Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
75/21.9T8MGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: OBRIGAÇÃO DE NÃO CONCORRÊNCIA
INCUMPRIMENTO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 05/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MANGUALDE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 562.º E 798.º, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - Não tendo as partes fixado por acordo o montante da indemnização exigível em caso de incumprimento de uma obrigação de não concorrência, a indemnização por tal incumprimento corresponde ao dano sofrido.

II – Consistindo a obrigação de não concorrência no dever de não desenvolver uma actividade concorrente com a de uma sociedade que se dedica a actividades funerárias e serviços conexos, o dano corresponde apenas àqueles serviços que, caso não tivessem sido realizados por quem estava obrigado a não concorrer, seriam realizados pelo credor de tal obrigação. 

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

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            1 – RELATÓRIO

            “FP..., Lda.”, sociedade comercial por quotas com o NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., em ..., “F..., L.da”, sociedade por quotas com o NIPC ..., com sede no Largo ..., em ..., e “A..., Lda”, com o NIPC ..., com sede no Largo ..., em ..., instauraram os presentes autos de ação de processo comum contra AA e mulher BB, residentes na Rua ..., ..., em ..., peticionando a condenação dos réus a pagar-lhes a quantia de €10.500,00, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação dos réus para contestarem e até efetivo e integral pagamento.

Para fundamentarem a sua pretensão alegaram as autoras, em síntese, que no dia 10 de Agosto de 2020 a autora “FP..., Lda.” e os réus celebraram entre si um contrato por meio do qual a primeira adquiriu aos segundos uma quota no valor nominal de € 4.987,98, de que o réu era titular no capital social da autora “F..., L.da”, uma quota no valor nominal de € 4.987,98, de que a ré era titular no capital social da autora “F..., L.da”, uma quota no valor nominal de € 2.500,00 de que o réu era titular no capital social da autora “A..., Lda” e uma quota no valor nominal de € 2.500,00 de que a ré era titular no capital social da autora “A..., Lda”, sendo tais aquisições feitas pelo preço global de € 450.000,00, que foi integralmente pago.

Adiantam as autoras que a autora “FP..., Lda.” e os réus acordaram entre si uma obrigação de não concorrência, nos termos da qual os réus se obrigaram a não desenvolver por si, ou por interposta pessoa, singular ou coletiva, atividades concorrentes com as das autoras F..., L.da” e “A..., Lda”, incluindo na qualidade de trabalhadores, prestadores de serviços e comissionistas, sob pena de indemnização a favor das autoras, a qual teria a duração de três anos contados a partir da celebração do supra aludido contrato de aquisição de quotas sociais, abarcando a área geográfica dos distritos de ... e da ..., com exceção da área do concelho ....

Por outra parte, mencionam as autoras que com o propósito, conseguido, de violarem a aludida obrigação de não concorrência, os réus engendraram um plano que passou pela aquisição, ainda no mês de Agosto de 2020, das quotas da sociedade “PC..., Lda”, com sede na cidade ..., que gira comercialmente sob a firma “B...”, colocando as respetivas quotas em nome dos filhos de ambos, CC e DD, e que o réu EE, com o conhecimento, aprovação e aceitação da ré BB, logrou que a partir do dia 11 de Agosto de 2020 fossem adjudicados à sociedade “PC..., Lda” os catorze serviços fúnebres, realizados na área geográfica dos concelhos ... e de ..., elencados no artigo 17.º da petição inicial.

Referem ainda as autoras que os réus violaram, de forma consciente e grave, a obrigação de não concorrência que voluntária e conscientemente assumiram, obrigando-se por isso a indemnizar as autoras, devendo tal indemnização corresponder ao lucro líquido que os réus obtiveram com a realização dos identificados serviços fúnebres, sendo que por cada um dos serviços fúnebres os réus obtiveram, pelo menos, um lucro líquido de € 750,00, razão pela qual devem ser condenados a pagar às autoras uma indemnização no valor de € 10.500,00 (14 x € 750,00).

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Devidamente citados, os réus apresentaram contestação, concluindo pela improcedência da ação.

Referem os réus que não adotaram quaisquer das condutas cuja prática lhes é imputada na petição inicial, não tendo tido qualquer intervenção ou influência na realização dos serviços fúnebres elencados em tal peça processual e que não violaram qualquer obrigação de não concorrência.

Mais referem os réus que é excessivo o montante que as autoras dizem constituir o lucro resultante da realização de um serviço fúnebre.

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Através do requerimento junto a fls.132 a 135 vieram as autoras peticionar a ampliação do pedido por si formulado na petição inicial.

Para sustentarem a sua pretensão alegam as autoras que em violação da obrigação de não concorrência aludida na petição inicial, e já depois da propositura da presente ação, o réu EE, com o conhecimento, aprovação e aceitação da ré BB, logrou que, em Julho de 2021, fossem adjudicados à sociedade “PC..., Lda”, atualmente denominada “FPT..., Lda/B...”, os serviços fúnebres respeitantes a FF, residente que foi no lugar de ..., sepultada no dia 27 de Julho de 2021 no cemitério de ..., concelho ..., e a GG, residente que foi no lugar..., sepultado em 31 de Julho de 2021 no cemitério de ..., concelho ....

Adiantam as autoras que à semelhança do que sucede com os serviços referidos no artigo 17.º da petição inicial devem os réus indemnizá-las pela violação da obrigação de não concorrência, devendo tal indemnização corresponder ao lucro líquido que os réus obtiveram com a realização dos aludidos serviços fúnebres e que por cada um dos identificados serviços fúnebres os réus obtiveram, pelo menos, um lucro líquido de € 750,00, razão pela qual devem os réus ser condenados a pagar às autoras pela realização dos dois referidos serviços fúnebres uma indemnização no valor de € 1.500,00.

