Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
12/14.7TBAGN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ÓNUS DE ALEGAÇÃO
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
EMPREITADA DE CONSUMO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
DIREITOS DO DONO DE OBRA
CADUCIDADE DO DIREITO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 02/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA, TÁBUA, INSTÂNCIA LOCAL – SECÇÃO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 5.º, N.º 2, AL. B), DO NCPC, DL 67/2003, DE 8/4, ARTIGOS 1208.º E 1225º DO CC
Sumário: 1. Em face da diferença de redacção do artigo 5.º, n.º 2, al. b), do NCPC relativamente ao artigo correspondente do CPC (264.º, n.º 3), os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, podem ser oficiosamente considerados pelo juiz no processo, desde que respeitado o contraditório, nada mais se exigindo, designadamente que a parte se manifeste nesse sentido.

2 Perante uma “empreitada de consumo” aplica-se, em primeira linha, o regime especial previsto no DL 67/2003, de 8/4, para além do que se acha fixado no Código Civil.

3. No âmbito da responsabilidade por cumprimento defeituoso respeitante a imóveis, a lei estabelece 3 tipos de prazo: o prazo de denúncia dos defeitos, fixado em 1 ano (artigos 1225.º, n.º 2, do CC e 5.º-A, n.º 2, do citado DL); o prazo para o exercício dos direitos (3 anos contar da denúncia atempada dos defeitos - art. 5.º-A, n.º 3, do referido DL); e o limite máximo da garantia legal de 5 anos (artigos 1225º, nº 1, do C. C. e 5.º, n.º 1 do DL 67/2003).

4. O contrato de correcção de defeitos subscrito pelo empreiteiro e pelo dono de obra logo que este, concluídos os trabalhos, constatou a existência de defeitos, não se traduz numa nova obrigação estabelecida entre as partes para que os defeitos assinalados fossem sanados, um novo contrato, mas corporiza a obrigação do empreiteiro em cumprir os termos da empreitada que inicialmente assumiu, em conformidade com o convencionado e sem vícios, que é a sua obrigação principal dele decorrente, como resulta do disposto no artigo 1208.º do CC.

5. Tal contrato consubstancia um reconhecimento expresso, concreto e preciso do direito a que se arroga o autor, o que, nos termos do disposto no artigo 331.º, n.º 2, do CC, impede a caducidade do direito.

6. No caso de uma empreitada de consumo, os direitos conferidos ao dono da obra, previstos no artigo 1221.º e seg.s do CC, não têm de ser, sucessivamente, exercidos e pela ordem que ali consta, mas são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas restringida pelos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito (cfr. art. 4.º/5 do DL 67/2003).

7. No caso do dono da obra já não se encontrar em condições de devolver a obra realizada pode resolver o contrato, se a impossibilidade de devolução resultar de acto imputável ao empreiteiro, nomeadamente quando ocorre em consequência do defeito existente na obra.

8. Se instado para reparar os defeitos, o empreiteiro não o faz, incumpre a sua obrigação, com a correspondente obrigação de indemnizar, nos termos do artigo 798.º CC, que corresponde ao custo das obras que seja necessário efectuar.

Decisão Texto Integral:

           

A... propôs contra B... , ambos já identificados nos autos, a presente Acção Declarativa em Processo Comum peticionando pela declaração judicial de resolução do contrato celebrado entre A. e R. (i) e a sequente condenação do R. a pagar-lhe o valor € 10.222,00, acrescido de juros de mora desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento (ii).

Alegou, por fundamento, que os valores em causa são devidos no âmbito de contrato de empreitada celebrado entre A. (como dono-de-obra) e R. (como empreiteiro), que este cumpriu de forma defeituosa, tendo mais tarde sido acordado entre as partes os termos e condições por que se efectuaria a reparação que, ainda assim, o R. incumpriu.

Em função de um novo nexo de factos ocorridos na pendência da acção, o A. veio a ampliar a causa de pedir e o pedido, na vertente de dano produzido por cuja indemnização peticiona, concluindo com o pedido final de € 12.692,00.

O R. contestou, impugnando a generalidade dos factos alegados pelo A. e, por excepção dilatória, sustentando a ineptidão da p. i. apresentada e a falta de causa de pedir.

Ainda, excepcionou o R. a caducidade dos direitos exercidos pelo A. pela presente acção, por exaurimento do competente prazo (iii), o exercício de direitos fora de um quadro legal de precedência, que vinculava o demandante (iv), que cumpriu o contratado, tendo suprido os vícios e defeitos da obra (v) e, ainda, pedindo em qualquer caso pela compensação de um direito de crédito próprio sobre o que, putativamente, o A. sobre si titule, decorrente de alterações à obra, no valor de € 1.372,50 (vi).

Respondendo, o autor pugnou pela improcedência de todas as excepções arguidas pelo réu.

Conforme despacho de fl.s 158 a 160, foi proferida decisão em que se convidou o autor a especificar a situação em que ficou a obra depois da 1.ª intervenção do réu, descrevendo e concretizando os invocados vícios de construção; idêntica descrição depois da 2.ª intervenção do réu; quais os trabalhos que seria preciso realizar para os eliminar e respectivo custo.

O autor acatou tal convite, cf. fl.s 162 v.º a 166 v.º.

O réu respondeu, cf. fl.s 169 e 170, impugnando a factualidade invocada.

Com dispensa de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, em que se julgaram improcedentes as excepções de nulidade da petição inicial por contradição entre o pedido e a causa de pedir e falta de causa de pedir; fixou-se o objecto do litígio e indicaram-se os temas da prova, sobre o que não incidiu reclamação.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, no decurso da qual (cf. fl.s 222), foi proferido o seguinte despacho:

“No caso dos autos entendo que da prova até aqui produzida é passível de ser tido como provado, o seguinte item de facto:

“A casa de habitação referida nos art.os 3.º e 4.º da petição inicial aperfeiçoada é casa de residência do autor e família e as obras acordadas com o réu destinavam-se a acomodá-los.”.

Despacho de que foram, de imediato, notificados os Ex.mos Mandatários das partes, tendo declarado o do autor nada ter a opor.

O Ex.mo Mandatário do réu, requereu prazo para se pronunciar, o que lhe foi concedido e logo se tendo consignado pelo M.mo Juiz a quo que “ao abrigo do disposto no artº 6.º do NCPC, independentemente do que venha a ser a pronúncia do réu sobre esta questão, ser-lhe-á admitido produzir contraprova, através das testemunhas já arroladas para o efeito, que serão ouvidas no dia de amanhã.”.

Finda a audiência de julgamento, foi proferida a sentença de fl.s 242 a 278, na qual se decidiu o seguinte:

“Nestes termos e com estes fundamentos, julgo a Acção proposta PARCIALMENTE PROCEDENTE e, em consequência:

DECLARO o contrato celebrado entre o Autor A... e o Réu B... por RESOLVIDO e por CESSADOS os seus efeitos;

CONDENO o Réu B... a pagar ao Autor A... o valor de € 10.492,00 (DEZ MIL, QUATROCENTOS E NOVENTA E DOIS EUROS), acrescido de juros de mora, à taxa civil, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.

No mais, ABSOLVO o Réu do pedido contra ele formulado. Comarca de Coimbra

*

Custas por A. e R, na proporção do respectivo decaimento, ex vi art. 527.º/1 e 2 do NCPC (o decaimento considerará a ampliação do pedido formulada a fls. 192-193, admitida a fls. 210 que, porém, não modifica o valor da acção – cfr. art. 299.º/1 do NCPC).”.

            Inconformado com a mesma, interpôs recurso o réu, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 301), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

I) O Sr. Juiz a quo, convidou o A. a aperfeiçoar a sua P.I., dada a sua falta de causa de pedir.

II) Posteriormente, aceitou, já no decurso da audiência de julgamento, a alteração quer do pedido quer da causa de pedir.

III) Aceitou, ainda e depois, a rectificação do pedido.

IV) No decorrer da audiência de julgamento final, o Sr.º Juiz comunicou à partes que ia passar a considerar um facto favorável ao A. não alegado (???) nem na P.I. inicial, nem na aperfeiçoada!

V) Com fundamento que o mesmo decorreu da instrução probatória e que era complementar aos tempestivamente articulados pelo A.

