Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
756/19.7T8ANS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
SUA FUNÇÃO
REDUÇÃO TELEOLÓGICA
INTERPRETAÇÃO ATUALÍSTICA
Data do Acordão: 10/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 313º E 317º, B), DO C. CIVIL.
Sumário: I – O decurso do prazo de prescrição, nas prescrições presuntivas, não prova a extinção direta do direito, antes presume o cumprimento da respetiva obrigação, invertendo e agravando o ónus de prova deste facto, pelo que a extinção do direito só resultará, de modo indireto, do funcionamento daquela presunção, ao não ser ilidida, daí se diferenciando das prescrições extintivas.

II - A redução teleológica de uma norma é uma operação hermenêutica possível, mas para que ela seja levada a cabo é necessário que seja manifestamente desadequada a aplicação da norma à situação em causa, por se verificar um desvirtuamento chocante das finalidades perseguidas com a sua previsão.

III - Há que ter em consideração, como alertou um recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - Acórdão de 25.02.2021, relatado João Cura Mariano, e acessível em www.dgsi.pt -, que o regime dos prazos de prescrição constantes do nosso Código Civil se encontra manifestamente desadequado face ao ritmo de vida atual e ao dinamismo da atividade económica.

IV - Face à desatualização das razões que na altura presidiram à adoção das prescrições presuntivas pelo C. Civil de 1966 e à atual necessidade de proteção dos interesses económicos dos consumidores, deve o disposto no art.º 317º, b), do C. Civil, encontrar hoje os seus fundamentos na proteção devida aos interesses do consumidor, enquanto parte mais débil numa relação subjetivamente desequilibrada, não devendo o consumidor ficar sujeito às dificuldades de prova do cumprimento de uma obrigação cuja satisfação é tardiamente reclamada.

V - Estando-se perante uma compra e venda de consumo, em que o preço deveria ser pago em prestações de 500,00€ que se venciam mensalmente, não há qualquer razão para que não se aplique o disposto no art.º 317º, b), do C. Civil, presumindo-se que essas prestações foram pagas decorridos dois anos após a data de vencimento de cada uma delas, sendo possível ilidir essa presunção apenas pelo modo previsto no art.º 313º do C. Civil.

Decisão Texto Integral:






Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
O Embargante deduziu oposição à execução que lhe move a Embargada, sustentando, em síntese, conforme consta do relatório da decisão proferida:            que pagou a totalidade do preço acordado até meados de abril de 2012 e, nessa altura, o exequente transferiu a propriedade para o seu nome; em todo o caso, o crédito do exequente mostra-se prescrito, nos termos do artigo 317.º, al. b) do CC; não são devidos quaisquer montantes; é ininteligível a causa de pedir referente aos pedidos de 750 euros e de 2.360,33 euros; o executado não era comerciante e a transação estabelecida entre as partes não foi comercial; conclui pela condenação do exequente como litigante de má fé e condenação em multa e indemnização não inferior a 5.500,00 euros.