Os réus pronunciaram-se no sentido da improcedência do pedido formulado pelas autoras em sede de ampliação do pedido, alegando para o efeito que não adotaram os comportamentos que lhes são atribuídos pelas autoras, designadamente no que concerne à alegada violação da obrigação de não concorrência, não contestando, contudo, a admissão formal da ampliação do pedido.

Por despacho datado de 29/09/2021, exarado a fls.146 a 148 foi admitida a ampliação do pedido formulada pelas autoras.

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Elaborado despacho saneador, foram fixados os temas da prova - v. fls.149 a 152 -, os quais não foram alvo de qualquer impugnação ou reclamação.

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            O julgamento decorreu com observância do legal formalismo, como consta das respectivas Atas.

            Na sequência imediata foi prolatada sentença, datada de 27-12-2021, dando procedência apenas parcial à ação, na linha de entendimento de que se resultava provado a violação da  obrigação de não concorrência pelos RR., contudo unicamente resultava provado que o prejuízo sofrido pelas AA. se resumia ao lucro que deixaram de obter com a realização dos serviços fúnebres respeitantes a um falecimento, devendo pois os RR. ser condenados a indemnizar as AA. no montante de € 750,00, «Já relativamente aos restantes serviços fúnebres realizados pelos réus em violação da obrigação de não concorrência a que se vincularam, nenhum dano resultou demonstrado para as autoras, motivo pelo qual nenhuma obrigação de indemnização se impõe aos réus», sem prejuízo de àquele primeiro montante acrescerem juros de mora, termos em que se finalizou através do seguinte concreto “Dispositivo”:

«VI. Dispositivo

Em face de tudo o exposto,

Julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:

a) condeno os réus a pagarem às autoras a quantia de €750,00 (setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, sobre tal montante contados desde a data da citação dos réus para contestarem, ocorrida no dia 1 de Março de 2021, até integral e efectivo pagamento, calculados à taxa legal supletiva fixada para os juros civis;

b) absolvo os réus do demais peticionado pelas autoras.

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Custas pelas autoras e pelos réus na proporção do respectivo decaimento - art.527.º, n.ºs1 e 2 do Código de Processo Civil.

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Registe e notifique.»

                                                                       *

            Inconformadas com essa sentença, apresentaram as AA. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizaram com a apresentação das seguintes conclusões:

«I-As recorrentes não se podem conformar com a, aliás douta, sentença recorrida, porque consideram que a mesma ofende o sentimento de justiça dominante e representa um prémio para quem, de forma consciente, violou reiteradamente uma obrigação de não concorrência que validamente assumiu!

II-O Tribunal a quo cometeu um erro de julgamento, ao extravazar os poderes de cognição que a lei lhe confere nos termos do artigo 5º do Código de Processo Civil, pois que deu como não provado um facto - o constante do ponto 4 dos factos não provados - que nenhuma das partes alegou,

III- Ora, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não podia ter dado como não provado ( ou provado ) o sobredito facto, na medida em que, não tendo sido articulado pelas partes, não integra nenhum dos factos previstos nas alíneas a) a c) do artigo 5º do C.P.C., que pudessem ser considerados pelo Meritíssimo Juiz da 1ª instância,

IV- Daí que, se imponha a eliminação do ponto 4 dos Factos não provados.

V- Mas, mesmo que assim não se entenda, certo é que tal facto é, a ver das recorrentes, absolutamente irrelevante para o fim último deste e de qualquer processo: “..a justa composição do litígio…” referida no artigo 7º do C.P.C. ( o negrito é nosso).

VI-Na verdade, e como bem se anota a fls. 41 na sentença recorrida, as recorrentes não alegaram que, na hipótese de que os serviços fúnebres em causa nos autos não tivessem sido realizados pelos recorridos, teriam sido realizados pelas recorrentes.

VII-E não alegaram porque tal facto em nada releva para a justa composição do litígio, uma vez que, independentemente de se saber quem faria, ou não, os serviços fúnebres em causa nos autos, o que verdadeiramente importa é que os recorridos não os podiam ter feito,

VIII-Sendo certo que, tal como consta da cláusula sétima do contrato de cessão de quotas junto de fls. 21 a 25 dos autos, ficou desde logo estipulado, nos termos do artigo 405º nº 1 do Código Civil, entre recorrentes e recorridos que estes teriam que indemnizar as recorrentes caso violassem a obrigação de não concorrência constante de tal cláusula,

IX-Estipulação essa que, como é evidente, foi feita independentemente de se saber quem faria, ou não, os serviços fúnebres em causa nos autos, tanto mais que, podendo os consumidores escolher um qualquer operador económico, nunca, ou muito dificilmente, as recorrentes conseguiriam provar que, se não fossem os recorridos a fazer os serviços fúnebres em causa, seriam elas a fazê-los.

X-Por isso é que ficou, desde logo, contratualmente assente que os recorridos não poderiam fazer tais serviços fúnebres e que, se os fizessem, teriam que indemnizar as recorrentes,

XI-Indemnização essa que tem de ser devida, independentemente de as recorrentes terem tido, ou não, qualquer prejuízo patrimonial com a actuação dos recorridos, sob pena destes, já depois de terem recebido €450.000,00, se ficarem a rir da situação e enriquecerem injustificadamente, mesmo tendo violado conscientemente uma obrigação que validamente assumiram,

XII-Tudo aquilo que a justa composição do litígio que a Lei impõe visa, obviamente, impedir, sob pena de, assim não sucedendo, a comunidade não perceber como é que alguém que viola uma obrigação que assumiu ainda é recompensado por isso!!

