Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
204/21.2T8MMV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO MOREIRA DO CARMO
Descritores: REQUISITOS DA ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
INCERTEZA SOBRE O TRAÇADO DA LINHA DIVISÓRIA
ANTECEDENTE ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
Data do Acordão: 04/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MONTEMOR-O-VELHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 1311.º, 1; 1353.º E 1354.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: i) A demarcação não visa a declaração do direito real, antes visa a determinação dos confins de um prédio: pressupõe uma incerteza, objectiva ou subjectiva, quanto aos limites materiais de determinado prédio, e pressupõe, igualmente, a contiguidade dos prédios;

ii) A incerteza sobre o traçado da linha divisória entre dois prédios, pelo menos subjectivamente, pode resultar do insucesso de antecedente acção de reivindicação;

iii) A autoridade do caso julgado tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito;

iv) No caso, a primeira decisão proferida pelo Julgado de Paz, em típica acção de reivindicação, não funciona como pressuposto necessário e indiscutível da segunda decisão a proferir nos presentes autos, como acção de demarcação.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. AA, residente em ... instaurou acção declarativa contra BB e mulher CC, ambos residentes em ..., peticionando que os RR sejam condenados a:

- reconhecerem o A. como único dono e legítimo possuidor do prédio Rústico com o art. ...59º da Freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...19 e como parte integrante do Prédio Misto identificado nos arts. 1º e 3º da presente petição inicial;

- reconhecerem como parte integrante do referido prédio do A. a parcela de terreno usurpada, aludida e descrita nos arts. 23º, 24º e 25º da presente petição Inicial;

- consolidarem adequadamente as obras no telhado dos anexos do seu prédio Urbano, situados junto à eira e que confrontam a Poente com o prédio do A; de modo a fixarem adequadamente as telhas soltas e a retirarem as pedras e os tijolos que se encontram sobre as mesmas;

- consolidarem e isolarem adequadamente no muro que construíram de nascente para poente, as ligações dos blocos de cimento às vigotas de cimento armado, eliminando as aberturas ali existentes, de modo a impedirem a saída da água para o prédio do A. por aquelas aberturas;

- removerem a rede metálica de “malha - sol” situada do lado exterior Norte do muro de blocos dos RR., no prédio do A. e que impede a limpeza e manutenção do aceiro/valeiro e ali provoca acumulação de detritos;

- removerem a vedação por eles RR instalada desde o fim do seu muro de blocos até à Vala Nacional a Poente;

- restituírem ao A. a parcela do seu terreno ilegitimamente ocupada pelos RR;

- reconhecerem que a linha da estrema entre o prédio rústico do A. e o prédio rústico dos RR é definida por uma linha recta que acompanhando, sempre, a linha exterior Norte do muro de blocos e vigotas dos RR, ao longo de toda a extensão deste e segue após o fim do muro, prolongando-se para Poente, sempre em linha recta, até à Vala Nacional;

- participarem e contribuírem para a Demarcação entre ambos os prédios, colocando-se, por acção conjunta de A. e RR, e fixando-se um marco em cimento, de tamanho acima dos três metros, na sequência da referida linha recta proveniente da face externa Norte do muro de blocos dos RR e por sobre esta, numa localização o mais aproximada possível da margem da Vala Nacional, de modo a que não fique sujeito aos aluviões que poderão alterar a sua posição/verticalidade;

- pagarem ao A. uma indemnização por danos não patrimoniais num montante nunca inferior a 6.000 €.

Os réus contestaram, invocando, além do mais, a excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado.

Alegaram, em suma, que no Julgado de Paz ... correu termos o processo 46/20..., proposto pelo autor, na qualidade de proprietário do prédio misto inscrito na matriz sob o art. ...55º urbano e art. ...59º rústico da Freguesia ..., contra os réus e a mãe do actual réu, relativamente aos prédios urbano com o art. ...14º e rústico com o art. 1660º, da mesma freguesia, na qualidade de proprietários, processo no qual os pedidos eram, na sua quase totalidade, iguais. A diferença quanto aos pedidos prende-se com o aditamento do pedido de uma acção conjunta para demarcação dos prédios com colocação dum marco, e do concreto valor indemnizatório aqui peticionado a título de danos morais (naquela acção 5.000 e nesta acção 6.000 €).  Na acção que correu no Julgado de Paz os ora réus foram declarados parte ilegítima e a mãe do réu absolvida de todos os pedidos, com excepção de um, tendo a sentença já transitado em julgado, sendo que, desde então, apenas se alterou a propriedade dos prédios em causa, que agora é do réu por doação da sua mãe. No que concerne ao pedido de demarcação, novo pedido apresentado nos presentes autos, pressupondo o mesmo a procedência dos pedidos previamente formulados, e como eles foram desatendidos na referida acção, então também pela via da autoridade de caso julgado sempre o autor se encontraria impedido de aqui apresentar a mesma pretensão.

