Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
181/16.1YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA BOLIEIRO
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
SENTENÇA ESTRANGEIRA
RECONHECIMENTO JUDICIAL
RECUSA
EXECUÇÃO
MANDATO
Data do Acordão: 11/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
Decisão: RECONHECIDA E DECLARADA EXEQUÍVEL A SENTENÇA ESTRANGEIRA, MAS RECUSADA A EXECUÇÃO DO MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
Legislação Nacional: LEI N.º 65/2003 E LEI N.º 158/2015
Sumário: I - Um MDE consiste numa decisão judiciária emitida por um Estado-Membro e tem em vista a detenção e entrega por outro Estado-Membro de uma pessoa procurada para efeitos de cumprimento de uma pena privativa da liberdade (artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 65/2003), cujo desfecho quanto à sua execução passa por uma das seguintes hipóteses: a entrega da pessoa procurada ao Estado-Membro de emissão ou a recusa da execução que, na prática, se traduz na não entrega daquela pessoa.

II - No que concerne aos requisitos para o reconhecimento, atendendo ao que dispõe o artigo 3.º, n.º 2, da Lei n.º 158/2015, verifica-se que a sentença proferida em 01-04-2016, no processo n.º (...) , do Tribunal de Gelderland (local Zutphen), Holanda, diz respeito a factos que também constituem infracção tipificada na lei penal portuguesa, sendo que o crime correspondente de homicídio por negligência, previsto no artigo 137.º do Código Penal, é punível com penas que podem ascender a 3 ou 5 anos de prisão, consoante integrem o n.º 1 ou o n.º 2 da referida norma incriminadora, exigindo-se no segundo caso a negligência grosseira.

III - No que respeita à recusa de execução do presente MDE, a mesma baseia-se na causa facultativa prevista no artigo 12.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 65/2003, sendo que se encontram reunidas as respectivas condições:

a) o requerido encontra-se em território nacional, tem nacionalidade portuguesa e reside em Portugal;

b) o mandado de detenção foi emitido para cumprimento de uma pena de prisão e o Estado Português compromete-se a executá-la, de acordo com a lei portuguesa, pois que aqui se reconhece a sentença e se confirma a referida pena aplicada, considerando-se, por conseguinte, que a mesma é exequível em Portugal (artigos 12.º, n.os 3 e 4, da Lei n.º 65/2003, e 26.º, alínea a), da Lei n.º 158/2015).

Decisão Texto Integral:





Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório 

1. Na sequência da emissão, pela autoridade judiciária holandesa, de mandado de detenção europeu (MDE), no âmbito do processo n.º (...) , do Tribunal de Gelderland (local Zutphen), para cumprimento de pena de prisão, a Polícia Judiciária procedeu à detenção do cidadão português A... , nascido em 02-09-1949, filho de (...) e de (...) , casado, residente no (...) Viseu.

Após a detenção, o Digno Procurador-Geral Adjunto veio requerer a audição do requerido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto (doravante Lei n.º 65/2003).

Por outro lado, invoca que as autoridades holandesas apresentaram o MDE respeitante ao requerido e enviaram igualmente um pedido de reconhecimento e execução de sentença para aquele cumprir a pena em Portugal, o qual também se encontra pendente neste Tribunal da Relação e deve ser conjugado com os presentes autos, nos termos do disposto no artigo 26.º, alínea a), da Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro (doravante Lei n.º 158/2015).

Assim, dado que o requerido tem nacionalidade portuguesa, o Digno Procurador-Geral Adjunto sustenta que, caso essa seja a sua vontade e se justifique, deve ser declarado que cumprirá em Portugal o remanescente da pena aplicada na Holanda (120 dias), após o reconhecimento da sentença no processo n.º 169/16.2YRCBR, deste Tribunal da Relação, que deverá apensar-se aos presentes autos.

2. Ouvido o detido nos termos do citado artigo 18.º, o mesmo declarou que consente o cumprimento da pena a que respeita o presente MDE em Portugal e que não consente que tal cumprimento tenha lugar na Holanda, para além de que não renuncia ao princípio da especialidade.

Foi determinado que o requerido aguardasse os ulteriores termos do presente procedimento judicial sujeito às medidas de coacção de apresentação bissemanal ao OPC da área da sua residência e de proibição de se ausentar para o estrangeiro, para além do TIR que prestou.