XIII-Ora, conforme resulta do contrato de cessão de quotas dos autos, recorrentes e recorridos não fixaram qual o valor da indemnização que seria devido em caso da violação da obrigação de não concorrência assumida pelos recorridos,

XIV-Pelo que, atento o estatuído no artigo 400º do Código Civil, a determinação dessa prestação terá de ser feita pelo Tribunal, de acordo com juízos de equidade, dado que outros critérios não foram estipulados pelas partes.

XV-Ora, a única forma de fazer justiça no caso concreto, é impedir que os recorridos possam lucrar com a violação, grave e reiterada, da obrigação de não concorrência que validamente assumiram,

XVI-Pelo que, se afigura equitativo que o valor da indemnização devida pelos recorridos corresponda ao lucro líquido que eles obtiveram com os 16 serviços fúnebres que realizaram em violação da obrigação de não concorrência que assumiram – cfr. a alínea x) dos factos provados.

XVII-Pela realização de cada um dos serviços fúnebres mencionados em x) dos factos provados, os recorridos auferiram, pelo menos, um lucro líquido de 750,00 – cfr. a alínea ff) dos factos provados,

XVIII-Daí que, seja da mais elementar justiça que os recorridos sejam condenados a pagar às recorrentes o pedido formulado por estas, ou seja, a quantia de €12.000,00 (16 x €750,00 ), acrescida de juros desde a citação, pois que, apenas assim se fará a justa composição do litígio!

XIX-Pelos motivos supra expendidos, deveria ter sido proferida sentença que condenasse os recorridos no pedido de pagamento às recorrentes da quantia de €12.000,00, a título de capital, acrescida dos juros de mora vencidos desde a citação até integral pagamento.

XX-Ao não ter decidido assim, violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 400º e 798º do Código Civil,

XXI-Pois que, errou na determinação da norma aplicável à justa composição do litígio dos autos, dado que deveria ter aplicado o disposto no artigo 400º do Código Civil e não ter aplicado o artigo 798º daquele Código, como o fez, dado que, no caso sujeito, a fixação da indemnização devida às recorrentes deve ser efectuada de acordo com juízos de equidade e não considerando o dano sofrido pelas mesmas.

XXII-Pelo que, pelos motivos supra expendidos, deverá ser revogada a decisão recorrida, condenando-se os recorridos no pedido de pagamento às recorrentes da quantia de €12.000,00, a título de capital, acrescida dos juros de mora vencidos desde a citação até integral pagamento.

Termos em que, sempre com o douto suprimento de V. Exas, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, condenando-se os recorridos no pedido pelos motivos supra expendidos, tudo com as necessárias consequências legais.

Assim se fazendo Justiça! »

                                                                       *

            Contra-alegaram os RR., relativamente ao que formularam as seguintes conclusões:

«I - A sentença recorrida não padece das enfermidades apontadas pelas autoras/recorrentes.

II - De acordo com a distribuição dos ónus de prova, a matéria de facto apurada nos autos, quer a julgada provada, quer a julgada não provada, e constante da sentença recorrida e plasmada e sustentada essencialmente nos depoimentos que foram ouvidos em sede de julgamento (e cujos excertos se acham referidos na sentença recorrida) e na demais prova documental constante dos autos, mostra-se necessária, clara e suficiente para a decisão que foi proferida nos autos, tendo o tribunal a quo apreciado criticamente a globalidade da prova e enquadrado juridicamente o circunstancialismo concreto dos autos, não se verificando as críticas que lhe foram apontadas pelas autoras/recorrentes,

III - Tendo o tribunal a quo, no apuramento e apreciação da matéria de facto que resulta da produção de prova levada a cabo, atuado a coberto dos poderes e faculdades que lhe são conferidas ao abrigo do artigo 5º do CPC, não tendo extravasado dos mesmos, devendo manter-se inalterada a matéria de facto provada e não provada e fixada pelo tribunal a quo na sentença recorrida.

IV – Por outro lado, o enquadramento jurídico que o tribunal a quo fez do circunstancialismo concretamente apurado nos autos, situou-o ele no âmbito da responsabilidade contratual por violação de uma obrigação contratual (obrigação de não concorrência), pelo que, tinha o tribunal a quo de apurar se no caso concreto, estavam preenchidos todos os pressupostos para a verificação daquela responsabilidade, com a consequente obrigação de indemnizar por parte dos réus/recorridos.

V – Assim, naquela análise e como bem se assinala na sentença recorrida, no caso concreto falha um dos pressupostos da obrigação de indemnizar - o dano, não podendo a indemnização pretendida pelas autoras/recorrentes apurar-se nos moldes por elas pretendidas,

VI – Não merecendo, por isso, qualquer censura a sentença recorrida.

VIII – Não encontra base legal a junção aos autos do documento junto com as alegações das autoras/recorrentes, devendo o mesmo ser desentranhado, o que se requer.

Termos em que, deve ser mantida a sentença proferida em 1ª instância e julgado improcedente o recurso apresentado pelas autoras/recorrentes, com as legais consequências.

Assim decidindo, farão V. Exas.

JUSTIÇA!»

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            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelas AA./recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte[2]:

            - impugnação da decisão sobre a matéria de facto, pois que deveria ser eliminado o ponto “4-” dos Factos “não provados”;

 - desacerto da decisão de mérito, pois que deveriam os RR. ter sido condenados no pedido.

                                                                       *

            3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo, obviamente sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista uma alteração pontual dessa factualidade. 