O autor respondeu, pugnando pela improcedência do arguido pelos réus, porquanto os réus não são os mesmos sujeitos que litigaram na acção que correu no Julgado de Paz, além de que na sentença ali proferida não resultou determinada qual a concreta estrema do prédio, sem o que não é possível proceder à demarcação pretendida.

*

Em despacho saneador foi proferida decisão que:

1) julgou verificada a excepção de caso julgado e, em consequência, absolveu os RR da instância quantos aos pedidos apresentados nos 1º a 6º e 10º traços da p.i.;

2) julgou verificada a autoridade de caso julgado quanto aos demais e, em consequência, absolveu os RR dos restantes pedidos.

*

2. O A. recorreu, concluindo que:

1. Considerando a exigência cumulativa dos três indicados pressupostos (Sujeitos, Pedido e Causa de Pedir), para que se consubstancie a concreta Situação de Caso Julgado e, por consequência, se decida pela absolvição da Instância;

2. No caso em apreço nos autos, não se encontram cumulados os três, exigíveis, pressupostos; Não coincidindo esses três, fundamentais pressupostos, no Processo ora em curso, com esses mesmos pressupostos no processo que com o n. º n.º 46/20..., correu termos no Julgado de Paz ...;

3. Pois; Embora possa considerar-se que são os mesmos os Sujeitos Processuais, no que tange à sua “qualidade jurídica”, a mesma Causa de Pedir, subjacente ao direito de propriedade do Autor;

4. Na verdade, os Pedido formulados, quanto à estruturação, materialização e substanciação da causa de Pedir são bem díspares em ambos os Processos;

5. Porque, embora em ambos os Processos o A. peça o Reconhecimento pelos RR. do seu Direito de Propriedade sobre o seu Prédio, apresentando os competentes títulos dos quais resulta a presunção da existência desse direito na sua esfera jurídica;

6. Enquanto no Processo do Julgado de Paz formula um concreto e específico pedido do reconhecimento desse seu direito, mas incluindo nesse pedido o reconhecimento pelos RR. Da propriedade da parcela terreno que considera usurpada;

7. No primeiro Pedido que formula nos presentes autos, cinge-se específica e concretamente, ao reconhecimento pelos RR. Do seu direito de propriedade, (do A.), sobre o prédio, apresentando os competentes títulos dos quais resulta a presunção da existência desse direito na sua esfera jurídica;

8. Excluindo, desse, concreto pedido – o primeiro – o reconhecimento pelos RR. da propriedade, (do A.) sobre a referida parcela;

9. Resultando da Lei do processo que os Pedidos são autónomos entre si;

10. Até para que possam ser deferidos ou indeferidos autonomamente, desde que não alternativos e/ou subsidiários;

11. Nada obstando a que, no saneamento dos autos, prossigam um ou uns sem os outros;

12. Sendo perfeitamente legal, possível e plausível, absolverem-se os RR. seja da Instância seja dos específicos pedidos, relativamente a um ou mais dos pedidos e fazerem-se seguir os Autos relativamente aos restantes;

13. E sabendo-se, sem reservas, que o Direito de Propriedade é um Direito real, ainda e também, constitucionalmente consagrado e protegido, não se concebe que não se permita que os Autos avancem, para a devida e preponderante apreciação do reconhecimento do Direito de Propriedade do Autor;

14. Assim sancionando a invocação pelos Réus do caso julgado, com fundamento da cumulação dos três, exigíveis, pressupostos regulados na lei Processual em dois ou mais processos distintos;

15. E assim impedindo a prossecução dos autos;

16. Quando essa “trilogia” não está presente;

17. Levará à específica limitação do A. no tocante à invocação do reconhecimento do seu direito de propriedade e à consequente violação do mesmo;

18. Devendo-se, pois, revogar essa douta Decisão e fazer prosseguir os autos, para apreciar o reconhecimento do direito de propriedade do A;

*

19. Vem, ainda, a douta decisão ora impugnada considerar que são a mesma coisa o pedido de reconhecimento da propriedade e de demarcação;

20. Conceito, este, que não é aceitável;

21. Uma vez que o Pedido/direito à demarcação é, isso sim, uma derivação ou consequência do Direito de Propriedade, não existindo este último sem o primeiro;

22. Ou seja, considerando que, conforme se defendeu supra, no ponto II.1 que a acção devia prosseguir para julgar o pedido do A. de reconhecimento pelos RR. do seu Direito de Propriedade do prédio Descrito nos autos, titulado fiscal e registralmente no Registo predial, daqui resultando, para além de mais a presunção da titularidade do direito a favor do A;

23. Por Maioria de Razão deverá, prevalecer e prosseguir o pedido de demarcação, resultante e consequência da apreciação;