A Exequente apresentou contestação sustentando, em síntese também como consta do relatório já mencionado, não ser aplicável ao crédito em apreço o disposto no artigo 317.º do CC.
Ademais, a alegação de cumprimento encontra-se em oposição com o plano de pagamento em prestações firmado com o exequente, o qual constitui uma confissão extrajudicial de divida e com a interpelações efetuadas pelo exequente ao executado. A quantia de 750 euros encontra-se suficientemente justificada diante da remissão para o artigo 7.º do DL 62/2013, de 10 de maio, e a quantia de 2.360,33 euros encontra justificação do artigo 805.º, n.º 1 do CPC, actual 716.º.
Conclui que quem litiga de má fé é o embargante e, por isso, deve ser condenado em multa e indemnização a favor do exequente.
Veio a ser proferida sentença que julgou a oposição nos seguintes termos:
 Com os fundamentos de facto e de direito enunciados julgo parcialmente procedentes, por parcialmente provados, os presentes embargos de executado e, em consequência, determino o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de 7.499,97 euros, acrescida de juros à taxa de juros civis sucessivamente vigentes, encontrando-se vencidos desde 17 de fevereiro de 2012 até 28 de agosto de 2019 no montante 2.257,80 euros e juros vincendos a partir de 29 de agosto de 2019.
O Embargante interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
...
Não foi apresentada resposta.
1. Do objecto do recurso
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas, as questões a apreciar são:
- nulidade da sentença
- impugnação da matéria de facto
- prescrição
- má-fé da Embargada.
2. Da nulidade da sentença
O Recorrente imputa à sentença o vício da nulidade por condenação em objeto diverso do pedido, alegando que a Embargante no requerimento executivo reclamou juros comerciais e não civis, configurando a dívida objeto da execução como uma dívida comercial, o que não se provou.
Decorre do requerimento executivo a pretensão da Embargada pretender obter pagamento da quantia exequenda no montante de €15.174,87 que liquida nos seguintes termos:
« A) Valor Líquido:
1. Valor constante do titulo = 7.499,97 €
2. Juros de mora comerciais à taxa legal calculados desde 17-02-2012 até 28-08-2019 = 4.539,07 €
3. Art.º 7º  DL 62/2013 = 750 €
4. Taxa de justiça legal = 25,50€
A) 1+2+3 = 12.301,66 €
B. Valor dependente de simples cálculo aritmético
4. Juros vincendos a liquidar a final
5. Despesas previsíveis com a Execução, sem prejuízo de ulterior liquidação - Art.º 821º CPC
6. Custas que venham a ser pagas pelo Exequente
7. Valores pagos ao Solicitador de Execução
8. Demais encargos com a presente Execução
B) Pedido de valor líquido (20%) nos termos do art.º.805/1 do CPC (B=4+5+6+7+8) = 2.360,33 €
C) = A + B = 15.174,87 €.»
Na decisão recorrida consta a este respeito:
O artigo 464.º do Código Comercial diz que “Não são consideradas comerciais:
1,º As compras de quaisquer cousas móveis destinadas ao uso ou consumo do comprador ou da sua família, e as revendas que porventura desses objectos se venham a fazer;
Não sendo um ato comercial, seja pela via do direito, seja pela via convencional, não haverá lugar à contagem de juros nos termos do disposto no artigo 102.º do Código Comercial.
Assim, o Exequente apenas tem direito a juros moratórios à taxa de juros civis supletiva.
Procedem assim, nesta parte, os embargos de executado.

