Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
513/09.9PAMGR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CALVÁRIO ANTUNES
Descritores: LESADO
PEDIDO CIVIL
Data do Acordão: 02/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º J TRIBUNAL JUDICIAL DA MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: N.º 1 DO ART. 412.º DO CPP
Sumário: 1. Tem legitimidade para deduzir o pedido de indemnização civil em processo criminal, aquele que sofreu danos ocasionados pela prática dos crimes públicos pelos quais o arguido é acusado.
2. Assim tendo o BPI procedido ao pagamento, por duas vezes, do cheque, sendo-o primeiro ao arguido, suposto falsificador do mesmo e depois ao seu legitimo portador lesado, com os factos praticados pelo arguido, que consistiram na falsificação de um Bilhete de identidade e na falsificação do cheque, é considerado lesado para efeitos de poder deduzir o PIC
Decisão Texto Integral:

6

Acordam, em conferência, na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.


I. Relatório:
I.1. No âmbito do inquérito que correu termos nos Serviços do M.P., junto Tribunal Judicial da Marinha Grande, foi deduzida acusação contra o arguido MM... e deduzido Pedido de Indemnização Civil, pelo BPI, SA, com base nos prejuízos que resultaram par ao mesmo dos factos imputados ao arguido e que constariam da falsificação de um cheque e de um Bilhete de Identidade, além da violação de correspondência, onde obteve o cheque.
I.2. Por despacho, cuja cópia se encontra a fls. 14, foi indeferida tal pretensão não sendo admitido o pedido de indemnização civil, por ter sido entendido que o crime era de natureza semi-publica e o BPI não tinha declarado pretender procedimento criminal, o que levava á falta de legitimidade do BPI.
***

I.3. Discordando de tal, veio o Banco BPI, SA, recorrer daquele despacho (fls. 5/12), formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

a) O arguido e demandado vem acusado e pronunciado, pela prática de dois crimes públicos - falsificação de documentos, p.p. no art 256°no1, al. d) e nº3, concernentes á falsificação de um BI e de um cheque - que conjugados implicaram que o ora recorrente tenha sofrido um prejuízo patrimonial;
b) O prejuízo patrimonial sofrido pelo o ora recorrente decorre unicamente da prática de dois crimes públicos, não estando, pois, dependentes de queixa;
c) O despacho sob recurso enferma em erro nos pressupostos de facto, pelo que deve ser substituído por outro que admita o pedido de indemnização civil deduzido pelo recorrente;
d) O crime de burla simples não faz parte da acusação, mas mesmo que fizesse o ora recorrente face ao disposto no art. 113° do CPenal não tinha legitimidade para apresentar queixa;
e) Não sendo o ora recorrente ofendido mas tão só lesado, porque sofreu os danos ocasionados pela prática dos crimes públicos pelos quais o arguido vem acusado, só se pode concluir pela legitimidade para deduzir o pedido de indemnização civil.
f) O ora recorrente, sofreu com os danos ocasionados pelos crimes públicos pelos quais o arguido se encontra pronunciado, pelo que tem JUSTIÇA”

*
I.4. Após o recurso foi admitido (fls. 15).
***
I.5. Nesta Relação, aquando da vista a que se reporta o art. 416.º do CPP, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, emitiu o parecer de fls. 21/22, manifestando-se no sentido da procedência do recurso.
*
I.6. Cumprido o artº 417.º, n.º 2 do CPP, ninguém veio dizer o que quer que fosse.
Colhidos os vistos, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
*
II. Fundamentação
II.1. Do objecto do recurso

Como resulta do disposto no n.º 1 do art. 412.º do CPP, de acordo com jurisprudência pacífica e com a doutrina, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, (vidé Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98).

Questão a decidir:
Apreciar da adequação ou não do despacho de não admissão do Pedido de Indemnização Civil, deduzido pelo ofendido BPI.

Para melhor compreendermos as razões do assistente e do Ministério Publico vejamos o teor do despacho de não recebimento do requerimento de abertura da instrução.
*
Despacho de rejeição (por transcrição):

Não admito o pedido de indemnização civil formulado a fls. 113 e ss, por falta de legitimidade do Banco BPI, SA, uma vez que revestindo o crime natureza semi-publica, o mesmo não declarou pretender procedimento criminal.
Notifique.
***

