazer arrumos e limpeza de casa (artigo 59º da petição inicial).

25 – O autor nos serviços de S... e ... gasta cerca de 20 minutos para cada lado (de casa para cada um desses sítios e vice-versa), período de tempo que a ré não lhe tem pago (artigo 62º da petição inicial).

26 – A ré não paga ao autor as deslocações, nem a refeição (parte do artigo 63º da petição inicial).

27 – O autor esteve cerca de 12 anos a fazer o serviço aludido de 13) a 16) (artigo 64º da petição inicial).

28 – O autor enviou à ré a carta datada de 16 de Abril de 2021, com AR, cuja cópia consta de fls. 23/24 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, à qual a ré respondeu com o e-mail de 11 de Maio de 2021, cuja cópia consta de fls. 25 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (parte do artigo 92º da petição inicial).

29 – A ré necessitava que o autor trabalhasse nas áreas abrangidas pelas concessões de serviço público que lhe estão adjudicadas (artigos 23º e 28º, 1ª parte ambos da contestação).

30 – As concessões da ré estão actualmente (bem como na data da contratação do autor) concentradas no distrito ..., com algumas concessões de menor expressão no distrito ... (artigo 32º da contestação).

31- As localidades de B..., S... e ..., pertencem todas ao concelho ... e distam entre si cerca de 11/12 quilómetros (parte do artigo 41º e artigo 42º ambos da contestação).

32 – As concessões têm fim e os trajectos das mesmas não raras vezes mudam (artigo 45º da contestação).

33 – O serviço era definido por “chapas de serviço” que eram entregues ao autor e demais trabalhadores da ré periodicamente, normalmente na semana anterior, tanto podendo o mesmo iniciar-se em B..., como em qualquer outro local, sendo que, o autor em alguns serviços que lhe eram distribuídos, designadamente em períodos escolares, podia não iniciar e terminar em B... (artigos 47º e 48º ambos da contestação).

34 – A ré paga ao autor subsídio de alimentação, como resulta do documento de fls. 18 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

35 – O autor aquando da assinatura do contrato aludido em 3) poderia ter procedido à sua leitura, sendo que, se não o fez foi porque não teve interesse nisso.

36 – Apesar da área geográfica das concessões da ré aludida em 30) a mesma privilegia a atribuição de serviços aos seus trabalhadores próximos das suas residências, como sucedeu com o autor na atribuição das carreiras de B..., S... e ..., todas pertencentes ao concelho de residência do autor.

37 - A mudança do autor de carreira, nos termos aludidos em 18), teve por base a reconfiguração de serviços da ré, tendo a carreira de B... passado a ter um horário parcial e a carreira de ... integrado parte da que já era feita na de B....

Factos não provados:

B) Não se provaram os demais factos alegados nos articulados, designadamente os constantes dos artigos 27º, 43º (no tocante ao facto de a ré manter o mesmo serviço nos moldes aludidos em 14), 44º, 46º (restante matéria que não foi dada como provada no ponto 16), 50º, 54º, 55º, 2ª parte, 57º (restante parte), 58º (restante parte), 61º, 65º, 66º, 67º, 74, 2ª parte, 77º e 97º todos da petição inicial, bem como os artigos 9º, 2ª parte, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 24º, 28º, 2ª parte, 30º, 44º, todos da contestação.

Às demais matérias, constante dos articulados, designadamente a constante dos artigos, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 1ª parte, 23º, 24º, 26º, 28º, 29º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 47º, 48º (restante parte), 49º (restante parte), 51º (restante parte), 63º (restante parte), 68º, 69º, 70º, 71º, 72º, 73º, 74º, 1ª parte, 75º, 76º, 78º, 79º, 80º, 81º, 82º, 83º, 84º, 85º, 86º, 87º, 88º, 89º, 90º, 91º, 92º (restante parte), 93º, 94º, 1ª parte, 95º, 96º e 98º todos da petição inicial, bem como os artigos 1º, 2º, 8º, 20º, 21º, 22º, 25º, 26º, 27º, 29º, 31º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º (restante parte), 43º, 46º, 49º, 50º, 51º e 54º todos da contestação, à qual não se responde afirmativa nem negativamente, tal deve-se ao facto de se tratar de matéria conclusiva ou de direito.