A decisão jugou parcialmente procedentes os embargos e determinou o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de 7.499,97 euros, acrescida de juros à taxa de juros civis sucessivamente vigentes…
Dispõe o art.º 615º, n.º1, e), do C. P. Civil:
É nula a sentença quando condene em quantidade superior ou objecto diverso do pedido.
Esta nulidade está diretamente relacionada com a violação do princípio do dispositivo na conformação objetiva da instância, e com a não observação dos limites impostos pelo art.º 609º, n.º 1, do C. P. C., que preceitua:
A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto do que se pedir.
A sentença proferida apenas julgou da procedência dos embargos.
Relativamente aos juros peticionados, qualificou o contrato constitutivo do crédito exequendo como não sendo um contrato comercial e, por isso, aplicou-lhe a taxa de juro dos contratos civis.
A sentença limitou-se, pois, a efetuar uma qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes, diversa daquela que foi efetuada pela Exequente, e perante essa diferente qualificação aplicou a taxa de juros legal prevista para a mora na satisfação do respetivo crédito.
Estamos perante uma diferente aplicação das regras de direito, a qual é permitida pelo art.º 5º, n.º 3, do C. P. Civil e a procedência parcial dos embargos nessa parte, traduz-se apenas numa diferença quantitativa para menos, o que não ofende o disposto no art.º 609º, n.º 1, do C. P. Civil, pelo que não se verifica a alegada nulidade.
3. Os factos:
O recorrente discorda do julgamento efetuado quanto à matéria de facto, pretendendo que, após reapreciação das provas produzidas, seja julgado provado o facto não provado sob o n.º II e seja julgado não provado o provado sob o n.º VII.
Pretende ainda que sejam aditados os seguintes factos:
- A exequente alterou a verdade dos factos no requerimento executivo;
- O representante legal da exequente tinha conhecimento que o executado à data da compra e venda do veículo ... trabalhava como funcionário numa empresa em Leiria de máquinas de terraplanagem, designada por STET.
O facto não provado sob o n.º II tem a seguinte redação:
O Executado pagou o preço acordado até meados de abril de 2012 ou em qualquer outra data.
Das provas produzidas afigura-se-nos que tal facto se deve manter como não provado uma vez que da prova produzida não resulta a certeza mínima para ser considerado provado.
O facto provado sob o n.º VII é:
 O Executado deixou de pagar as mensalidades acordadas em Novembro de 2012:
No caso que nos ocupa o recorrente, como sua defesa, além de alegar o pagamento do crédito exequendo, invocou a prescrição presuntiva do art.º 317º, b), do C. P. Civil, por já há muito ter decorrido o prazo de dois para além da data de vencimento da última prestação do preço acordado entre as partes.
 Como adiante explicitaremos esta prescrição presume o cumprimento da respetiva obrigação, invertendo e agravando o ónus de prova deste facto, pelo que a extinção do direito só resultará, de modo indireto, do funcionamento daquela presunção, ao não ser ilidida, daí se diferenciando das prescrições extintivas.
Como decorre do art.º 313º, n. 1 do C. Civil a presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão.
É manifesto que do depoimento do Embargante não resulta a confissão expresso da dívida, o que também foi entendido pela 1º instância. No entanto considerou-se a prova de tal facto que as respostas titubeantes e contraditórias dadas pelo Embargante convenceram o Tribunal da existência da divida, consubstanciando assim confissão tácita.
Ora, a confissão enquanto meio de prova deve ser inequívoca, salvo se a lei o dispensar – art.º 357º, n.º 1 do C. Civil – desiderato que não é atingível pela apreciação subjetiva do modo como o depoimento foi prestado. A contrariedade das respostas e titubeamento não podem, mesmo convencendo o tribunal da existência da dívida, ser argumento que determine a confissão em causa.
Assim, julga-se não provado o facto em causa.
Quanto aos factos que o Executado pretende ver aditados se o primeiro deles não passa de uma conclusão já o mesmo não se pode dizer do segundo.
Este facto, conforme consta da decisão proferida, consta provado pelas declarações do próprio executado conjugadas com a declaração da sua entidade patronal junta com a oposição, bem como pela confissão do legal representante da Exequente que está extractada na acta da sessão de julgamento do dia 17.12.2019  
Assim, adita-se aos factos provados o seguinte:
O executado à data da compra e venda do veículo ... trabalhava como funcionário numa empresa em Leiria de máquinas de terraplanagem, designada por S..., o que era do conhecimento do representante legal da exequente.
Os factos provados são:
i. Exequente e Executado celebraram, em 17 de fevereiro de 2012, o contrato de compra e venda que consta dos autos de execução e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
ii. Através do mencionado contrato o Exequente vendeu, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, ao Executado e este comprou, o veiculo automóvel de marca ..., matricula ..., pelo preço de 11 mil euros (cláusulas 1ª e 2.ª).
iii. Exequente e Executado acordaram que o preço seria pago em 22 mensalidades, cada uma no valor de 500 euros, mediante débito em conta ou transferência bancária para a conta com o NIB ..., vencendo-se a primeira mensalidade no dia 25 de Fevereiro de 2012 e as restantes ao dia 25 de cada mês (cláusulas 3.ª e 4.ª).