VI) Todavia, o mesmo veio a ser a “ancora” factual e jurídica da Sentença.

VII) Factual devido á inclusão do facto provado n.º 5 que não foi alegado pelo A.

VIII) E jurídica porque a Sentença optou por aplicar o Dec. Lei n.º 67/2003, de 8/4 (contratos de consumo) e não o Código Civil (contrato de Empreitada).

IX) Ou seja, nem o facto aditado e dado como provado sob o n.º 5 pelo Sr. Juiz foi complemento ou concretização do que o A. já havia alegado, por duas vezes, nas suas P.I´s;

X) Esta alteração imprimiu um cunho completamente antagónico na forma como o A. enquadrou a sua P.I., e - completamente distinta nas suas consequências.

XI) Conhecendo de factos essenciais por si aditados dos quais não podia tomar conhecimento.

XII) Promovendo a procedência da P.I., em vez de manter a equidistância.

XIII) Consequentemente, o facto n.º 5.º da matéria dada como provada deve ser eliminado.

XIV) A Sentença violou, assim, a al. b) do n.º 2 do art.º 5 e incorreu no vício indicado na al. d) do n.º 1 do art.º 615, ambos do CPC.

XV) Por outro lado, os eventuais direitos do A. já haviam caducado a 26/11/203, tendo o Réu sido citado apenas a 22/1/2014.

XVI) Acresce que a Sentença também desconsiderou a vinculação do A. ao iter processual dos art.ºs 1221 a 1.225.º do Código Civil.

XVII) A Sentença ao decidir pela resolução contratual, violou a parte final do n.º 1 do art.º 1222 do Código Civil, dado que existe ausência de alegação, prova, e comprovação judicial que os alegados defeitos tornaram a obra inadequada ao fim a que se destina.

XVIII) A Sentença pecou por manifesta contradição ao julgar a resolução contratual e a subsequente condenação do R. a pagar o valor entendido para terminar a obra/reparar os defeitos.

XIX) Na verdade, confundiu os conceitos de interesse contratual positivo com negativo, destruindo o negócio e ao mesmo tempo obrigar o Réu a cumpri-lo coercivamente.

XX) A Sentença estribou-se num “Mapa de Custos” cuja autoria se desconhece e do depoimento duma testemunha que, no essencial, o confirmou, para condenar o A. no montante indemnizatório de €10.000,00.

XXI) Pelo que, não existe matéria probatória suficiente para permitir condenar o Réu seja em que valor for.

XXII) Por fim, tendo o Sr. Juiz a quo actualizado o valor indemnizatório entre as datas da propositura da P.I. por confronto com a da Sentença, não pode haver lugar à aplicação de juros moratórios.

XXIII) A Sentença, entre outros normativos legais, violou os art.ºs 1221 a 1225, 798, 801 808 e 432, todos do Código Civil bem como a al. b) do n.º 5 do art.º 5.º do CPC.

Nestes termos, e nos melhores de direito doutamente supridos por Vs. Ex.ªs, deve a Sentença ser revogada, sendo substituída por Acórdão em conformidade com o supra expendido como é de inteira,

            Contra-alegando, o autor pugna pela manutenção da decisão recorrida, estribando-se nos fundamentos que da mesma constam.

           

Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do nCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

            A. Se o facto n.º 5 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida deve ser eliminado, porque o Juiz dele não podia tomar conhecimento, sob pena de violação do princípio do dispositivo e se, assim não sendo, a sentença recorrida viola o disposto no artigo 5.º, n.º 2, al. b) e padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), ambos do NCPC;

            B. Caducidade do direito a que se arroga o autor;

            C. Se a sentença recorrida desconsiderou a vinculação do autor ao iter processual dos artigos 1221.º a 1225.º do Código Civil;

            D. Se a sentença recorrida peca por manifesta contradição ao julgar a resolução contratual e a subsequente condenação do réu a pagar o valor fixado para terminar a obra/reparar os defeitos;

            E. Se inexiste matéria probatória suficiente para condenar o réu seja em que valor for e;

F. Se não são devidos juros de mora.

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1. O A. é dono do prédio urbano sito em Rua (...) , Arganil, composto por casa de habitação com 3 pisos, inscrito na matriz predial urbana sob o nartigo 35;

2. O R. dedica-se ao ramo da construção civil;

3. Durante o ano de 2010, o A. acordou com o R. a execução, por este, de trabalhos de construção civil na casa-de-habitação referida em Factos 1.), consistindo na sua remodelação e ampliação, pelos quais lhe pagaria valor não inferior a € 41.250,00 (IVA incluído);

4. Os trabalhos acordados iriam desenvolver-se nos três pisos do edifício em causa (R/C, 1.º e 2.º), implicariam a ampliação do 2.º piso, intervenção ao nível das paredes, interiores e exteriores, nos pavimentos, tectos e ao nível dos vãos, caixilharias, carpintarias e cantarias, bem como a aplicação de louças sanitárias, cobertura, instalações eléctricas e telefónicas, bem com ao nível das redes de abastecimento de água e saneamento;

5. A casa-de-habitação referida é a residência do A. e de sua família e as obras acordadas com o R. destinavam-se a acomodá-los;

6. Os trabalhos decorreram durante o 2.º semestre de 2010 e, ao longo dos mesmos, o A. pagou integralmente ao R. o preço acordado;

7. Concluídos os trabalhos, o A. apercebeu-se que a obra havia sido executada em desconformidade com o pactuado e com as boas regras de construção, contratou com um técnico de engenharia civil a realização de uma vistoria à obra, que elaborou o relatório junto a fls. 16-60, no que despendeu o valor de € 492,00;

8. Depois de concluídos os trabalhos, a casa apresentava as seguintes características, que prejudicavam a sua utilização pelo A.:

a) A pintura das paredes e tectos, de toda a parte ampliada do imóvel, encontrava-se mal executada, para além do próprio reboco, tendo sido aplicada tinta de pobre qualidade plástica e com apenas uma demão;

b) O WC do 2.º andar não detém qualquer ventilação, apenas possui a saída de ar viciado, faltando a entrada de ar puro e não foi colocada grelha na respectiva saída;

c) A tampa da caixa sinfonada do WC do 2º andar encontra-se mal aplicada e mal rematada, sendo que a mesma deveria estar ao nível do mosaico aplicado no pavimento e não com saliência;

d) Os degraus da escada de acesso ao 2º andar, não se encontram envernizados, foi aplicado apenas o “primário” que rapidamente se degradou;

e) As janelas não se encontravam afinadas, nomeadamente a do quarto direito do 2º andar, provocando o seu mau funcionamento a abertura e fecho e fazendo com que o trinco superior não feche;

f) O resguardo aplicado no “poliban” do WC do 1º andar, encontra-se mal acabado, não tendo sido aplicado “silicone”, permitindo desta forma a saída de água pela ligação resguardo/poliban cada vez que o mesmo era utilizado, sendo que, o suporte do chuveiro foi aplicado em altura superior ao resguardo, provocando também saídas de águas por cima deste;

g) A porta em PVC da caixa colectora de águas do WC do 1º andar não fechava;

h) O tubo de queda das águas pluviais da cobertura não foi executado conforme o definido em projecto, tendo sido aplicado tubo circular em PVC, em vez de alumínio como era devido e não foi colocada uma pala na caleira, no local onde descarrega o tubo, provocando passagem de água por cima da caleira, quando a chuva é intensa;

i) Na cobertura foi colocada uma caleira de alumínio, quando deveria ter sido aplicada uma caleira em inox, conforme o projecto aprovado;

j) O remate na telha com a parede exterior do 2º andar foi executado em tela asfáltica, quando deveria ter sido aplicada uma chapa metálica em alumínio ou inox;

k) Faltam os degraus chumbados na parede exterior do “saguão”, de forma a criar uma escada que permita o acesso à cobertura;

l) O remate na cobertura do “saguão” com a parede do vizinho permitia a infiltração de águas na parede do vizinho e na casa do A.;

m) Surgiram manchas de humidade nas “ombreiras” de janelas do 2º andar;

n) A porta do WC do 1º andar não fechava em segurança, exibindo uma mossa na sua parte superior;

o) No capeamento das “platibandas” da cobertura verificava-se insuficiência de cumprimento de sobreposição das chapas, falta de “mástique” na ligação das mesmas e falta de “pingadeira”, para além de os remates estarem mal executados;

p) Os muretes do terraço encontravam-se desligados da parede, denotando um assentamento do terraço, provocado pela má execução da laje de reforço;

q) Os roupeiros dos quartos eram de má qualidade e sem condições de utilização, com acabamentos e remates defeituosos;

r) Os mosaicos do hall do 2º andar não se encontravam uniformes e apresentavam tonalidades diferentes;

s) O remate da pintura da parede com o tecto estava muito mal acabado, com apenas uma demão e com tinta de má qualidade;

t) O remate da ligação das molduras em gesso aplicadas nos tectos encontrava-se mal acabado;

u) Nos tectos e paredes apareciam manifestações de humidades;

v) Os armários superiores da cozinha no r/c, encontravam-se cheios de humidade e bastante degradados, em virtude das infiltrações provenientes da base de chuveiro do WC do piso superior;

w) Existiam fissuras nas paredes do 2º andar;

