Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2880/17.1T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS ADVOGADOS E SOLICITADORES ( CPAS )
EXECUÇÕES
CONTRIBUIÇÕES
JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA
Data do Acordão: 09/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 212 Nº3 CRP, 96, 97 CPC, LEI Nº 28/84 DE 14/8, LEI Nº 17/2000 DE 8/8, DL Nº 42/2001 DE 9/2, LEI Nº 32/2002 DE 20/12, DL Nº 119/2015 DE 29/65.
Sumário:
1. A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) é uma pessoa colectiva de direito público que tem por fim estatutário conceder pensões de reforma aos seus beneficiários e subsídios por morte às respectivas famílias, prossegue finalidades de previdência e, consequentemente, realiza uma função de segurança social, estando incluída na organização desta e sujeita desde sempre à legislação que a regula, ainda que de forma subsidiária.
2. Reportando-se o litígio à cobrança coerciva de contribuições não pagas por beneficiário da CPAS, ele emerge de uma relação jurídica administrativa e não de uma relação de direito privado.
3. Os tribunais comuns são incompetentes em razão da matéria para tramitar um processo em que a CPAS pretende obter de um seu associado a cobrança coerciva de contribuições, competindo essa função aos tribunais administrativo e fiscais (cf. os art.ºs 212º, n.º 3, da CRP e 1º, n.º 1 e 4º, n.º 1, al. o), do ETAF).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra - Juízo de Execução de Coimbra, execução para pagamento de quantia certa contra P (…) pretendendo haver deste a quantia de € 9 362,10 relativa a contribuições para a CPAS e respectivos juros moratórios vencidos.
Alegou, em síntese: o executado é advogado e encontra-se obrigatoriamente inscrito na CPAS; porém, não pagou a aludida quantia relativa às devidas contribuições, conforme certidão de dívida (título executivo) de 21.3.2017, emitida pela Direcção da CPAS (cf. os art.º 703º, n.º 1, alínea d) do CPC e 81º, n.º 5 do Regulamento da CPAS, aprovado pelo DL n.º 119/2015, de 29.6).
Por decisão de 21.9.2017 foi indeferido liminarmente o requerimento executivo, com fundamento em incompetência material do tribunal. Refere-se na dita decisão:
«(…) A exequente “Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (C.P.A.S.)”, pessoa colectiva pública, veio instaurar execução (…) com base em certidão de dívida emitida pela Direcção da CPAS.
Na esteira do acórdão do TRLisboa [de 09.3.2017, tomado por unanimidade, publicado in www.dgsi.pt], com o qual concordo, ficou exarado no sumário que:
“I As relações jurídicas estabelecidas entre a Caixa de Previdência dos Advogados e dos Solicitadores (CPAS) e os seus associados, são relações de natureza administrativa e cabem na competência geral mencionada na referida al o) do nº 1 do art 4º do ETAF.
II A remissão para «os requisitos previstos no CPPT», constante do nº 5 do art 81º do Regulamento aprovado pelo DL 119/2015 de 29/06, não pode deixar de implicar a expressa previsão para a utilização do processo de execução fiscal a que alude o nº 2 do art 148º do CPPT, não se afigurando curial o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que há falta de norma habilitante para propor execuções para cobrança das contribuições em dívida à CPAS.”.
Também em 27-04-20172, através do Acórdão do Tribunal de Conflitos (Supremo Tribunal Administrativo), ficou consignado que:
I – A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), pessoa colectiva pública que tem por fim estatutário conceder pensões de reforma aos seus beneficiários e subsídios por morte às respectivas famílias, prossegue finalidades de previdência e, consequentemente, realiza uma função de segurança social, estando incluída na organização desta e sujeita desde sempre à legislação que a regula, ainda que de forma subsidiária. II – Reportando-se o litígio à cobrança coerciva de contribuições não pagas por beneficiário da CPAS, ele emerge de uma relação jurídica administrativa e fiscal e não de uma relação de direito privado, para cuja apreciação são competentes os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos dos artºs. 212.º, n.º 3, da CRP e 1.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, al. o), ambos do ETAF.
