Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
797/08.0TMCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: INVENTÁRIO
SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
RELAÇÃO DE BENS
RECLAMAÇÃO
INCIDENTE
CRÉDITO
COMPENSAÇÃO
Data do Acordão: 03/12/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
COIMBRA - TRIBUNAL FAMÍLIA E MENORES - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCILAMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.303, 313, 316, 1404 CPC, 1689, 1697, 1730 CC
Sumário: 1. O valor dos incidentes deduzidos em processo de inventário é o do próprio inventário, salvo se eles tiverem realmente valor diverso do do processo, porque neste caso determina-se em conformidade com as regras gerais ( art. 313º - 1 CPC).

2. As relações patrimoniais entre os cônjuges cessam com a dissolução do casamento ou com a separação judicial de pessoa e bens, pelo que só com essa cessação se procede à partilha dos bens do casal, recebendo cada cônjuge na partilha os bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo previamente o que dever a esse património.

3. Se no decurso da sociedade conjugal os cônjuges se tornam devedores entre si, designadamente, quando por bens próprios de um deles se dá pagamento a dívidas da exclusiva responsabilidade do outro, ou quando tratando-se de dívida da responsabilidade solidária de ambos um deles satisfaz voluntariamente maior quantia que o outro ou a sua totalidade, só na subsequente partilha poderão tais créditos ser exigidos.

4. Decorrendo tal partilha em processo de inventário, tais créditos, embora não sendo objecto de relacionação, devem ser levados à conferência de interessados, não se justificando a remessa dos interessados para o processo de prestação de contas.

5. O processo de inventário subsequente ao divórcio é o meio adequado para se conhecer dos chamados “créditos de compensação” entre os cônjuges, e não o processo especial de prestação de contas.

Decisão Texto Integral:             Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra

            I- RELATÓRIO

                  1. Nos autos de inventário para partilha de bens em casos especiais, Nº 797/08.0TMCBR-B, a correr termos no 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Coimbra, em que são interessados A (…) e E (…), nos quais desempenha as funções de cabeça de casal a mencionada A (…), veio o interessado E (…), apresentar reclamação da relação de bens apresentada pela mencionada cabeça de casal, pugnando pela não relacionação de alguns dos bens que constam de tal relação e insurgindo-se contra o valor de alguns dos bens e das benfeitorias nela relacionadas e, ainda, pela relacionação de passivo que dela não consta.

            2. Em resposta a essa reclamação veio a cabeça de casal, manter, no essencial, os bens e as benfeitorias relacionadas e os respectivos valores, e negar a obrigação de relacionar o passivo cuja falta de relacionação vem acusada pelo interessado reclamante.

            3. Produzidas as provas indicadas pelo interessado e pela cabeça de casal, foi proferida decisão nos seguintes termos:

            “ 1) sobre os bens relacionados constantes das verbas 7 e 9, “ não tendo a prova produzida sido segura e concludente para se concluir pela existência dos bens em causa, remetem-se os interessados para os meios comuns “;

            2) sobre as benfeitorias relacionadas e constantes da verba nº 8, “ não ficando claro o valor delas – avaliadas, foi indicado o valor de cerca de € 12.000,00, longe do valor indicado pelo requerido e CC – entendemos que nos meios comuns, podem os interessados obter um valor mais certo, pelo que para aí se remetem os mesmos;”

            3) sobre os bens a relacionar, na verba nº 1, “ não tendo a prova produzida sido segura e concludente para se concluir pela existência dos bens em causa, remetem-se os interessados para os meios comuns;”

            4) sobre o motociclo, com matrícula 33-CB-11, “ é do casal, uma vez que foi adquirido na constância do casamento. Não alterando isso, o facto de ser normalmente a filha da CC (…), que com ela circulava.

            Vai, por isso à relação de bens, pelo valor indicado pelo requerido.

            Na conferência de interessados, podem entender-se quanto a esse valor, nos termos do art. 1353º/4, a) do CPC;”

            5) sobre o valor do Seat Ibiza, “ é questão da conferência de interessados, nos termos referidos no nº anterior;”

            6) sobre o passivo relacionado na verba nº 4, “ a questão da dívida dessa verba é quanto à sua aprovação, questão da conferência de interessados, nos termos do nº 3 do art. 1353º do CPC; “

            7) e 8) sobre o passivo a incluir na relação de bens, “ essas questões são matéria de prestação de contas, para cujo processo se remetem as partes interessadas. “

            Mais se decidindo, ainda, quanto às custas do incidente de reclamação de bens, que as mesmas ficavam a cargo da cabeça-de-casal e do interessado reclamante, na proporção de 2/5 e 3/5, respectivamente, fixando-se, ainda, o valor do incidente em 1/8 do inventário.