24. Sempre legitima, do reconhecimento do direito de propriedade do A;

25. É que, contrariando a relação que a douta Decisão estabelece entre a invocação do reconhecimento do Direito de propriedade e da restituição da parcela, alegadamente usurpada pelos RR;

26. Sub-rogando o primeiro à segunda, quando ainda que a “restituição da parcela” faleça, em consequência da autoridade do caso julgado – o que até se pode admitir, nada obsta a que seja, sempre, apreciado o pedido de reconhecimento do direito de propriedade do A. fundado nos títulos que exibe e no contexto dos mesmos;

27. Logo, devendo admitir-se por ser legal e derivar de um Direito Real – tendo por isso a mesma protecção legal – e sob pena de, doutro modo ser violado o Direito Real – de Propriedade – de forma ilegítima e abusiva; O PEDIDO DE DEMARCAÇÃO;

28. Devendo pois considerar-se que o Pedido do A. de reconhecimento pelo RR. do Direito de Propriedade daquele e o do seu Direito à Demarcação, derivado do Primeiro, não estão, de nenhum modo, dependentes da Autoridade do Caso julgado;

29. Devendo pois e por consequência, prosseguir os autos para apreciação e decisão sobre os mesmos;

- Entende-se terem sido violados pela douta decisão que ora se impugna, o Direito de Propriedade do A, limitando-lhe a defesa do mesmo e os Princípios da Prossecução da Descoberta da Verdade Material, bem

como o Princípio da Cooperação e Princípio do Inquisitório e ainda os art. º s 411.º do C.P.C;

Nestes Termos e nos melhores de Direito, sempre com o Vosso Douto suprimento, Venerandos Desembargadores, deverá considerar-se integralmente procedente, por Provado, o Presente Recurso,

determinando-se e declarando-se a Revogação da Douta Decisão ora Recorrida;

- E, por consequência, determinarem a prossecução dos autos para a produção da prova no necessário Julgamento;

Assim se fazendo a costumada Justiça, como é Vosso Apanágio!

3. Inexistem contra-alegações.

II – Factos Provados

A factualidade a considerar é a que dimana do Relatório supra.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Verificação da excepção/autoridade de caso julgado.

2.1. Na decisão recorrida escreveu-se que:

“Sobre a excepção do caso julgado versa o artigo 581.º, do Código de Processo Civil, o qual consagra que:

«1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido».

O caso julgado constitui uma excepção dilatória, isto é, constitui um impedimento ao conhecimento do mérito da causa e dita a absolvição da instância – artigos 576.º, n.os 1 e 2, e 577.º, alínea i), do Código de Processo Civil.

A verificação do caso julgado passa pelo preenchimento cumulativo de três pressupostos, tal como decorre do acima transcrito artigo 581.º, do Código de Processo Civil: a identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir. Daqui resulta, em termos práticos, que a excepção de caso julgado tem lugar quando os sujeitos e o objecto de uma acção já definitivamente decidida se repetem em nova acção.

No que respeita à identidade dos sujeitos, a coincidência exige-se quanto à qualidade jurídica que o lado activo e o lado passivo assumem na acção, e não quanto às concretas pessoas físicas que intervieram na acção anterior e as que integram a presente acção. Tratando-se, por um exemplo, de um dissídio entre os proprietários de dois prédios, a identidade de sujeitos verifica-se em relação a quem quer que seja que assuma a titularidade daqueles direitos, e não às concretas pessoas físicas que tenham estado na presente acção.

No que concerne à identidade de pedidos, esta ocorre sempre que o efeito jurídico pretendido é o mesmo que na acção anterior. Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06-09-2011, processo n.º 816/09.2TBAGD.C1, «A identidade dos pedidos é perspectivada em função da posição das partes quanto à relação material: existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado, sem que seja de exigir uma adequação integral das pretensões, nem sequer do ponto de vista quantitativo».

No que tange à identidade da causa de pedir, esta verifica-se quando o facto jurídico em que assenta a pretensão do Autor é igual ao da primeira acção.

Como se disse, a excepção de caso julgado consiste na existência desta tripla identidade entre sujeitos, causa de pedir e pedido de acção definitivamente decidida e uma nova acção.

Embora comungue da mesma finalidade, a saber a segurança jurídica, a excepção de caso julgado distingue-se da chamada autoridade de caso julgado.

A autoridade de caso julgado visa evitar que uma relação jurídica objecto de uma decisão transitada em julgado seja novamente apreciada, quiçá de modo diferente, o que conduziria a uma ofensa à segurança e estabilidade jurídicas. Todavia, diferentemente da excepção de caso julgado, a autoridade de caso julgado não depende da tríplice identidade entre sujeitos e objecto das acções em causa.

