Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
163/20.9T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: CITAÇÃO
SANAÇÃO DA SUA FALTA
JUNÇÃO DE PROCURAÇÃO AOS AUTOS
Data do Acordão: 03/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 189º NCPC
Sumário: i) Considera-se sanada a falta de citação, nos termos do artigo 189º do NCPC, quando o réu intervier no processo sem arguir logo aquela falta, entendendo-se por intervenção no processo a prática de acto judicial útil, suscetível de pôr termo à revelia do réu;

ii) - A junção ao processo de procuração a advogado, sem logo arguir aquela omissão, constitui uma intervenção relevante que faz pressupor o conhecimento do mesmo, permitindo presumir-se que o réu abdicou conscientemente de arguir a falta de citação;

iii) A tramitação eletrónica do processo não interfere com as 2 anteriores conclusões.

Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. F..., e mulher M..., residentes em ..., instauraram acção declarativa contra P..., com sede em …, pedindo seja declarado resolvido o contrato de arrendamento e condenada a ré a entregar aos autores o locado, livre de pessoas e bens, e a pagar-lhes a quantia de 2.063,70€, acrescida das rendas e respectivos juros vincendos até efectivo pagamento.

Alegou, em síntese, a celebração de contrato de arrendamento com a ré, e a falta de pagamento de rendas. 

A ré citada não deduziu contestação. Foi proferido despacho (em 10.3.2020) a considerar confessados os factos articulados pelos autores.

Posteriormente a ré juntou aos autos procuração forense.

E dias depois veio arguir a nulidade da citação, por a carta ter sido remetida para local que não é a sua actual sede, sendo que a pessoa que assinou o A/R não é sua representante ou funcionária, e não foi efectuada a inerente advertência legal, que é formalidade essencial. Acresce que a representante legal da ré estava, na altura, incapacitada, pelo que não tomou conhecimento da citação, nem pôde constituir mandatário.    

Terminou requerendo que seja declarada nula a citação, a qual deverá ser repetida de forma regular, assim se dando oportunidade à ré de apresentar a sua contestação em prazo razoável e a interrupção do prazo para apresentação das alegações a que se refere o art. 567º, nº 2, do NCPC até que seja proferida decisão definitiva acerca da questão suscitada.

Responderam os autores, pugnando pelo indeferimento do requerido e pela condenação da ré como litigante de má fé.

Por sua vez, respondeu a ré, pugnando pela inexistência de má-fé sua e pela verificação de má-fé dos autores, termos em que requereu a respectiva condenação como litigantes de má-fé.

Por seu turno, os autores responderam, pugnando pela improcedência do pedido de condenação como litigantes de má-fé.

*

De seguida, foi proferido despacho que indeferiu a arguida nulidade, indeferiu a interrupção do prazo para apresentação de alegações e foi prolatada sentença que julgou a acção procedente, e consequentemente condenou a R. no pedido.

2. A R. recorreu, formulando as seguintes conclusões:

...

X. Deste modo, deve a decisão ser revogada e substituída por outra que dê oportunidade à Ré de apresentar as suas alegações ao abrigo do art. 567.º, n.º 2 do mesmo compêndio processual. Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deve a sentença recorrida ser revogada in totum e substituída por acórdão que julgue tempestivo o Requerimento de arguição da nulidade da citação (ref.ª ...) ou, subsidiariamente, que confira à Ré a oportunidade de apresentar as alegações a que se refere o art. 567.º, n.º 2 do CPC.

3. Os AA contra-alegaram, concluindo que:

...

II - Factos Provados

A) referentes ao incidente de nulidade da citação:

- Com data de 14-01-2020 foi expedida carta para citação da Ré na morada constante da p.i: Rua ...;

- No dia 17-1-2020 a carta foi recebida e o respectivo A/R assinado por ...;

- No dia 3-6-2020 a Ré procedeu à junção aos autos de procuração forense a favor dos seus ilustres mandatários;

- No dia 9-6-2020 a Ré remeteu aos autos o requerimento ora em apreciação.