            4. Inconformado com o assim decidido, interpôs recurso o interessado E (…), recurso esse cujas alegações o mesmo remata com as seguintes conclusões:   

            “ 1- A decisão recorrida que julgou o incidente de reclamação à relação de bens, ao fixar o valor do incidente em 1/8 do valor do inventário desconsiderou o disposto pelo artº. 316º. do C.P.C. que manda atender ao valor da causa quando o requerente do incidente não indique qualquer valor;

            2- Considerando que o requerente, ora recorrente não indicou valor ao incidente de reclamação da relação de bens, mas os presentes autos de inventário têm o valor de €30.001,00 (trinta mil e um euro) deveria ser este o valor a atribuir ao incidente, tanto mais que na resposta à reclamação a requerida não impugnou tal valor. (Cfr. requerimento de Inventário junto aos autos a 06.11.2009, conforme refª citius 211295 e resposta à reclamação apresentada pela cabeça de casal a 25.02.2010 sob Refª citius 220190)

            3- Mesmo que o tivesse feito, o objecto em discussão na presente reclamação tem valor muito superior ao atribuído pela decisão recorrida, dado que o recorrente reclama do valor atribuído à verba oito da relação de bens correspondente às benfeitorias realizadas na casa de habitação que é bem próprio do recorrente, sito ao ... no concelho de Arganil que a cabeça de casal quantifica em €50.000 (cinquenta mil euros); (…) (08-02-2013 9:41:27) Página 15 de 143 14/23 13

            4- A reclamação tem também por objecto a impugnação da existência dos bens relacionados sob as verbas nº.s 7 e 9, com os valores, respectivos de €3.000 (três mil euros) e €500 (quinhentos euros);

            5- Bem como, a omissão da relação de bens quanto ao recheio da casa de morada de família na posse da cabeça de casal, no valor de €3.000 (três mil euros), um motociclo no valor de €2800 (dois mil e oitocentos euros) e o direito de crédito do reclamante sobre a cabeça de casal, relativamente ao pagamento das prestações de reembolso dos mútuos contraídos na constância do casamento junto do banco S ..., correspondentes às verbas nº.s1, 2, e 3 do passivo apresentado pela cabeça de casal, cujo valor documentado nos autos, ascendia em Fevereiro de 2012 a €15.258,67 (quinze mil duzentos e cinquenta e oito euros e sessenta e sete cêntimos).

            6- A reclamação à relação de bens, teve ainda por fim reclamar do relacionamento sob o nº.4 de uma dívida no valor de €10.000 (dez mil euros) ao pai da cabeça de casal, por ser inexistente, bem como a omissão de relacionamento da dívida contraída pelo reclamante, na constância do casamento para a ocorrer às despesas comuns do casal, junto do banco Suíço " C ..." no valor de €23.178,00 (vinte e três mil cento e setenta e oito euros).

            7-O reclamante impugnou, também o valor de €5.000 (cinco mil euros) atribuído ao veículo automóvel de marca Seat Ibiza pela cabeça de casal, quando de facto aquele não tem valor superior a €1.000 (mil euros), tudo conforme reclamação á relação de bens junta aos autos sob refª citius 219353 a 15.02.2010.

            8- Pelo que, ainda que se atendesse ao valor das questões efectivamente discutidas no incidente de reclamação (nos termos do disposto pelo artº. 317º. do C.P.C., caso tivesse havido oposição), sempre seria o seu valor muito superior ao atribuído e pelo menos igual ao indicado como valor da causa principal, ou seja €30.001,00 (trinta mil e um euro).

            9-Pelo que a decisão do incidente é recorrível, atento ao valor do incidente que deve ser fixado no montante supra indicado, mas também porque tal decisão é desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada do Tribunal de que se recorre, nos termos do artº. 678º. nº.1 do C.P.C.

            10- Desde logo, ao remeter os interessados para os meios comuns no que tange à verificação do valor das benfeitorias relacionadas sob a verba nº8 da relação de bens, nos termos do disposto pelo artº. 1350º. nº.2 parte final, tal significa que permanecem relacionados os bens cuja exclusão se requereu, pelo que tal benfeitoria será levada à partilha pelo exorbitante e indevido valor de €50.000 (cinquenta mil euros) o que causa prejuízo óbvio ao reclamante/recorrente, pelo menos em €25.000 correspondente ao valor incorrecto da meação da recorrida, cabeça de casal.

            11-A decisão recorrida remete para acção de prestação de contas, os interessados, quanto ao reclamado direito de crédito do recorrente à meação das prestações de reembolso dos mútuos contraídos pelo casal junto do Banco S ..., o qual, considerando a prova documental junta aos autos, já ascendia em Fevereiro de 2012 a €15.258,67 (quinze mil duzentos e cinquenta e oito euros e sessenta e sete cêntimos), bem como no que tange ao relacionamento no passivo comum da dívida contraída junto do banco suíço " C ..." no valor de €23.178,00 o que significa, nos termos do disposto pelo artº. 1350º. nº.2, 1ª. Parte que tais verbas não serão incluídas no inventário, com prejuízo para o recorrente nesses exactos montantes.