É comum abordar o caso julgado, primeiramente, em termos genéricos, atribuindo-lhe o intuito de evitar que, no mesmo ordenamento jurídico, dois tribunais profiram decisões contraditórias sobre um mesmo caso concreto. De seguida, é comum identificarem-se dois tipos de efeitos ao caso julgado: o efeito negativo que corresponde ao da excepção de caso julgado; e o efeito positivo que corresponde ao da autoridade de caso julgado. De igual forma se pode falar aqui de um efeito impeditivo e de um efeito vinculativo. Assim, Miguel Teixeira de Sousa, menciona «um efeito impeditivo, traduzido na excepção de caso julgado, e um efeito vinculativo, com expressão na autoridade de caso julgado. Aquela excepção visa obstar à repetição de decisões sobre as mesmas questões (ne bis in idem) e impede que os tribunais possam ser chamados não só a contrariarem uma decisão anterior, como a repetirem essa decisão. Em contrapartida, a autoridade de caso julgado garante a vinculação dos tribunais e dos particulares a uma decisão anterior, pelo que impõe que aqueles tribunais e estes particulares acatem (e, neste sentido, repitam) o que foi decidido anteriormente (quanto, por exemplo, a uma questão que é prejudicial para o conhecimento de uma outra questão).

Quando a decisão define um efeito jurídico, este efeito fica coberto pelo caso julgado; mas há que entender que o “contrário contraditório” desse efeito também fica abrangido pelo caso julgado

(…) Por exemplo: se a acção de reivindicação proposta por A contra B for julgada procedente, fica assente que o autor A é proprietário do bem reivindicado; se, depois de a acção de reivindicação ter sido julgada procedente a favor de A, o réu B intentar uma acção (de apreciação negativa) destinada a reconhecer que A não é proprietário com base na causa de pedir por este alegada, a excepção de caso julgado (…) obsta à admissibilidade da segunda acção, dado que B pretende que nela se estabeleça algo que é contraditório (a não propriedade de A) com o que ficou definido na primeira acção (a propriedade de A)» - Preclusão e “contrário contraditório” – Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-10.2012, Proc. 1999/11, em Revista de Direito Privado n.º 41, Janeiro/Março de 2013.

Vertendo ao caso em apreço.

Lida a petição inicial que deu origem aos presentes autos, o requerimento inicial e a sentença proferida no âmbito do processo n.º 46/20..., verifica-se que há uma coincidência entre os sujeitos, a causa de pedir e parte dos pedidos:

  . a acção n.º 46/20... foi proposta por quem se arrogava proprietário do prédio misto inscrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob os artigos n.os ...59 rústico e ...55 urbano, contra os herdeiros (e mulher de um dos herdeiros) do proprietário do prédio urbano inscrito na matriz predial da Freguesia ... sob o artigo n.º ...14, e prédio rústico inscrito na matriz predial da Freguesia ... sob o artigo n.º ...60. Por seu turno, a presente acção foi proposta pelo mesmo Autor enquanto proprietário do prédio misto inscrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob os artigos n.os ...59 rústico e ...55 urbano, tendo a acção sido proposta contra os actuais proprietários do prédio urbano inscrito na matriz predial da Freguesia ... sob o artigo n.º ...14, e prédio rústico inscrito na matriz predial da Freguesia ... sob o artigo n.º ...60. Independentemente da coincidência entre as pessoas físicas (que, em parte, há), o que releva é que a acção foi proposta por e contra os proprietários dos mesmos prédios.

  . os pedidos, ainda que em parte elaborados de forma diferente, reconduzem-se, na maioria, aos mesmos. Com efeito, confrontando as pretensões do Autor em cada uma das acções conclui-se que estas são, em parte, idênticas, a saber:

1) reconhecimento da propriedade sobre o prédio melhor identificado no artigo 1.º da petição inicial, com inclusão da parcela alegadamente usurpada;

2) consolidação das obras no telhado do anexo;

3) consolidação do muro, das ligações dos blocos de cimento às vigas, para impedir a saída de água para o prédio do Autor;

4) remoção da rede metálica de «malha-sol», que impede a limpeza e manutenção do aceiro/valeiro e provoca a acumulação de detritos;

5) remoção da vedação;

6) o pagamento de uma indemnização ao Autor.

Assim, os únicos novos pedidos feitos pelo Autor prendem-se com a restituição da parcela ocupada, o reconhecimento da linha de estrema por parte dos Réus e a demarcação por ambas as partes daquela estrema.

Importa referir que, no que respeita ao pedido do pagamento de uma indemnização, apesar de o valor indemnizatório nas duas acções ser diferente, é de considerar o pedido igual, uma vez que o efeito jurídico que se pretende é o mesmo: a compensação pelos danos morais alegadamente causados pelos proprietários dos prédios confinantes com o do Autor aqui em causa. A circunstância de a quantificação feita pelo Autor ser diferente não afasta a circunstância de o efeito jurídico pretendido ser exactamente o mesmo.