9. O A. entregou ao R. o relatório referido em Factos 7.), discriminando as características da obra referidas em Factos 8.);

10. Em 23.12.2011, A., aí designado por PRIMEIRO OUTORGANTE e R., aí designado por SEGUNDO OUTORGANTE, subscreveram o documento junto a fls. 61-62, intitulado “Contrato de Correcção de Defeitos e Vícios de Empreitada” pelo qual declararam o que do mesmo consta e que aqui se tem por integralmente reproduzido, designadamente que:

Considerando que o segundo outorgante procedeu aos trabalhos respeitantes à obra de remodelação e ampliação da casa-de-habitação do primeiro outorgante (…)

Considerando que tal obra padece de vários defeitos e vícios, os quais devem ser corrigidos e reparados.

Considerando que foi realizada uma vistoria/perícia à obra em causa, tendo sido elaborado um relatório, onde se encontram enunciados todos os defeitos e vícios que devem ser corrigidos;

É livremente celebrado um contrato de correcção de defeitos e vícios de empreitada, subordinado às condições e cláusulas seguintes:

Cláusula 2.ª

Os defeitos e vícios evidenciados na obra em referência, encontram-se discriminados no relatório de peritagem, o qual é parte integrante do presente contrato, elaborado em 18/07/2011, no seguimento de vistoria ao local efectuada em 12/07/2011, sendo que tal relatório foi fornecido ao segundo outorgante, declarando este expressamente que é perfeito conhecedor do seu conteúdo, reconhecendo a existência dos defeitos e vícios aí constantes.

Cláusula 3.ª

Pelo presente contrato, o segundo outorgante obriga-se a proceder a todos os trabalhos necessários à reparação e correcção dos defeitos e vícios referidos na cláusula anterior, segundo as boas técnicas construtivas e utilizando os produtos e materiais adequados, tudo no âmbito da sua obrigação legal, constante no art. 1225.º do Código Civil.” (…)

Cláusula 5.ª

Os trabalhos enunciados na cláusula 3.ª, serão efectuados num prazo de um mês, com início em 26 de Janeiro de 2012 e termo em 27 de Fevereiro de 2012.

11. Na sequência da subscrição do documento, o R. entrou em obra em meados do ano de 2012, aplicou verniz nas escadas de acesso ao 2.º andar e trabalhou no capeamento das platibandas da cobertura, de seguida abandonando o local;

12. Depois da saída de obra do R. em 2012, a casa apresentava as seguintes características, que prejudicavam a sua utilização pelo A.:

a) A pintura das paredes e tectos, de toda a parte ampliada do imóvel, encontrava-se mal executada, para além do próprio reboco, tendo sido aplicada tinta de pobre qualidade plástica e com apenas uma demão;

b) As janelas não se encontravam afinadas, nomeadamente a do quarto direito do 2º andar, provocando o seu mau funcionamento a abertura e fecho e fazendo com que o trinco superior não feche;

c) O resguardo aplicado no “poliban” do WC do 1º andar, encontrava-se mal acabado, não tendo sido aplicado “silicone”, permitindo desta forma a saída de água pela ligação resguardo/poliban cada vez que o mesmo era utilizado, sendo que, o suporte do chuveiro foi aplicado em altura superior ao resguardo, provocando também saídas de águas por cima deste;

d) O tubo de queda das águas pluviais da cobertura não foi executado conforme o definido em projecto, tendo sido aplicado tubo circular em PVC, em vez de alumínio como era devido e não foi colocada uma pala na caleira, no local onde descarrega o tubo, provocando passagem de água por cima da caleira, quando a chuva é intensa;

e) Na cobertura foi colocada uma caleira de alumínio, quando deveria ter sido aplicada uma caleira em inox, conforme o projecto aprovado;

f) O remate na telha com a parede exterior do 2º andar foi executado em tela asfáltica, quando deveria ter sido aplicada uma chapa metálica em alumínio ou inox;

g) Faltam os degraus chumbados na parede exterior do “saguão”, de forma a criar uma escada que permita o acesso à cobertura;

h) O remate na cobertura do “saguão” com a parede do vizinho permitia a infiltração de águas na parede do vizinho e na casa do A.;

i) Existiam manchas de humidade nas “ombreiras” de janelas do 2º andar;

j) No capeamento das “platibandas” os remates estavam mal executados;

k) Os muretes do terraço encontravam-se desligados da parede, denotando um assentamento do terraço, provocado pela má execução da laje de reforço;

l) Os roupeiros dos quartos eram de má qualidade e sem condições de utilização, com acabamentos e remates defeituosos;

m) Os mosaicos do hall do 2º andar não se encontravam uniformes e apresentavam tonalidades diferentes;

n) O remate da pintura da parede com o tecto estava muito mal acabado, com apenas uma demão e com tinta de má qualidade;

o) O remate da ligação das molduras em gesso aplicadas nos tectos encontrava-se mal acabado;

p) Nos tectos e paredes apareciam manifestações de humidades;

q) Os armários superiores da cozinha no r/c, encontravam-se cheios de humidade e bastante degradados, em virtude das infiltrações provenientes da base de chuveiro do WC do piso superior;

r) Existiam fissuras nas paredes do 2º andar;

13. Tendo em vista suprimir o descrito em Factos 12.) e restituir as características funcionais à obra, serão necessários os seguintes trabalhos, que importam os seguintes encargos, reportando ao ano de 2012:

a) Reparação dos defeitos do reboco das paredes interiores, com argamassa própria para o efeito, tipo “Sika Rep. Cosmetic”, incluindo todos os trabalhos necessários a um perfeito acabamento, representando um encargo não inferior a € 1.100,00;

b) Deverão ser lixadas todas as peças de madeira e posteriormente aplicado um primário seguido de verniz de boa qualidade de acordo com as indicações do fabricante representando um encargo não inferior a € 180,00;

c) Afinação de todas as janelas, incluindo a substituição de algumas ferragens se necessário, representando um encargo não inferior a € 340,00;

d) Desmontar a base de chuveiro e fazer nova montagem aplicando silicone de boa qualidade, incluindo todos os trabalhos necessários a um perfeito acabamento, representando um encargo não inferior a € 80,00;

e) Remover a tela asfáltica e colocar chapa metálica de acordo com o pormenor já apresentado, incluindo todos os remates e retoques de pintura, necessários a um perfeito acabamento, representando um encargo não inferior a € 420,00;

f) Remover caleira da cobertura e colocar nova caleira em aço inox, incluindo todos os trabalhos necessários a um perfeito acabamento, representando um encargo não inferior a € 409,50;

g) Chumbar os degraus metálicos na parede para acesso à cobertura, incluindo remates e todos os trabalhos necessários a um perfeito acabamento, representando um encargo não inferior a € 220,00;

h) Aplicar remate adequado na ligação da chapa com a parede vizinha, incluindo silicone de boa qualidade e todos os trabalhos necessários a um perfeito acabamento, representando um encargo não inferior a € 380,00;

i) Correcção de todos os remates e ligações dos elementos aplicados, relativamente ao capeamento em chapa da “platibanda” da cobertura, devendo ser corrigidos os comprimentos de sobreposição, prever pingadeiras e aplicar “mástique” de boa qualidade na ligação das peças, representando um encargo não inferior a € 420,00;