B) referentes ao mérito da causa:

1- Por contrato de arrendamento de 13 de Dezembro de 2017, os AA. deram em locação à Ré o rés-do-chão com um arrumo na sub-cave do seu imóvel composto de cave, rés-do-chão e 1º andar, correspondente ao prédio urbano sito na rua ..., a que diz respeito o artigo urbano nº ...

2- Por este contrato de arrendamento escrito, os AA. arrendaram aquele rés-do-chão à Ré pela renda mensal de €410,00, a pagar ao senhorio do primeiro ao oitavo dia útil do mês a que respeitar, mediante transferência bancária para a C..., ou no local que for indicado por escrito, com a antecedência mínima de quinze dias, constituindo a prova de depósito ou de execução da transferência, documento de quitação.

3- De acordo com a cláusula 10ª daquele contrato de arrendamento, a fração arrendada destina-se à residência permanente das famílias apoiadas pela Inquilina, não lhe podendo ser dado dar outro fim, ou uso, sem o consentimento prévio do senhorio prestado, por escrito.

4- A última renda paga pela Ré foi a renda referente ao mês de Julho de 2019.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Sanação da alegada falta de citação.

- Em caso negativo, falta e nulidade da citação.

- Em caso negativo, violação do art. 567º, nº 2, do NCPC (oportunidade para apresentação de alegações).

2. No despacho recorrido escreveu-se que:

“Dispõe o art. 189º do C.P.C. que “Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade”. Por seu turno, o art. 191º, n.º 2 do C.P.C. prevê que “… a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo”.

Daqui resulta que a falta de citação se considera sanada se o réu intervier no processo sem arguir logo tal falta (artº. 189º) e a nulidade da citação terá de ser arguida no prazo indicado para a contestação, ou – no caso de citação edital ou não tendo sido indicado prazo para a defesa – quando da primeira intervenção do citado no processo (art. 191º, n.º 2 do C.P.C.).

Ora, tendo a R. intervindo nos presentes autos, pela primeira vez, em 3 de Junho de 2020, considero intempestiva a arguição da nulidade e indefiro o incidente deduzido.”.

A R. discorda, com o argumento essencial de que a simples junção aos autos de procuração a favor da parte não equivale a intervenção no processo. Invocando, ainda, jurisprudência actualista reportada ao condicionalismo do processamento electrónico dos autos, que conduzirão a solução diferente.

Mas sem razão, a nosso ver. Continuamos a alinhar com a posição clássica, adoptada no despacho recorrido, e que é a defendida pelos tratadistas do processo civil.

A. Reis professa (em CPC Anotado, Vol. V, págs. 3 e 6) que se o réu “compareceu, isto é, se interveio na acção, constituindo mandatário …, já não importa que tenha ou não sido citado, que a citação haja ou não sido pessoal, que nela se tenham ou não observado as formalidades legais.”.  

Igualmente segue esta posição o Prof. Castro Mendes (no seu D. Proc. Civil, Vol. III, Ed. da AAFDL de 1978/79, pág. 122/123) quando sobre a revelia relativa proclama que ela se verifica, “se o réu não contesta mas comparece em juízo de outro modo, nomeando mandatário ou intervindo de outra forma no processo.” Pelo que “O réu intervém, e das duas uma: ou intervém para alegar a falta (material ou jurídica) de citação, e o tribunal conhecerá da questão e mandará repetir a citação sendo caso disso; ou intervém sem arguir a falta de citação, e então considera-se sanada toda a nulidade (art. 196º).”.  

Pelo mesmo diapasão vai Lebre de Freitas (em A Acção Declarativa Comum, à Luz do CPC de 2013, 3ª Ed., 2013, págs. 86/87) ao ensinar que dita revelia relativa se verifica se “o réu intervém de outro modo no processo, nem que seja apenas para constituir, por procuração, mandatário judicial”. E mencionando, ainda (no seu CPC Anotado, Vol. 1º, 2ª Ed., nota 2 ao artigo 196º do anterior CPC = ao actual art. 189º, págs. 357/358) que “Não faria sentido que o réu …interviesse no processo sem arguir a falta de citação e esta mantivesse o efeito de nulidade. Ao intervir, o réu… tem, ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que, optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir júris et de jure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se. A exigência da imediata arguição da nulidade evita processados posteriores que o interesse da defesa, confrontado com o do autor e com o interesse geral, não justificaria que viessem a ser anulados. Com a intervenção do réu… no processo, sem reserva, a sanação da nulidade produz-se” – os sublinhados são da nossa autoria.  