  . De igual forma, a causa de pedir, ou seja, o fundamento da pretensão do Autor, é o mesmo nas duas acções. Lendo o articulado que deu início a ambas as acções e que, na grande maioria, são a repetição um do outro, constata-se que os factos em que o Autor sustenta os seus pedidos são os mesmos.

Verificada que está a identidade de sujeitos, de causa de pedir e de pedidos quanto à maioria dos pedidos apresentados pelo Autor em ambas as acções, tem-se por verificada, quanto a esses pedidos, a excepção de caso julgado, determinante da absolvição dos Réus da instância quanto aos mesmos.”.

O A. discorda, defendendo que a exigência cumulativa dos três indicados pressupostos (sujeitos, pedido e causa de pedir), no caso em apreço não coincidem com os do Proc.46/20... (que correu termos no Julgado de Paz ...), pois embora possa considerar-se que são os mesmos os sujeitos processuais, no que tange à sua “qualidade jurídica”, que é a mesma a causa de pedir, subjacente ao direito de propriedade do A., já quanto aos pedidos formulados, os mesmos são díspares em ambos os processos, porque no processo do Julgado de Paz formula um concreto e específico pedido do reconhecimento desse seu direito, mas incluindo nesse pedido o reconhecimento pelos RR da parcela que considera usurpada, nos presentes autos cinge-se específica e concretamente, ao reconhecimento pelos RR, excluindo desse concreto pedido o reconhecimento pelos RR da propriedade, do A. sobre a referida parcela, sendo os pedidos autónomos entre si (cfr. conclusões de recurso 1. a 18.).

Ou seja, das conclusões de recurso resulta que o recorrente não questiona a verificação de dois dos pressupostos legais atinentes à trilogia que integra o caso julgado, designadamente sujeitos e causa de pedir, residindo a sua divergência apenas quanto ao pressuposto respeitante ao pedido. E mesmo aqui, cinge a não verificação de tal pressuposto em relação aos pedidos mencionados no primeiro e segundo travessão da p.i.

Mas sem razão. Vejamos então.

No indicado processo que correu termos no Julgado de Paz o A. peticionou que

fosse julgada procedente a acção e por via dela, serem os ora demandados condenados a:

- reconhecerem o demandante como único dono e legítimo possuidor do prédio descrito no artigo 1.º, incluindo a parcela de terreno usurpada, aludida e descrita na alínea f) do art. o 120 desta petição;

- consolidarem adequadamente as obras no telhado dos anexos do seu prédio urbano de modo a fixarem adequadamente as telhas e a retirarem as pedras e tijolos que se encontram sobre as mesmas;

- eliminarem as saídas de água artificiais para o prédio do demandante, constituídas pelas caleiras e/ou canaletes incrustadas no seu muro;

- consolidarem e isolarem adequadamente com betão as ligações dos blocos de cimento às vigas, no muro que construíram, eliminando as aberturas ali existentes, de modo a impedirem a saída de água por aquelas para o prédio do demandante;

- removerem a rede "malha-sol" que impede a limpeza do aceiro e provoca nele a acumulação de detritos;

- removerem a compactação com cimento que executaram no leito do aceiro, repondo o seu formato inicial e refazendo as suas margens, às suas custas;

- demolirem e retirarem a vedação por si aplicada.

- restituírem a   parte ilegitimamente ocupada.

- a pagarem ao demandante uma indemnização por danos não patrimoniais num montante nunca inferior a 5.000 €.

Como se constata, por comparação entre os pedidos, e como a 1ª instância justamente considerou e depois decidiu, os pedidos do 1º travessão a 6º, bem como o 10º, da p.i., são idênticos aos formulados na acção interposta no Julgado de Paz.

Incluindo o pedido do 7º travessão do presente processo, que corresponde ao 8º pedido da acção que correu termos no dito Julgado de Paz, e que assim fica coberto pela excepção do caso julgado e não, como se sentenciou na decisão recorrida, pela figura da autoridade do caso julgado.

O recorrente arrima-se na sua argumentação especificamente a uma diferença entre o seu 1º pedido formulado na acção do Julgado de Paz e o que peticionou nos 1º e 2º travessão da presente acção - porque no processo do Julgado de Paz formula um concreto e específico pedido do reconhecimento desse seu direito, mas incluindo nesse pedido o reconhecimento pelos RR da parcela que considera usurpada, nos presentes autos cinge-se específica e concretamente, ao reconhecimento pelos RR, excluindo desse concreto pedido o reconhecimento pelos RR da propriedade do A. sobre a referida parcela.

É de notar, desde logo, que está em jogo quer numa quer noutra acção o mesmo prédio e a mesma parcela de terreno alegadamente usurpada.