III – Estando em causa contribuições para um regime de segurança social, embora de natureza especial, são aplicáveis, por força dos artºs. 106.º, da Lei n.º 4/2007, de 16/1 e 1.º, do regulamento anexo ao DL n.º 119/2015, de 29/6, o disposto no art.º 60.º dessa Lei e, com as necessárias adaptações, no DL n.º 42/2001, de 9/2, pelo que será através do processo de execução fiscal nos mesmos termos que são estabelecidos para a cobrança coerciva das dívidas à segurança social que o direito da CPAS terá de ser exercido.”.
Por isso, as contribuições em dívida ao CPAS não têm natureza civil, mas sim fiscal ou tributária, constituindo uma das fontes de receitas dessa instituição com vista à prossecução dos seus fins, inserindo-se no financiamento do subsistema de segurança social específico para os advogados e, como tal, integrando a satisfação de um encargo público fundamental do Estado, ou seja, garantir o direito à segurança social dos respectivos profissionais [Cfr. os Ac. do STA de 09.10.2003, proc. 01072/03, e do TCAN de 26.11.2009, proc. 01009/07.9BEPRT, www.dgsi.pt. ].
Deste modo, a competência para apreciar a presente acção executiva não pertence a este Juízo de Execução de Coimbra, em virtude do disposto no artigo 129.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto.
Estamos, pois, perante a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, a qual é de conhecimento oficioso, implicando o indeferimento liminar do requerimento executivo (Cf. artigos 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1, 576.º, nºs 1 e 2, 577.º, alínea a), 578.º e 726.º, nºs 1 e 2, alínea a), do CPC), estando ainda em tempo de assim proceder face à norma do artº. 734, do CPC.»
Suprida a omissão suscitada a fls. 9 e mantida aquela decisão de 21.9.2017 (cf. fls. 21), inconformada, a exequente apelou formulando as seguintes conclusões:
1ª - O Tribunal a quo é o competente para a decisão e tramitação deste processo executivo, pois a CPAS, não obstante prosseguir fins de interesse público, tem uma forte componente privatística.
2ª - A CPAS «é uma instituição de previdência autónoma, com personalidade jurídica, regime próprio e gestão privativa…» (cf. art.º 1º, n.º 1 do Regulamento aprovado pelo DL n.º 119/2015, de 29/6) não fazendo parte do sistema público de segurança social.
3ª - A CPAS não está sujeita a um poder de superintendência do Governo, mas a um mero poder de tutela (cf. art.º 97º do dito regulamento), sendo essa tutela meramente inspectiva.
4ª - A CPAS não faz parte da administração directa ou indirecta do Estado e os seus membros directivos não são designados pelo Governo, mas eleitos «pelas assembleias dos advogados e dos associados da Câmara dos Solicitadores».
5ª - A CPAS não é financiada com dinheiros públicos, sejam oriundos do Orçamento do Estado ou do Orçamento da Segurança Social.
6ª - Pelo que a CPAS não deve ser qualificada como uma mera “entidade pública”.
7ª - As contribuições para a CPAS não têm natureza tributária, mais se assemelhando a contribuições para um fundo de pensões; assentam numa verdadeira relação sinalagmática entre o montante das contribuições pagas e a futura pensão de reforma a ser percebida pelo beneficiário.
8ª - Acresce que, nos termos do disposto no art.º 80º, n.º 4 do mesmo Regulamento, o montante das contribuições depende em exclusivo da opção e, portanto, da única vontade do beneficiário.
9ª - Nos termos da sentença recorrida, parece que os tribunais administrativos e fiscais seriam os competentes para a tramitação e decisão de execução fundada em certidão de dívida reportada a contribuições para instituição de previdência.
10ª - Todavia, o n.º 2 do art.º 148º do CPPT impõe, para que se possa fazer uso o processo de execução fiscal, no caso de «dívidas a pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo», que a lei estipule expressamente os casos e os termos em que o pode fazer.