O mesmo defende Abílio Neto (em anotação 1. ao art. 196º do anterior CPC) ao referir que: “Note-se que, enquanto para a arguição da nulidade da citação a lei concedeu prazo … (arts. 198.º …), outro tanto não sucede quando à falta de citação: esta, deve o R. argui-la no próprio acto que constitua a sua primeira intervenção no processo.”.

E, por este caminho seguiu a larga maioria da nossa jurisprudência (todos consultáveis em www.dgsi.pt).

- Ac. da Rel. do Porto de 9.12.2004, Proc.0436459, com o seguinte sumário:

“A junção de procuração demonstra que o demandado tem conhecimento da pendência da causa; e estando assistido por mandatário judicial não pode invocar desconhecimento das consequências processuais daí resultantes – sanando a eventual falta ou nulidade de citação e colocando o demandado na situação de revelia relativa (operante).”.

- Ac. da Rel. Porto de 25.11.2013, Proc.192/12.6TBBAO-B.:

“II - Considera-se sanada a falta de citação, nos termos do artigo 196º do CPC, quando o réu/executado intervier no processo sem arguir logo aquela omissão, entendendo-se por intervenção no processo a prática de acto susceptível de pôr termo a revelia do réu, o que se verifica com a constituição de advogado; II - A junção da procuração a advogado constitui uma intervenção (acto judicial) relevante que faz pressupor o conhecimento do processo que a mesma permite, de modo a presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.”.

- Ac. da Rel. Évora de 16.4.2015, Proc. 401/10.6TBETZ:

“I - A nulidade decorrente da falta de citação deve ser arguida no próprio acto que constitua a sua primeira intervenção no processo, sob pena de sanação nos termos do artigo 196º do Código de Processo Civil.

II - Necessário para que a intervenção no processo seja relevante para efeitos de sanação da falta de citação é que a mesma pressuponha o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento da pendência do processo, como decorreria da citação.

III - Considera-se sanada a falta de citação, nos termos do artigo 196º, do CPC, quando o réu/executado/requerido intervier no processo sem arguir logo aquela omissão, entendendo-se por intervenção no processo a prática de acto susceptível de pôr termo à revelia, o que se verifica com a constituição de advogado.

IV - A junção da procuração a advogado constitui uma intervenção (acto judicial) relevante que faz pressupor o conhecimento do processo que a mesma permite, de modo a presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.”.

- Ac. Rel. Guimarães de 1.2.2018, Proc.1501/16.4T8BGC:

“V - Tendo a Ré junto procuração aos autos, sem logo ter arguido a falta de citação, também por esta via tal nulidade sempre seria de considerar de sanada, em conformidade com o preceituado no artigo 189.º do CPC, já que a junção da procuração a advogado constitui a prática de um acto judicial relevante, sendo de presumir que a ré prescindiu de arguir a falta de citação.”.

Todavia, vem a recorrente invocar a referida interpretação actualista, com fundamento nos Acds. da Rel. de Lisboa de 5.11.2019, Proc.66733/05.5YYLSB-C e Rel. de Guimarães de 23.1.2020, Proc.17/19.1T8PVL, no mesmo sítio, que sustentam essencialmente que a simples apresentação de uma procuração aos autos não sana a falta de citação, nos termos do citado art. 189º do NCPC, pois a intervenção relevante da parte na causa pressupõe um acesso ao processo eletrónico que a mera junção de procuração forense a mandatário judicial hoje não garante.