Torna-se, por isso, evidente que a construção jurídica do recorrente não passa de uma especiosidade argumentativa nebulosa - assente na ausência de um suposto pedido de reconhecimento pelos RR da propriedade do A. sobre a referida parcela - já que pedir que os RR sejam condenados a reconhecerem o A. como único dono e legítimo possuidor do prédio que identificaram, bem como a reconhecerem como parte integrante do referido prédio a parcela de terreno alegadamente usurpada, e descrita nos apontados artigos da p.i., pedidos formulados na presente acção, é a mesma coisa que pedir que os ora demandados fossem condenados a reconhecerem o demandante, ora A., como único dono e legítimo possuidor do mesmo prédio, descrito no art. 1º da p.i. da acção do Julgado de Paz,, incluindo a parcela de terreno usurpada, descrita na f) do art. 12º desta última petição apresentada no Julgado de Paz.  

Dado o exposto, só resta chancelar o discurso de direito da 1ª instância e confirmar o decido nesta parte, a ele se estendendo a excepção de caso julgado quanto ao pedido formulado na p.i. do presente processo sob o 7º travessão. 

E consequentemente julgar improcedente a apelação nesta parte. 

2.2. E na mesma sentença disse-se ainda que:

“Relativamente aos demais, surge, então, a questão de saber se estão, ou não, abrangidos pela autoridade de caso julgado.

O primeiro ponto a ter presente é o de que a autoridade de caso julgado não constitui uma excepção dilatória. Como explica o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26-10-2021, processo n.º 511/20.1T8PDL-A.L1-7, «Verificada a autoridade do caso julgado de uma decisão de mérito que seja incompatível com o objeto a decidir posteriormente noutra ação, o seu alcance não pode deixar de se repercutir no próprio mérito desta, importando, nessa medida, a sua improcedência com a consequente absolvição do réu do pedido, diferentemente do que sucede no domínio da exceção dilatória de caso julgado, como tal incluída no artigo 577.º, alínea f), do C.P.C., cuja procedência determina a absolvição do réu da instância nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), e 576.º, n.º 2, do mesmo Código».

Posto isto, considerando a configuração que o Autor dá à presente acção, entende-se que os três pedidos não abrangidos pela excepção de caso julgado, acabam por o ser pela autoridade de caso julgado.

Concretamente, estão em causa os pedidos de condenação dos Réus:

«- A restituírem ao A. a parcela do seu terreno ilegitimamente ocupada pelos RR;

-A Reconhecerem que a linha da estrema entre o prédio rústico do A. e o prédio rústico dos RR. é definida por uma linha recta que acompanhando, sempre, a linha exterior Norte do muro de blocos e vigotas dos RR, ao longo de toda a extensão deste e segue após o fim do muro, prolongando-se para Poente, sempre em linha recta, até à Vala Nacional;

- A participarem e contribuírem para a Demarcação entre ambos os prédios, colocando-se, por acção conjunta de A. e RR, e fixando-se um marco em cimento, de tamanho acima dos três metros, na sequência da referida linha recta proveniente da face externa Norte do muro de blocos dos RR. e por sobre esta, numa localização o mais aproximada possível da margem da Vala Nacional, de modo a que não fique sujeito aos aluviões que poderão alterar a sua posição/verticalidade».

Em primeiro lugar, a restituição da parcela alegadamente ocupada pelos Réus e onde se encontra a vedação, é uma decorrência do segundo pedido feito pelo Autor na presente acção e que, como já se viu, por coincidir com o primeiro pedido feito no processo n.º 46/20..., está abrangido pela força de caso julgado. Uma vez que a restituição de determinado bem é uma consequência do reconhecimento da propriedade e de que outra pessoa o ocupou (artigo 1311.º, do Código Civil), verifica-se uma dependência lógica entre o pedido de restituição e o pedido de reconhecimento da propriedade.

Em segundo lugar, os pedidos de reconhecimento da propriedade e de demarcação, além da repetição daquele relativamente ao primeiro pedido, estão intrinsecamente ligados à colocação pelos Réus de uma vedação de rede metálica de «malha-sol» desde o final do muro de blocos em cimento até à ... (artigos 21.º a 26.º, da petição inicial), sendo que um dos pedidos do Autor, recorde-se, era, precisamente, a retirada daquela vedação. Este pedido de retirada da vedação, em relação ao qual os Réus terão de ser absolvidos por força da excepção do caso julgado, assenta na alegação de que os Réus ao colocarem aquela vedação invadiram o terreno do Autor.

Ora, os pedidos de reconhecimento da propriedade, de restituição da parcela ocupada pelos Réus e da colocação de marcos, na medida em que dizem respeito, precisamente, à parcela em que está colocada a vedação cujo pedido de retirada já foi julgado, são uma decorrência daquilo que já foi analisado no processo n.º 46/20..., estando, necessariamente, este Tribunal vinculado à decisão ali tomada.