            12º.- Assim se demonstrando que a decisão que põe fim ao incidente de reclamação à relação de bens é também recorrível por ser desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal de que se recorre, para além de o ser, nos termos do disposto pelo artº. 678º. nº.2 al.b) do C.P.C.

            13º.A decisão recorrida ao remeter os interessados para os meios comuns no que diz respeito à verificação do valor das benfeitorias realizadas pelo casal numa casa de habitação sita ao ... que é bem próprio do reclamante/recorrente, ignora por completo que os interessados requereram por acordo a avaliação dessa verba, o que foi deferido nos termos do disposto pelo artº. 1362º. nº.4 e 1369º. do Cod. Proc. Civil, tendo-se procedido a perícia colegial que por unânimidade fixou o valor da verba em €4.441,30 acrescido de Iva, sem que tal perícia tivesse sido objecto de reclamações. Cfr. relatório pericial junto aos autos a 11-07- 2011, conforme Refª citius 1227045 e 1227046 conforme certidão cuja junção se requereu em anexo e acta para inquirição de testemunhas datada de 02.11.2010 junta aos autos com a refº citius 1057235.

            14º. Requerendo-se avaliação de bens, nos termos do disposto pelos artº.s 1362º. nº.4 e 1369º., devem os mesmos ir á relação de bens pelo valor resultante da referida avaliação, sendo certo que nunca se justificaria, de qualquer modo a remissão dos interessados para meios comuns dado que o valor apurado resulta de prova imparcial, requerida por ambas as partes e que não mereceu qualquer reclamação, permitindo ao tribunal com segurança e elevado grau de certeza decidir tal questão, fixando o valor das mencionadas benfeitorias.

            15º. Acresce que o recurso a uma acção comum para fixação de tal valor determinaria a produção de prova de igual natureza, com a possibilidade até de se invocar a prova pericial já produzida nestes autos, atento o valor extraprocessual das provas, constituindo, pois, um encargo em tempo e dispêndio económico para os interessados, sem qualquer efeito útil, dado que não se alcançaria, certamente valor diferente do já apurado através da perícia para avaliação realizada nos presentes autos.

            16º.Tanto mais que ambos os interessados alegaram o que tiveram por conveniente acerca de tal matéria, respectivamente na reclamação e resposta, requereram por acordo a avaliação através da perícia que foi realizada colegialmente e conclui por unanimidade pelo valor, não tendo sido objecto de reclamações de qualquer um dos interessados.

            17º.Deveria pois a decisão recorrida ter, desde, logo fixado o valor das benfeitorias no montante apurado em sede de avaliação, ou seja, €4.441,30 acrescido de Iva, ou, pelo menos, mesmo que assim não se entendesse, ressalvando a possibilidade da cabeça de casal, querendo, poder recorrer aos meios comuns para demonstrar que tal valor é superior, nos termos do disposto pelo artº. 1350º. nº.3 do C.P.C., caso se entendesse que a matéria de facto a decidir era de tal forma complexa que tornaria inconveniente a decisão incidental definitiva da mesma em sede inventário. (Cfr. artº. 1336º. nº.2 do Cod. Proc. Civil).

            18º.O reclamante demonstrou em sede de reclamação à relação de bens que é credor da cabeça de casal pelo valor da meação de todas as prestações de reembolso dos mútuos contraídos na constância do casamento por ambos os cônjuges, junto do Banco S ..., relacionados pela própria cabeça de casal como dívidas comuns do casal sob as Verbas nº.s 1, 2 e 3 da relação das dívidas, atenta a junção dos extractos bancários que demonstram que, pelo menos até Fevereiro de 2012, o recorrente tinham pago tais prestações na totalidade bem como os seguros de vida que lhe estão associados, no valor total de €30.353,83, sendo pois credor da meação de €15.176,91 (quinze mil cento e setenta e seis euros e noventa e um cêntimos), dado que, nos termos do disposto pelo artº. 1730º. do Cod. Civil, os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso.

            19º.Está assente e reconhecido pela cabeça de casal, ora recorrida que tais dívidas são da responsabilidade de ambos os cônjuges e por isso assim foram relacionadas como dívidas comuns, além de não ser posto em causa que de facto é o recorrente que tem vindo a suportar tal pagamento, o que de resto resulta demonstrado documentalmente nos autos, restando pois liquidar o valor exacto pago por este desde que cessaram as relações patrimoniais entre os cônjuges, ou seja á data em que foi instaurada a acção de divórcio, 09.10.2008, conforme resulta do processo de divórcio apenso aos presentes autos, até ao momento em que venha a ser realizada a partilha dos bens;

            20º.Conforme estabelece o artº. 1697º. nº.1 do Código Civil, quando por dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges tenham respondido bens de um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer, sendo que tal crédito só é exigível na partilha dos bens do casal, corroborando o disposto pelo artº. 1689º. do Cod. Civil relativo à partilha do casal e pagamento de dívidas que estabelece no nº.3 que os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos através da meação do cônjuge devedor no património comum e subsidiariamente através dos seus bens próprios.