Compulsado o dito aresto da Rel. de Guimarães, o mesmo louva-se no referido Ac. da Rel. de Lisboa de 5.11.2019 (e ainda nos Acds. da Rel. de Lisboa de 6.7.2017, Proc.21296/12.0YYLSB-A e da Rel. Évora de 3.11.2016). Por sua vez, o de Lisboa de 5.11.2019 louva-se no da Rel. Évora de 3.11.2016 e no da Rel. Lisboa de 6.7.2017, acabados de indicar. Por seu turno, também, o último referido de Lisboa, baseia-se no de Évora de 3.11.2016. Ou seja, todos os arestos citados têm como matriz o referido acórdão da Rel. Évora, Proc.1573/10.5TBLLE.

E neste, a argumentação única é a de que o processado electrónico da acção cível, sujeita à disciplina da Portaria nº 280/2013, de 26.8, e aos arts. 27º e 5º, nº 2, implica que o processo físico não existe, pelo que para aceder ao mesmo carece de ser junta uma prévia procuração e, nessa medida, esta é também pressuposto de qualquer intervenção. Assim, conclui que numa interpretação actualista não é legítima a conclusão que a simples apresentação de uma procuração, que é condição de acesso ao sistema electrónico e constitui pressuposto de qualquer actuação processual futura, implica a sanação de eventual falta de citação de uma das partes e preclude a hipótese de suscitar a competente nulidade.    

Não se subscreve esta argumentação.

Primeiro de tudo não se vê razão para divergir em função de o processo ser processado em papel ou electrónicamente.

Como nos lembra M. Teixeira de Sousa, sobre este preceito, em post inserido no dia 17.6.2020, no blogue do IPPC: “Falta de citação; ónus de arguição.

a) Salvo o devido respeito, é discutível que se imponha uma interpretação actualista do disposto no art. 189.º CPC em função da actual tramitação electrónica.
Este preceito pressupõe duas coisas:

-- Que tenha havido falta de citação do réu;

-- Que, ainda assim, o réu pratique um acto no processo.

A circunstância de, hoje em dia, a tramitação ser electrónica e pressupor a junção da procuração em nada altera o regime: tal como dantes, a junção da procuração demonstra que o réu teve conhecimento da pendência do processo, porque, de outra forma, não se compreenderia aquela junção.

b) Outra questão é saber se, conjuntamente com a intervenção no processo, o réu tem o ónus de alegar "logo" a falta de citação. De novo salvo o devido respeito, a circunstância de a tramitação ser electrónica em nada altera o regime. Na verdade, o que acontece em qualquer caso, isto é, qualquer que seja a forma da tramitação, é o seguinte:
-- O réu não foi citado;

-- Apesar disso, o réu intervém no processo, nomeadamente juntando uma procuração forense.
Isto demonstra que o réu tem conhecimento da pendência do processo.
Se o que é relevante é que o réu tenha conhecimento do processo, então circunstância de o processo correr de forma electrónica não tem nenhuma relevância. Por isso, faz sentido que, se o réu quiser alegar a falta de citação, tenha de a invocar "logo" que intervém.
Repare-se que, se houve falta de citação, o réu não tem o ónus de praticar nenhum acto em juízo. Sendo assim, se escolher praticar um acto (e pode escolher praticá-lo quando entender), não é desrazoável impôr que, se for do seu interesse, tenha de invocar "logo" a falta de citação.

Estranho seria que o réu sabe que houve falta de citação, ainda assim escolhe praticar um acto no processo e não tivesse o ónus de invocar "logo" a falta de citação. Tudo isto, como se referiu, sem que tenha qualquer relevância a tramitação electrónica do processo.” – os sublinhados são nossos.

O que merece a nossa inteira concordância, pois a junção da procuração demonstra que o réu teve conhecimento da pendência do processo, porque, de outra forma, como se compreenderia aquela junção ! Na verdade, se o que é relevante é que o réu tenha conhecimento do processo, então a circunstância de o processo correr de forma electrónica não tem nenhuma relevância.

Aliás, se assim não fosse entendido e se a junção da procuração não fosse um acto processualmente útil então importaria considerar que a parte não apenas violava o art. 130º do NCPC – proibição de praticar no processo actos inúteis -, mas fundamentalmente que o acesso eletrónico que é concedido às partes para o exercício dos seus direitos de nada serviria.