j) Picar a área de reboco exterior mal acabada e com defeitos, aplicar novo reboco de reparação, com argamassa adequada para o efeito e pintar com tinta de boa qualidade, em três demãos, incluindo todos os trabalhos necessários a um acabamento perfeito, representando um encargo não inferior a € 900,00;

k) Substituição de roupeiros, por outros de boa qualidade, incluindo varão de suporte interior, ferragens e guarnições, representando um encargo não inferior a € 1 400,00;

l) Substituir os mosaicos que apresentam tonalidade diferente, no hall do 2º andar, por outros iguais aos restantes ou substituição total em toda a respectiva área, representando um encargo não inferior a € 342,50;

m) Verificar todas as peças que constituem a cobertura, principalmente a ligação entre a caleira e o tubo de queda, nas zonas onde se verifica a infiltração de água, incluindo todos os trabalhos para o seu perfeito acabamento, representando um encargo não inferior a € 650,00;

n) Colocação de aparelho eléctrico de desumidificação no w.c. do 2º andar que seja accionado pelo interruptor de iluminação, incluindo todas as ligações, representando um encargo não inferior a € 120,00;

o) Substituição dos armários superiores da cozinha do r/c que se encontram danificados pela humidade, representando um encargo não inferior a € 550,00;

p) Pintura geral interior, em todas as paredes e tectos, aplicando três demãos de tinta plástica de boa qualidade sobre a demão do primário aquoso, isento de tensão e com capacidade de cobrir todo o tipo de manchas, do tipo “Classidur Universal Primer Refª. 098-0001” ou equivalente, representando um encargo não inferior a € 2 200,00;

14. Desde 2012 e até à corrente data, a casa de residência intervencionada pelo R. esteve exposta aos elementos com as características, prejudiciais à sua utilização, descritas em Factos 12.), o que importa um agravamento dos encargos necessários à sua supressão, de valor não concretamente apurado;

15. Em 14.11.2012, o A. remeteu por carta, através do I. mandatário que o subscreve, ao R., que o recebeu, o documento a fls. 63, pelo qual declarou o que do mesmo consta e que aqui se tem por reproduzido para todos os legais efeitos, designadamente que o R. deveria iniciar os “trabalhos de reparação dos respectivos defeitos e vícios de construção (…) devendo iniciar tais trabalhos até ao dia 26.11.2012, sendo que, caso tal não sucede, o m/representado considerará a v/obrigação como definitivamente não cumprida, com todas as inerentes consequências”;

16. Inicialmente, foi projectada a instalação de estrutura em ferro na obra, que veio a ser executada em betão;

Com interesse para a decisão da causa, os seguintes FACTOS resultaram NÃO-PROVADOS:

A. Depois da saída de obra do R. em 2012, a casa apresentava as seguintes características, que prejudicavam a sua utilização pelo A.:

a) O WC do 2.º andar não detém qualquer ventilação, apenas possui a saída de ar viciado, faltando a entrada de ar puro e não foi colocada grelha na respectiva saída;

b) A tampa da caixa sinfonada do WC do 2º andar encontra-se mal aplicada e mal rematada, sendo que a mesma deveria estar ao nível do mosaico aplicado no pavimento e não com saliência;

c) Os degraus da escada de acesso ao 2º andar, não se encontram envernizados, foi aplicado apenas o “primário” que rapidamente se degradou;

d) A porta em PVC da caixa colectora de águas do WC do 1º andar não fechava;

e) A porta do WC do 1º andar não fechava em segurança, exibindo uma mossa na sua parte superior;

f) No capeamento das “platibandas” da cobertura verificava-se insuficiência de cumprimento de sobreposição das chapas e falta de “mástique” na ligação das mesmas;

B. O agravamento de encargos a que se refere Factos 14.) importa que, a título de reparação das características prejudiciais à sua utilização, seja despendido o valor total de € 12.692,00;

C. Em 2012, o R. executou todas as rectificações necessárias à supressão do descrito em Factos 8.);

D. A alteração referida em Factos 15.) foi ordenada pelo A., por ter mudado de opinião, numa altura em que o R. já havia mandado executar e pago, no valor de € 1.372,50, o ferro necessário à instalação da estrutura metálica inicialmente prevista;

A. Se o facto n.º 5 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida deve ser eliminado, porque o Juiz dele não podia tomar conhecimento, sob pena de violação do princípio do dispositivo e se, assim não sendo, a sentença recorrida viola o disposto no artigo 5.º, n.º 2, al. b) e padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), ambos do NCPC.

No que a esta questão concerne, alega o réu, ora recorrente, que a consideração do facto em referência viola o princípio do dispositivo, porquanto, no seu entender, “O Sr. Juiz a quo, quer no julgamento quer na sentença, corrigiu, compôs, supriu todas as deficiências que entendeu que a P.I. possuía, acrescentando-lhe um novo facto modificativo, ao abrigo da al. b) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC, para lhe assentar um enquadramento jurídico que nem foi o alegado pelo A. nem o mesmo se aplicava à sua causa de pedir.”.

Concluindo que era à parte que incumbia ter alegado o facto ali vertido, não podendo o Juiz, por motu proprio acrescentar tal facto e tê-lo em consideração para a decisão do litígio sub judice.

Como acima já se consignou, no decurso da audiência de discussão e julgamento (cf. fl.s 222), foi proferido o seguinte despacho:

“No caso dos autos entendo que da prova até aqui produzida é passível de ser tido como provado, o seguinte item de facto:

“A casa de habitação referida nos art.os 3.º e 4.º da petição inicial aperfeiçoada é casa de residência do autor e família e as obras acordadas com o réu destinavam-se a acomodá-los.”.

Despacho de que foram, de imediato, notificados os Ex.mos Mandatários das partes, tendo declarado o do autor, nada ter a opor.

O Ex.mo Mandatário do réu, requereu prazo para se pronunciar, o que lhe foi concedido e logo se tendo consignado pelo M.mo Juiz a quo que “ao abrigo do disposto no artº 6.º do NCPC, independentemente do que venha a ser a pronúncia do réu sobre esta questão, ser-lhe-á admitido produzir contraprova, através das testemunhas já arroladas para o efeito, que serão ouvidas no dia de amanhã.”.

            Respondendo (cf. fl.s 227 a 228 v.º), o réu, veio opor-se a que fosse tomado em conta aquele facto, com o fundamento de que era ao autor que incumbia o impulso da relação jurídica processual, em obediência ao princípio do dispositivo, não o tendo alegado, pelo que o mesmo, sob pena de violação do princípio do dispositivo, não pode ser atendido.

Resulta dos autos que o autor baseia a sua pretensão no facto de ter celebrado com o réu um contrato de empreitada na casa de habitação descrita no artigo 1.º da p.i., contrato que, segundo alega, o réu cumpriu defeituosamente, porque, concluída a obra, se veio a verificar a existência das desconformidades/anomalias/defeitos, que descreve.

Saliente-se que cf. artigo 1.º da p.i., o autor logo se refere a “prédio de habitação” e no 3.º a “casa de habitação”.

De igual modo, consta do denominado “Contrato de Correcção de Defeitos e Vícios de Empreitada”, junto a fl.s 61 e 62, assinado por autor e réu, que a empreitada que está na génese dos presentes autos consistiu na “remodelação e ampliação da casa de habitação do primeiro outorgante…”.

Daqui decorre, pois, que não se trata de um “facto novo/desconhecido” para o réu que, como vimos, assinou um documento onde tal consta e não podia desconhecer aquando da realização das obras na prossecução do contrato de empreitada outorgado pelas partes.

No entanto e de essencial, o que importa é averiguar da conformidade legal do despacho ora em apreço e no qual, repete-se, o M.mo Juiz a quo suscitou o contraditório das partes para o facto de se poder considerar como assente, como, efectivamente, o veio a ser, que a casa de habitação descrita na petição inicial é a casa de residência do autor e família e que as obras acordadas com o réu se destinavam a acomodá-los.

Dispõe-se no artigo 5.º, n.º 2, al. b), do NCPC que:

“2. Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:

(…)

b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar.”.