Após, tendo em vista o disposto no artigo 26.º, alínea a), da Lei n.º 158/2015, com referência às condições estabelecidas no artigo 12.º, n.º 3 da Lei n.º 65/2003, na redacção dada pela Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio, foi solicitada aos referidos autos n.º 169/16.2YRCBR certidão das peças processuais relevantes que dele façam parte, a qual se mostra junta a fls.73 a 89.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.

                                                       *

II – Fundamentação 

São os seguintes os factos que relevam para a presente decisão:

a) Por sentença proferida em 01-04-2016, no processo n.º (...) , do Tribunal de Gelderland (local Zutphen), Holanda, transitada em julgado em 16-04-2016, o requerido foi condenado numa pena de 120 (cento e vinte) dias de prisão, em relação à qual não cumpriu qualquer período de privação da liberdade naquele país.

b) A referida condenação resultou da prática, em 24-05-2014, pelo requerido, de um homicídio culposo, p. e p. nos artigos 6.º e 175.º do Código da Estrada Holandês de 1994, com base na seguinte factualidade:

Em 24 de Maio de 2014, no município de Putten, o requerido, na qualidade de utente da estrada, como condutor de um veículo motorizado (veículo comercial, veículo articulado), indo na direcção de Hoevelaken, conduzindo na estrada Rijksweg A28 (à esquerda), tendo conduzido com grande falta de cuidado, atenção e diligência, sendo que na parte da estrada em que o requerido estava a seguir (a Rijksweg A28, à esquerda), haviam sido colocados sinais virados para o sentido do mesmo e dizendo respeito a uma faixa cortada nessa estrada (a Rijksweg A28, à esquerda), bem como os respectivos sinais de desvio amarelos e dois chamados Drips (painéis de informação de trajecto dinâmicos), sendo que estes Drips indicavam, respectivamente, uma imagem igual ou equivalente ao sinal de aviso J16 do anexo 1 do Regulamento de regras e sinais de trânsito de 1990, implicando “Execução de obras” e o texto “A28 fechada após Nijkerk Amersfoot siga A50-Apeldoorn” e imagens dos sinais de aviso J33 e J37 do anexo supramencionado, implicando, respectivamente, “Engarrafamento” e “Perigo” e o texto “Risco de”; e

Enquanto à frente do requerido, a partir da faixa direita da via utilizada pelo mesmo, pertencente à referida estrada (a Rijksweg A28, à esquerda), se encontravam outros veículos motorizados que circulavam mais devagar e/ou estavam parados e que tinham accionado as suas luzes de perigo para avisar o trânsito que se aproximava de trás;

Com uma velocidade de cerca de 91 quilómetros por hora, terá conduzido sem ter prestado atenção (ou pelo menos não em suficiente medida) à faixa directamente à sua frente, pertencente a essa estrada (a Rijksweg A28, à esquerda), não tendo regulado a velocidade do referido veículo motorizado (veículo comercial, veículo articulado) que conduzia (implicando uma infracção do artigo 19.º do regulamento supramencionado), para garantir que estava em condições de parar o referido veículo motorizado (veículo comercial, veículo articulado) dentro da distância em que podia ver a estrada (a Rijksweg A28, à esquerda), e que esta estava desimpedida;

 Pelo que com essa velocidade embateu no engarrafamento que se encontrava à sua frente na estrada, tendo chocado contra um ou mais desses veículos motorizados que circulavam mais devagar e/ou estavam parados, sendo que, pela força e pelo efeito do choque com esse veículo motorizado conduzido pelo requerido (veículo comercial, veículo articulado), alguns desses outros veículos motorizados chocaram uns com os outros;

E tendo agido de tal forma que ocorreu um acidente de viação cuja culpa se deve ao requerido, pelo que outra pessoa (chamada B... ) foi morta e outras pessoas (chamadas C... e D... ) sofreram lesões graves ou lesões tais que resultassem em doença temporária ou no impedimento do desempenho das actividades diárias normais.

c) Com a cooperação das autoridades portuguesas, o requerido foi notificado pessoalmente, em 18-01-2016, com a informação da hora e lugar em que iria ocorrer o processo que levou à decisão, tendo igualmente sido informado de que poderia ser tomada uma decisão mesmo que não comparecesse.

d) Além disso, em 18-01-2016, foi notificada pessoalmente ao requerido uma explicação referente à convocação, tendo aquele sido informado de que não era obrigatório comparecer na audiência e não lhe iria ser comunicada a decisão, tendo também sido mencionado o prazo de catorze dias após a decisão para instaurar recurso contra a mesma.