11ª - No novo regulamento da CPAS não existe norma que, de forma expressa, determine que as dívidas à CPAS sejam cobradas através de processo de execução fiscal a correr nos serviços de finanças - o que foi confirmado, já depois da entrada em vigor do novo regulamento da CPAS, pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) à Direcção da CPAS.
12ª - E porque “não há direito sem acção”, não resta à CPAS outro caminho senão recorrer aos tribunais judiciais para cobrar as contribuições em dívida por parte dos seus beneficiários, isto sob pena de ficar sem tutela jurisdicional efectiva para o apontado propósito.
13ª - Tendo em conta o princípio constitucional previsto no art.º 20º, n.º 1 da CRP que dispõe que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos…», a interpretação conjugada da alínea o) do n.º 1 do art.º 4º do ETAF (aprovado pela Lei n.º 32/2002, de 19/02) e do n.º 2 do art.º 148º do CPPT, perfilhada na sentença recorrida, ou seja, de que apenas os tribunais administrativos e fiscais seriam competentes para dirimir os litígios entre a CPAS e os seus beneficiários, é inconstitucional por violação do disposto no art.º 20º, n.º 1 da CRP, na medida em que, como vimos, levará a um verdadeiro “beco sem saída” pois a CPAS ficaria, dessa forma, sem possibilidade de poder cobrar as contribuições em dívida pelos seus beneficiários.
14ª - Pois, as dívidas à CPAS não poderão ser cobradas judicialmente nem nos tribunais administrativos e fiscais, nem por meio de execuções fiscais promovidas pela AT, nem por meio de execuções fiscais promovidas pela Segurança Social, por falta de norma habilitante para o efeito.
15ª - A sentença recorrida violou, assim, o art.º 2º, n.º 2 do CPC; o art.º 179º, n.º 1 e 2 do NCPA e o art.º 148º, n.º 2 do CPPT; o art.º 81º, n.º 5 do RCPAS; a alínea o) do n.º 1 do art.º 4º do ETAF e, além disso, a interpretação normativa extraída do referido conjunto de preceitos legais é inconstitucional por violar o art.º 20º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Remata dizendo que deve a sentença recorrida ser revogada e julgado o Tribunal a quo como competente em razão da matéria para tramitar e julgar a presente acção executiva.
O executado, citado, não respondeu.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa decidir, sobretudo, se o tribunal comum será o competente para a execução em apreço.
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II. 1. A matéria processual a considerar é a que resulta do relatório que antecede, relevando ainda a comunicação de 09.11.2015 da Autoridade Tributária (DSGCT) dirigida à Direcção da CPAS, tendo por assunto «Processo de Execução Fiscal para cobrança de créditos da CPAS», com o seguinte teor:
«Em respeito ao assunto em epígrafe, cumpre informar que, por despacho da Directora-Geral de 08/10/2015, foi sancionado o entendimento que considera não existir actualmente norma legal que habilite a instauração de processo de execução fiscal pela AT para cobrança de contribuições em dívida à CPAS. De facto, essa possibilidade não tem cabimento no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), nem está expressamente consagrada em legislação avulsa especial.//Neste âmbito, foi analisado o Regulamento da CPAS, aprovado pelo Dl n.º 119/2015, e 29 de Junho. Contudo, também aqui não está prevista a instauração do processo de execução, nem mesmo no n.º 1 do artigo 85. O teor desta norma limita-se a indicar os requisitos que devem revestir os títulos executivos a extrair pela CPAS na qualidade de credora, pelo que se considera não haver suporte na letra da lei que admita a instauração do processo de execução fiscal pela AT.» Cf. o documento de fls. 19 verso.
2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.
Nos termos do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (aprovado pelo DL n.º 119/2015, de 29.6):
- A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores é uma instituição de previdência autónoma, com personalidade jurídica, regime próprio e gestão privativa, e visa fins de previdência e de protecção social dos advogados e dos associados da Câmara dos Solicitadores; rege-se pelo presente Regulamento e, subsidiariamente, pelas bases gerais do sistema de segurança social e pela legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações (art.º 1º, n.ºs 1 e 2).