Preceito, este, que corresponde ao anterior 264.º, n.º 3, do CPC, embora, com algumas diferenças.

Efectivamente, dispunha-se neste que:

“3. Serão ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.”.

Como resulta do cotejo entre estas duas normas, verifica-se que, no caso de ser o juiz que, por sua iniciativa, os pretende considerar, despareceu a exigência de que a parte manifeste vontade de deles se aproveitar (a que se seguia, no anterior regime, o exercício do contraditório), bastando-se, agora, a lei em que às partes seja dada a “possibilidade de se pronunciar”.

Não obstante, mesmo no âmbito da nova lei, Lebre de Freitas, in A Acção Declarativa Comum …, 3.ª Edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, a pág.s 141 (nota 2) e 309, defende que continua a exigir-se que seja a parte interessada a declarar que se quer aproveitar dos factos complementares ou concretizadores dos inicialmente alegados, assim se observando o ónus da alegação, decorrendo a necessidade desta declaração do princípio do dispositivo que, de acordo com este Autor, estava expressa no anterior 264.º, n.º 3 e que está implícita na actual formulação.

Segundo ele, a pronúncia das partes terá de ser positiva, no sentido de introduzir o facto no processo, sob pena da violação do princípio do dispositivo, visando no seu entender, a alteração legislativa, apenas realçar que a alegação pode provir de qualquer das partes mas sem que se extinga a obrigação de a parte que deles se quiser aproveitar “os introduza como matéria na causa, mediante a manifestação, equivalente a uma alegação, da vontade de deles se aproveitar.”.

Com todo o respeito que nos merece o Autor ora citado, em face da diferença de redacção de um para o outro preceito, não nos parece que, actualmente, se continue a exigir que para que os factos complementares ou concretizadores possam ser tidos em conta pelo juiz, tenha de haver uma manifestação de vontade da parte em que os mesmos sejam introduzidos no processo, bastando-se, como já referido, a lei em que tal consideração para efeitos processuais seja precedida do exercício do contraditório, que às partes seja dada a faculdade de se pronunciarem sobre essa nova factualidade.

Repare-se que a lei diz que tais factos podem ser considerados pelo juiz, desde que respeitado o contraditório, nada mais se exigindo, designadamente que a parte se manifeste nesse sentido.

O que importa é que se trate de factos “que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa” e não de factos essenciais (que às partes cabe alegar, cf. n.º 1 do artigo 5.º do NCPC e que, por isso, não pode o juiz suprir através de averiguação oficiosa).

Ora, no caso em apreço, estamos perante a consideração de um facto complementar do anteriormente alegado.

Efectivamente, o autor sempre alegou que as obras acordadas seriam a realizar num prédio de habitação e, reitera-se, no contrato de correcção e defeitos, de fl.s 61 e 62, outorgado por ambas as ora partes, refere-se, expressamente, que se trata “da casa de habitação do primeiro outorgante” – aqui autor.

Em face do que temos de concluir que o facto descrito no item 5.º dos factos provados, é um mero complemento do anteriormente alegado.

Como referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao NCPC, Almedina, 2014 - 2.ª Edição, a pág.s 42 e 43, são complementares ou concretizadores os factos pertencentes à relação jurídica material já caracterizada pela descrição de outros factos essenciais, integrando a causa de pedir deficientemente narrada na petição inicial ou na reconvenção.

Ali defendendo, ainda, a desnecessidade de manifestação de vontade da parte em deles se aproveitar, desde que respeitado o princípio do contraditório.

Ora, no caso em apreço, como já referido, o autor descreveu a relação jurídica material em que baseia a sua pretensão, apenas tendo omitido que se tratava da sua casa de habitação e de sua família, o que, logo, desde o início, deveria ter feito.

Ou seja, estamos, precisamente, no domínio de deficiente/incompleta narração dos factos na petição e o facto “considerado” se integra na relação jurídica atinente, completando-a/esclarecendo-a.

No decurso da audiência de julgamento, tal veio-se a revelar, pelo que nada impedia o julgador de manifestar a sua intenção de dele se aproveitar, como o fez.

Trata-se de facto complementar do anteriormente alegado e não se torna necessário que a parte interessada se manifestasse nesse sentido, porque foi o próprio julgador a prevalecer-se da faculdade que é estabelecida no artigo 5.º, n.º 2, al. b), do NCPC, sendo suficiente, como nele se exige, o exercício do contraditório, que foi exercido, nos moldes acima já expostos, pelo que a actuação do julgador se moveu dentro dos parâmetros estabelecidos no referido artigo 5.º, n.º 2, al. b).

Esta posição é, igualmente, defendida por M. Teixeira de Sousa, em anotação a Acórdão desta Relação (subscrito por este Colectivo) de 22/09/2015, no seu blogue do IPPC.

Concorda-se com a posição aí referida (apenas com a ressalva de que ali, na nossa opinião, por se tratar de causa de pedir complexa – acidente de viação – não se tratava de facto complementar ou concretizador, mas sim autónomo, o que impedia a sua consideração, para mais apenas em fase de recurso, como era o caso).

Assim, no caso em apreço, reitera-se, por se estar em presença de um facto que é mero complemento do já alegado, podia, como o fez, o M.mo Juiz a quo proceder como procedeu.

Acrescente-se, para melhor esclarecimento, que a não exigência de que a parte se manifeste no sentido de se aproveitar do facto complementar, nos molde explicitados, se verifica nos casos, como o presente, em que é o juiz a manifestar a intenção de os vir a considerar para a decisão do pleito, em que basta que se dê às partes a possibilidade de acerca disso se pronunciarem.

Como é óbvio, no casos em que o juiz assim não procede, a única forma de os factos complementares serem introduzidos no processo, é através de manifestação de vontade da parte interessada, nesse sentido, como, em anteriores decisões temos afirmado (v. g. no Acórdão acima referido e anotado no blogue citado).

Efectivamente, se o juiz assim não proceder, só por iniciativa da parte (sujeita a contraditório) é que o facto poderá ser introduzido nos autos.

No entanto, no caso em apreço a respectiva introdução resulta da actividade “oficiosa” do julgador, legítima e conforme com a lei, não se tornando, por isso, necessária a manifestação de vontade, nesse sentido, da parte interessada e sem que, em face do exposto, se mostre violado o princípio do dispositivo.

Daqui decorre, ainda e por consequência, que a sentença em apreço, não violou o disposto no referido artigo 5.º, n.º 2, al. b), do NCPC, nem padece da nulidade que lhe é imputada, uma vez que a mesma se contém dentro do objecto do processo e só desse: cumprimento defeituoso do contrato de empreitada, celebrado entre as ora partes e consequências que daí decorrem.

Pelo que, quanto a esta questão, improcede o recurso.

B. Caducidade do direito a que se arroga o autor.

Relativamente a esta questão, alega o recorrente que os direitos a que se arroga o autor já caducaram, porquanto recepcionou em 16/11/2012 o doc. n.º 4 junto com a p.i. (datado de 14/11/2012 e em que o autor reclama a realização dos trabalhos com vista à eliminação  dos defeitos, devendo iniciá-los até 26/11/12), sendo desde esta data que se deve contar o prazo de um ano previsto no artigo 1224.º do CC, que ocorreu em finais de Novembro de 2013.

Como só veio a ser citado em 22/01/2014, já o referido prazo de um ano havia expirado, pelo que se verifica a caducidade dos direitos a que se arroga o autor.

Por seu turno, na sentença recorrida considerou-se não se verificar a invocada excepção de caducidade, com o fundamento em que esta questão não tem de ser analisada à luz do contrato de correcção de defeitos outorgado em 23 de Dezembro de 2011, mas sim na consideração de que o mesmo se refere ao reconhecimento da existência dos defeitos enunciados e em que o réu reconhece a respectiva existência, pelo que se deve considerar que o autor respeitou os prazos para tal estabelecidos.

Em face da factualidade constante do item 5.º dos factos provados, como referido na sentença recorrida, para que se remete, nos termos do disposto no artigo 1.º-A, n.º 2 do DL 67/2003, de 8/4, na redacção que lhe foi dada pelo DL 84/2008, de 21 de Maio, estamos em face do que se designa por “empreitada de consumo” e a que, por conseguinte, para além do que se acha fixado no Código Civil, se aplica, em primeira linha, o regime especial previsto neste DL.