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V - Conforme decorre das conclusões da alegação da recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, a questão a decidir reside em saber:

1 Se a cláusula 4ª do contrato de trabalho celebrado entre as partes deve:

a) Ser excluída do contrato,

b) Declarada nula;

c) Declarada inconstitucional;

2. Qual o local de trabalho do autor.

3.Se ocorreu uma ilícita alteração do local de trabalho do autor.

Da exclusão da Clª 4ª do contrato de trabalho:

Encontra definitivamente decidida, por não impugnada, a questão de saber se o contrato celebrado entre as partes é um contrato de adesão[1] (nº º 2º do artº 1º do DL 446/85 de 25/10 que instituiu o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais).

A 1ª instância entendeu que a cláusula 4ª do contrato de trabalho em causa, através da qual se definiu o local de trabalho do autor, versa sobre um aspecto essencial desse contrato pelo que lhe é aplicável o regime do citado DL. 446/85 (cfr. artºs 104º e 105 do CT[2]).

Esta Clª 4ª tem a seguinte redacção:

O local da prestação de trabalho é o das áreas abrangidas pelas concessões, atuais e futuras, da B..., L.DA

O autor funda o pedido de exclusão desta Clª convocando para o efeito o disposto nos seguintes preceitos do DL 466/85:

Artigo 5.º( Comunicação) 1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las. 2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência. 3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.

Artigo 6.º (Dever de informação) 1 - O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique. 2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.

Artigo 8.º (Cláusulas excluídas dos contratos singulares) Consideram-se excluídas dos contratos singulares: a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º; (…).”

No entender do autor a exclusão da Clª 4ª sobre a fixação do local de trabalho justifica-se pelo facto da ré não ter cumprido o dever de comunicação de acordo e nos termos do artº 5 acima transcrito.

As cláusulas contratuais gerais caracterizam-se pela generalidade e pela rigidez: generalidade, dado que se destinam a ser propostas a destinatários indeterminados ou a ser subscritas por proponentes indeterminados; rigidez porque são elaboradas sem prévia negociação individual, sendo recebidas em bloco por quem as subscreve ou aceite, e, portanto, os intervenientes não têm a faculdade de modelar ou modificar o seu conteúdo, introduzindo-lhes alterações.

Se faltar a generalidade, a cláusula contratual geral resolve-se numa simples proposta negocial que não admite contraproposta; faltando a rigidez, o caso é de comum exercício da liberdade negocial.

A primeira daquelas características das cláusulas contratuais gerais permite distingui-las do contrato pré-formulado. Diz-se pré-formulado o contrato que uma das partes proponha a outra sem admitir contra proposta ou negociações. O contrato pré-formulado aproxima-se das cláusulas contratuais gerais pela rigidez, mas afasta-se delas pela ausência de generalidade. Dado que coloca problemas muito semelhantes aos das cláusulas contratuais, a lei determina a aplicação aos contratos concluídos por esse modo o regime das primeiras (artº 1 nº 2 da LCCG).

As cláusulas contratuais gerais excluem a liberdade de estipulação - mas não a liberdade de celebração. Elas incluem-se, por isso, no momento da conclusão, nos contratos singulares ou individualizados, desde que tenham sido aceites.

No caso, estando assente que se trata de um contrato de adesão e que a Clª nele inserida sobre o local de trabalho se trata de uma Clª com as características da generalidade e rigidez (tal cláusula foi previamente elaborada modo genérico para todos os candidatos que a ré pretendia recrutar, foi redigida por esta na sequência de um recrutamento que naquela altura efectuou em função das suas necessidades, tendo sido apresentada a todos os candidatos, como sucedeu com o autor, compiladas num único documento com diversas páginas sem que estes, o autor incluído, pudessem alterar ou negociar, quaisquer dessas cláusulas -factos 9 e 10) não tendo a ré logrado provar, como lhe competia, ter procedido à comunicação nos termos do artº 5º do DL 466/85, a Clª deverá ter-se por inexistente por efeito da aplicação da alínea a) do artº 8º deste DL?