iv. Exequente e Executado acordaram que o Exequente reserva para si o direito de propriedade do veiculo e que o Executado poderá a todo o tempo fazer amortizações, bem como liquidar a totalidade do montante em divida (cláusula 5.ª e 6.ª).
v. No dia 05 de fevereiro de 2014 o Exequente remeteu ao Executado uma carta informando-o de que se encontra em divida o montante de 7.499,97 euros e solicita o seu pagamento nos próximos 8 dias sob pena de promover o procedimento judicial tendente à sua cobrança coerciva.
vi. A referida carta foi recebida, pessoalmente, pelo Executado, no dia 10 de fevereiro de 2014.
vii.  Eliminado
viii. Em outubro de 2013 o Executado entregou ao Exequente 100 euros.
ix. O executado à data da compra e venda do veículo ... trabalhava como funcionário numa empresa em Leiria de máquinas de terraplanagem, designada por S..., o que era do conhecimento do representante legal da exequente. – facto aditado.
4. O direito aplicável
O Embargante, na oposição deduzida, além de alegar o pagamento do crédito exequendo, invocou a prescrição presuntiva do art.º 317º, b), do C. Civil, por já há muito ter decorrido o prazo de dois anos, para além da data de vencimento da última prestação do preço acordado entre as partes.
Na verdade, o art.º 317º, b), do C. Civil, prevê que prescrevem no prazo de dois anos os créditos dos comerciantes pelos objetos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efetuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor.
A sentença recorrida considerou, no entanto, que o crédito exequendo não se encontrava abrangido por esta prescrição presuntiva, por não se tratar de um negócio corrente do dia-a-dia, nem se encontrar marcado pela oralidade e pelo preço não dever ser pago num curto espaço de tempo, prolongando-se por um período de 22 meses.
O decurso do prazo de prescrição, nas prescrições presuntivas, não prova a extinção direta do direito, antes presume o cumprimento da respetiva obrigação, invertendo e agravando o ónus de prova deste facto, pelo que a extinção do direito só resultará, de modo indireto, do funcionamento daquela presunção, ao não ser ilidida, daí se diferenciando das prescrições extintivas.
A adoção desta figura híbrida pelo nosso Código Civil de 1966, transitando do Código de Seabra, o qual, por sua vez, nesta matéria, se inspirou no Código de Napoleão, visou proteger o devedor de dívidas que costumavam ser pagas rapidamente e de cujo pagamento não era habitual cobrar recibo ou que, quando passado, não era hábito mantê-lo, por longo tempo em poder do devedor [1].
Foi atendendo à funcionalidade deste instituto que a decisão recorrida entendeu excluir a sua aplicabilidade, apesar da situação sub iudice preencher integralmente a previsão do art.º 317º, b), do C. Civil – estamos perante um crédito de um comerciante correspondente ao preço de um bem vendido a um não comerciante. Seguindo uma conhecida corrente jurisprudencial, mas aplicada aos contratos de empreitada [2], efetuou uma redução teleológica daquele preceito legal, dele excluindo os créditos em que não se verificam as características que motivaram o legislador de 1966 a manter aquelas presunções legais, mesmo que estes preencham os requisitos exigidos pela letra da lei.
Se a redução teleológica de uma norma é uma operação hermenêutica possível, para que ela seja levada a cabo é necessário que seja manifestamente desadequada a aplicação da norma à situação em causa, por se verificar um desvirtuamento chocante das finalidades perseguidas com a sua previsão.
Ora, desde os anos 60 do século passado até aos dias de hoje verificou-se uma evolução que alterou profundamente as práticas comerciais e as formas de cumprimento das obrigações pecuniárias, pelo que ajuizar da integração das realidades atuais nas finalidades visadas com a criação de uma determinada normação dirigida a uma realidade ultrapassada é um exercício que exige especiais precauções.
Em primeiro lugar, há que ter em consideração, como alertou um recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça[3], que o regime dos prazos de prescrição constantes do nosso Código Civil se encontra manifestamente desadequado face ao ritmo de vida atual e ao dinamismo da atividade económica. Note-se, por exemplo, que o Código Civil Francês, fonte inspiradora das nossas prescrições presuntivas, com a reforma operada em 2008 aboliu este tipo de prescrições, tendo reduzido o prazo regra de 30 para 5 anos.
Por outro lado, acentuou-se nas últimas décadas uma especial proteção do consumidor nos negócios celebrados com comerciantes, multiplicando-se as soluções legais que procuram beneficiar os interesses do consumidor, no cumprimento da diretriz contida no artigo 60º da Constituição.
Assim, face à desatualização das razões que na altura presidiram à adoção das prescrições presuntivas pelo C. Civil de 1966 e à atual necessidade de proteção dos interesses económicos dos consumidores, deve o disposto no art.º 317º, b), do C. Civil, encontrar hoje os seus fundamentos na proteção devida aos interesses do consumidor, enquanto parte mais débil numa relação subjetivamente desequilibrada, não devendo o consumidor ficar sujeito às dificuldades de prova do cumprimento de uma obrigação cuja satisfação é tardiamente reclamada.