É consabido que, para haver responsabilidade por cumprimento defeituoso - isto é, para o dono da obra manter o direito à eliminação dos defeitos - é necessário que seja previamente feita a denúncia do defeito (1220º do C. C.) e tempestivamente exercidos os direitos a que aludem os art. 1221.º a 1223.º do C. C. (cfr. art. 1224.º do C. C. e 5.º, do referido DL 67/2003).

A tal propósito, estabelece mesmo a lei 3 tipos de prazo.

O prazo de denúncia dos defeitos, o prazo para o exercício dos direitos (de eliminação dos direitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização) e o limite máximo da garantia legal.

Quanto ao primeiro, vale para o caso, não o prazo geral de 30 dias estabelecido pelo art. 1220.º, n.º 1, do C. C., mas o prazo de 1 ano fixado para os imóveis (1225.º, n.º 2, do CC e 5.º-A, n.º 2, do citado DL).

Quanto ao 2º, está estabelecido o prazo de 3 anos, mas a contar da denúncia atempada dos defeitos (art. 5.º-A, n.º 3, do referido DL).

Quanto ao 3º, vale para o caso, não o prazo geral de 2 anos (cfr. 1224.º, n.º 2, do CC) – após a entrega da obra, independentemente da data do conhecimento dos defeitos e da sua denúncia – mas o prazo de 5 anos fixado para os imóveis (1225º, nº 1, do C. C. e 5.º, n.º 1 do DL 67/2003).

Entende a lei que este último prazo – que configura uma presunção iuris et de iure – de 5 anos é o tempo suficiente para todos os defeitos serem conhecidos, denunciados e exercidos os respectivos direitos.

Como resulta dos itens 6 a 15 dos factos provados, logo que concluídos os trabalhos, o autor constatou a existência dos defeitos descritos em 8, na sequência do que, as partes vieram a subscrever o contrato referido e descrito no item10, que intitularam de “Contrato de Correcção de Defeitos e Vícios de Empreitada” e no qual o réu se obrigou a eliminar os respectivos defeitos, nas condições e prazos ali referidos.

O que mesmo assim, o réu não veio a cumprir – cf. item 12.º, o que motivou a remessa, pelo autor, da carta a que se refere o item 15.º.

Como é bom de ver, o contrato de correcção de defeitos, não se traduz numa nova obrigação estabelecida entre as partes para que os defeitos assinalados fossem sanados, um novo contrato.

Nos moldes já referidos na sentença recorrida e para cujos termos se remete, de acordo com o disposto no artigo 663.º, n.º 6, do NCPC, tal documento apenas corporiza o acordo/reconhecimento das partes em que tais defeitos existem e mediante o qual o réu, além de os reconhecer, se compromete a eliminá-los, nas condições ali expostas.

Ou seja, tal contrato mais não corporiza do que a obrigação do réu em cumprir os termos da empreitada que inicialmente assumiu, em conformidade com o convencionado e sem vícios, que é a sua obrigação principal dele decorrente, como resulta do disposto no artigo 1208.º do CC.

Como consta do item 6.º os trabalhos decorreram durante o 2.º semestre de 2010, desconhecendo-se quando terminaram (cf. item 7.º) e o acordo para reparação dos defeitos foi outorgado em 23/12/2011, pelo que se respeitou tanto o prazo de um ano a que aludem os artigos 1224.º, n.º 1 e 1225.º, n.º 2 do CC como o de três anos – aqui aplicável – do artigo 5.º - A, n.º 3 do DL 67/2003.

De resto, ainda que assim não fosse sempre a caducidade se teria de excluir por força do reconhecimento por parte do réu da existência dos vários defeitos, em virtude de ter feito algumas das reparações exigidas e ter assumido a responsabilidade de os eliminar, na totalidade, como resulta da outorga do referido contrato de correcção.

Ora, tal atitude por parte do réu consubstancia um reconhecimento expresso, concreto e preciso do direito a que se arroga o autor, o que, nos termos do disposto no artigo 331.º, n.º 2, do CC, impede a caducidade do direito.

Neste sentido, v. g., vejam-se os Acórdãos do STJ, de 08/05/2013, Processo 1079/06.7TBMTS.P1.S1 e de 01/10/2015, Processo 279/10.0TBSTR.E1.S1, ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj.

Assim, não se verifica a invocada caducidade.

Pelo que, igualmente, quanto a esta questão tem o presente recurso de improceder.

C. Se a sentença recorrida desconsiderou a vinculação do autor ao iter processual dos artigos 1221.º a 1225.º do Código Civil.

Relativamente a esta questão, aduz o recorrente que os direitos conferidos ao dono da obra, previstos no artigo 1221.º e seg.s do CC, têm de ser, sucessivamente, exercidos e pela ordem que ali consta, o que a sentença recorrida não respeitou.

Efectivamente, na sentença recorrida, aplicando o regime legal plasmado no referido DL 67/2003, considerou-se que o autor, em 1.º lugar, facultou ao réu a possibilidade de reparação dos defeitos, por este reconhecidos e, em face da não efectivação de tal reparação é que enveredou pela resolução do contrato, o que o referido regime legal lhe confere.

Como acima já mencionado, estamos em face de uma empreitada para consumo, o que altera, de forma radical, o regime aplicável a esta questão.

Enquanto no regime do C. Civil vigoram regras relativamente rígidas que estabelecem várias relações de subsidariedade e de alternatividade entre aqueles direitos, que limitam e condicionam o seu exercício, no âmbito do DL 67/2003 os direitos do comprador/consumidor são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas restringida pelos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito (cfr. art. 4.º/5 do DL 67/2003).

Ou seja, perante a existência de faltas de conformidade no imóvel construído, o dono da obra pode exercer livremente qualquer um dos direitos conferidos pelo art. 4.º/1 do DL 67/2003 e o direito indemnizatório do art. 12.º da LDC; sem prejuízo, evidentemente, desta liberdade de opção pelo direito que melhor satisfaça os seus interesses dever respeitar os princípios da boa fé, dos bons costumes e a finalidade económico-social do direito escolhido (art. 334.º do C. Civil), o que significa que o respeito por princípios – como o da razoabilidade, da proporcionalidade e da prioridade da restauração natural – conduzirão, algumas vezes, à observância das regras de articulação (dos diferentes direitos do comprador/dono da obra) impostas pelo C. Civil e a soluções coincidentes com as do C. Civil.

Em todo o caso – sem prejuízo (da identidade) da solução casuística, em que nunca será demais encarecer o papel que o princípio da boa fé (com tudo o que do mesmo irradia) tem, de acordo com o C. Civil (cfr. 762.º/2), em toda a execução contratual – o regime dos direitos do comprador nas compras e vendas de consumo, ou dono da obra, na empreitada de consumo, permite uma muito maior maleabilidade na escolha do direito que melhor satisfaça os interesses deste em obter um resultado conforme com o contratado; não se podendo falar na existência de um direito do vendedor/construtor a proceder à reparação das faltas de conformidade da coisa, em os direitos de redução do preço e de resolução do contrato estarem apenas reservados para as hipóteses de incumprimento definitivo ou de impossibilidade de cumprimento dos deveres de reparação ou substituição da obra, em o direito indemnizatório cumprir um papel subsidiário e residual, sendo exercido cumulativamente com o exercício dos anterior direitos (na estrita medida em que o exercício dos anteriores e restantes direitos não haja reparado o comprador/dono da obra), ou isoladamente, nas hipóteses em que se revele o único meio de reparação do prejuízo resultante da existência do defeito.

Em síntese, em face da falta de conformidade provada – existência, persistente, mesmo depois da reparação, dos defeitos/anomalias descritos nos itens 8, 12 e 13, que se verificam em várias partes da construção levada a cabo pelo réu, com as consequências ali, igualmente, mencionadas – não procede irrazoavelmente, desproporcionadamente ou contra a boa fé o dono da obra que os comunicou ao empreiteiro, lhe deu a possibilidade de os reparar, mas o que este não fez, na totalidade e só após isso é que lhe remeteu a carta a que se refere o item 15.º, concedendo-lhe novo prazo para os reparar e que, só na ausência duma qualquer reacção reparatória do vendedor, lança mão da resolução do contrato e pretende que a sua reparação seja feita por terceiro, mediante o pagamento por parte do empreiteiro do montante/indemnização necessário a tal reparação; isto é, não procede irrazoavelmente, desproporcionadamente ou contra a boa fé o comprador/dono da obra que, perante tal circunstancialismo, opta por preferir ser indemnizado do montante necessário à reparação feita por si dos danos patrimoniais sofridos.