- São inscritos obrigatoriamente como beneficiários ordinários todos os advogados e advogados estagiários inscritos na Ordem dos Advogados e todos os associados e associados estagiários inscritos na Câmara dos Solicitadores (art.º 29º, n.º 1).
- O regime previdencial da Caixa assenta no princípio da solidariedade intergeracional, através de métodos de financiamento em regime de repartição, e visa garantir aos seus beneficiários e respectivos familiares o direito às prestações reguladas no presente Regulamento (art.º 38º).
- As contribuições a que se referem os artigos anteriores são devidas enquanto se mantiver a inscrição do beneficiário na Caixa e vencem-se no primeiro dia do mês a que disserem respeito. A partir do dia um do mês seguinte ao do vencimento das contribuições, ao montante destas acrescem juros de mora. A taxa de juro de mora, por cada mês de calendário ou fracção, é igual à prevista para as dívidas de impostos ao Estado. A certidão da dívida de contribuições emitida pela direcção constitui título executivo, devendo obedecer aos requisitos previstos no Código de Procedimento e de Processo Tributário (art.º 81º, n.ºs 1, 2, 4 e 5).
- A Caixa está sujeita à tutela dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da justiça e da segurança social (art.º 97º).
3. «A CPAS foi criada pelo DL n.º 36550, de 22/10/47, como instituição de previdência reconhecida pela Lei n.º 1884, de 16/3/35 e pertencente à categoria “caixas de reforma ou de previdência”.
A previdência social Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto. foi definida pela Base XXV, n.º 1, da Lei n.º 2115, de 18/6/62, como a actividade que, mediante o pagamento regular ou irregular de quantias fixas ou variáveis, se propunha conceder benefícios pecuniários ou de outra natureza, no caso de se verificarem factos contingentes relativos à vida ou à saúde dos interessados, à sua situação profissional ou aos seus encargos familiares. De acordo com a Base III, n.º 3, desta lei de bases do sistema de previdência social, as caixas de reforma ou de previdência eram as instituições de inscrição obrigatória das pessoas que, sem dependência de entidades patronais, exerciam determinadas profissões, serviços ou actividades.
O art.º 63º, n.º 1, da CRP, veio estabelecer que todos tinham direito à segurança social, sendo objectivo do sistema, nos termos do n.º 3 deste preceito, o de proteger os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou de diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.
Traduzindo-se a segurança social num direito a prestações pecuniárias destinadas a garantir as necessidades de subsistência, é manifesto que as instituições que se destinam a exercer a previdência - uma das componentes do sistema de segurança social - realizam uma função de segurança social.
A Lei n.º 28/84, de 14/8 (Lei de Bases do Sistema de Segurança Social), dispôs que as instituições de previdência seriam gradualmente integradas no sistema de segurança social e que as criadas anteriormente à entrada em vigor do DL n.º 549/77, de 31/12 (Lei Orgânica da Segurança Social), ficavam sujeitas, com as adaptações necessárias, àquela lei e à legislação dela decorrente (cf. art.ºs 68º e 79º).
De acordo com o seu art.º 46º, n.º 2, a cobrança coerciva das contribuições para a segurança social seria feita através do processo de execução fiscal, cabendo aos respectivos tribunais a competência para conhecer das impugnações ou contestações suscitadas pelas entidades executadas.
A Lei n.º 17/2000, de 8/8, que revogou aquela Lei n.º 28/84, aprovando as bases gerais do sistema de solidariedade e de segurança social, manteve que, com as adaptações necessárias, a ela e à legislação dela decorrente ficavam sujeitas as instituições de previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do DL n.º 549/77 e estabeleceu que a cobrança coerciva dos valores relativos às cotizações e às contribuições era efectuado através de processo executivo e de secção de processos da segurança social (art.º 63º, n.º 1) e que, enquanto não fosse legalmente definido o processo de execução previsto naquele art.º 63º, n.º 1, a referida cobrança coerciva seria feita através do processo de execuções fiscais.
