Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
814/11.6PBLRA.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CASO JULGADO
SEGUNDO RECURSO
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
REPETIÇÃO
QUESTÕES
DECISÃO JUDICIAL
Data do Acordão: 04/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 619º CPC E 4º CPP
Sumário: 1.- Tendo em anterior recurso interposto pelo arguido sido ordenado pela Relação à 1ª instância a reabertura da audiência para a escolha e determinação da medida da pena e, confirmando-se no mais a decisão recorrida, não pode o arguido no novo recurso repetir as mesmas questões já julgadas anteriormente e relativamente às quais existe caso julgado;

2.- Em consequência são de considerar irrelevantes ou, não escritas, as conclusões que no segundo recurso excedem a matéria relativa à escolha e medida da pena.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou procedente a acusação deduzida contra o arguido:

A..., natural de (...), filho de (...) e de (...), nascido a 17 de Março de 1971, e residente na (...), Marinha das Ondas;

Sendo decidido:

a) Condenar o arguido como autor de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. no art. 291 nº 1 b) do C.P., na pena de um ano de prisão;

b) Condenar o arguido como autor de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. no art. 143 nº 1 e art. 145 nº 2 do C.P., na pena de seis meses de prisão;

c) Condenar o arguido como autor de um crime de resistência e coação sobre funcionário p. e p. no art. 347 nº 1 do C.P., na pena de nove meses de prisão;

d) Condenar o arguido como autor de um crime de injúria agravada p. e p. no arts. 181, 184 e 132 nº 2 l) do C.P., na pena de quatro meses de prisão;

e) Condená-lo na pena única de um ano e seis meses de prisão;

f) Condená-lo na pena acessória de proibição de conduzir por dezoito meses;

*

Em anterior recurso, também interposto pelo arguido, havia sido decidido nesta Relação:

1-Ordena-se a reabertura da audiência para determinação da sanção, nos termos do art. 371 do CPP, com realização de relatório social.

2- Quanto ao mais, confirma-se a decisão recorrida, nomeadamente quanto à determinação da culpabilidade do arguido.

***

Inconformado interpôs recurso o arguido.

Face à anterior decisão desta Relação a matéria agora em análise encontra-se circunscrita à escolha e medida da pena.

Por isso se estranha a motivação do recurso com as suas 161 conclusões em que o arguido volta a pretender que se analise toda a matéria, nomeadamente nulidades e matéria de facto, o que não se faz por, quanto a essa matéria haver caso julgado. Caso julgado progressivo, como lhe chamam os italianos.

Para além do referido -escolha e medida da pena- há caso julgado material, conforme preceitua o art. 619 do CPC, ex-vi art. 4 do CPP.

Refere aquele preceito, com a epigrafe “Valor da sentença transitada em julgado”:

“1-Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702”.

O arguido não devia, no novo recurso, repetir as questões já julgadas anteriormente porque, relativamente às mesmas, existe caso julgado. Repetindo as questões decididas e já transitadas em julgado, tornam-se irrelevantes e de nenhum efeito as conclusões do recurso que já foram objeto de decisão transitada, tendo-se as mesmas como não escritas.

Sendo que o recorrente também esquece que o preceituado no art. 412 nº 1 do CPP, as conclusões servem para o recorrente resumir as razões do pedido. Ora, para questionar a escolha e medida da pena são necessárias 161 conclusões?

*

São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso, que delimitam o objeto do mesmo:

…/…

Foi apresentada resposta pelo magistrado do Mº Pº, na qual conclui:

…/…

Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto, em parecer emitido, sustenta a improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.

Foi apresentada resposta, na qual o respondente pugna pela procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.

***

Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto:

1. De facto

A) Factos provados respeitantes à questão da culpabilidade

1)A 11 de Agosto de 2011, cerca das 15.00h., o arguido conduzia o veículo Ford Mustang de matrícula (...), tendo entrado na Pr. Rodrigues Lobo, em Leiria, local onde é proibido o trânsito de veículos, sendo reservado a pedestres.

2)Ao entrar na referida praça, o arguido, imprimindo aceleração ao veículo que conduzia, efetuou diversas manobras em circular, em torno de si mesmo.