II. Da admissibilidade ou não do Pedido de Indemnização Civil, deduzido pelo ofendido BPI.


Face a tal, há agora que apurara se, caso concreto, assiste alguma razão aos recorrentes.
Vejamos.
Como é sabido, a lei concede a certas pessoas a possibilidade de se integrarem no procedimento criminal, através do acompanhamento de um técnico de direito e de exercitarem alguns poderes próprios, além de auxiliarem o detentor da acção penal, ou seja, o Ministério Público, adquirindo a qualidade de sujeitos processuais, no objectivo da promoção da boa administração da justiça.
Porém, tal intervenção está limitada às pessoas indicadas expressamente em normas penais e às indicadas no art.68° CPP, sendo que a al. a) deste preceito, referencia os ofendidos, entendendo por estes os titulares dos interesses que a lei especialmente quer proteger com a incriminação (art.113, nº1, CP).
Mas, nem todos os lesados se podem considerar ofendidos para efeitos de se poderem constituir assistentes, pois não basta que alguém seja prejudicado com a consumação da infracção. É mister que, de acordo com a letra da lei, seja titular dos “interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação”.
Além destes podem ainda intervir no processo penal os lesados com a prática do crime.
Assim, nos termos do art. 71.º do Código de Processo Penal e em conformidade com o princípio da adesão que aí se consagra, o pedido de indemnização civil, fundado na prática de um crime, deve ser deduzido no âmbito do processo penal em que se aprecia a responsabilidade criminal emergente da infracção cometida.
A razão de ser do sistema consagrado prende-se, como salienta Figueiredo Dias, com “necessidades de protecção do lesado e de auxílio à função repressiva do direito penal”. (in Direito Processual Penal, pág. 543).
Por sua vez, no nº 1 do artº 74 estipula-se que “O pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado, entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou não possa constituir-se assistente”.
Portanto, daqui se retira que a legitimidade para a dedução do pedido de indemnização civil depende, apenas, da existência e do conhecimento de um lesado e não já da existência do sujeito processual assistente.
Acrescentaremos ainda que o conceito de assistente não se confunde com o conceito de lesado contido no artº 74º nº 1 CPP, nos termos do qual é lesado todo aquele “ que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou não possa constituir-se assistente”.
Daqui resulta, com toda a clareza que existe uma clara distinção, em que se verifica que a noção de lesado é mais ampla e extensiva do que a de assistente.
Ora, como é hoje pacífico, “A indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil, dispõe o art. 129º do Código Penal. Trata-se de direito disponível e tem como consequência processual o princípio do pedido e a disponibilidade do objecto do processo (ne procedat judex ex officio, ne eat judex ultra petita partium). É, pois necessário, que a parte lesada peça ao tribunal a condenação do civilmente responsável na indemnização por perdas e danos” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. I, 4ªed., 2000, pág. 129)
Assim, à formulação do pedido de indemnização civil corresponde, uma acção cível enxertada no processo penal.
Ou, como refere o Prof. Figueiredo Dias, as partes civis “são sujeitos do processo penal num sentido eminentemente formal, já que de um ponto de vista material são sujeitos da acção cível que adere ao processo penal e que como acção cível permanece até ao fim” (Sobre os Sujeitos Processuais Penais no Novo Código de Processo Penal, in Jornadas de Direito Processual Penal, Coimbra, 1989, pág. 15).
Por isso, a atribuição de indemnização civil aos lesados só poderá verificar-se se estes se tiverem constituído partes civis, lançando mão do processo de adesão e deduzindo oportunamente as respectivas pretensões indemnizatórias enxertadas no processo penal.
No presente recurso está em apreciação a seguinte questão:
No processo de inquérito criminal em que está em averiguação a prática de dois crimes públicos - falsificação de documentos, p.p. no art 256°nº1, al. d) e nº3, concernentes á falsificação de um BI e de um cheque – que, conjugados, implicaram que o ora recorrente (Banco BPI) tenha sofrido um prejuízo patrimonial, pois que pagou o cheque duas vezes (umas ao suposto burlão e outra ao seu legitimo portador. Assim, não sendo o ora recorrente ofendido mas tão só lesado, porque sofreu os danos ocasionados pela prática dos crimes públicos pelos quais o arguido vem acusado, poder-se-á concluir pela legitimidade para deduzir o pedido de indemnização civil ?
Somos de opinião de que sim.
Na verdade, como acima já se aflorou o banco recorrente foi lesado, com os factos praticados pelo arguido, que consistiram na falsificação de um Bilhete de identidade e na falsificação de um cheque. Na sequência de tais factos o banco BPI, procedeu ao pagamento, por duas vezes, do cheque falsificado, sendo-o primeiro ao arguido, suposto falsificador do mesmo e depois ao seu legitimo portador. Tal facto resulta da própria acusação, que a fls. 88 refere que o banco foi lesado, com a conduta do arguido.
Ora, se é certo que as posições processuais de assistente e de demandante cível se podem reunir na mesma pessoa, física ou colectiva, a verdade é que a apresentação do PIC apenas fica dependente da qualidade de lesado e já não, como é bom de ver, de assistente, e essa qualidade possui o recorrente.
Ou seja, só o lesado, pode deduzir pedido de indemnização civil por danos ocasionados pelo crime. Só ele tem legitimidade para o efeito e o recorrente tem essa legitimidade. (neste sentido vidé Acórdãos do TRC, de 06-05-2009, Processo: 3773/06.3TALRA.C1, Relator: ESTEVES MARQUES e de 21-10-2009, Processo: 362/08.1GBSCD-A.C1, Relator: ALICE SANTOS, ambos in www.dgsi.pt ).
Pelo exposto, e remetendo no mais para a argumentação do recorrente, na procedência do recurso, é de revogar o despacho impugnado e de ordenar a sua substituição por outro que admita o ora recorrente a intervir nos autos como lesado e que admita o pedido civil deduzido pelo recorrente.

***

III. Decisão:
Posto o que precede, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso procedente, revogando o despacho recorrido e que deverá ser substituído por outro em que o recorrente seja admitido como lesado e se admita o pedido civil deduzido pelo mesmo Banco BPI, SA.
Sem custas.
***

(Processado e revisto pelo relator, o primeiro signatário)

Coimbra,


....................................................................
(Calvário Antunes)


....................................................................
(Mouraz Lopes)