            Tendo presente esta circunstância, consignou-se o seguinte na 1ª instância em termos de factos “provados:

«a) A autora F..., L.da é uma sociedade por quotas que se dedica, de forma lucrativa, à realização de actividades funerárias e serviços conexos;

b) A autora A..., Lda é uma sociedade por quotas que se dedica, de forma lucrativa, às actividades de enterro e de incineração de cadáveres e actividades conexas;

c) A autora FP..., Lda. é uma sociedade por quotas que se dedica, de forma lucrativa, à realização de actividades funerárias;

d) No dia 10 de Agosto de 2020 os réus, como primeiro e segunda outorgantes, e a autora FP..., Lda. como terceira outorgante, celebraram um contrato de cessão de quotas entre si;

e) Através do contrato referido em d) os réus cederam à autora FP..., Lda. a totalidade das quotas de que eram titulares nas autoras F..., L.da e A..., Lda;

f) Adquirindo a autora FP..., Lda. tais quotas por cessão pelo preço global de €450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros), que pagou aos réus;

g) Consta da cláusula sétima do contrato referido em d) a f) que “o primeiro e a segunda outorgantes obrigam-se a não desenvolver por si, ou por interposta pessoa, singular ou colectiva, actividade concorrente com as das sociedades 1 e 2 (as autoras F..., L.da e A..., Lda), incluindo na qualidade de trabalhadores, prestadores de serviços, comissionistas, etc, sob pena de indemnização a favor da terceira outorgante e das ditas sociedades”;

h) Tendo a cláusula referida em g) sido inserta no contrato referido em d) a f) em face do elevado preço global da cessão de quotas e, também, por imposição da instituição bancária que financiou o empréstimo bancário à autora FP..., Lda. tendente à aquisição das quotas;

i) Antes da celebração do contrato referido em d) a f) a autora FP..., Lda. e os réus tinham já celebrado entre si um contrato promessa de cessão de quotas com os termos mencionados em e) e f);

j) Após a outorga do contrato promessa de cessão de quotas mencionado em i), os réus, que intervieram como primeiros outorgantes, e a autora FP..., Lda., que interveio como terceira outorgante, celebraram um acordo denominado “aditamento a contrato promessa de cessão de quotas”, datado de 13 de Julho de 2020;

k) Prevendo na sua cláusula primeira que “o primeiro e a segunda outorgantes obrigam-se, durante os três anos subsequentes à data da outorga do contrato prometido, a não desenvolver por si, ou por interposta pessoa, singular ou colectiva, actividade concorrente com as das sociedades 1 e 2, incluindo na qualidade de trabalhadores, prestadores de serviços, comissionistas, etc, na área geográfica de ... e da ..., com excepção da do concelho ..., sob pena de indemnização a favor da terceira outorgante e das ditas sociedades”;

l) Não ficando a cláusula referida em g) com a redacção da cláusula mencionada em k) por forma a evitar o levantamento de obstáculos por parte da instituição bancária que financiou o empréstimo bancário à autora FP..., Lda. tendente à aquisição das quotas de que os réus eram titulares nas autoras F..., L.da e A..., Lda;

m) Assumindo, contudo, os réus e a autora FP..., Lda. que no cumprimento do contrato referido em d) a f) a obrigação de não concorrência valia com a redacção aludida em k);

n) Ficando os réus cientes de que, entre o dia 10 de Agosto de 2020 e o dia 10 de Agosto de 2023, não poderiam realizar actividades funerárias na área geográfica dos concelhos ... e de ...;

o) A sociedade PC..., Lda é uma sociedade por quotas com sede na Rua ..., na cidade ..., que se dedica à realização de actividades fúnebres;

p) Girando comercialmente sob a firma B...;

q) Em data não concretamente apurada, mas ainda no mês de Agosto de 2020, os réus adquiriram as quotas da sociedade identificada em o);

r) Apenas sendo formalizada a cessão de quotas no mês de Outubro de 2020;

s) Não obstante o referido em q) o registo de aquisição das quotas foi feito em nome de CC e de DD, filhos dos réus;

t) Sendo que pela Ap.64/20... foi registada a aquisição, por parte de cada um deles, de uma quota no valor nominal de €2.500,00 na sociedade referida em o);

u) Mais tendo sido registada a designação de CC como gerente dessa sociedade;

v) Não obstante o referido em s) e t) era o réu EE quem de facto geria a sociedade identificada em o);

w) Sendo que antes celebração do contrato referido em d) a f) era também o réu quem de facto geria as autoras F..., L.da e A..., Lda;

x) Aproveitando-se da notoriedade que havia granjeado enquanto gerente das autoras F..., L.da e A..., Lda, o réu EE, com o conhecimento, aprovação e aceitação da ré BB, conseguiu que fossem adjudicados à sociedade identificada em o) os serviços fúnebres de:

- HH, sepultado no dia 27 de Agosto de 2020 no cemitério de ..., concelho ...;

- ..., sepultada no dia 4 de Outubro de 2020 no cemitério de ... de ..., concelho ...;

- II, sepultada no dia 6 de Novembro de 2020 no cemitério de ..., concelho ...;

- JJ, sepultada no dia 24 de Novembro de 2020 no cemitério de ..., concelho ...;

- KK, sepultado no dia 2 de Dezembro de 2020 no cemitério de ..., concelho ...;

- LL, sepultado no dia 13 de Dezembro de 2020 no cemitério de ..., concelho ...;

- MM, sepultada no dia 7 de Janeiro de 2021 no cemitério de ..., concelho ...;

- NN, sepultada no dia 7 de Janeiro de 2021 no cemitério de ..., concelho ...;

- OO, sepultada no dia 10 de Janeiro de 2021 no cemitério de ..., concelho ...;