3)Indiferente aos pedestres que ali se encontravam, os quais se viram obrigados a desviar, fugindo, para não serem atingidos no seu corpo pelo veículo conduzido pelo arguido que se deslocava na sua direção.

4)De seguida, e sempre imprimindo alta aceleração ao veículo que conduzia, saiu da referida praça, conduzindo-o até ao Lg. 5 de Outubro, onde o imobilizou na zona de cargas e descargas.

5)Ao arguido era possível a adoção de outro tipo de condução.

6)Quando se aproximou o agente da PSP B..., assim uniformizado, tendo solicitado ao arguido, o qual se encontrava no interior da viatura, os documentos pessoais bem como do veículo, o arguido negou identificar-se, tendo B... insistido, e nessa sequência, o arguido proferiu alto as seguintes palavras dirigidas a B... “quem pensas que és?”, “não podes ver um carro destes”, “deixem-me em paz, não me quero chatear com um merdas como tu”, tendo B... chamado à atenção e apelou a que tivesse calma e lhe fornecesse os documentos referidos.

7)Nessa altura, sai o arguido da viatura e em voz alta diz a B... “eu dou-te o caralho, não me chateies seu merdas, não te dou nada e vou-me embora”, mostrando querer afastar-se daquele local.

8)Aí B... colocou-se à sua frente, e o arguido empurrou-o com violência no peito, levando B... tivesse dificuldade em equilibrar-se, causando-lhe dor, dando-lhe voz de detenção, que o arguido ignorou, começando a afastar-se do local.

9)Tendo ido no seu encalce B..., tentando detê-lo, mostrando o arguido exaltado, esbracejando, empurrando, com a intenção de dali sair e impedir que o agente da PSP procedesse à sua algemagem.

10)O arguido agiu livre e conscientemente, com intenção de obstar à algemagem, de desconsiderar o agente da autoridade, de causar dor no corpo do agente, tendo conhecimento do local, dos peões, da ação exercida por si sobre o veículo, de violar regras que no local se impunham, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei.

B) Factos provados respeitantes à questão da determinação da sanção

11)O arguido não tem antecedentes criminais nem contraordenacionais.

12)O arguido é empresário da construção civil.

13)O arguido não compareceu em audiência designada, nem compareceu à Reinserção Social.

14)O arguido vive em França, não declarando qualquer rendimento ou contribuição em Portugal.

15)Os autos baixaram do Tribunal da Relação em 11.04. 2013.

16)O arguido veio requerer a realização da audiência na sua ausência por estar em França a 18-11-2013.

C) Factos Não Provados

1)Inexistem com interesse para a decisão.

*

E teve-se em conta para a determinação da sanção:

B)Da questão da determinação da sanção:

1.Atento o art. 70 do Código Penal, regra que nos dá o critério da escolha da pena, a prevenção, importa dizer que os factos relatados e tidos na lei como crime são graves, seja individualmente seja na sua globalidade e sentido único. De facto, para além do alarme causado, os riscos inerentes à condução e os prejuízos em causa seja à autoridade estatal, seja ao agente em concreto, impõem uma validação reforçada da norma reprodutora das expetativas sociais consensualizadas naquela. Assim, creio que as finalidades da punição a que se refere o art. 40 do C.P. se realizam com a opção pela pena de prisão.

2.Atentos os cânones exemplificativos do art. 71, impõe-se considerar quanto ao grau de ilicitude do facto de conduzir daquela forma, em local onde os outros, anónimos (campo humano dos crimes de perigo), e membros da mesma comunidade se encontram no seu lazer, no seu descanso, sendo a visibilidade máxima do perigo realizado; do facto de ofender, apesar da concreta danosidade mínima da lesão, injuriar e resistir, uma vez que no exercício de fiscalização após o ato por si realizado, só lhe incumbia submeter-se e regressar ao papel funcional de condutor, mostrando colaboração perante a fiscalização devida (nº 2 a)). Impõe-se considerar o dolo direto e intenso, intensidade esta derivada da luminosidade que o perigo representava, que as palavras foram proferidas, e a ofensa e resistência manifestadas (nº 2 b)). A sua ausência processual em julgamento impõe um único juízo de valor: indiferença perante o facto por si cometido, indiferença perante o anónimo pela fonte de perigos acima do adequado que produziu.