            21º.A decisão recorrida, ao remeter os interessados para uma acção de prestação de contas não toma em consideração que tais créditos são pagos e exigíveis no momento da partilha dos bens comuns através da meação do cônjuge devedor, pelo que é no presente inventário e não em acção de prestação de contas, salvo o devido respeito, que deve atender-se na operação de partilha ao reclamado crédito.

            22º.Sendo certo que no caso em apreço, há apenas que liquidar o respectivo montante, dado que é pacífico que tal crédito existe, pois não é posto em causa que as dívidas em questão são comuns do casal e é o ex-cônjuge reclamante que tem vindo a suportar tal encargo, operação que poderá ser realizada em sede de partilha, demonstrando-se documentalmente o valor actualizado a essa data do total das prestações pagas pelo reclamante, se necessário for através de documento a juntar pela própria instituição bancária, credora nos autos.

            23º.A jurisprudência dos diversos tribunais superiores tem vindo a considerar que é no momento da partilha dos bens comuns do casal que devem ser compensados os créditos entre os cônjuges, através do direito à meação nos bens comuns do cônjuge devedor, neste sentido AC do TRL de 15-12-2011 (Proc. nº. 1364/08.3TBMFR.L1-1); AC do TRL de 06-07-2007 (Proc. nº. 3839/2006-7); AC do STJ de 27/04/1999 (Proc. nº. 99A133) todos pesquisáveis em www.dgsi.pt.

            24º.Pelo que a decisão recorrida deveria ter reconhecido o crédito do recorrente/reclamante à meação do valor das prestações e seguros de vida associados pagos à credora Banco S ... para reembolso do mútuo contraído na constância do casamento por ambos os cônjuges, desde a data em que foi instaurada a acção do divórcio e se retrotaem os efeitos patrimoniais deste, ou seja 09.10.2008 nos termos do disposto pelo artº. 1789º. nº.1 do Cod. Civil, de forma a poder ser levado em conta para compensação, na operação de partilha dos

bens comuns do casal, momento em que se liquidaria o respectivo valor, sem embargo de se dar já por assente, por demonstrado documentalmente nos autos que, de Fevereiro de 2009 a Fevereiro de 2012, o recorrente pagou ao banco a quantia total de €30.353,83 (trinta mil trezentos e cinquenta e três euros e oitenta e três cêntimos), conforme documentos juntos ao incidente de reclamação a 15.02.2010 com a refª. citius 219353, e aos requerimentos apresentados a 14.04.2012, com a refª. citius 291218 e a 19.04.2012 com a refª citius 291744 .

            25º.Por fim, não deveria a decisão recorrida ter remetido os interessados para a acção de prestação de contas no que tange à reclamada dívida comum do casal contraída na constância do casamento pelo cônjuge Reclamante junto do Banco Suiço " C ..." no valor de €23.178,00 para fazer face aos encargos normais da vida familiar, mas, quando muito, ordenar o seu relacionamento, remetendo a decisão sobre a mesma para a conferência de interessados, nos termos do disposto pelo artº. 1353º. nº.3 do C.P.C., até porque salvo o devido respeito, nos termos do disposto pelo artº. 1681º. nº1 primeira parte, os cônjuges não estão obrigados a prestar contas entre si da sua administração na constância do casamento.

            26º.Assim, a decisão recorrida desrespeitou o disposto nos artº.316º. nº.1, artº. 317º., 2ª. parte, 1336º. nº.2 , 1350º. nº.1 ambos "à contrário", 1362º. nº.4, 1369º., todos do Cod. Proc. Civil e artº.s 1697º. nº.1; 1689º. nº.3, 1789º. nº.1, 1681º. nº.1 e 1353º. nº.3, estes do Código Civil. “

            Termina pugnando pela procedência do recurso e pela revogação da decisão recorrida.

6. Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.



II – ÂMBITO DO RECURSO

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso ( Arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC ), são as seguintes as questões a decidir:

I- Saber se o valor correcto a fixar ao incidente de reclamação de bens deve ser o de € 30.001,00 (trinta mil e um euro);

II- Saber se deveria ser fixado o valor das benfeitorias realizadas pelo casal numa casa de habitação sita ao ..., relacionadas na verba Nº 8, no montante apurado em sede de avaliação, ou seja, €4.441,30 acrescido de Iva;

            III- Saber se ficou demonstrado que o interessado E (…)é credor da cabeça de casal pelo valor da meação no montante de  €15.176,91 referente ao pagamento de todas as prestações de reembolso dos mútuos contraídos na constância do casamento por ambos os cônjuges e seguros de vida que lhe estão associados, junto do Banco S ..., relacionados pela própria cabeça de casal como dívidas comuns do casal sob as Verbas nº.s 1, 2 e 3 da relação das dívidas, no €30.353,83. e se por via disso, deveria ter sido reconhecido o crédito do recorrente/reclamante à meação dessas prestações e seguros de vida por ele pagos no valor de €15.176,91 em vez de terem sido os interessados remetidos para uma acção de prestação de contas.