- PP, sepultada no dia 12 de Janeiro de 2021 no cemitério da ..., concelho ...;

- QQ, sepultada no dia 28 de Janeiro de 2021 no cemitério da ..., concelho ...;

- RR, sepultado no dia 9 de Fevereiro de 2021 no cemitério de ..., concelho ...;

- SS, sepultada no dia 14 de Fevereiro de 2021 no cemitério de ..., concelho ...;

- TT, sepultado no dia 24 de Fevereiro de 2021 no cemitério de ..., concelho ...;

- FF, sepultada no dia 27 de Julho de 2021 no cemitério de ..., concelho ...;

- GG, sepultado no dia 31 de Julho de 2021 no cemitério de ..., concelho ...;

y) Após o dia .../.../2020 o réu EE, com o conhecimento, aprovação e aceitação da ré BB, passou a divulgar amplamente nas redes sociais a actividade da sociedade identificada em o);

z) Usando para o efeito as suas páginas pessoais “EE” e “UU” no facebook;

aa) E aproveitando o facto de ser director e proprietário do Jornal Renascimento, com sede em ..., com o conhecimento, aprovação e aceitação da ré BB, nele passou a divulgar massivamente a actividade da sociedade identificada em o), cuja propriedade passou a atribuir a P..., Lda;

bb) Nele publicando os serviços fúnebres realizados pela sociedade identificada em o), incluindo os elencados em x);

cc) Nas suas páginas de facebook o réu colocou como fotografias de fundo as do logotipo da “B...”;

dd) Na sua página pessoal da rede social facebook o réu EE arrogou-se a qualidade de agente funerário na empresa B...;

ee) E colocou como sendo os seus números de contacto também os contactos da sociedade identificada em o);

ff) Pela realização de cada um dos serviços fúnebres mencionados x) os réus auferiram, pelos menos, um lucro líquido de €750,00;

gg) Sendo que caso não fosse a sociedade referida em o) a realizar o serviço fúnebre referente a HH, identificado em x), o mesmo seria realizado pela autora FP..., Lda.;

hh) O número de serviços fúnebres realizados pelas autoras não diminuiu após a celebração do contrato referido em d) a f);

ii) Nos presentes autos os réus foram citados para contestar no dia 1 de Março de 2021.»

¨¨

            E o seguinte em termos de factos “não provados”:

«1 - Os réus ficaram cientes de que não poderiam realizar actividades funerárias na área geográfica dos concelhos ... e de ... entre o dia 11 de Agosto de 2020 e o dia 11 de Agosto de 2023;

2 - Os réus adquiriram as quotas da sociedade identificada em o) com o propósito de violarem a obrigação de não concorrência aludida em k);

3 - O referido em r) a u) ocorreu apenas para evitar que os réus fossem responsabilizados pela violação da obrigação de não concorrência decorrente da celebração do contrato referido em d) a f);

4 - Se não fosse a sociedade referida em o) a realizar os serviços fúnebres referentes a ..., II, JJ, KK, LL, MM, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, FF e GG, identificados em o), os mesmos seriam realizados pela autora FP..., Lda.»

                                                                       *

3.2 – As AA./recorrentes deduzem impugnação da decisão sobre a matéria de facto, pois que deveria ser eliminado o ponto “4-” dos Factos “não provados”:

Cremos que a resposta a esta questão já inteiramente se adivinha, estando como está em causa um facto dado como “não provado”.

Senão vejamos.

Alegam as AA./recorrentes que

«(…) tal como resulta dos articulados apresentados, sem que nenhuma das partes ( autoras ou réus ) tivesse alegado tal facto, o Tribunal a quo deu como provado, no ponto 4 dos Factos não provados o seguinte:

“4 - Se não fosse a sociedade referida em o) a realizar os serviços fúnebres referentes a ..., II, JJ, KK, LL, MM, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, FF e GG, identificados em o), os mesmos seriam realizados pela autora FP..., Lda.”

E, por isso, considerou que, excepto no que diz respeito aos serviços fúnebres respeitantes a HH, as recorrentes não sofreram nenhum prejuízo susceptível de indemnização decorrente da constatada e reiterada violação da obrigação de não concorrência por parte dos recorridos.

Ora, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não podia ter dado como não provado ( ou provado ) o sobredito facto, na medida em que, não tendo sido articulado pelas partes, não integra nenhum dos factos previstos nas alíneas a) a c) do artigo 5º do C.P.C., que pudessem ser considerados pelo Meritíssimo Juiz da 1ª instância,

Daí que se imponha a eliminação do ponto 4 dos Factos não provados.»

Acontece que, em bom rigor, o Tribunal de 1ª instância não extraiu desse dito facto “não provado” sob “4-”, nem considerou com base no mesmo que, com exceção do que dizia respeito aos serviços fúnebres respeitantes a HH, as AA./recorrentes não haviam sofrido nenhum prejuízo suscetível de indemnização.

O que na sentença foi considerado era que «Já relativamente aos restantes serviços fúnebres realizados pelos réus em violação da obrigação de não concorrência a que se vincularam, nenhum dano resultou demonstrado para as autoras (…)» [sublinhado nosso].

Isto é, considerou-se na sentença recorrida que as AA./recorrentes não haviam provado danos relativamente aos restantes serviços fúnebres realizados.

Ora se assim é, não assiste razão à crítica que vem feita nas alegações de recurso quanto a este particular.

Na verdade, o entendimento perfilhado na sentença recorrida mostra-se perfeitamente consentâneo com a adequada interpretação da situação apurada, ou melhor, da não prova feita.

