Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2206/15.9T8PBL-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
CADUCIDADE
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE DO FACTO QUE FUNDAMENTA OS EMBARGOS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
Data do Acordão: 03/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 342.º; 344.º E 755.º, DO CPC
Sumário: I – Tendo o terceiro embargante  obtido acesso à descrição no registo predial onde consta o registo da penhora efetuado nos autos de execução do prédio penhorado,  tem de concluir-se que ele em tal data tomou conhecimento, ou era-lhe exigível que tivesse tomado,  da existência de penhora  para o efeito do artº 344º nº2  do CPC.

II -  Alegado este conhecimento superveniente, e  sendo ele um facto «pessoal e subjetivo», o embargante tem, na petição de embargos, e para obstar à caducidade dos mesmo, não apenas de alegá-lo, como, outrossim,  prová-lo, sob pena de caducidade dos embargos.

Decisão Texto Integral:
Relator: Carlos Moreira
1.º Adjunto: Rui Moura
2.º Adjunto: Fonte Ramos

ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

Município ..., veio deduzir embargos de terceiro, por apenso aos autos de execução, por petição entregue em juízo em 13.07.2017, que AA e BB movem contra A..., LDA, tendo reclamado créditos Banco 1..., S.A. e Banco 2..., CRL.

Pedindo, para além do mais, que se:

a) Declare que o Embargante adquiriu em 30/04/2007, ou em qualquer outra data que se vier apurar no âmbito dos presentes autos, por acessão industrial imobiliária, e para integrar o seu domínio privado municipal, o prédio urbano situado na Quinta ..., em ..., que melhor identifica, mediante o pagamento pelo Embargante da quantia de €396.562,50 à Embargada A..., Lda., correspondente ao valor que este prédio tinha à data da incorporação das obras realizadas pela Embargante naquele prédio, ou outra quantia que se vier apurar nos presentes autos;

b) Condene os Embargados a reconhecer que desde 30/04/2007, ou desde qualquer outra data que se vier apurar no âmbito dos presentes autos, que o Embargante é o dono do prédio urbano situado na Quinta ..., em ..., composto por tereno para construção urbana, com uma área de 20.310 m2, que melhor, e consequentemente, a ordenar o cancelamento da inscrição de aquisição AP. ...0 de 2008/12/16 daquela descrição predial;

c) Declare a nulidade, por simulação absoluta, da hipoteca voluntária constituída pela Embargada A..., Lda, e sobre o prédio referido nas alíneas anteriores, a favor dos Embargados AA e BB, titulada pela escritura pública de hipoteca outorgada por aqueles em 05/07/2011 no Cartório Notarial ..., a cargo da notária CC, lavrada a fls. 37 a 39, do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 155 daquele cartório, hipoteca aquela inscrita a favor destes pela AP. ...60 de 2014/10/03, no prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...20, da freguesia ... e concelho ..., e, consequentemente, condene os Embargados A..., Lda, AA e BB, bem como os restantes embargados, a reconhecerem que aquele negócio é nulo, e que não produz quaisquer efeitos jurídicos, e que se ordene o cancelamento da referida inscrição predial de hipoteca AP. ...60 de 2014/10/03 daquela descrição predial, bem como a inscrição predial de penhora AP. ...49 de 2015/06/09 também daquela descrição predial;

Ou caso o pedido referido em C) não seja julgado procedente, que se:

D) Declare a nulidade, por falta de legitimidade da Embargada A..., Lda. e conforme melhor referido de 84º a 106º da petição inicial, da hipoteca voluntária constituída pela Embargada A..., Lda, sobre o prédio referido nas alíneas A) e B) do presente pedido, a favor dos Embargados AA e BB, titulada pela escritura pública de hipoteca outorgada por aqueles em 05/07/2011 no Cartório Notarial ..., a cargo da notária CC, lavrada a fls. 37 a 39, do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 155 daquele cartório, hipoteca aquela inscrita a favor destes embargados pela AP. ...60 de 2014/10/03, no prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...20, da freguesia ... e concelho ..., e, consequentemente, condene os Embargados A..., Lda, AA e BB, bem como os restantes embargados, a reconhecerem que aquele negócio é nulo, e que não produz quaisquer efeitos jurídicos, e ainda que se ordene o cancelamento da referida inscrição predial de hipoteca AP. ...60 de 2014/10/03 daquela descrição predial, bem como a inscrição predial de penhora AP. ...49 de 2015/06/09 também daquela descrição predial;

ou caso se assim não entenda, e que este pedido D) não seja julgado procedente, que

E) Declare que seja ineficaz, e que não produz quaisquer feitos relativamente ao Embargante, conforme alegado em 107º a 111º do presente articulado, a hipoteca voluntária constituída pela Embargada A..., Lda, sobre o prédio referido nas alíneas A) e B) do presente pedido, a favor dos Embargados AA e BB, titulada pela escritura pública de hipoteca outorgada por aqueles em 05/07/2011 no Cartório Notarial ..., a cargo da notária CC, lavrada a fls. 37 a 39, do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 155 daquele cartório, hipoteca aquela inscrita a favor destes embargados pela AP. ...60 de 2014/10/03, no prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...20, da freguesia ... e concelho ..., e, consequentemente, condene os Embargados A..., Lda, AA e BB, bem como os restantes embargados, a reconhecerem que aquele negócio é ineficaz relativamente ao Embargante, e que não produz quaisquer efeitos jurídicos relativamente a este, e ainda que se ordene o cancelamento da referida inscrição predial de hipoteca AP. ...60 de 2014/10/03 daquela descrição predial, bem como a inscrição predial de penhora AP. ...49 de 2015/06/09 também daquela descrição predial;