O DL n.º 42/2001, de 9/2, apenas pretendendo aplicar o disposto no CPPT ao sistema de solidariedade e segurança social, “dando continuidade ao trabalho já realizado, deixando para mais tarde e depois de algum tempo de prática a alteração do quadro legislativo em vigor” (cf. preâmbulo), criou as secções de processo executivo do sistema de solidariedade e segurança social, estabelecendo, no seu art.º 2º, o seguinte:
“1 - O presente diploma aplica-se ao processo de execução de dívidas à segurança social.
2 - Para efeitos do presente diploma, consideram-se dívidas à segurança social todas as dívidas contraídas perante as instituições do sistema de segurança social pelas pessoas singulares e colectivas e outras entidades a estas legalmente equiparadas, designadamente as relativas a contribuições sociais, taxas, incluindo os adicionais, juros, reembolsos, reposições e restituições de prestações, subsídios e financiamentos de qualquer natureza, coimas e outras sanções pecuniárias relativas a contra-ordenações, custas e outros encargos legais”.
A Lei n.º 32/2002, de 20/12, revogou a Lei n.º 17/2000, mas, tal como esta, estatuiu que, com as adaptações necessárias, a ela e à legislação dela decorrente ficavam sujeitas as instituições de previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do DL n.º 549/77 (cf. art.º 126.º) e que a cobrança coerciva dos valores relativos às cotizações e às contribuições seria efectuado através do processo executivo e da secção de processos da segurança social (cf. art.º 48º).
Esta Lei foi revogada pela Lei de bases da segurança social actualmente em vigor (Lei n.º 4/2007, de 16/1), a qual estabeleceu que a estrutura orgânica do sistema compreendia os serviços que faziam parte da administração directa e da administração indirecta do Estado, que eram pessoas colectivas de direito público denominadas instituições de segurança social (cf. art.º 94º). Quanto às quotizações e contribuições não pagas, como quaisquer outros montantes devidos, seriam objecto de cobrança coerciva nos termos gerais (cf. art.º 60º). Relativamente às instituições de previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do DL n.º 549/77, estatuiu-se que se mantinham autónomas com os seus regimes jurídicos e formas de gestão privativas, ficando subsidiariamente sujeitas às disposições dessa lei e à legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações (cf. art.º 106º).
O novo regulamento da CPAS, publicado em anexo ao DL n.º 119/2015, de 29/6, ao estabelecer o regime específico de segurança social dos advogados e solicitadores, reafirmou que essa Caixa era uma instituição de previdência autónoma, visando fins de previdência e de protecção social, com personalidade jurídica, regime próprio e gestão privativa que se regia por esse regulamento e, subsidiariamente, pelas bases gerais do sistema de segurança social e pela legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações (cf. art.º 1º), estando sujeita à tutela do Governo (cf. art.º 97º) e gozando das isenções e regalias previstas na lei para as instituições de segurança social e previdência (cf. art.º 98º). Relativamente às contribuições não pagas, o art.º 81º, n.º 5, estatuiu que a certidão de dívida emitida pela direcção constituía título executivo, devendo obedecer aos requisitos previstos no Código do Procedimento e Processo Tributário.
Resulta do exposto que o pagamento forçado das contribuições para a segurança social, enquanto verdadeiras quotizações sociais que sendo imposições parafiscais apresentam grande semelhança com os impostos (cf. Ac. do T. Conflitos de 17/1/2008 – Conf. n.º 16/07) será feito através de processo de execução fiscal nas secções de processo executivo do sistema de solidariedade e segurança social, cabendo aos tribunais tributários neles exercer a actividade de natureza jurisdicional (cf. art.º 151º, n.º 1, do CPPT).