Isto porque a jurisprudência tem referido que a resposta negativa a um facto significa apenas que esse facto não resultou provado e nada mais que isso, não implicando tal resposta que se considere provado o facto contrário.[3]

Por isso, as AA./recorrentes não podem concluir a partir dos factos declarados «não provados» pelo tribunal que existiram os factos contrários e que, por isso, a sentença considerou factos que não existiram.

Nesta linha de entendimento, impõe-se concluir que é desnecessário eliminar o dito ponto “4-” dos Factos “não provados”, pois que tal significa apenas que esse facto não resultou provado e nada mais que isso.

Aliás, algo paradoxalmente as próprias AA./recorrentes concluem as suas alegações recursivas quanto a esta parte reconhecendo que o dito ponto de facto era, no entender das mesmas, «absolutamente irrelevante para o fim último deste e de qualquer processo», isto porque, «independentemente de se saber quem faria, ou não, os serviços fúnebres em causa nos autos, o que verdadeiramente importa é que os recorridos não os podiam ter feito».

Ora se o dito ponto “4-” dos Factos “não provados” é irrelevante para a decisão de mérito, é logicamente desnecessária a sua eliminação.

Assim, na decorrência lógica do sustentado pelas próprias AA./recorrentes, não existe necessidade em dar acolhimento à pretensão em apreciação das mesmas.

Termos em que, por força de tudo o exposto, improcede a impugnação em apreciação.

                                                                       *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre agora entrar na apreciação da última questão igualmente supra enunciada, esta já diretamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, ter havido desacerto da decisão de mérito, pois que deveriam os RR. ter sido condenados no pedido:

Entendemos que não se pode dar acolhimento também a esta última pretensão.

Isto porque a sentença ajuizou adequada e ponderadamente em função da causa de pedir e pedido formulado pelas AA. ora recorrentes na petição inicial, e tendo presente o que ficou provado/apurado em termos de danos.

Na verdade, tendo estruturado a sua causa de pedir na alegada violação da obrigação de não concorrência pelos RR., as AA. ora recorrentes formularam um pedido de indemnização.

Para tanto invocaram enfaticamente no art. 6º da dita p.i. o seguinte:

«Ora, em face do elevado preço global da cessão, e também por imposição da instituição bancária ( ... ) que emprestou à autora FP..., Lda., parte substancial do montante necessário ao pagamento daquele preço, aquela autora e os réus acordaram entre si uma obrigação de não concorrência, nos termos da qual os réus obrigaram-se a não desenvolver por si, ou por interposta pessoa, singular ou colectiva, actividade concorrente com as das autoras F..., L.da e A..., Lda, incluindo na qualidade de trabalhadores, prestadores de serviços, comissionistas, etc,, sob pena de indemnização a favor das autoras – cfr. a cláusula 7ª do doc. nº 1.» [sublinhado nosso]

Sendo certo que essa dita cláusula 7ª do contrato tinha efetivamente o seguinte teor literal:
Temos então que, s.m.j., as partes não estabeleceram, concretizaram ou definiram oportunamente, qual a indemnização a que haveria lugar em caso de violação da obrigação de não concorrência pelos RR., mais concretamente, quais seriam os parâmetros ou critérios para a quantificação da indemnização.

Sem embargo do vindo de dizer, parece-nos incontornável que a indemnização que as AA. peticionaram nos autos era uma indemnização que, sob o ponto de vista dogmático ou conceitual, se podia qualificar como uma indemnização por “perdas e danos”.

Na verdade, compulsando a p.i., não nos parece que se possa ou deva concluir que foi reclamada uma indemnização por ter sido abalado o bom nome, a reputação e honra das AA., no meio em que exerciam as suas atividades, desse modo facultando uma eventual indemnização por danos “não patrimoniais”.

Em todo o caso, nenhum dado factual resulta dos factos “provados” que permita consistentemente concluir pela indemnização a este título.

Sucede que, não obstante o vindo de dizer, as AA. ora recorrentes clamam nas alegações recursivas por uma indemnização decorrente de os recorridos terem feito os serviços fúnebres em causa nos autos, quando não os podiam ter feito.

No fundo, salvo o devido respeito, intentam equiparar a violação da obrigação de não concorrência a uma obrigação de non faccere, com o sentido de que, violada esta última, lhes assiste o direito a uma indemnização correspondente ao lucro líquido que cada um dos atos fúnebres realizados tinha representado para os RR., razão pela qual devem estes ser condenados a pagar às AA. uma indemnização no valor de € 12.000,00 (= 16 x € 750,00).

Que dizer?

Relativamente a tal, discorreu-se pela seguinte forma na sentença recorrida:

«(…)

A violação da obrigação de não concorrência, quer se trate da violação da obrigação implícita de não concorrência, quer se trate de violação de cláusulas de não concorrência negociadas por ocasião do trespasse ou da compra de participações sociais (quotas ou acções), é sancionada no quadro das normas respeitantes ao cumprimento das obrigações. E, por conseguinte, o trespassário pode intentar acção de cumprimento (art.817.º do Código Civil) ou resolver o contrato pelo qual foi realizado o trespasse (asset deal) ou o contrato de compra e venda de participações sociais (quotas ou acções) de uma sociedade comercial (share deal) que deva ser equiparada ao trespasse da empresa social (art.801.º do Código Civil). Quer opte pela acção de cumprimento, quer opte pela resolução, o trespassário pode ainda exigir do(s) devedor(s) inadimplente(s) a indemnização pecuniária correspondente ao valor do dano causado, podendo ainda o trespassante incorrer na sanção de encerramento da empresa (cfr., neste sentido, M. Nogueira Serens, in Das Obrigações de Não Concorrência Na Negociação Definitiva da Empresa, Almedina, 2017, págs.101,107 e 108).