Veja-se: a procedência dos pedidos de reconhecimento da propriedade e de restituição pressuporia que o Tribunal, antes de mais, considerasse que a vedação havia invadido o terreno do Autor e, por conseguinte, que, por violação do respectivo direito de propriedade, havia de ser retirada, tendo os Réus de reconhecer que a parcela em que a vedação estava, afinal, pertencia ao Autor (artigo 1311.º, do Código Civil).

Por seu turno, tendo em conta o concreto local em que o Autor pretende que seja feita a demarcação, a ser o seu pedido procedente, o mesmo colidiria com a existência da vedação colocada pelos Réus, já que, na versão dos factos do Autor, esta está no seu terreno. Ou seja, o Julgado de Paz teria julgado improcedente o pedido de retirada da vedação, por não se ter provado que está no terreno do Autor, e agora este Tribunal, caso apreciasse o pedido de demarcação, a julgá-lo procedente, poderia vir a definir a estrema num local do qual decorreria que, afinal, a vedação, efectivamente, estava na propriedade do Autor.

Tendo em conta o encadeamento destes pedidos de reconhecimento da propriedade, de restituição e de demarcação com a relação jurídica já apreciada, em termos definitivos, pelo Julgado de Paz, fica este Tribunal vinculado ao resultado do processo n.º 46/20..., razão pela qual os Réus terão de ser absolvidos do pedido quanto aos mesmos.”.

O A. dissente, defendendo que nada obsta a que seja apreciado o pedido de reconhecimento do direito de propriedade do A. fundado nos títulos que exibe e no contexto dos mesmos considerar-se que o pedido do A. de reconhecimento pelo RR do direito de propriedade daquele e o do seu direito à demarcação, não estão, de nenhum modo, dependentes da autoridade do caso julgado (cfr. conclusões de recurso 19. a 29.).

Concordamos com o apelante.

Os pedidos formulados no 8º e 9º travessão da p.i., da presente acção, são atinentes à peticionada demarcação entre ambos os prédios, que é realidade jurídica diferente de um típico pedido de reivindicação. Lembre-se o que caracteriza a acção de reivindicação de propriedade e a acção de demarcação.
Na acção de reivindicação o proprietário exige de qualquer possuidor o reconhecimento do seu direito e a consequente entrega do que lhe pertence (art. 1311º, nº 1 do CC). È uma acção real, condenatória, destinada à defesa da propriedade, sendo a respectiva causa de pedir integrada pelo direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa reivindicada e pela violação desse direito pelo reivindicado (que detém a posse ou a mera detenção desta). O pedido é o reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa e a restituição desta àquele.
A acção de demarcação é uma acção pessoal e não real, porque não tem como objectivo a declaração do direito real, mas apenas definir as estremas entre dois prédios contíguos, propriedade de donos distintos, perante o estado de indefinição/incerteza das respectivas estremas. O direito de propriedade do autor e réu sobre os respectivos prédios, a demarcar, não integra a causa de pedir da acção de demarcação, mas funciona como mera condição de legitimidade activa (autor) e passiva (réu) para a acção de demarcação (nas palavras do Ac. do STJ de 29.6.00, BMJ 499º, pág. 294, “a qualidade de proprietário de (um dado terreno ou prédio) invocada pelo autor, é apenas condição da sua legitimatio ad causam”).
Como é entendimento comum, a causa de pedir na acção de demarcação é complexa, e desdobra-se na existência de prédios confinantes, pertencentes a proprietários distintos, cujas estremas são duvidosas ou se tornaram duvidosas, não integrando a causa de pedir o facto que originou o invocado direito de propriedade. O pedido na acção de demarcação é a fixação da linha divisória entre os prédios confinantes, pertencentes a proprietários distintos.
Como se afirma no Ac. da Rel. Porto de 8.3.2022, Proc.1008/20.5T8PVZ, em www.dgsi. que se acompanha, “a demarcação não visa a declaração do direito real, mas apenas pôr fim a um estado de incerteza ou de dúvida sobre a localização da linha divisória entre dois (ou mais) prédios, e por isso, a pretensão a formular pelo autor é, no uso do direito potestativo que lhe assiste, a de que os proprietários dos prédios vizinhos sejam obrigados a concorrer para a definição e fixação das estremas dos prédios confinantes”.
Assentando o pedido em causa nos arts. 1353º e 1354º do CC, que dispõem que o proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e os deles, a demarcação é feita de conformidade com os títulos, pela posse, por outro meio de prova, ou, se os títulos não determinarem os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário e a questão não puder ser resolvida pela posse ou por outro meio de prova, a demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais.
Por consequência, na acção de demarcação, as partes sujeitam-se a que a linha divisória seja a que defende uma ou outra, designadamente a defendida pelo autor mais ou menos em seu favor ou mais ou menos a favor do réu (vide Ac. Rel. Coimbra, de 14.3.2023, Proc.106/21.2T8OLR-A, no indicado sítio).
Nesta matéria de distinção entre a acção de reivindicação e a de demarcação, ensina Antunes Varela (em Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª Ed., pág. 199), que, essencialmente, na primeira estarmos perante um “conflito acerca do título” e na segunda estarmos perante um “conflito de prédios”. Assim, se “as partes discutem o título de aquisição, como se, por exemplo, o autor pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a faixa de terreno ou sobre uma parte dela, porque a adquiriu por usucapião, por sucessão, por compra, por doação, etc., a acção é de reivindicação. Está em causa o próprio título de aquisição. Se, pelo contrário, se não discute o título, mas a relevância dele em relação ao prédio, como, por exemplo, se o autor afirma que o título se refere a varas e não a metros ou discute os termos em que a medição é feita, ou, mesmo em relação à usucapião, se não se discute o título de aquisição do prédio de que a faixa faz parte, mas a extensão do prédio possuído, a acção é já de demarcação”.