Note-se que, em regra, como sucederia no presente caso, a exclusão de um crédito previsto na letra do art.º 317º, b), do C. Civil, em que seja excluída a sua aplicação por força da referida redução teleológica, passaria a ter um prazo de prescrição de 20 anos, o que significava que recaía sobre o devedor/consumidor o ónus de demonstrar o pagamento do mesmo, caso este lhe viesse a ser exigido pouco antes de se terem completado 20 anos sobre a sua data de vencimento, pelo que só em situações muito excecionais é que poderá colocar-se a hipótese de se proceder a uma redução teleológica da referida norma.
No presente caso estamos perante a compra de um veículo automóvel usado por um não comerciante a uma sociedade comercial, ou seja, por um comerciante – art.º 13º do Código Comercial -, pelo preço de 11.000,00 €, a satisfazer em 22 prestações mensais de 500,00 € cada uma, vencendo-se a primeira mensalidade em 25.02.2012.
A vendedora só veio exigir judicialmente o pagamento do preço das prestações vencidas após 25.11.2012, em 28.08.2019.
Estando nós perante uma compra e venda de consumo, em que o preço deveria ser pago em prestações de 500,00€ que se venciam mensalmente, não há qualquer razão para que não se aplique o disposto no art.º 317º, b), do C. Civil, presumindo-se que essas prestações foram pagas decorridos dois anos após a data de vencimento de cada uma delas, sendo possível ilidir essa presunção apenas pelo modo previsto no art.º 313º do C. Civil.
Ora, como resultou da alteração da decisão sobre a matéria de facto provada, efetuada neste mesmo acórdão, a vendedora não logrou ilidir tal presunção, nos termos exigentes impostos pelo art.º 313º do C. Civil, pelo que deve considerar-se que opera nesta situação a prescrição presuntiva do art.º 317º, b), do C. Civil, encontrando-se prescrito o crédito cujo pagamento era reclamado na presente execução.
5. Da má-fé da Embargada
O Embargante formulou pedido de condenação da Embargada como litigante de má-fé em multa e indemnização a seu favor de montante não inferior a € 5.500,00, pedido que não obteve provimento na decisão proferida.
Para fundamentar esta pretensão alegou:
A Exequente, ao vir requerer o pagamento de um veículo que já lhe foi integralmente pago, alegando inclusivamente e até que o Executado terá afetado o referido veículo à sua (do Executado) atividade comercial – o que é completamente falso e desprovido de sentido – encontra-se a deduzir pretensão(ões) cuja falta de fundamento não deveria ignorar, tendo alterado a verdade dos factos e omitido factos relevantes para a decisão da causa.
Dispõe o n.º 2 do art.º 542º do C. P. Civil:
Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
 a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
 c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
 d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso mani­festa­mente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou, protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A má-fé a que alude o citado preceito reveste-se de dois aspectos: a má-fé material, aquela a que se referem as alíneas a), b) e c), e a má-fé instrumental, a referida na alínea d).
Ao direito concreto de exercer a atividade processual são impostas limita­ções pela ordem jurídica, nomeadamente exigindo-se que o litigante esteja de boa-fé ou suponha ter razão.
Se a parte agiu com a consciência de que não tinha razão ou se não pon­de­rou com prudência as suas pretensas razões, a sua conduta é ilícita, impondo o art.º 542º do C. P. Civil, que seja condenada em multa e numa indemnização à parte contrá­ria se esta o pedir.
Neste processo não se fez a prova efetiva que o crédito reclamado pela Exequente tivesse sido pago, tendo apenas se constatado a existência de uma prescrição presuntiva desse crédito.
Por outro lado, é verdade que, no requerimento executivo, a Exequente alegou que o Executado destinou o veículo adquirido ao seu comércio e em prol da sua vivência pessoal e familiar, sendo certo que se provou que o executado à data da compra e venda do veículo ... trabalhava como funcionário numa empresa em Leiria de máquinas de terraplanagem, designada por S..., o que era do conhecimento do representante legal da exequente.
Contudo no artigo 17º da contestação aos embargos, perante a afirmação do facto que veio a ser julgado provado pelo Executado, a Exequente admitiu que o veículo fosse apenas destinado à vida pessoal daquele, o que corresponde a uma retractação do que havia afirmado no requerimento executivo.
Essa retracção deve ser ponderada numa avaliação global do comportamento processual da Exequente, não se justificando a sua condenação como litigante de má-fé.
Decisão:
Nos termos expostos, julgando procedente o recurso, revoga-se a decisão recorrida, decidindo-se:
- Julgar totalmente procedente a oposição e, consequentemente, extinta a execução.
- Indeferir a condenação da exequente como litigante de má fé.
- Custas da oposição e do recurso pela Exequente.
                                                                               12.10.2021.

                                                          


[1] Explicando as razões da manutenção das prescrições presuntivas no Código Civil de 1966, VAZ SERRA, Prescrição extintiva e caducidade, B.M.J. n.º 106, pág. 51, SOUSA RIBEIRO, Prescrições presuntivas: sua compatibilidade com a não impugnação dos factos articulados pelo autor, R.D.E., Ano V, n.º 2, pág. 392-394, BRANDÃO PROENÇA, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pág. 759.

[2] V.g. os Acórdão do S.T.J. de 29.11.2006, relatado por Alves Velho e de 29.11.2006, relatado por João Camilo, ambos acessíveis em www.dgsi.pt .
[3] Acórdão de 25.02.2021, relatado  João Cura Mariano, e acessível em www.dgsi.pt .