3.Assim, entende-se como adequada as penas de 1 ano de prisão quanto ao crime de condução perigosa, 9 meses de prisão quanto ao crime de resistência e coação a funcionário, 6 meses de prisão quanto à ofensa à integridade física qualificada, e 4 meses de prisão quanto ao crime de injúria.

4.Nos termos do art. 77 do C.P. importa olhar em conjunto os factos representando tal conjunto pura e simplesmente gravidade e uma personalidade dotada pelos atos concretos de sobranceria incompatível com as exigências mínimas do são viver-com-os-outros. Assim, entende-se por adequada a pena única de 1 ano e 6 meses de prisão.

5.Para além da indiferença mostrada endoprocessual e exoprocessualmente, indiferença essa que se repete uma vez que o arguido não pode ignorar o que foi decidido em sede de determinação da sanção e que impugnou, e desde abril de 2013 sabe o risco em que incorre, só é possível retirar um juízo de prognose negativo, impõe-se dizer que a prevenção geral não consente a substituição da pena em causa, por alguma das modalidades descritas na lei, como seja o trabalho a favor da comunidade, e a suspensão da execução da pena, apesar de não ter antecedentes criminais. Afinal de contas, perante factos por si mesmos graves, atenta a possibilidade de dano bem visível, o facto de não ter antecedentes criminais é irrelevante.

6.Pressuposto básico da aplicação de pena de substituição ao arguido é a existência de factos que permitam um juízo de prognose favorável em relação ao seu comportamento futuro; é necessário que o tribunal esteja convicto de que a censura expressa na condenação e a ameaça de execução da pena de prisão aplicada sejam suficientes para o afastar de uma opção desvaliosa em termos criminais e para o futuro. Tal juízo tem de se fundamentar em factos concretos que apontem de forma clara uma forte probabilidade de uma inflexão em termos de vida, reformulando os critérios de vontade de teor negativo e renegando a prática de atos penalmente previstos compreensível aos olhos da comunidade a manutenção da liberdade do condenado (no caso V.g. os artigos 50 n.º 1 e 58 n.º 1 usam o mesmo segmento "... realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição", estando pois em causa a prevenção geral). Ora, se em termos de culpabilidade não existe um ónus contra o arguido, no caso da resposta a dar à questão da determinação da sanção, impõe-se dizer que se impunha ao arguido um oferecimento probatório da pessoa que é (em ordem a aferir a pessoa que é no facto por si cometido), dando à condenação uma explicação, um compreender do ato praticado, enfim uma dádiva de confiança de si à comunidade que quer ver a vigência da norma, norma esta quebrada com a conduta de um membro seu. Nada fez o arguido. Nada alegou em concreto. Nada se comprova. Fez-se o possível. E neste possível, relevante se torna que se trata de pessoa que vive em França há anos e que em território nacional, obviamente, não lhe são conhecidas infrações rodoviárias. Darão estes factos confiança na suficiência da simples ameaça da pena se tornar efetiva? Darão estes factos confiança no futuro respeito pelas normas violadas tradutoras de anseios da comunidade? De forma alguma. Só dizem que o arguido mantem o "mundo de vida" que tem, e nada dizem ao facto a si mesmo imputado. Em nenhum momento é assegurado à comunidade uma estabilização dos seus anseios (expetativas) reproduzidas em normas. De facto, seja o respeito à autoridade seja a segurança rodoviária impõem a consideração de elevação das expetativas comunitárias de reforço das normas violadas. Mais, o facto de ter sido algo presenciado anonimamente, por quem estava nas esplanadas, atenta a época em causa, implica um reforço da exigência de confiança comunitária nas normas jurídicas violadas, e que o arguido em causa não pode deixar de cumprir, e que a comunidade exige o seu cumprimento efetivo, sendo a pena substitutiva um puro e simples apelo ao desconhecido, a que o arguido se votou. É irrelevante a sua alegação de falta de condições económicas porque conclusivo e genérico. O arguido importa-se isso sim consigo mesmo, e em nenhum momento dos autos se oferece de forma a estabelecer um juízo, arriscado é certo, de prognose positivo como lhe incumbia, tendo tido tempo mais que suficiente, o que impõe que apesar do requerido e deferido nos termos do artigo 334 do C.P.P. a sua indiferença é clara.