Logo teremos de concluir que a junção duma procuração aos autos permite à parte em concreto:

a) Conhecimento dos elementos objectivos e subjectivos da acção

b) Exercício do seu direito de defesa

c) Arguição da (nessa data) falta de citação.

Assim, se a parte junta procuração aos autos e não invoca logo a falta de citação a mesma fica logo sanada.

Mas há mais razões contra esta tese actualista.

Para além de o processo físico existir, como decorre do art. 28º da aludida Portaria 280/2013, estatui-se na mesma, no art. 27º, para efeito de consulta electrónica de processos por parte de advogados, que:

1 - A consulta de processos por parte de advogados e solicitadores é efetuada:

a) Relativamente à informação processual, incluindo as peças e os documentos, existentes em suporte eletrónico, através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com base no número identificador do processo; ou

b) Junto da secretaria.

2 - O acesso ao sistema informático de suporte à atividade dos tribunais para efeitos de consulta de processos requer o prévio registo dos advogados e solicitadores, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º

3 - À consulta eletrónica de processos aplicam-se as restrições de acesso e consulta legalmente previstas.

4 - A consulta por advogados e solicitadores de processos nos quais não exerçam o mandato judicial é solicitada à secretaria, que disponibiliza o processo por um período de 10 dias para consulta na área reservada do mandatário no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais. 

E estatuindo, por sua vez, o referido art. 5º que:

1 - A apresentação de peças processuais e documentos por transmissão eletrónica de dados por mandatários judiciais é efetuada através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, no endereço eletrónico https://citius.tribunaisnet.mj.pt, de acordo com os procedimentos e instruções aí constantes.

2 - O registo e a gestão de acessos ao sistema informático referido no número anterior por advogados, advogados estagiários e solicitadores são efetuados pela entidade responsável pela gestão de acessos ao sistema informático, com base na informação transmitida, respetivamente, pela Ordem dos Advogados e pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, respeitante à validade e às vicissitudes da inscrição junto dessas associações públicas profissionais.
3 - Após o registo previsto no número anterior, são entregues os elementos secretos, pessoais e intransmissíveis que permitem o acesso à área reservada do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.

Determinando, primacialmente, o art. 163º do NCPC, atinente à publicidade do processo, que:

2 - A publicidade do processo implica o direito de exame e consulta do processo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, e na secretaria, bem como o de obtenção de cópias ou certidões de quaisquer peças nele incorporadas, pelas partes, por qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial ou por quem nisso revele interesse atendível.

Ora, conjugando este último preceito, com os concretizadores arts. 27º, nº 1, a), 2 e 4 e 5º, nº 2, acima indicados, pode concluir-se que: qualquer advogado pode consultar electrónicamente um processo, através do acesso ao sistema informático de suporte à atividade dos tribunais; desde que previamente registado pela entidade responsável pela gestão de acessos ao sistema informático, com base na informação transmitida, pela Ordem dos Advogados, a quem são entregues os elementos secretos que permitem o acesso à área reservada do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais; o mesmo acesso é permitido a advogados ainda não mandatados mas que possam exercer o mandato judicial.

O que significa que um advogado ainda não mandatado judicialmente, mas capaz para tanto, pode consultar o processo e a respectiva informação processual (por ex: p.i., citação, despacho do art. 567º, nº 1, do NCPC, etc.). Não sendo, por isso, necessário, ao invés do que se afirma em tal aresto da Rel. Évora, juntar previamente aos autos procuração para consultar o processo. Aliás, o que é comum, é que os Srs. advogados, mesmo antes de aceitarem a procuração, ouçam a versão dos seus clientes, confiram os elementos que estes tenham à sua disposição e, após, consultem o processo para análise.

Não se crê, portanto, que no caso concreto, a R. e o seu ilustre mandatário, que podia perfeitamente ter consultado previamente o processo, não tivessem conhecimento do processado ou, pelo menos, que dele pudessem ter. Tinham, só assim se compreendendo a junção da procuração. Se apesar disso guardou a arguição da falta de citação para momento posterior, sibi imputet.

Pelo exposto, não procede esta parte do recurso.      