Em suma, o aqui autor deu ao réu a oportunidade de reparar os defeitos e os estragos decorrentes, pelo que, nada tendo este feito, não tem que cumprir – uma vez que estamos numa empreitada de consumo – a “via sacra” do iter sequencial estabelecido no do C. Civil.

Denunciados os defeitos – como os factos 9 e 10 o espelham – o início das obras de reparação e o seu termo deviam ocorrer, por parte do R/apelante, num prazo razoável e com o mínimo de transtorno, tendo em consideração a natureza dos trabalhos e o fim a que o comprador/dono destina a coisa, pelo que, quase nada tendo o R/apelante feito com tal objectivo, não pode “acusar” de desproporcionado e contrário à boa fé o pedido indemnizatório que lhe está a ser apresentado; tanto mais que tal direito indemnizatório, na compra e venda/empreitada de consumo, como é o caso, não tem uma configuração meramente subsidiária e residual, como a prevista no C. Civil, podendo antes o direito de indemnização ser “livremente” exercido/peticionado pelo comprador/dono da obra consumidor, desde que sejam observadas as exigências da boa fé, dos bons costumes e da sua finalidade sócio-económica (desde que sejam respeitados os limites impostos pela figura do abuso de direito – art. 334.º do C. Civil).

É justamente aqui que faz toda a diferença a especialidade do regime do sub-tipo contratual da compra e venda de consumo.

Se estivéssemos perante o tipo contratual comum (integralmente sujeito às regras do C. Civil), então, sim, as coisas passar-se-iam como o R/apelante sustentou.

Efectivamente:

 - Caso estivéssemos perante uma compra e venda/empreitada comum, denunciado o defeito – denuncia que resulta, insiste-se, dos factos 9 e 10, o que infirma qualquer caducidade, neste passo, do exercício dos direitos do autor – tinha o comprador/dono da obra que seguir a “via sacra” do iter sequencial estabelecido no do C. Civil; tinha que dar ao R/apelante a hipótese de reparar o defeito e os estragos causados, não podendo, apenas em face do “silêncio” do R/apelante e sem mais, logo saltar para o exercício do direito indemnizatório.

 - Caso estivéssemos perante uma compra e venda/empreitada comum, denunciado o defeito e assim “implicitamente” exercido o direito à eliminação do defeito e estragos, caso o início e termo das obras de reparação não ocorressem num prazo razoável, teria o comprador que fixar um prazo admonitório (também razoável) para a realização das obras de reparação[1], representando a ultrapassagem de tal prazo que o vendedor/empreiteiro estava incurso em incumprimento definitivo da obrigação/prestação de reparar os defeitos (art. 808.º/1 do CC), momento a partir do qual o comprador podia, ele próprio, realizar as obras e pedir uma indemnização correspondente ao que teria despendido na sua execução.

Significava tudo isto – caso estivéssemos perante uma compra e venda/empreitada comum – uma vez que nada foi factualmente alegado susceptível de configurar o incumprimento definitivo da obrigação/prestação de reparar os defeitos por parte do R/apelante, que não assistiria ao dono da obra o direito à indemnização peticionada.

Só que – ponto já diversas vezes salientado – não estamos perante uma empreitada comum; estamos, isso sim, perante o sub-tipo contratual da empreitada de consumo, em que o exercício do direito indemnizatório por parte do dono da obra não está dependente do anterior exercício (sem sucesso) dos outros direitos, mas apenas sujeito aos limites impostos pela boa fé e pela proibição geral do abuso de direito, limites estes que, já se explicou, não foram no caso ultrapassados.

Consequentemente, também, quanto a esta questão, improcede o recurso.

D. Se a sentença recorrida peca por manifesta contradição ao julgar a resolução contratual e a subsequente condenação do réu a pagar o valor fixado para terminar a obra/reparar os defeitos.

No que a esta questão concerne, alega o recorrente que não se pode declarar resolvido o contrato e, ao mesmo, tempo, conceder-se a indemnização pretendida, como se o contrato tivesse sido cumprido; se resolva o contrato e ao mesmo tempo, fixar uma indemnização derivada do não cumprimento.

Na sentença recorrida, justificou-se a declaração de resolução nos seguintes termos:

“Efeitos da Resolução (Eficácia «Ex Nunc»)

Cabe, porém, interpretar habilmente o pedido formulado pelo A. tendo em vista definir as consequências da resolução que aqui operará, conquanto peticiona, expressis verbis, por que “seja declaro resolvido o contrato de correcção de defeitos e vícios de empreitada celebrado entre o A. e o R., em 23.12.2011”.

Se da petição inicial, interpretada de forma integrada e global, se depreende claramente que o A. não oferece autonomia a este instrumento declarativo em face do contrato de empreitada antes celebrado, sendo óbvio que pretende destruir e liquidar a relação contratual com o R., esta formulação do pedido serve o sentido dos efeitos que lhe atribui e que pretende opor ao demandante, que limita a um efeito meramente prospectivo (ex nunc).

De facto, se a resolução, por regime supletivo, possui efeito retroactivo, ingressando o contrato numa fase de liquidação em que haveria que recompor as posições existentes à altura da contratação, a esse efeito se pode opor o sujeito que exerce o direito potestativo, que lhe pode subtrair a eficácia ex tunc que conforma o seu efeito-regra, quando seja diferente a finalidade que, pelo acto resolutivo, pretende obter.

Isso mesmo a quem exerce o direito a resolver se consente (cfr. art. 434.º/1, 2.ª parte, do CC) e, no caso da empreitada, frequentemente é a forma de melhor resguardar a posição das partes e assegurar que não existirão desníveis na liquidação do pacto, em face do cariz continuado, arrastado no tempo, da sua execução, de acordo com uma programática global que prevê actos sucessivos, que comummente se associa a esta tipologia contratual e que nestes autos também se observa.

Tanto deve-se, particularmente, ao cariz de desconformidade meramente parcial da obra e porque, de todo o modo, existem elementos que na execução da convenção foram integrados no imóvel e que, caso a destruição do contacto represtinasse à data da contratação, teriam de ser desincorporados e restituídos, como contra-face da restituição integral do preço, no âmbito da desconstrução dos efeitos do contrato (cfr. art. 434.º/1 do CC e PEDRO ROMANO MARTINEZ, Da Cessação do Contrato, 2.ª Edição, 2006, Almedina, pp. 572-573).

No caso dos autos, não apenas o A. deixa de parte a restituição do preço que pagou pela obra, de € 41.250,00 (cfr. Factos 3.) e 6.)), que não peticiona, apenas opõe ao R., para além do exercício do direito de resolver, o seu próprio direito a se ver pago, a título de indemnização, do valor que entende terá que ser despendido duplicadamente: pago o preço integralmente ao A. aquando da primitiva contratação da obra, terá o demandante que, novamente, desembolsar quantitativos pecuniários para obter a utilidade funcional que, razoavelmente, poderia esperar da edificação pactuada, sofrendo a diminuição patrimonial inerente a essa duplicação (art. 562.º/1 do CC), o que deriva da violação de direito relativo (incumprimento) que aqui se atribui ao R. .

Está bom de ver, o conteúdo declarativo-extintivo que se corporiza no acto que atribui eficácia à resolução (a propositura de petição inicial) imprime um resguardo, uma preocupação de conservação dos efeitos produzidos à data de formalização do acordo («ex nunc»), o que se sublinha pela formulação do pedido de declaração resolutiva referenciando um momento póstumo à contratação da empreitada, mas que a ele se associa no complexo obrigacional a que esta deu causa (o acordo reproduzido em Factos 10.)).

O pedido será, pois, procedente, com a ressalva que não produzirá efeitos repristinando in totum as posições dos contrantantes, o que não fere o peticionado de nenhuma medida de improcedência, está bom de ver.”.