Já na hipótese de as partes terem convencionado uma pena, nos termos do preceituado nos arts.810.º e segs. do Código Civil, o que diga-se não sucedeu no caso vertente, o montante da pena faz as vezes da indemnização que, na falta de cláusula penal, o juiz arbitraria (cfr., neste sentido, M. Nogueira Serens, in Das Obrigações de Não Concorrência Na Negociação Definitiva da Empresa, Almedina, 2017, pág.116).

Como de forma clara escreve Rui Manuel Da Rocha Santos (cfr. Tese de Mestrado sobre a Transmissão da Empresa - Da Obrigação de Não Concorrência nos Asset Deals e Share Deals, disponível para consulta in https://repositorio.ucp.pt//bitstream/10400.14/23291/1/TESE%20FINAL%20PRONTA%20FINALMENTE.pdf) “se aquele que transmite a empresa se restabelecer, violando a obrigação de não concorrência, o adquirente da empresa pode exercer os direitos previstos nas normas relativas ao não cumprimento das obrigações, maxime, indemnização por perdas e danos, resolução contratual, acção de cumprimento, sanção pecuniária compulsória e exigência de encerramento do novo estabelecimento - arts.798.º, 801.º, n.º2, 817.º, 829.º-A, 829.º, n.º1, respectivamente, todos do Código Civil.

Violada esta obrigação pode recorrer-se aos artigos enunciados anteriormente, desde logo, o art.829.º, n.º1 do Código Civil, como regra de direito comum. Naturalmente esta aplicação deve ser realizada com as necessárias adaptações quando efectuada no âmbito do direito comercial. De acordo com este artigo pode ser pedido o encerramento do estabelecimento. É ainda conferida à parte lesada a possibilidade de ver ressarcidos os seus danos através de uma indemnização, nos termos do art.798.º, e de resolver o contrato ou ver restituída a sua prestação, nos termos do art.801.º, n.º2. Para além desta possibilidade, a violação da obrigação de não concorrência leva a que o adquirente possa exigir judicialmente o cumprimento da obrigação, nos termos do art.817.º.

Pode ainda, após ordem judicial de encerramento da empresa concorrente, ser aplicada sanção pecuniária compulsória, de acordo com o art.829.º-A do Código Civil.

No caso em apreço as autoras não intentaram acção de cumprimento, não peticionam a resolução do contrato de cessão de quotas, nem o encerramento do novo estabelecimento. Antes pedem a condenação dos réus a indemnizá-las.

Nessa medida, deve o tribunal cingir-se, em face do pedido, à problemática da indemnização.

Questão problemática prende-se com o pressuposto do dano.

Sustentam as autoras que os réus devem indemnizá-las e que o montante da indemnização deve corresponder ao lucro líquido que os réus obtiveram com a realização dos serviços fúnebres elencados em x) dos factos provados, sendo que por cada um dos serviços fúnebres os réus obtiveram, pelo menos, um lucro líquido de €750,00, razão pela qual devem ser condenados a pagar às autoras uma indemnização no valor de €12.000,00 (16 x €750,00).

Todavia, não tendo sido fixada cláusula penal, hipótese em que o montante da pena faria as vezes da indemnização que o juiz arbitraria, não pode a indemnização ser calculada nos termos solicitados pelas autoras.

Assim, não tendo as partes acordado a fixação de qualquer cláusula penal importa ponderar a fixação de indemnização às autoras, sendo que a atribuição de tal indemnização deve corresponder ao dano por elas sofrido.

Preceitua o art.798.º do Código Civil que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.

Já no que respeita à obrigação de indemnização são aplicáveis as disposições dos arts.562.º e segs. do Código Civil (cfr., neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, 1968, pág.43).

O dano ou prejuízo corresponde, pois, à perda sofrida pelo lesado reflectida na sua situação patrimonial.

Os danos patrimoniais abrangem os prejuízos que, sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, podem ser reparados ou indemnizados, senão directamente (mediante restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior à lesão), pelo menos indirectamente (por meio de equivalente ou indemnização pecuniária).

Pergunta-se, então, se a realização pelos réus, através da sociedade PC..., Lda, dos serviços fúnebres elencados em x) dos factos provados traduz necessariamente um prejuízo para as autoras.

E a resposta não pode deixar de ser em sentido negativo.

Com efeito, o facto de os serviços fúnebres em questão terem sido realizados pelos réus apenas representará um prejuízo para as autoras se caso tais serviços fúnebres não tivessem sido realizados pelos réus fossem realizados pelas autoras, pois que só assim as autoras terão sofrido um dano, precisamente correspondente ao montante que deixaram de auferir pela realização dos aludido serviços, nomeadamente em face dos lucros que deixaram de receber, na medida em que só este lucro corresponderá a um efectivo dano.

E a este propósito temos que apenas resultou demonstrado que se não fossem os réus a realizar os serviços fúnebres referentes ao óbito de HH, sepultado no dia 27 de Agosto de 2020 no cemitério de ..., concelho ..., os mesmos seriam realizados pelas autoras.

Já no que respeita aos restantes serviços fúnebres elencados em x) dos factos provados não resultou demonstrado, nem, diga-se, foi alegado pelas autoras, que na hipótese de os mesmos não terem sido realizados pelos réus teriam sido realizados pelas autoras.

Refira-se a este propósito que, como aliás ocorre com a generalidade das actividades comerciais, vigora o princípio da livre concorrência e da livre escolha dos operadores económicos por parte dos consumidores.