e) O requerido informou o Tribunal de Gelderland (local Zutphen) de que não dispunha de meios financeiros para comparecer na audiência de 18-03-2016. E foi julgado sem a sua comparência.

f) Nestes autos o requerido declarou que consente o cumprimento da pena a que respeita o presente MDE em Portugal e que não consente no cumprimento da referida pena na Holanda, para além de que não renuncia ao princípio da especialidade.

g) O requerido encontra-se em situação de reforma desde 2013/2014, sendo que antes exercia as funções de motorista de longo curso, fazendo o percurso Portugal / Suécia / Portugal, tendo sempre residido em Viseu, onde continua a residir na mesma morada que constitui a sua habitação há cerca de 28 anos.

h) Habitam com o requerido a sua esposa, dois netos (com 9 e 10 anos de idade e com relativa regularidade, em função do regime de residência definido para os mesmos e que está a cargo do pai, filho do requerido) e ainda uma tia de 82 anos que se encontra acamada por doença, a quem o requerido presta os cuidados que necessita.

i) O requerido aufere uma pensão de reforma de 700,00€ mensais e a tia recebe uma pensão de 295,00€, a que acresce um apoio de 200,00€, também com periodicidade mensal.

                                                        *

Motivação

Em relação à factualidade provada acima enunciada, o Tribunal formou a convicção com base nos documentos juntos aos presentes autos (formulário A traduzido e certidão a que se refere o artigo 4.º da Decisão-Quadro 2008/909/JAI, constante de fls.77 a 84, a qual faz parte da certidão extraída do processo n.º 169/16.2YRCBR) e nas declarações prestadas pelo requerido aquando da sua audição (cf. acta de fls.50 a 54).

                                                        *

Apreciando

O MDE consiste na decisão judiciária emitida por um Estado-Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado-Membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade, obedecendo a sua execução ao disposto na Lei n.º 65/2003, alterada pela Lei n.º 35/2015, de 04-05, e na Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13-06.

Constitui a primeira concretização do princípio do reconhecimento mútuo em matéria de justiça penal na União Europeia, cujo núcleo essencial se consubstancia na seguinte realidade: “desde que uma decisão é tomada por uma autoridade judiciária competente, em virtude do direito do Estado-Membro de onde ela procede, em conformidade com o direito desse Estado, essa decisão deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União. Isto significa que as autoridades competentes do Estado-Membro no território do qual a decisão pode ser executada devem prestar a sua colaboração à execução dessa decisão como se tratasse de uma decisão tomada por uma autoridade competente deste Estado”.[1]

 O reconhecimento mútuo pressupõe tão-somente a realização de um procedimento de controlo pelo tribunal, destinado a verificar a regularidade formal e substancial da decisão proferida por um tribunal de um Estado-Membro da União Europeia e a inexistência de motivo de recusa da respectiva execução, o que bastará para que aquela decisão produza os seus efeitos.

O referido princípio está também presente no regime jurídico aplicável ao reconhecimento e execução, em Portugal, de sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas da liberdade tomadas pelas autoridades competentes dos outros Estados-Membros da União Europeia, com o objectivo de facilitar a reinserção social da pessoa condenada, estabelecido pela Lei n.º 158/2015, de 17-09, a qual transpõe as Decisões-Quadro 2008/909/JAI, do Conselho, e 2008/947/JAI, do Conselho, ambas de 27 de Novembro de 2008.

O sistema introduzido pela citada lei, que deu cumprimento (embora tardio) à obrigação de transposição das aludidas Decisões-Quadro, afastou em tais casos a necessidade de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira, introduzindo no seu lugar um procedimento específico simplificado e célere, ao mesmo tempo que assegura o respeito pelos direitos fundamentais, com as inerentes garantias processuais que devem caracterizar a justiça penal, resultando da combinação de todos estes elementos a concretização do princípio do reconhecimento mútuo, no sentido acima descrito.[2]

No seguimento da previsão normativa contida no artigo 25.º da Decisão-Quadro 2008/909/JAI, o artigo 26.º da Lei n.º 158/2015 consagrou na sua alínea a) a seguinte disciplina para a execução de condenações na sequência de um mandado de detenção europeu:

Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, alterada pela Lei n.º 35/2015, de 4 de maio, o disposto na presente lei aplica-se, na medida em que seja compatível com as disposições dessa lei, à execução de condenações, se:

a) O mandado de detenção europeu tiver sido emitido para efeitos de cumprimento de uma pena de prisão ou medida de segurança privativa de liberdade, quando a pessoa procurada se encontrar no Estado de execução, for sua nacional ou sua residente e este Estado se comprometa a executar essa pena ou medida de segurança nos termos do seu direito nacional”.