Decorre ainda do que ficou referido, que a CPAS, tendo por fim estatutário conceder pensões de reforma aos seus beneficiários e subsídios por morte às respectivas famílias, prossegue finalidades de previdência e, consequentemente, realiza uma função de segurança social, estando incluída na organização desta e sujeita desde sempre à legislação que a regula, ainda que de forma subsidiária. Com a sua criação foi, pois, instituído, para os advogados e solicitadores, um verdadeiro regime de segurança social, embora de natureza especial, que ainda perdura. Independentemente da sua qualificação como uma verdadeira instituição de segurança social, tanto a doutrina (cf. Freitas do Amaral in “Curso de Direito Administrativo”, 2012, págs. 370/371 e Mário Esteves de Oliveira in “Direito Administrativo”, Vol. I, 1984, pág. 213), como a jurisprudência deste Tribunal (cf. Ac. de 2/10/2008, proferido no Conflito n.º 010/08) tem entendido que se trata de uma pessoa colectiva pública. E, efectivamente, cremos que não pode deixar de assim ser qualificada, atendendo a que foi criada por acto normativo e iniciativa estadual, para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos, na vertente da previdência, em benefício de um determinado universo delimitado funcionalmente, sendo dotada de prerrogativas de direito público, isto é, exorbitantes de direito privado.
Assim, no caso vertente, reportando-se o litígio à cobrança coerciva de contribuições não pagas por beneficiário da CPAS (pessoa colectiva de direito público), ele emerge de uma relação jurídica administrativa e fiscal e não de uma relação de direito privado, dado que nela a Caixa intervém no exercício de um poder de autoridade que lhe é conferido directamente pela lei sendo, em consequência, competentes os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos dos art.ºs 212º, n.º 3, da CRP e 1º, n.º 1 e 4º, n.º 1, al. o), ambos do ETAF. E estando em causa contribuições para um regime de segurança social, embora de natureza especial, são aqui aplicáveis, por força dos art.ºs 106º, da Lei n.º 4/2007 e 1º, do regulamento anexo ao DL n.º 119/2015, o disposto no art.º 60º, da Lei n.º 4/2007 e, com as necessárias adaptações, no DL n.º 42/2001, pelo que será através do processo de execução fiscal nos termos que ficaram referidos para a cobrança coerciva das dívidas à segurança social que o direito da CPAS terá de ser exercido.» Esta a posição expressa pelo Tribunal de Conflitos no acórdão de 27.4.2017-processo 037/16 e reafirmada no acórdão do mesmo Tribunal de 01.02.2018-processo 044/17, publicados no “site” da dgsi.
4. A competência dos tribunais da ordem judicial tem natureza residual, no sentido de que são da sua competência as causas que não sejam atribuídas aos tribunais de outra ordem jurisdicional (cf. os art.ºs 64º do Código de Processo Civil e 40º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário - Lei n.º 62/2013, de 26.8).
A jurisdição administrativa é exercida por tribunais administrativos, aos quais incumbe, na administração da justiça, dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas (art.ºs 1º, n.º 1, do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19.02 e 212º, n.º 3, da CRP).
5. A CPAS ostenta as características de uma pessoa colectiva de direito público, sendo que tem vindo a ser reiteradamente assumido na jurisprudência que os litígios emergentes das relações entre a CPAS e respectivos subscritores/beneficiários devem ser dirimidos pela jurisdição administrativa e fiscal. Cf., a propósito, os diversos arestos do STA e do Tribunal de Conflitos aludidos no citado acórdão do Tribunal de Conflitos de 01.02.2018-processo 044/17 e bem assim nos acórdãos da RP de 20.6.2016-processo 6988/16.2T8PRT.P1 (relatado pelo aqui 2º adjunto) e da RL de 09.3.2017-processo 17398/15.9T8LRS.L1-2, publicados no “site” da dgsi.
Se os tribunais administrativos são materialmente competentes para conhecer e dirimir estes conflitos de interesses, então não podem deixar de ser competentes para dirimir todos os conflitos entre a CPAS e os seus associados, designadamente os casos, como o dos autos, em que se pretende cobrar coercivamente uma dívida composta por quotas vencidas e não pagas pelo associado.
Aliás, se o tribunal administrativo conhecer de um litígio em que se discuta se um associado deve certas quotas e decidir que são devidas, a sentença que condenar o associado a pagar a dívida há-de ser executada, no caso de não haver pagamento voluntário, na jurisdição a que pertence o tribunal que a proferiu (cf. o art.º 4º, n.º 1, alínea n), da Lei n.º 13/2002, de 19.02/ETAF). Cf. o referido acórdão da RP de 20.6.2016-processo 6988/16.2T8PRT.P1.