Assim, sempre poderiam os familiares dos falecidos optar pela prestação dos serviços fúnebres por agência funerária distinta das autoras.

E, pergunta-se, qual o prejuízo sofrido pelas autoras nessa hipótese?

A resposta é, naturalmente nenhum.

É certo que poderia em abstracto afirmar-se que as autoras viram diminuída a sua facturação em virtude da violação pelos réus da obrigação de não concorrência a que se vincularam, o que, obviamente, traduziria um prejuízo para as autoras.

Todavia, para além de a quebra de facturação e do volume de negócios não ter sido alegada pelas autoras, resultou até provado que após a celebração do contrato de cessão de quotas entre a autora FP..., Lda. e os réus, as autoras não registaram qualquer quebra no número de funerais por si realizados e, naturalmente, na sua facturação.

Perante o que fica dito o prejuízo sofrido pelas autoras, susceptível de indemnização, decorrente da violação da obrigação de não concorrência por parte dos réus resume-se ao lucro que deixaram de obter com a realização dos serviços fúnebres respeitantes a HH, sepultado no dia 27 de Agosto de 2020 no cemitério de ..., concelho ....

E a este propósito resultou demonstrado que pela realização daquele serviço fúnebre os réus auferiram, pelos menos, um lucro líquido de €750,00, lucro esse que seria recebido pelas autoras caso fossem estas, como seriam caso não fosse a violação da obrigação de não concorrência por parte dos réus, a realizar o mencionado serviço fúnebre.

Devem, pois, os réus ser condenados a indemnizar as autoras no montante de €750,00.

Já relativamente aos restantes serviços fúnebres realizados pelos réus em violação da obrigação de não concorrência a que se vincularam, nenhum dano resultou demonstrado para as autoras, motivo pelo qual nenhuma obrigação de indemnização se impõe aos réus.

(…)»  

A nossa apreciação desta linha argumentativa é no sentido do seu integral sancionamento.

Na verdade, o que restava possível, face ao especificamente alegado e concreto pedido formulado pelas AA., era a atribuição de uma indemnização às mesmas por “perdas e danos”.

Sucede que, tal não poderá deixar de ser aferido pelos concretos danos apurados/provados.

Sendo que, como bem se sublinhou na sentença recorrida, apenas resultou provada a realização de um único serviço fúnebre pelos RR. nas condições elegíveis para conferir o direito à indemnização peticionada a este título[4], a saber, o respeitante a HH, sepultado no dia 27 de Agosto de 2020 no cemitério de ..., concelho ..., relativamente ao qual resultou demonstrado que pela sua realização os RR. auferiram, pelos menos, um lucro líquido de € 750,00 [cf. factos “provados” sob “ff)” e “gg)”].

De referir que nem se pode aventar que a quantificação desse dano em € 750,00 feita na sentença recorrida enferma de um qualquer erro de direito, na medida em que esse foi o valor peticionado pelas próprias AA. e que as mesmas nem sequer questionam, em si, nas alegações recursivas…

Sendo certo que relativamente ao aspeto de quanto aos demais serviços fúnebres realizados pelos RR. que resultaram apurados/provados na sentença [que são os descritos/discriminados na al. “x)” dos factos “provados”] não ser de atribuir qualquer indemnização às AA. por “perdas e danos”, tal é decisão que se nos afigura inquestionável, na medida em que nenhum prejuízo para as AA. foi apurado/provado como consequente da atuação dos RR..

Ora, o apuramento de um efetivo prejuízo neste particular era um requisito indispensável para tanto, aliás, como o é para que a violação de uma qualquer obrigação de “non faccere” possa conferir direito a uma indemnização (cf. art. 876º, nº1, al.b) do n.C.P.Civil).[5]

Acrescendo, até, a contraprova feita pelos RR. no sentido de que «O número de serviços fúnebres realizados pelas autoras não diminuiu após a celebração do contrato referido em d) a f)» [cf. facto “provado sob “hh)”].

Posto o que subsistem todos os fundamentos de facto e de direito para a decisão de condenação restrita que foi proferida.

Tendo a sentença recorrida efectuado um douto enquadramento jurídico do caso, para o qual no demais, “brevitatis causa” se remete.

Por outro lado, nem sequer constam das alegações recursivas quaisquer argumentos de discordância, em termos dogmáticos e substantivos, relativamente ao enquadramento jurídico em si constante da sentença recorrida…

Assim, e sem necessidade de maiores considerações, improcede fatalmente o recurso.

                                                           *

(…)                                                                *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, pela total improcedência da apelação, mantendo a sentença recorrida nos seus precisos termos.  

            Custas do recurso pelas AA./recorrentes.                                        

                                                                                   Coimbra, 10 de Maio de 2022

                                                     Luís Filipe Cravo

                                                  Fernando Monteiro

                                                     Carlos Moreira



[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira

[2] De referir que já foi por despacho singular do ora Relator apreciada e decidida a questão prévia da (não) admissibilidade da junção de um documento com as alegações de recurso, a saber, no sentido da recusa da junção do dito documento.
[3] Cfr. Acórdãos do S.T.J. de 08-2-1966, no B.M.J. n.º 154-304; de 28-05-1968, no B.M.J. n.º 177-260; de 30-10-1970, no B.M.J. n.º 200-254 e, mais recentemente, de 06-04-2006, com referência ao n.º 06B305, em www.dgsi.pt)

[4] Isto é, que se não fossem os RR. a realizar este serviço fúnebre, o mesmo seria realizado pela A.!
[5] Cf., neste sentido, o acórdão do TRP de 12.01.2015, proferido no proc. nº 3508/13.4T2OVR-A.P1, acessível em www.dgsi.pt/jtrp.