À primeira vista dir-se-ia que sim.

Porém, na aplicação da lei há que considerar todo o contexto envolvente à contratação.

Na verdade, conforme se lê na sentença “no tocante à área geográfica coincidente com as concessões atuais (que se limitam aos distritos de ... e ...), sendo as mesmas do conhecimento do autor, aquando da sua contratação”

Com efeito, as concessões da ré à data da contratação encontravam-se concentradas no distrito ... e algumas (poucas) do distrito ....

O autor residente em ..., concelho ..., distrito ..., motorista de profissão, sabia ou não podia deixar de conhecer os locais por onde a ré exercia ou desempenhava a sua actividade transportadora; daí não ter tido interesse em ler o contrato aquando da sua assinatura.

Neste contexto, a Clª 4ª em questão não pode ser excluída por aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais justamente porque o autor conhecia a área geográfica das concessões e consequentemente o local onde iria desempenhar as suas funções de motorista e, nesta medida, o dever de comunicação a que se refere o artº 5º do DL 466/85 sempre se revelaria dispensável.

Da nulidade da Clª 4ª do contrato de trabalho:

Alega o recorrente que esta Clª é proibida por fixar locais de trabalho despropositados ou inconvenientes.

Ora, concordamos com a sentença na parte em que se lê que: “face à factualidade provada, tendo em conta o tipo de actividade em causa, serviço de transporte rodoviário que abrange a área geográfica dos distritos de ... e ..., sendo que, a ré desde o inicio do contrato privilegiou sempre a colocação do autor em carreiras próximas da sua residência, sendo que, a mudança de carreira, teve por base a reconfiguração de serviços da ré, tendo a carreira de B... passado a ter um horário parcial e a carreira de ... integrado parte da que já era feita na de B..., sendo que, o autor passou a fazer cerca de 10/15 Km a mais nas suas deslocações, entendemos que, tendo em consideração o quadro negocial padronizado tal cláusula de fixação ampla do local de trabalho é lícita, não violando o disposto no artigo 22º, al. c) e n) do DL 446/85 de 19/10, nem o disposto no artigo 59º, n º1 al. b) da CRP, inexistindo, por isso, qualquer inconstitucionalidade na estipulação de tal cláusula”.

O que acontece é que nos termos do art. 280º nº 1 do CC, o negócio jurídico é nulo quando o seu objecto seja indeterminável.

Conforme se escreveu no acórdão desta Relação de 27.11.2020, p. 4087/19.4T8CBR.C1 (Jorge Loureiro), aplicável mutatis mutandis ao caso que nos ocupa, “Como ensina Almeida Costa, um dos requisitos da prestação “… consiste em que o seu objecto deve ficar inicialmente determinado, ou, quando menos, deve ser determinável em momento posterior, através de um critério fixado pelas partes ou pela lei (art.º 280.º, n.º1, e art.º 400.º)”, sendo que “… não será válida a obrigação sempre que o objecto da prestação se não encontre desde logo completamente individualizado e nem possa vir a sê-lo, por falta, ou eventual inoperância de um critério para esse efeito estabelecido pelas partes, no respectivo negócio jurídico, ou pela lei em normas supletivas”- Direito das Obrigações, Coimbra, 1968, p. 220/221.

No mesmo sentido escreveram Pires de Lima e Antunes Varela que “Apenas se consideram nulos os negócios jurídicos de objecto indeterminável, mas não os de objecto indeterminado, por exemplo as obrigações genéricas ou alternativas.(..)” (Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, p. 258), ou seja, para que seja válida a prestação necessita de ser determinável, ou seja, concretizável no seu conteúdo.

Como observa Antunes Varela, não se exige, nem no artigo 280º, nem no artigo 400º, ambos do CC, que a prestação seja determinada no momento em que a obrigação se constitui, “… mas não se prescinde de que seja nessa altura determinável, que possa ser concretizada, de harmonia com os critérios estipulados pelas partes ou fixados na lei”.