Como se refere no Ac. do STJ de 10.5.2012, Proc.725/04.1TBSSB, parte III do Sumário, no mesmo sítio, “Assim, desde que se verifique a confinância de prédios pertencentes a diferentes proprietários e inexista linha divisória entre eles (seja porque ela, embora indiscutida, não está marcada, seja porque é objecto de controvérsia ou até porque desconhecem a sua localização) está aberta a porta para a actuação do direito de demarcação.”.

Do exposto, resulta que não haja, nesta parte, razão jurídica para se falar em excepção de caso julgado (faltam os requisitos da identidade de causa de pedir e pedido).

Quanto à autoridade de caso julgado, propugnada pela decisão recorrida, também entendemos que tal figura não se verifica.

Como ensina L. Freitas (em CPC Anotado, Vol. 2º, 2ª Ed., nota 6. ao art. 498º do anterior CPC, pág. 354), e Castro Mendes (em D. Proc. Civil, Vol. III, AAFDL, 1978/1979, pág. 278), a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado: pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, por forma a evitar a contradição ou a repetição de decisões; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, já transitada (fazendo valer a sua força e autoridade), como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.

Podendo ver-se, também neste sentido, o Ac. do STJ, de 26.2.2019, Proc.4043/10.8TBVLG, disponível em www.dgsi.pt, onde sobre o tema se escreveu o seguinte:

A excepção de caso julgado tem um efeito negativo de inadmissibilidade da segunda acção, impedindo qualquer decisão futura de mérito; na segunda acção, o juiz deve abster-se de conhecer do mérito da causa, absolvendo o réu da instância (art. 576º nº 2 do CPC).

A autoridade de caso julgado "tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida"[4].

Afirma Teixeira de Sousa que "o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção de caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente.

Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada; a autoridade de caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente ("proibição de contradição/permissão de repetição") (…); a excepção de caso julgado é a proibição de acção ou comando de omissão atinente ao impedimento subjectivo à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente" ("proibição de contradição/proibição de repetição")[5].

Esta distinção tem justamente por pressuposto que, na autoridade de caso julgado, existe uma diversidade entre os objectos dos dois processos e na excepção uma identidade entre esses objectos. Naquele caso, o objecto processual decidido na primeira acção surge como condição para apreciação do objecto processual da segunda acção; neste caso, o objecto processual da primeira acção é repetido na segunda.

Na excepção, a repetição deve ser impedida, uma vez que só iria reproduzir inutilmente a decisão anterior ou decidir diversamente, contradizendo-a.

Na autoridade, há uma conexão ou dependência entre o objecto da segunda acção e o objecto definido na primeira acção, sem que aquele se esgote neste. Aqui, impõe-se que essas questões comuns não sejam decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda acção acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível[6].“ – (os sublinhados são nossos).

No nosso caso, isso não se verifica, pois a decisão proferida pelo Julgado de Paz, a primeira decisão, não funciona como pressuposto necessário e indiscutível da decisão a proferir nos presentes autos, a segunda decisão. Nada nos autoriza a concluir que naquele processo houve pronúncia e decisão sobre demarcação entre os 2 prédios em jogo, demarcação que é o objecto do presente processo. 

Assim, face ao expendido, o recurso nesta parte tem de ser provido.

(…)

IV - Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, parcialmente, e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida na parte respeitante aos 8º e 9º pedidos formulados na p.i., pelo A., ordenando-se, por conseguinte, a prossecução dos autos para conhecimento dos mesmos.

*

Custas pelo A., na proporção de 8/10.

*

                                                                     Coimbra 12.4.2023

                                                                     Moreira do Carmo

                                                                     Fonte Ramos

                                                                     Alberto Ruço