Concordamos, no essencial, com o aqui expresso.

Como resulta do teor do contrato referido em 10 não está em causa a obra/construção na sua globalidade mas sim apenas no que respeita aos defeitos ali assinalados e que, repete-se, o réu, aceitou reparar e por conseguinte, a sua própria existência, sendo este o âmbito do incumprimento ou cumprimento defeituoso por parte do réu.

Nos termos do disposto no artigo 433.º, do CC, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico e, nos termos do seu artigo 434.º, n.º 1, tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução.

Ora, se a construção já está acabada e se tem apenas em vista a reparação dos assinalados defeitos, não é justo nem adequado que se desfaça por completo o negócio/contrato, com a devolução da obra, na sua totalidade, por parte do autor, e a reposição do imóvel ao estado anterior às obras e restituição do prêço, que já recebeu, por parte do réu.

Tal não é querido pelas partes, nem se coaduna com a finalidade tida em vista com a resolução – reparação dos defeitos e nada mais, pelo que se justifica que a declaração de resolução apenas abranja a questão da reparação dos defeitos, como determinado na sentença em análise.

No que respeita à invocada contradição da sentença ao sancionar a resolução e ao mesmo tempo, conceder a indemnização pretendida, esta questão não colhe acordo unânime da doutrina – conforme Pedro Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso …, Almedina, 1994, a pág.s 348 e seg.s.

Não obstante, como salienta João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2015 – 6.ª Edição Revista e Aumentada, Almedina, a pág.s 126 e 127, mesmo no caso de o dono da obra já não se encontrar em condições de devolver a obra realizada e não desejada, pode, ainda, resolver o contrato, se a impossibilidade de devolução resultar de acto imputável ao empreiteiro, nomeadamente quando ocorre em consequência do defeito existente na obra.

Ora, é esta a situação que se verifica no caso em apreço.

Concluída a obra, verificou-se a existência dos defeitos descritos no item 8.º; as partes aceitaram a existência desses defeitos, comprometendo-se o réu a repará-los, cf. itens 9.º a 11.º, o que não fez, na sua grande maioria, cf. item 12.º; o que motivou que o autor tenha enviado ao réu a carta mencionada no item 15.º, concedendo-lhe novo prazo para realizar as reparações em falta, sob pena de não o sendo, no prazo assinalado, se ter de considerar como definitivamente não cumprida a obrigação.

Como se refere, entre outros, no Acórdão do STJ, de 16/03/2010, Processo 6817/06.5TBBRG.G1.S1, disponível no respectivo sítio da dgsi, um comportamento do réu como o ora descrito, deu azo a que a sua simples mora se convertesse em incumprimento definitivo e a legitimar a resolução do contrato, não sendo mais de exigir ao autor, não obstante todas as possibilidades para tal concedidas ao réu, que continuasse à espera que este fizesse as reparações a que se obrigou, tendo direito a fazê-las com recurso a um terceiro, suportando o réus os respectivos custos.

Seguindo, mais uma vez, João Cura Mariano, ob. cit., pág. 139 e seg.s, no caso de se verificar um incumprimento definitivo da obrigação do empreiteiro em eliminar/reparar os defeitos, não se revela necessário o recurso à via judicial para o dono da obra poder, ele próprio, ou através de terceiro, efectuar as obras de reparação ou reconstrução, sem que perca o direito de reclamar do empreiteiro o pagamento do custo dessas obras.

Ali se acrescentando que o accionamento dos mecanismos previstos para o incumprimento definitivo das obrigações de eliminação dos defeitos ou de reconstrução, imputável ao empreiteiro, é alternativo, relativamente à utilização dos direitos de redução do preço ou de resolução do contrato de empreitada.

Se instado para reparar os defeitos, o empreiteiro não o faz, incumpre a sua obrigação, com a correspondente obrigação de indemnizar, nos termos do artigo 798.º CC, que corresponde ao custo das obras que seja necessário efectuar.

Aliás, se assim não fosse, o dono da obra ficaria empobrecido no seu património, uma vez que já tinha pago integralmente o preço acordado – cf. item 6.º - e teria, agora, de novo, ainda, de custear as novas obras, ao passo que o empreiteiro que não obstante ter cumprido defeituosamente as obrigações que contraiu, receberia o preço integral, o que não é consentido nem pelas regras da boa fé, cf. artigo 762.º do CC, se não, mesmo, se configuraria uma situação de abuso do direito, como decorre do disposto no artigo 334.º do mesmo Código.

Por tudo isto não merece censura o segmento em causa da sentença recorrida, pelo que, igualmente, quanto a esta questão, improcede o recurso.

E. Se inexiste matéria probatória suficiente para condenar o réu seja em que valor for.

Alega o recorrente, no que a esta questão concerne, que a sentença recorrida se estribou num “mapa de custos” e no depoimento de uma testemunha para dar tal valor por apurado, mas sem que exista matéria probatória suficiente para dar esse, ou outro, valor como apurado.

Os custos da reparação constam do item 13.º dos factos provados.

O recurso não incidiu sobre a matéria de facto, pelo que a factualidade tida por demonstrada em 1.ª instância, se tem por assente (cf. artigo 635.º, n.º 5, do NCPC), do que decorre estar definitivamente apurada a referida quantia.

Pelo que e sem necessidade de outras considerações, quanto a esta questão, também, improcede o presente recurso.

F. Se não são devidos juros de mora.

Relativamente a esta questão, alega o recorrente que não pode haver lugar à aplicação de juros de mora, porque o autor ainda não gastou nenhuma quantia com a reparação e porque foi actualizado o valor indemnizatório entre as datas da propositura da acção por confronto com a sentença.

Para justificar a condenação em juros de mora, refere-se o seguinte na sentença recorrida:

Por último e relativamente aos juros moratórios peticionados, citado o R. para a presente acção, nada pagou, pelo que constituiu-se na obrigação de indemnizar o A. pelo período de privação do capital a que tem direito, assente na ideia que a quem não é disponibilizado um embolsamento em dinheiro sofre um dano de natureza patrimonial em quantitativo igual à taxa de juro de lei (cfr. arts. 798.º, 799.º/1, 804.º/1 e 2 e 806.º/1 e 2, todos do CC).

Será, pois, o R. condenado a pagar ao A. o valor de juros de mora vencidos desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.”.

            O pedido inicial formulado ascendia à quantia de 10.222,00 €, posteriormente ampliado para a de 12.692,00 € (fl.s 192/193).

            A acção foi julgada parcialmente procedente, condenando-se o réu a pagar ao autor a quantia de 10.492,00 €, pelo que não se pode entender que o valor fixado foi actualizado à data da sentença, por reporte ao inicialmente pedido.

            Por outro lado, como decorre do exposto, o réu incorreu em mora e uma consequência da mora é a obrigação de reparar os danos causados ao credor, em que se inclui a condenação em juros de mora – cf. artigos 804.º e 806.º do CC, pelo que são devidos juros de mora.

            O facto de o autor ainda não ter gasto o dinheiro em nada afasta este regime.

            Não o gastou porque ainda não o recebeu e porque o réu incumpriu o contratado (como, de resto, acontece na grande maioria das situações em que se concedem juros de mora, que pode não depender de se ter ou não gasto uma quantia, mas de a ela ter direito, como componente da indemnização a atribuir).

            O autor tem direito a que o réu cumprisse a sua obrigação, o que não aconteceu, o que o fez incorrer em mora e subsequente obrigação de indemnizar, em que, reitera-se, se incluem os juros moratórios.

            Assim, igualmente, quanto a esta questão, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

            Coimbra, 16 de Fevereiro de 2016.

           

[1] Já não seria necessário estabelecer qualquer prazo para o cumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos, se, por ex, o vendedor desde logo se recusasse peremptoriamente (não bastando o “nada fazer”) a efectuar os respectivos trabalhos, considerando-se então definitivamente incumprida a obrigação. E também poderá ser encarada como uma situação de incumprimento definitivo, a hipótese do vendedor não ter logrado eliminar o defeito, apesar de ter efectuado trabalhos com esse objectivo, não tendo o comprador o dever de lhe conceder mais oportunidades.