            IV- Saber se quanto à reclamada dívida comum do casal contraída na constância do casamento pelo cônjuge Reclamante junto do Banco Suiço " C ..." no valor de € 23.178,00 para fazer face aos encargos normais da vida familiar, deveria ter-se sido ordenado o seu relacionamento, remetendo a decisão sobre a mesma para a conferência de interessados, em vez de a esse propósito terem sido os interessados remetidos para a acção de prestação de contas.

III – FUNDAMENTAÇÃO

A) DE FACTO

            A panorâmica processual com relevância para a apreciação do presente recurso consta do relatório supra.

           

            B) DE DIREITO

            I- Sendo as questões suscitadas no presente recurso balizadas pelas respectivas conclusões, iniciaremos a apreciação destas pela questão relacionada com o valor fixado na decisão recorrida ao incidente – 1/8 do inventário - contra o começa logo por se insurgir o recorrente no recurso que interpôs.

            A respeito do valor dos incidentes em processo de inventário, ensina João António Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, Vol. III, pag. 221.222, que “ o valor dos incidentes em inventário, deduzidos por apenso ou incorporados nos autos, é o do próprio inventário, salvo se eles tiverem realmente valor diverso do do processo, porque neste caso determina-se em conformidade com as regras gerais ( art. 313º - 1 ), o que equivale a dizer que quem o suscita há-de atribuir-lho “ aduzindo, ainda, o mesmo autor, citando Eurico Lopes Cardoso, in Manual dos Incidentes da Instância, 2ª ed., pag, 67 « sob pena de se considerar que ele lhe atribuiu valor igual ao da causa, nos termos do art. 316º, nº1 ».

            No caso em vertente ao inventário foi indicado pelo requerente do mesmo e também ora recorrente no respectivo requerimento inicial o valor de € 30.001,00 (trinta mil e um euros ), valor esse que em momento algum do processo foi impugnado pela interessada e também cabeça-de-casal A (…).

            No requerimento apresentado pelo interessado e ora recorrente E (…)através do qual reclamou da relação de bens não indicou no mesmo qualquer valor.

            Preceitua o Art. 316º do CPC que:     

            « 1 - Se a parte que deduzir qualquer incidente não indicar o respectivo valor, entende-se que aceita o valor dado à causa; a parte contrária pode, porém, impugnar o valor com fundamento em que o incidente tem valor diverso do da causa, observando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 315.º, 317.º e 318.º

            2 - A impugnação é igualmente admitida quando se haja indicado para o incidente valor diverso do da causa e a parte contrária se não conforme com esse valor. »

            Do cotejo da panorâmica processual e legal que se deixa exposta, não vemos qualquer razão para ter sido fixado oficiosamente pelo Mmo. juiz a quo ao incidente de reclamação da relação um valor inferior ao atribuído por acordo das partes ao inventário onde foi deduzido tal incidente e, menos ainda, 1/8 desse valor como por ele foi decidido, até porque, o valor dos bens cuja relacionação e não relacionação em concreto vem posta em causa no requerimento apresentado pelo ora recorrente que corporiza a reclamação à relação de bens apresentada, ascende ao total de € 29.066,34.

            Assim sendo, assiste razão ao recorrente ao pretender que ao incidente de reclamação à relação de bens seja fixado o valor igual ao indicado no inventário.

           

II- Cumpre agora apreciar a decisão recorrida na parte que remeteu os interessados para os meios comuns a propósito do valor das benfeitorias realizadas pelo casal numa casa de habitação sita ao ..., relacionadas na verba Nº 8.

Em relação a qual questão suscitada no discurso recursivo afigura-se-nos existir uma questão prévia a apreciar, de conhecimento oficioso, que prejudica a decisão da mesma.

Como é consabido, a decisão recorrida insere-se num incidente do processo de inventário – o incidente de reclamação contra a relação de bens – ao qual se aplicam as regras gerais dos incidentes da instância previstas nos Arts. 302º a 304º do CPC – neste sentido, vide Lopes Cardoso, in ob cit., Vol I, 3ª edição, pag. 526; e Domingos de Sá, in Do Inventário, 4ª edição, pag. 58 e 118.

Nos termos conjugados dos Art. 302º e 304, nº 5 do CPC, quando houver produção de prova e finda a mesma, o juiz declara quais os factos que julga provados e não provados, observando, com as devidas adaptações o disposto no nº 2 do Art. 653º do CPC.

Como se observa da decisão recorrida, o Mmo. Juiz a quo omitiu, de todo, quais os factos provados e não provados com interesse para a apreciação das questões que lhe haviam sido suscitadas pelo reclamante e pela cabeça de casal a propósito dos bens cuja relacionação indevida ou falta de relacionação o primeiro daquele acusou e sobre os quais se pronunciou a cabeça de casal, bem assim como a respectiva fundamentação, limitando-se a preceder a decisão sobre tais questões – que fez nos termos já supra expostas – dizendo, “ tendo presente o ónus da prova (art. 342º do CC) e face ao apurado “, ou seja, entrando directamente na questão de direito sem elencar a factualidade que serviu de suporte a tal decisão do incidente.