No mesmo sentido, explica Menezes Cordeiro que a prestação é indeterminada, mas determinável, quando não se saiba, num momento anterior, qual o seu teor, mas, não obstante, exista um critério para proceder à determinação.

Pelo contrário, a prestação é indeterminada e indeterminável quando não exista qualquer critério para proceder à determinação - Colectânea de Jurisprudência, Ano XVII, Tomo III, p.61; na jurisprudência e no mesmo sentido de que apenas se consideram nulos os negócios jurídicos de objecto indeterminável, mas não os de objecto indeterminado, podem consultar-se, apenas a título exemplificativo, o acórdão do STJ para uniformização jurisprudência de  23/1/2001, publicado no DR, I S-A, nº 57, de 8/3/2001, p. 1252, o acórdão deste Tribunal da Relação de 27/9/2019, proferido no processo 1006/18.9T8LMG.C1.

Importa notar, como resulta do já exposto, que esses conceitos de “objecto indeterminado” e “objecto indeterminável” aferem-se por referência ao momento da celebração do negócio, de tal maneira que nesse momento a lei não exige que o objecto esteja já determinado, bastando que a essa data ele possa ser determinável no futuro e atempadamente em função dos contornos negociais gizados pelas partes, o que pressupõe que exista nessa ocasião um critério objectivo, legal ou negocial, que permita estabelecê-la, ou seja, que permita fixar ou estabelecer o conteúdo da prestação ou demarcar/individualizar o seu objecto e respectivos termos e limites.

Por outras palavras, a prestação é indeterminada, mas determinável, quando não se saiba, num momento anterior, qual o seu teor, mas, não obstante, exista um critério para se proceder à determinação, sendo a prestação indeterminada e indeterminável e, consequentemente, nula quando não exista qualquer critério para proceder à determinação.

No caso, dir-se-á que as partes estipularam um critério que posteriormente à celebração do negócio permite determinar ou concretizar o local de trabalho contratualmente acordado; e esse critério foi o da “área geográfica da filial de Coimbra”.

(…)

Com efeito, o local de trabalho contratualmente acordado é determinável pela referência, na citada cláusula, à área geográfica da filial da ré de Coimbra.

Com efeito, o local de trabalho do autor coincide com todo o espaço territorial de actuação profissional da filial da ré de Coimbra, sendo que do nosso ponto de vista era determinável esse espaço territorial, por exemplo, com indagação determinativa do espaço territorial a que à data da celebração do contrato de trabalho estava confinada aquela actuação daquela filial, no confronto daquele que estava cometida às demais filiais da ré de Lisboa, Porto, Faro e Funchal (…).

(…)

É certo que o local de trabalho contratualmente acordado correspondia a uma área geográfica considerável, obrigando o autor a uma significativa mobilidade no exercício da sua actividade profissional.

Porém, não pode confundir-se a extensão geográfica do local de trabalho com a sua indeterminabilidade; o contrato de trabalho celebrado entre o autor e a ré delimitam o local de trabalho, fazendo-o coincidir com a área de intervenção da filial da ré de Coimbra que, como visto, era conhecida pelos contraentes.

(…)

Na verdade, como escreve Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, I, Introdução, Relações Individuais de Trabalho, 1987, p. 320) “O local de trabalho tem diferente amplitude conforme se trate de um empregado de balcão, de um motorista de transportes colectivos ou de um caixeiro viajante: no primeiro caso, será o estabelecimento concreto; no segundo e no terceiro, as áreas percorridas na prestação do trabalho.

Trata-se, em suma, de definir o âmbito espacial em que normalmente é prestada a actividade.”.

Por outro lado, como ensina Maria Palma Ramalho (Tratado do Direito do Trabalho, Parte II, 2006, pp. 405 e seguintes, com especial relevância para as páginas 407 a 409): “«…a primeira aproximação ao conceito de local de trabalho aponta para o lugar físico de cumprimento da prestação do trabalhador, que coincide, em geral, com as instalações da empresa ou com o estabelecimento do empregador.