Ora, os presentes autos versam precisamente sobre uma situação que convoca a aplicação articulada prevista no citado artigo 26.º, alínea a), que, como flui da norma em análise, se destina aos casos de recusa facultativa de execução do MDE com base no motivo de que a pessoa procurada é nacional ou residente no Estado de execução e este se compromete a executar a pena nos termos do seu direito nacional. Tal sentido interpretativo resulta, aliás, com clareza do texto do artigo 25.º da Decisão-Quadro 2008/909/JAI, que prevê a sua aplicação às situações abrangidas pelo n.º 6 do artigo 4.º da Decisão-Quadro 2002/584/JAI, ou seja, de recusa de execução de MDE com base na residência ou nacionalidade.

Vejamos, pois.

 O presente MDE provém da autoridade judiciária holandesa e destina-se ao cumprimento de pena de 120 dias de prisão aplicada a cidadão português aqui residente, sendo que na sequência da detenção do requerido, efectuada em cumprimento daquele, e face à pendência simultânea de processo destinado ao reconhecimento e execução, em Portugal, da sentença que o condenou na aludida pena, desencadeado também por iniciativa da autoridade holandesa, o Digno Magistrado do Ministério Público formulou no requerimento inicial destes autos a seguinte pretensão: “Uma vez que o Requerido tem nacionalidade Portuguesa, caso seja essa a vontade do mesmo se justifique, deve ser declarado que cumprirá em Portugal o remanescente da pena, aplicada na Holanda (120 dias de prisão), após o reconhecimento da sentença, no processo 169/16.2YRCBR, deste Tribunal da Relação, que deverá apensar-se aos presentes autos” (cf. artigo 11.º da referida peça processual).

Por outro lado, o requerido não consentiu no cumprimento da pena na Holanda, tendo, no entanto, consentido no seu cumprimento em Portugal, consentimento esse que foi considerado válido e homologado por este Tribunal, nos precisos termos e medida em que foi prestado, ou seja, para cumprir pena no nosso país (cf. acta da audição do requerido constante de fls.50 a 54).

Na óptica das pretensões formuladas no requerimento do Digno Magistrado do Ministério Público, os fins a que se destinam os presentes autos foram atingidos e com o expresso consentimento do requerido.

Sucede, contudo, que pese embora o peticionado no aludido requerimento tivesse colhido a adesão do requerido, certo é que, como qualquer outro instrumento desta espécie, o presente MDE consiste numa decisão judiciária emitida por um Estado-Membro e tem em vista a detenção e entrega por outro Estado-Membro de uma pessoa procurada para efeitos de cumprimento de uma pena privativa da liberdade (artigo 1.º, n.º 1 da Lei n.º 65/2003), cujo desfecho quanto à sua execução passa por uma das seguintes hipóteses: a entrega da pessoa procurada ao Estado-Membro de emissão ou a recusa da execução que, na prática, se traduz na não entrega daquela pessoa.

Assim, ressalvando-se sempre o devido respeito pela opinião contrária, considerando a natureza e finalidades do MDE e a solução normativa que resulta da articulação dos dois regimes jurídicos supra indicados, consagrada no mencionado artigo 26.º, alínea a), da Lei n.º 158/2015, conclui-se que a pretensão deduzida pelo Ministério Público e a posição manifestada pelo requerido, que foi objecto de homologação judicial, devem reflectir-se num dos desfechos possíveis em sede de processo de execução deste MDE, nos termos acima apontados. E o desfecho dos autos deverá passar pela recusa facultativa prevista no artigo 12.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 65/2003, a qual tem como condição o reconhecimento da decisão estrangeira condenatória para ser executada em Portugal, sendo certo que o cumprimento da pena no nosso país colhe o consenso de todos os intervenientes (o Estado-Membro de emissão, que desencadeou processo nesse sentido, transmitindo a sentença; o Ministério Público, que nestes autos apresentou requerimento em conformidade; e o requerido, que expressamente assim o consentiu).