A exigência de fundamentar as decisões prevista em geral no artigo 158.º do CPC, constitui decorrência do que estabelece o artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa.

Tal imposição legal abrange necessariamente os factos em que o juiz estriba a respectiva decisão, porquanto é sobre este acervo factual que o mesmo determinará qual o direito aplicável ao caso em apreço.

A falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão constitui causa de nulidade da decisão, nos termos  do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, cujo regime de arguição se encontra previsto no n.º 3 do referido preceito legal, podendo, pois, qualquer uma das partes recorrer da decisão como o fundamento em tal nulidade, a qual podia ser suprida nos termos do n.º 4 do citado artigo.

Na verdade, “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais”.

“O dever de fundamentação das decisões restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (…) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (…); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível” neste sentido, vide Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Processo Civil, pág. 221.

No caso em apreço esta nulidade não foi arguida nem constitui fundamento do presente recurso.

Apesar disso, nada obsta a que este tribunal de recurso dela tome conhecimento quando se verifique um julgamento de facto, ou nas situações em que este deva verificar-se, como acontece no presente caso, em que é necessário saber quais os factos tidos em conta pelo tribunal recorrido para decidir, como decidiu, a remessa dos interessados para os meios comuns com vista a obter um valor mais certo sobre as benfeitorias relacionadas sob a verba Nº 8.

No caso em apreço, verifica-se uma omissão de decisão sobre que respeitam ao valor das benfeitorias relacionadas sob a verba nº 8, omissão essa que se integra no conceito de “resposta deficiente “ – neste sentido Alberto dos Reis, in CPC anotado, Vol. IV, pág. 55, citado por Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma ...Vol. II, pag. 256.

Nestas circunstâncias, prevê o artigo 712.º, n.º 4, do CPC, que a Relação possa anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na primeira instância, quando repute deficiente a decisão sobre pontos concretos da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.

Assim, se a lei concede tal poder nos casos em que a decisão sobre a matéria de facto, é meramente deficiente ou escassa para decisão de todos os pontos controvertidos da questão de direito, por maioria de razão, também o concede quando se verifique uma total ausência da fixação da matéria de facto na decisão - cfr. neste sentido, Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, pág. 611, por referência à jurisprudência aí citada, e os Acs. TRL de 27-10-2009, processo 3084/08.0YXLSB-A.L1-1; STJ de 29-04-1998, processo n.º 98B209, ambos disponíveis em www.dgsi.pt; e de 01-10-2002, Revista n.º 2214/02 - 1.ª Secção, disponível em www.stj.pt Sumários de Acórdãos, estes últimos reportando-se à anulação de acórdão da Relação.

Bem se compreende tal solução já que, atento o poder censório conferido ao Tribunal da Relação, só face à indicação discriminada dos factos provados é que este tribunal poderá efectivamente entrar na apreciação do recurso interposto da decisão do da 1ª instância, já que só na posse desses elementos fácticos poderá o tribunal superior averiguar cabalmente se existiu ou não uma correcta subsunção do direito aos factos e se o juiz a quo violou ou não alguma norma legal quanto aos factos que podia valorar; se atendeu a todos os relevantes para a decisão da causa, ou se omitiu factos que devia ter considerado, etc.

Daí que, não se encontrando discriminada a factualidade tida por assente relativamente ao valor das benfeitorias relacionadas sob a verba Nº 8 pelo tribunal de 1ª instância na decisão recorrida, não possa este tribunal da Relação exercer esse poder censório e decidir a respeito de tal questão se a decisão de remeter as partes para os meios comuns se revelou ou não acertada.

Pelo que, se impõe a anulação da decisão recorrida na parte em que remeteu os interessados para os meios comuns relativamente ao valor das benfeitorias constantes da verba Nº 8 da Relação de bens, devendo ser proferida nova decisão com fixação da factualidade tida por pertinente para a apreciação de tal questão, em obediência ao preceituado no Art. 304º Nº5 do CPC, ficando, assim, prejudicado o conhecimento do recurso na parte suscitada pelo recorrente a respeito da decisão de remessa dos interessados para os meios comuns em relação a tal questão.

            III- Passando agora à apreciação das demais questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões do recurso, faremos a abordagem das mesmas agrupando as questões suscitadas pelo recorrente respeitantes à decisão do tribunal recorrido no que tange à remessa dos interessados para a acção de prestação de contas a respeito:

            - do crédito a que o interessado e ora recorrente se arroga credor da interessada e cabeça de casal A (…), no montante de € 15.176,91 - referente ao pagamento de todas as prestações de reembolso dos mútuos contraídos na constância do casamento por ambos os cônjuges e seguros de vida que lhe estão associados, junto do Banco S ..., relacionados pela própria cabeça de casal como dívidas comuns do casal sob as Verbas nº.s 1, 2 e 3 da relação das dívidas, no montante de € 30.353,83; e

            - da dívida que o recorrente alega ter sido por si contraída na constância do casamento junto do Banco Suíço " C ..." no valor de € 23.178,00 para fazer face aos encargos normais da vida familiar, sendo por isso dívida comum do casal, em relação à qual, segundo o mesmo, deveria ter-se sido ordenado o seu relacionamento, remetendo a decisão sobre a mesma para a conferência de interessados.