Contudo, esta noção não é adequada a diversas situações, em que a actividade laboral desenvolvida influencia directamente o local de trabalho, tornando-o de mais difícil determinação. Estas situações podem ser dos seguintes tipos:

i) Contratos de trabalho em que a natureza da actividade laboral não se compadece com a fixação de um local de trabalho único ou mesmo preponderante: são os casos de local de trabalho diluído, que se deixam exemplificar com actividades profissionais como a do motorista do camião, a do trabalhador da empresa de limpezas ao domicílio, a do inspector itinerante, ou a do dele­gado de informação médica. Nestes casos, o local de trabalho não é fixo, por natureza, ainda que as instalações da empresa possam manter uma relevância acessória para esse efeito (porque, por exemplo, o trabalhador tem que se apresentar a certas horas do dia nessas instalações).”.

É o que ocorre, igualmente, com o autor, que foi contratado para o exercício da profissão de vigilante de transporte de valores na área geográfica da filial da ré em Coimbra, devendo para tanto realizar circuitos de recolha, manuseamento e transporte e recolha de valores junto dos locais/estabelecimentos dos clientes daquela filial, designadamente, para bancos e superfícies comerciais, abastecimento de ATM’s (caixas multibanco) e recolha de excedentes de valores”

Transpondo o que ficou dito para o caso em análise dir-se-á que a Clª 4ª, na parte em que fixa o local de trabalho do recorrente nas áreas abrangidas pelas actuais concessões da recorrida, não padece de indeterminabilidade e, por isso, não é nula.

Mas já é nula na parte em que, na mesma, se fixa o local de trabalho na área das futuras concessões a atribuir à recorrida dada indeterminabilidade dessa estipulação.

Daí que seja de sufragar a decisão da 1ª instância quando julgou a cláusula quarta do contrato celebrado entre autor e ré, parcialmente nula, na parte em que refere a concessões futuras, por indeterminabilidade, nos termos do disposto no artigo 280º, n º 1 do Código Civil, considerando-se a mesma de nenhum efeito e, portanto, excluída, apenas nessa parte.

Da inconstitucionalidade:

Dispõe o art 59º nº 1 alínea b) do CRP que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar;

Ora, parece-nos óbvio que a Clª 4ª, na parte em que foi julgada válida em nada belisca os direitos do autor, tal como estes se encontram consignados no referido normativo da CRP, ou seja que a fixação do local de trabalho do recorrente nas áreas de concessão atribuídas à recorrida implique um tratamento menos dignificante e que inviabilize a sua realização pessoal ou que não permita a conciliação.

Do local de local de trabalho/alteração.

A análise destas questões encontra-se prejudicada pela solução dada às demais questões objecto da apelação.


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IV - Termos em que se decide julgar a apelação totalmente improcedente com integral confirmação da sentença impugnada

*

Custas a cargo do recorrente.

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Sumário[3]:

(…).


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Coimbra, 10 de Fevereiro de 2023

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(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)

(Luís Miguel Ferreira de Azevedo Mendes)




[1] Lê-se na sentença “ora, face à factualidade provada [factos 8, 9 e 10] diremos que, não tendo a ré logrado provar, como lhe competia que o contrato de trabalho foi precedido de negociação, diremos que, o mesmo configura um contrato de trabalho de adesão”
[2] Estabelece o artigo 104º do CT que “1- A vontade contratual do empregador pode manifestar-se através de regulamento interno da empresa, e a do trabalhador pela adesão expressa ou tácita ao mesmo regulamento. 2- Presume-se a adesão do trabalhador quando este não se opuser por escrito no prazo de 21 dias, a contar do início da execução do contrato ou da divulgação do regulamento se for posterior”. Por sua vez, o artigo 105º do CT, estabelece que, “O regime das cláusulas contratuais gerais aplica-se aos aspectos essenciais do contrato de trabalho que não resultem de prévia negociação específica, mesmo na parte em que o seu conteúdo se determine por remissão para instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho”.
[3] Da responsabilidade do relator.