C)Outras consequências do facto:

1.Atento o disposto no art. 69 n° 1 a) do C.P., e olhando à perigosidade manifestada e desta para futuro, impõe-se a imposição de proibição de conduzir por 18 meses.

2.Atento o objeto do processo, a simplicidade probatória do mesmo, fixo a taxa de justiça individual no mínimo (art. 8 n° 5 do Regulamento das Custas Processuais), e nos encargos devidos (art, 16 e 17 do RCP).

***

Conhecendo:

Tendo em conta o decidido no anterior acórdão, como já supra se referiu, apenas importa analisar a questão suscitada:

- A escolha e medida da pena, principal e acessória.

***

A matéria de facto é a supra transcrita, que se encontra fixada, após a prolação do anterior acórdão, pelo que, o recurso ora interposto versa, apenas, matéria de direito.

Desde já se diz que a sentença impugnada se encontra, no que respeita à escolha e determinação das penas parcelares e à pena unitária, aplicadas em concreto, bem como a pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados, o que aqui cumpre apreciar, devidamente fundamentada e justificada.

Por isso reproduzimos os fundamentos.

O tribunal recorrido deu cumprimento ao acórdão desta Relação, tanto quanto lhe foi possível, dada a total falta de colaboração do arguido que se encontra ausente em França.

Nessas circunstâncias, era impossível a elaboração do relatório social, pelo que o tribunal tentou outros meios e modos, o que também se revelou infrutífero, dada a ausência do arguido que deixou de cumprir as obrigações impostas e assumidas ao prestar o TIR.

Assim só de si, e do seu comportamento processual, se pode lamentar, caso existissem circunstâncias atenuantes, como insinua nas alegações de recurso.

O tribunal fez todas a diligências possíveis para que o arguido fosse ouvido, caso pretendesse, e diligências possíveis com vista à elaboração de relatório social, mas que se mostraram inviáveis.

Assim, que não há qualquer insuficiência muito menos a alegada como vício da al. a) do art. 410 nº 2, do CPP, que aqui não tem aplicação.

Escolha da pena:

Na sentença recorrida, foram observados os critérios legais de escolha da pena, como resulta da transcrição supra.

Sendo que o recorrente coloca em crise a aplicação de pena detentiva, entendendo como suficiente, “acertada”, a pena de multa.

Conforme art. 70 do CP, o tribunal deve dar preferência à pena não detentiva sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

O art.º 70 do C.P. estabelece, com clareza, uma preferência pelas penas não detentivas, sempre que tal se mostre possível.

Perante a previsão abstrata de uma pena compósita alternativa (multa ou prisão), o tribunal deve dar preferência à multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de socialização, preterindo-a a favor da prisão na hipótese inversa.

Como refere o Prof. Figueiredo Dias «são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação.» - Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 497, pág. 331.

A escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial – Maia Gonçalves, em anotação ao artigo 70 do Código Penal anotado e comentado.

A escolha das penas é determinada apenas por considerações de natureza preventiva, uma vez que as “finalidades da punição” são exclusivamente preventivas – Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal, 2ª edição atualizada, pág. 266.

Temos assim que a escolha da pena depende de critérios de prevenção geral e especial V.g. Acórdão deste Tribunal, de 17 de Janeiro de 1996, in CJ, ano XXI, tomo I, pág. 38., pelo que o julgador, perante um caso concreto, tem que valorar os factos para depois optar por aplicar uma pena detentiva ou não detentiva.

No que se refere à prevenção geral, haverá que dizer que esta radica no significado que a "gravidade do facto" assume perante a comunidade, isto é, importa aferir do significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade (na sociedade ocidental releva os crimes cometidos contra a vida) e satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito (cfr. ANABELA RODRIGUES, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra, 1995, págs. 371 e 374) ou, por outra forma, a consideração da prevenção geral procura dar "satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta de igual modo a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos" (Ac. STJ de 4-7-1996, CJSTJ, II, p. 225).