Pese embora em relação a tais questões a decisão recorrida incorra no mesmo vício daquele que acaba de ser apontado à decisão do tribunal recorrido de remeter os interessados para os meios comuns quanto ao valor das benfeitorias relacionadas sob a verba nº 8, afigura-se-nos que a solução decidida para tal questão não deverá ser seguida a propósito das questões agora em apreciação.     

Vejamos porquê.

            Para melhor enquadramento do aspecto jurídico que tais questões suscitam, convirá, antes de mais, tecer algumas considerações sobre o património comum do casal.

            O património comum dos cônjuges constitui uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia – embora limitada e incompleta – mas que pertence aos dois cônjuges, em bloco, sendo ambos titulares de um único direito sobre ela – neste sentido, vide Pereira Coelho, in Curso de Direito da Família, pág. 397.

            Os bens comuns dos cônjuges constituem, assim, objecto, não de uma relação de compropriedade, mas de uma propriedade colectiva ou de mão comum – neste sentido, Antunes Varela, in Direito da Família, pág. 436.

            A lei faz retroagir os efeitos do divórcio, no tocante às relações patrimoniais entre os cônjuges, à data da proposição da acção de divórcio ou à data da cessação da coabitação entre ambos, embora, neste último caso, nos termos do n.º 2 do art. 1789º do Código Civil, o que significa que a composição da comunhão se deve considerar fixada no dia da proposição da acção e não no dia do trânsito em julgado da decisão e que a partilha deve ser feita como se a comunhão tivesse sido dissolvida no dia da instauração da acção ou na data em que cessou a coabitação.

            No que toca à partilha dos bens do casal e ao pagamento de dívidas, dispõe o Art. 1689º do CC que:

            « -1. Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a esse património.

            -2. Havendo passivo a liquidar, são pagas em primeiro lugar as dívidas comunicáveis até ao valor do património comum, e só depois as restantes.

            -3. Os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum; mas não existindo bens comuns, ou sendo estes insuficientes, respondem os bens próprios do cônjuge devedor.»

            Por seu turno, sobre compensações devidas pelo pagamento de dívidas do casal, estipula-se no Art. 1697º do CC que:

            « -1. Quando por dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges tenham respondido bens de uma só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer, mas este crédito só é exigível no momento da partilha dos bens do casal, a não ser que vigore o regime de separação de bens.

            -2. Sempre que por dívidas da exclusiva responsabilidade de um só dos cônjuges tenham respondido bens comuns, é a respectiva importância levada a crédito do património comum no momento da partilha.»  

            Já sobre a participação dos cônjuges no património comum, prescreve-se no Art. 1730º do mesmo CC que:

            « -1. Os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso.

            -2. A regra da metade não impede que cada um dos cônjuges faça em favor de terceiro doações ou deixas por conta da sua meação nos bens comuns, nos termos permitidos por lei.»

            Do cotejo de tais normativo legais resulta que cada um dos cônjuges tem, assim, uma posição jurídica em face do património comum, no qual participam por metade, posição que a lei tutela (art. 1730º do Código Civil). Ou seja, cada um dos cônjuges tem um direito à meação, um verdadeiro direito de quota que exprime a medida de divisão e que virá a realizar-se no momento em que esta deva ter lugar.

            Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges pela dissolução do casamento ou pela separação judicial de pessoa e bens (arts. 1688º e 1795º-A do Código Civil), só com essa cessação se procede à partilha dos bens do casal (art. 1689º, n.º 1, do Código Civil), recebendo cada cônjuge na partilha os bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo previamente o que dever a esse património (art. 1689º, n.º 1, do Código Civil).

            E, ainda, que existe a preocupação legal de que na liquidação e na partilha do património comum deve haver equilíbrio no rateio final, de forma a que o património individual de cada um dos cônjuges não fique nem beneficiado nem prejudicado em relação ao outro (cfr. arts.º 1689º nº 1 e 1730º nº 1 do Código Civil), admitindo-se, pois, um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges e a massa patrimonial comum sempre que um deles, no momento da partilha, se encontre enriquecido em detrimento do outro. Caso contrário, verificar-se-ia um enriquecimento injusto da comunhão à custa do património de um dos cônjuges ou de um dos cônjuges à custa do património comum (cf. Menezes de Leitão, in Enriquecimento sem Causa no Direito Civil, CEF, 1996, págs. 513 a 516).

            É, pois, ancorado em tais normativos legais que o interessado e ora recorrente E (…) pretende fazer valer no processo de inventário os referidos créditos, pretensão essa que viu ser-lhe negada pela decisão recorrida ao remeter a apreciação das mesmas para a acção da prestação de contas.