6. A CPAS é uma pessoa colectiva de direito público, as relações que se estabelecem entre ela e seus subscritores no âmbito do respectivo regulamento implica que tais relações jurídicas assumam natureza administrativa e não privatística.
É uma instituição de previdência autónoma, mas sujeita à tutela do Governo e a enquadramento legal de natureza parcialmente pública, que visa precipuamente fins públicos (embora restritos a certa categoria de pessoa) de previdência e de protecção social. Cf. o mencionado acórdão do Tribunal de Conflitos de 01.02.2018-processo 044/17.
A competência para solucionar tal tipo de litígios recai nos tribunais administrativos e fiscais, sendo que nos termos da alínea o), do n.º 1, do art.º 4º, do ETAF, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a «Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores», norma que dá assim cobertura a qualquer falta de previsão expressa na lei sobre o tribunal competente para solucionar um litígio, desde que se trate de «relações jurídicas administrativas e fiscais». Cf. os citados acórdãos da RP de 20.6.2016-processo 6988/16.2T8PRT.P1, da RL de 09.3.2017-processo 17398/15.9T8LRS.L1-2 e do Tribunal de Conflitos de 01.02.2018-processo 044/17.
7. Conclui-se, por conseguinte, que os Tribunais Administrativos e Fiscais são os competentes para a cobrança coerciva das contribuições para a CPAS (pessoa de direito público), através de processo executivo próprio, e não os tribunais comuns. Neste sentido, cf. ainda, de entre vários, os acórdãos da RG de 18.01.2018-processo 2367/17.2T8VCT.G1 e 07.12.2017-processo 2825.17.9T8VCT.G1, da RC de 16.01.2018-processo 6611/17.8T8CBR.C2, da RL de 02.11.2017-processo 9354-16.6T8LSB.L1-8 e da RE de 11.01.2018-processso 3303/17.1T8ENT.E1 e 08.02.2018-processo 5863/17.8T8STB.E1, publicados no “site” da dgsi.
8. Este entendimento - ao que parece, unânime na jurisprudência - será de aplicar à situação em análise, em que se visa cobrar coercivamente uma dívida de quotas/contribuições vencidas e não pagas pelo executado, beneficiário do CPAS.
As relações jurídicas estabelecidas entre a CPAS e os respectivos subscritores/beneficiários são relações de natureza administrativa e cabem na competência geral (dos tribunais administrativos e fiscais) mencionada na referida alínea o) do n.º 1, do art.º 4º, do ETAF.
Os tribunais comuns não são competentes para executarem as dívidas emergentes da falta de pagamento das contribuições para a CPAS, pelo que o tribunal recorrido é incompetente em razão da matéria.
9. A apelante suscita a inconstitucionalidade (interpretativa) das normas que levem à incompetência do Tribunal recorrido, porquanto, em seu entender, violam o disposto no art.º 20 da CRP, impedindo o acesso ao direito e aos tribunais para o exercício do seu direito.
Como já foi afirmado nos diversos arestos citados, a apelante não fica impossibilitada de aceder aos tribunais para exercer o seu direito a cobrar as contribuições em dívida; contudo, terá de o fazer na jurisdição fiscal, por ser a competente.
Não se verifica, pois, a violação do disposto no art.º 20º da CRP porque a apelante não fica impedida de aceder aos tribunais para exercer o seu direito à cobrança das contribuições em dívida, porque o pode e deve fazer na jurisdição administrativa e fiscal, a competente para o efeito; ademais, atribuindo-se a competência para a presente acção executiva aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, respeita-se o disposto no art.º 212º, n.º 3, da CRP... Cf., designadamente, os citados acórdãos da RG de 07.12.2017-processo 2825.17.9T8VCT.G1 e da RE de 11.01.2018-processso 3303/17.1T8ENT.E1 e 08.02.2018-processo 5863/17.8T8STB.E1.
10. Improcedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.
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III. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente/exequente.
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18.9.2018
Fonte Ramos ( Relator)
Maria João Areias
Alberto Ruço