No que concerne aos requisitos para o reconhecimento, atendendo ao que dispõe o artigo 3.º, n.º 2 da Lei n.º 158/2015, verifica-se que a sentença proferida em 01-04-2016, no processo n.º (...) , do Tribunal de Gelderland (local Zutphen), Holanda, diz respeito a factos que também constituem infracção tipificada na lei penal portuguesa, sendo que o crime correspondente de homicídio por negligência, previsto no artigo 137.º do Código Penal, é punível com penas que podem ascender a 3 ou 5 anos de prisão, consoante integrem o n.º 1 ou o n.º 2 da referida norma incriminadora, exigindo-se no segundo caso a negligência grosseira.

Quanto ao mais, a sentença em análise observa as condições previstas na Lei n.º 158/2015, mormente as do seu artigo 17.º, n.º 1, alínea i) i) [aplicável aos casos em que o julgamento se realizou sem a presença da pessoa condenada, relevando para este efeito os factos apurados sob as alíneas c), d) e e)].

Por outro lado, considerando os factos que se provaram quanto à situação pessoal e familiar do requerido e a própria posição que o mesmo expressamente assumiu, consentindo no cumprimento da pena em Portugal, é manifesto que a execução da sentença no nosso país promove a sua reinserção social (cf. artigo 1.º, n.º 1 da citada Lei n.º 158/2015).

Ademais, tendo em vista a execução da sentença em apreço, há que atender à regra de competência constante do artigo 13.º, n.º 2 da citada Lei n.º 158/2015, e bem assim aos termos previstos no artigo 14.º do mesmo diploma, mormente os referentes ao estabelecimento prisional para aquela execução.

Por fim, no que respeita à recusa de execução do presente MDE, como se adiantou supra, a mesma baseia-se na causa facultativa prevista no artigo 12.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 65/2003, sendo que se encontram reunidas as respectivas condições:

a) o requerido encontra-se em território nacional, tem nacionalidade portuguesa e reside em Portugal;

b) o mandado de detenção foi emitido para cumprimento de uma pena de prisão e o Estado Português compromete-se a executá-la, de acordo com a lei portuguesa, pois que aqui se reconhece a sentença e se confirma a referida pena aplicada, considerando-se, por conseguinte, que a mesma é exequível em Portugal (artigos 12.º, n.os 3 e 4, da Lei n.º 65/2003, e 26.º, alínea a), da Lei n.º 158/2015).

                                                        *

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em:

a) Reconhecer e declarar exequível a sentença proferida em 01-04-2016, no processo n.º (...) , do Tribunal de Gelderland (local Zutphen), Holanda, transitada em julgado em 16-04-2016, confirmando a pena de 120 (cento e vinte) dias de prisão aplicada ao cidadão português A... .

b) Recusar a execução do mandado de detenção europeu emitido no âmbito do processo referido em a) para entrega do requerido, por ocorrer causa de recusa facultativa, nos termos do disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto.

c) Determinar que a condenação seja executada pelo tribunal da área da residência actual do requerido, em conformidade com o disposto no artigo 13.º, n.º 2 da Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro, para onde deverão ser oportunamente remetidos os elementos referidos no artigo 14.º, n.º 1 da mesma Lei.

Consigna-se que no âmbito do presente MDE o requerido foi detido em 20-09-2016, pelas 14h15m, realizando-se a sua audição em 21-09-2016, com início às 14h00m.

Sem custas.  

Comunique-se ao processo n.º 169/16.2YRCBR desta Relação.

Após trânsito, cumpra-se o disposto no artigo 28.º da Lei n.º 65/2003.

Coimbra, 9 de Novembro de 2016 

(O presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pela primeira signatária – artigo 94.º, n.º 2 do CPP)

(Helena Bolieiro - relatora)

(Orlando Gonçalves - adjunto)

(Fernando Jorge Dias - presidente da secção)


[1] Daniel Flore, citado por Anabela Miranda Rodrigues, “O mandado de detenção europeu – Na via da construção de um sistema penal europeu: um passo ou um salto?”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 13.º, n.º 1, Jan.-Mar., 2003, págs.32 e 33.
[2] Para uma apresentação da Lei n.º 158/2015, de 17-09, cf. Luís Lemos Triunfante, “Os novos instrumentos legislativos nacionais em matéria de reconhecimento mútuo de decisões penais pre e post sentenciais no âmbito da União Europeia”, JULGAR, n.º 28,Jan.-Abr. 2016, págs.52 a 55.