A escolha da pena, nos termos do artigo 70 depende exclusivamente das finalidades da punição pelo que o julgador só deve optar pela cominação de pena não privativa da liberdade quando a mesma se mostre consentânea com os princípios de prevenção geral e especial, certo é que, no caso em apreço, atentas as acentuadas necessidades de prevenção geral atualmente ligadas aos tipos de crime em causa (crimes rodoviários) e as necessidades de prevenção especial, temos que é de afastar a preferência normativa, optando-se pela pena de prisão, pelo que nada há a censurar, neste particular, à decisão impugnada.

O recorrente acentua a culpa diminuta e o diminuto grau de ilicitude dos factos imputados, mas estas são circunstâncias que relavam na determinação concreta da pena depois desta escolhida, e não na escolha da mesma.

Elucida a este respeito o Professor Jorge de Figueiredo Dias In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 497 e 498., que “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição, o que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação. Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena. Por outras palavras: a função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão (necessária como pressuposto da substituição), quer da medida da pena alternativa ou de substituição; ela é eminentemente estranha, porém, às razões históricas e político-criminais que justificam as penas alternativas e de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico.”

O comportamento do arguido tem de ser analisado num todo, já que as infrações foram cometidas na mesma altura. Assim que se entenda, a escolha da pena e a opção por pena detentiva e por só esta realizar de forma cabal as finalidades da punição.

A escolha de uma pena não detentiva não pode ser encarada pela comunidade, nem ao jeito de uma clemência que o próprio legislador previu, nem como um verdadeiro perdão judicial.

Motivos de prevenção geral afastam a aplicação de uma pena não detentiva.

Em regra são razões de prevenção especial que respondem pela não aplicação da prisão, em nome de uma melhor reinserção social do arguido – cfr. (A JURISPRUDÊNCIA DO S.T.J. SOBRE FUNDAMENTAÇÃO E CRITÉRIOS DA ESCOLHA E MEDIDA DA PENA) – Cons. José Souto de Moura.

Mas o arguido tudo fez para mostrar que a prevenção especial devia ser exigente, em vez de ao processo trazer elementos, ou ajudar a que fossem colhidos elementos que justificassem um juízo de prognose favorável.

É certo que a acusação deve ser provada, deve fazer-se prova dos factos que constituem atividade criminal, mas, sem que se deva pretender atitude colaboracionista do arguido, as circunstâncias atenuantes, de favorecimento ao arguido, devem por este ser trazidas ao processo, ou indicar como podem ser obtidos pelo tribunal, quando da busca pela descoberta da verdade.

O arguido deve carrear elementos, ou permitir que sejam colhidos esses elementos, os quais permitam ao tribunal concluir que a aplicação de pena não detentiva se mostra suficiente, tendo em conta o fim das penas.

A lei não pode impor uma certa forma de defesa, mas apenas garantir os direitos de defesa do arguido, que ele exercerá como entender. E assim aconteceu.

O que não sucedeu, pelo que se entende que no caso concreto, face à atuação global do arguido bem espelhada nos factos provados, só pena de prisão se mostra adequada e suficiente a realizar as finalidades da punição.

Como refere o Cons. Souto Moura no estudo referido, “No entanto, sempre que o procedimento adotado se tenha mostrado correto, se tenham eleito os fatores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar tenha sido feita, e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, sempre que nada disto seja objeto de crítica, então o “quantum” concreto de pena já escolhido deve manter-se intocado”.

Pelo que nesta parte improcede o recurso.

Entende o recorrente que, a manter-se a pena detentiva, a mesma deve ser suspensa na sua execução.

Pena de substituição:

Suspensão da execução da pena de prisão.

Como define a Prof. Maria João Antunes, in Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra 2007/2008, pág. 9, “são penas de substituição as que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal”.

O Prof. Costa Andrade (em parecer) refere que “a suspensão da execução da pena de prisão emerge neste contexto como a mais importante pena de substituição”.

O art. 50 do CP indica como pressupostos de que depende essa suspensão: que a personalidade do agente, as condições da sua vida, conduta anterior e posterior aos factos, circunstâncias destes, se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (se necessário com imposição de deveres).