3. Face à resposta que foi dada ao ponto 2. queda prejudicada a análise referente à 2ª questão acima elencada (art. 608º, nº 2, 1ª parte, ex vi do art. 663º, nº 2, do NCPC).

4. Pretende a R. que lhe seja dada oportunidade para apresentar alegações ao abrigo do art. 567º, nº 2, do NCPC - alegações, após ser proferido despacho de confissão dos factos articulados pelo autor. Tal normativo prevê, após prolação do aludido despacho, a apresentação de alegações por parte do advogado do A., em 10 dias, e depois do advogado do R., no mesmo prazo. Obviamente pressupõe-se a notificação para tanto.

O mencionado despacho judicial foi proferido em 10.3.2020 mas a R. só constitui advogado em 3.6.2020. De maneira que naquela data, estando a R. em revelia absoluta, não tinha de ser notificada para o indicado efeito (art. 249º, nº 3, do NCPC).   

Não pode, por isso, a R. pretender obter interrupção de um prazo, que não se iniciou, para ter oportunidade para praticar um acto que processualmente não tinha a possibilidade de efectuar.

Acrescente-se, ainda, em breve nota, que, as ditas alegações são facultativas, porquanto o juiz não está sujeito à indagação, interpretação e aplicação das normas de direito que as partes sustentem no processo, como decorre do citado art. 567º, nº 2, in fine, e art. 5º, nº 3, do NCPC. 

De maneira que, ainda que por qualquer razão se viesse a concluir que a recorrente afinal podia apresentar as ditas alegações, a violação dessa sua faculdade, nos termos do apontado art. 567º, nº 2, do NCPC, corresponderia a uma infracção que não mereceria provimento, nos termos do art. 660º do NCPC, pois a invocada infracção não poderia modicar a decisão final de mérito tomada, e que infra se transcreve:

Na sentença escreveu-se que:

“Cumpre, neste momento, apreciar a existência do direito a que os Autores se arrogam.

(…)

A principal obrigação do arrendatário traduz-se, assim, no pagamento ao senhorio da renda estipulada, a qual se concretiza em prestações periódicas ou repetidas – Cfr. Pereira Coelho, Arrendamento, 1987, pág. 16.

Aliás, é elucidativa a ordenação das obrigações do locatário estipuladas no art. 1038º do Código Civil, onde surge, em primeiro lugar, o pagamento da renda ou aluguer.

(…).

*

No caso presente, resultou provada a celebração de um contrato de arrendamento nos termos supra referidos.

Porém, a Ré não pagou aos AA. as rendas por estes referidas.

Verifica-se, assim, um incumprimento do contrato por parte da Ré, por falta de realização de uma das suas obrigações, o que constitui fundamento para a resolução do contrato, na medida em que é inexigível ao senhorio a respectiva manutenção – art. 1083º, n.ºs 2 e 3 do Código Civil.

Por outro lado, a Ré encontra-se obrigada ao pagamento das rendas vencidas e das que entretanto se vençam até ao momento em que entregue o locado (art. 817º do Código Civil).”.

Ora, face aos factos provados, não há censura alguma a fazer à fundamentação jurídica apresentada, pelo que a solução adoptada para o mérito da causa teria sempre de ser confirmada.  

Não procede, pois, o recurso, nesta parte.

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Considera-se sanada a falta de citação, nos termos do artigo 189º, do NCPC, quando o réu intervier no processo sem arguir logo aquela falta, entendendo-se por intervenção no processo a prática de acto judicial útil, susceptível de pôr termo à revelia do réu;

ii) - A junção ao processo de procuração a advogado, sem logo arguir aquela omissão, constitui uma intervenção relevante que faz pressupor o conhecimento do mesmo, permitindo presumir-se que o réu abdicou conscientemente de arguir a falta de citação;

iii) A tramitação electrónica do processo não interfere com as 2 anteriores conclusões.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, assim se confirmando a decisão recorrida.

Custas pela R./recorrente.

                                                                          Coimbra, 16.3.2021

Moreira do Carmo

Fonte Ramos

                                                                          Alberto Alberto Ruço