            E, aqui chegados, há que dizer que assiste razão ao recorrente.

            Na verdade, como refere João António Lopes Cardoso, in ob. citada, vol. III, 3ª edição, págs. 391-392, « no decurso da sociedade conjugal algumas vezes os cônjuges tornam-se reciprocamente devedores entre si, situação que se verifica, designadamente, sempre que por bens próprios de um deles se dá pagamento a dívidas da exclusiva responsabilidade do outro, ou quando tratando-se de dívida da responsabilidade solidária de ambos um deles satisfaz voluntariamente maior quantia que o outro. »

            Nesses casos, segundo o mencionado autor «pendente o matrimónio persiste a inexigibilidade dos créditos, passando estes a ser exigíveis tão somente após a sua dissolução ou, melhor dizendo, na subsequente partilha, a não ser que vigore o regime de separação». Defendendo, assim, que tais créditos «não deverão ser objecto de relacionação isto mau grado deverem ser considerados no momento da partilha para serem satisfeitos na conformidade do disposto no art. 1689º-3 do Código Civil».

            Ao remeter a resolução das questões relacionadas com os créditos invocados pelo interessado E (…) dos quais este pretende ser ressarcido pelo valor da meação da interessada e cabeça de casal ora recorrida A (…), a decisão recorrida inviabilizou, a nosso ver incorrectamente, a resolução de tais questões no âmbito do processo de inventário, mormente no momento da partilha que nele tem lugar.

            Assim, perfilhando a opinião do citado autor a respeito da não relacionação de tais créditos, e ao contrário do que pretende o recorrente pelo menos em relação ao resultante do empréstimo contraído pelo próprio junto do Banco Suíço " C ..." no valor de € 23.178,00 para fazer face aos encargos normais da vida familiar, afigura-se-nos que deverão os interessados a respeito dos referidos créditos ser remetidos para a conferência de interessados a fim de nela serem resolvidas as questões com eles relacionadas, uma vez que se tratam de questões cuja resolução pode influir na partilha ou que se prendem com o passivo do casal e com a forma do respectivo cumprimento ( Art. 1353º ).

Daí que, ao contrário do decidido pela 1ª instância, se entende que tais créditos deverão ser submetidas à conferência de interessados, ainda que não sujeitos a relacionação.

Pelo que, apesar da decisão recorrida ser completamente omissa a respeito da factualidade relevante a respeito de tais créditos, entendemos ser inútil a anulação da mesma para apuramento da respectiva factualidade, visto que tal só teria interesse no caso dos mesmos estarem sujeitos a relacionação, o que não acontece.

            IV- SUMÁRIO

            1. O valor dos incidentes deduzidos em processo de inventário é o do próprio inventário, salvo se eles tiverem realmente valor diverso do do processo, porque neste caso determina-se em conformidade com as regras gerais ( art. 313º - 1  CPC).

            2. As relações patrimoniais entre os cônjuges cessam com a dissolução do casamento ou com a separação judicial de pessoa e bens, pelo que só com essa cessação se procede à partilha dos bens do casal, recebendo cada cônjuge na partilha os bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo previamente o que dever a esse património.

            3. Se no decurso da sociedade conjugal os cônjuges se tornam devedores entre si, designadamente, quando por bens próprios de um deles se dá pagamento a dívidas da exclusiva responsabilidade do outro, ou quando tratando-se de dívida da responsabilidade solidária de ambos um deles satisfaz voluntariamente maior quantia que o outro ou a sua totalidade, só na subsequente partilha poderão tais créditos ser exigidos.

4. Decorrendo tal partilha em processo de inventário, tais créditos, embora não sendo objecto de relacionação, devem ser levados à conferência de interessados, não se justificando a remessa dos interessados para o processo de prestação de contas.

           

            V- DECISÃO

            Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pelo apelante/reclamante, e, em consequência:

            2. Revoga-se a decisão recorrida na parte em que fixou ao incidente o valor de 1/8 do inventário e em que remeteu os interessados para a acção de prestação de contas a respeito do passivo a incluir na relação de bens, a qual se substitui por outra que fixa ao incidente o valor de € 30.001,00 e que ordena a remessa dos interessados para a conferência de interessados a respeito do crédito contraído junto do Banco Suíço " C ..." e do crédito referente ao pagamento de todas as prestações de reembolso dos mútuos contraídos e seguros de vida que lhe estão associados junto do Banco S ... para nela serem decididos.

            2. Anula-se a decisão recorrida na parte em que remeteu os interessados para os meios comum a propósito do valor das benfeitorias relacionadas sob a verba Nº8 da Relação de Bens, devendo o tribunal de 1ª instância proferir nova decisão precedida da fixação dos factos provados tidos por relevantes, em obediência ao preceituado no Art. 304º Nº5 do CPC;

            - Custas pela parte vencida a final.

                                                           Maria José Guerra ( Relatora)

                                                           Albertina Pedroso

                                                           Virgílio Mateus