Há que ter em conta as exigências de prevenção geral e especial que o caso coloca.

Como refere o Cons. Souto Moura no estudo referido, “No que toca à prevenção geral, importa que a comunidade não sinta a suspensão da execução da pena de prisão como sinal de impunidade.

A respeito da prevenção especial, é necessário que a suspensão implique, de facto, uma “mudança de vida” do delinquente, é preciso que a suspensão leve o delinquente a “interiorizar o mal feito””.

Todas estas circunstâncias hão de ser ponderadas em face dos factos provados e não constituir em si facto a provar.

Não é facto a provar, as circunstâncias que podem determinar a suspensão da execução da prisão.

Não se pode perguntar, a fim de ser feita prova: a personalidade do agente, as condições da sua vida, a conduta anterior e posterior aos factos, as circunstâncias destes, permitem concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição?

Aquelas circunstâncias hão de resultar dos factos provados e então aplica-se a pena de substituição, ou não resultam e mantém-se a pena principal.

Há que ponderar a gravidade do crime, a repercussão social e necessidade de prevenção geral e especial.

A suspensão da execução da pena de prisão (art. 50º do CP), é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que deve ser decretada nos casos em que é aplicada pena de prisão não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o julgador concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição, isto é, a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, tal como se aponta no art. 40 do CP. (Maia Gonçalves, “Código Penal Português”, Anotado e Comentado, Almedina, 14ª edição, 2001, pág. 191).

Trata-se de um poder-dever que vincula o julgador, que terá de decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os citados pressupostos. (Ac. do TR Coimbra de 20-11-1997, CJ, 1997, 5, 53).

O Prof. Figueiredo Dias, in RLJ, Ano 124, pág. 68, referindo-se ao pressuposto material de aplicação do instituto diz que é necessário que “o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognostico favorável relativamente ao comportamento do delinquente”, no sentido de que a pena suspensa baste para afastar o delinquente da criminalidade, acrescentando que, “para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade ou só das circunstâncias do facto – o tribunal atenderá às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto”.

Os factos apurados e, estes é que devem ser tidos em conta, não permitem concluir que em relação ao arguido, que a censura dos factos e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Não resulta nenhuma possibilidade de juízo de prognose favorável e que permita poder o Tribunal concluir pela possibilidade da suspensão.

As circunstâncias que levaram o arguido a praticar os factos destes autos mantêm-se.

Que se provou sobre a interiorização da conduta e vontade de mudar por parte do arguido?

Entendemos, por esta ordem de razões, que as finalidades subjacentes à punição não ficam asseguradas com a suspensão da execução da pena. Nessa medida, não se suspende a pena de prisão unitária, aplicada ao arguido.

Não resultam provados, como já supra se concluiu, factos demonstrativos de que a pena de substituição realiza as finalidades da punição, de forma adequada e suficiente.

Assim, temos não haver factos provados que apontem para a viabilidade de concessão do benefício da suspensão da execução da pena, mesmo com condições. Nada permite ao julgador formular o juízo de prognose favorável e necessário à aplicação da pena de substituição.

A suspensão da execução da pena é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que deve ser decretada se (e somente se), o julgador concluir que a simples censura do facto e ameaça da pena realizam de forma adequada as finalidades da punição, isto é a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, tal como aponta o art. 40 nº 1 do Cód. Penal.

Como salienta o Ac. desta Relação, de 20-11-1997, "a suspensão da execução da pena não é uma mera faculdade do tribunal, mas antes um poder-dever ou um poder funcional dependente da verificação dos pressupostos formal e material fixados na lei" (sublinhado nosso).

A aplicação, desta medida de exceção (suspensão), não é automática, sendo essencial a demonstração de que das circunstâncias que acompanharam a infração, se não induza perigo da prática de novos crimes, sempre sem olvidar os fins das penas e nomeadamente as necessidades da prevenção.

No caso presente, tais pressupostos não se verificam, pelo que a suspensão não poderá ser decretada.

Pelo que improcede o recurso nesta parte.

Medida da sanção acessória:

Relativamente à nulidade arguida da não comunicação da alteração, remete-se para fls. 28 do anterior acórdão, sendo que como referido na decisão do mesmo, apenas ficou por analisar a medida da sanção.

Aplica-se tudo quanto se referiu relativamente à medida da pena principal.

Na aplicação da medida da pena e sanção acessória de inibição, deve ter-se em conta o disposto no artº 71 e 40 nº1 do C. Penal, sendo que em relação á sanção de inibição deve ter-se, ainda, em conta a perigosidade do agente.

Sendo que, em caso algum, a pena (sanção) pode ultrapassar a medida da culpa, art. 40 nº 2 do C. Penal.

Tendo em conta estes considerandos, importa ponderar que as exigências de prevenção neste tipo de situações demandam uma severa punição, atento o número de sinistros rodoviários em Portugal, onde anualmente são ceifadas número elevado de vidas, muitas vezes causados por, descuido, inadvertência, ou seja, a título de negligência.

Por isso não se deve potenciar, como intencionalmente fez o arguido, a perigosidade que resulta da condução de veículo automóvel, manifesta nos factos provados.

O exercício da condução, só por si já encerra perigo, sendo desnecessário potenciar esse perigo, nomeadamente através da condução de veículo na Pr. Rodrigues Lobo, em Leiria, local onde é proibido o trânsito de veículos, sendo reservado a pedestres; imprimindo aceleração ao veículo que conduzia, efetuando diversas manobras em circular, vulgo, “fazer piões”.

Indiferente aos pedestres que ali se encontravam, os quais se viram obrigados a desviar, fugindo, para não serem atingidos no seu corpo pelo veículo conduzido pelo arguido que se deslocava na sua direção.

Sempre imprimindo alta aceleração ao veículo que conduzia, saiu da referida praça, conduzindo-o até ao Lg. 5 de Outubro, onde o imobilizou na zona de cargas e descargas.

Ao arguido era possível a adoção de outro tipo de condução.

Há que ter em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos e que também visam diminuir o índice de sinistralidade rodoviária, que é elevadíssimo e preocupante, assim como há que dissuadir o arguido para que não volte a prevaricar.

Realça-se, a inserção social do arguido .

Não tem antecedentes criminais.

Ou seja, para ter justificação a aplicação da sanção mínima, in casu, teria de haver factos provados justificativos de uma diminuição acentuada da culpa.

Face à culpa do arguido, uma sanção pelo meio da prevista na lei, não tem de se julgar exagerada, mas antes a considerar bem doseada e bem merecida.

A necessidade de prevenção geral de integração são elevadas atenta a ainda crescente insegurança das nossas estradas onde ocorrem muitos e graves acidentes de viação situação muitas vezes causadas ou, pelo menos, potenciadas pela condução contravencional e intencional do agente, sendo, pois, absolutamente necessário desmotivar condutas como a do arguido.

Se as necessidades de prevenção são elevadas, não deve a sanção fixar-se perto do mínimo.

A pena acessória só faz sentido enquanto sentida como tal pelo seu destinatário, e visa essencialmente prevenir a perigosidade do agente – cfr. Ac. desta Relação de 7-11-1996, in Col. jurisp. tomo V, 47.

Como salienta o prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português- As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 165, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados tem como pressuposto material “a circunstancia de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável”, donde que “então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto”, acrescentando, “por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa".

O crime cometido pelo arguido é punível com pena de inibição (corresponde uma sanção abstrata de proibição de conduzir veículos com motor), por um período entre 3 meses e 3 anos.

Atenta a natureza de uma pena ou sanção, o condenado tem de senti-la sob pena de se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei. As penas e sanções têm essa designação, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infrações, se não forem sentidas como tal, quer pelo agente, quer pela comunidade em geral.

Assim, entendemos como sanção acessória adequada e nada exagerada face aos factos apurados na audiência de julgamento, a medida de inibição de condução de veículos motorizados aplicada.

Pelo que também nesta parte improcede o recurso.

***

Assim se julgando improcedente o recurso, por improcedentes todas as conclusões.

Decisão:

Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em:

- Julgar improcedente o recurso do arguido A... e, em consequência, mantém-se a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, com 4 Ucs de taxa de justiça.


Jorge Dias (Relator)
Orlando Gonçalves