F) Declare a nulidade, ou a sua ineficácia relativamente ao Embargante, da penhora realizada em 29/06/2016 pela Embargada Banco 1..., S.A., no âmbito do processo executivo nº ...3... – Comarca ... – ... – Instância Central – 2ª Seção de Execução, hoje denominada por Juízo de Execução – ... – Comarca ..., que tem como Exequente o Banco 1..., S.A, e Executada a A..., penhora aquela inscrita a favor da Embargada Banco 1..., S.A. pela AP. ...55 de 2016/09/26, no prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...20, da freguesia ... e concelho ..., e, consequentemente, condene aquela embargada a reconhecer que aquela penhora é nula, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos, ou então que a mesma é ineficaz relativamente ao Embargante, e que não produz quaisquer efeitos jurídicos relativamente este, e ainda que se ordene o cancelamento da referida inscrição predial de penhora AP. ...55 de 2016/09/26 daquela descrição predial;

G) Declare a nulidade, ou a sua ineficácia relativamente ao Embargante, da penhora realizada em 21/03/2017 pela Embargada Banco 2..., CRL no âmbito do processo executivo nº ...3... – Comarca ... – ... – Juízo de Execução, que tem como Exequente a Banco 2..., CRL e Executada a A..., Lda, penhora aquela inscrita a favor da Embargada Banco 2..., CRL, pela AP. ...68 de 26/09/2016, no prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...20, da freguesia ... e concelho ..., e, consequentemente, condene aquela embargada a reconhecer que aquela penhora é nula, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos, ou então que a mesma é ineficaz relativamente ao Embargante, e que não produz quaisquer efeitos jurídicos relativamente este, e ainda que se ordene o cancelamento da referida inscrição predial de penhora AP. ...68 de 26/09/2016, daquela descrição predial.

Alegou para tanto, e em síntese, que:

- teve conhecimento da penhora do imóvel supra-descrito, na execução, em 26/06/2017;

- imóvel penhorado nos autos principais foi por si adquirido por acessão industrial imobiliária pelo menos no ano de 2007.

- A hipoteca dada à execução nos autos principais constituiu um negócio simulado.

Requereu, posteriormente, por articulado superveniente datado de 06.10.2017 a restituição provisória do bem imóvel objeto de acessão industrial imobiliária porquanto foram praticados atos ofensivos do seu direito de propriedade.

Mais peticionou a adição aos pedidos inicialmente formulados dos seguintes pedidos:

a) Que os Embargados sejam condenados a reconhecer o Embargante Município ..., como o legítimo possuidor do prédio o prédio urbano situado na Quinta ..., em ..., composto por terreno para construção urbana, com uma área de 20.310 m2, a confrontar do Norte com DD, de Nascente com serventia, do Sul com EE e de Poente com rio, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...38, da freguesia ..., ..., ... e ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...20, da freguesia ..., concelho ..., objeto do Protocolo, onde se encontra edificado parte do Complexo Municipal de ... e os respetivos espaços exteriores envolventes;

b) Que a Embargada A..., Lda seja condenada abster-se de praticar quaisquer actos ou omissões, sejam de que natureza forem, por si ou por interposta pessoa, que limitem, perturbem, condicionem ou impeçam a posse do Embargante Município ... sobre aquele prédio, nomeadamente, quaisquer actos ou omissões que limitem, perturbem, condicionem ou impeçam o acesso e utilização do Complexo Municipal de ... pelos seus utentes, e pelo público em geral, bem como quaisquer actos ou omissões que limitem, perturbem, condicionem ou impeçam o acesso e utilização pelo Embargante Município ... e pelo público em geral dos espaços envolventes daquele complexo desportivo;

c) Que a Embargada A... seja condenada numa sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 829º-A do Código Civil, no montante diário de €500,00, por cada dia em que aquela, viole ou não cumpra com o referido nas alienas anteriores do presente pedido.

Os embargos foram recebidos, mais tendo sido determinada a suspensão da execução relativamente ao prédio urbano situado na Quinta ..., em ..., composto por terreno para construção urbana, com uma área de 20.310 m2, bem como ordenada a respetiva restituição provisória da posse ao embargante.

Cumprido o disposto no art.º 348.º, n.º 1 do CPC, os Embargados Exequentes deduziram contestação.

Invocaram, para além do mais e no que ao recurso releva, a caducidade do direito do embargante, por o Município já ter tido conhecimento da penhora do prédio pelo menos desde 09.02.2017.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«Desta forma, e pelo exposto, julgo procedente por provada a invocada excepção da caducidade do direito de acção do embargante e absolvo os embargados da instância.

Custas pela embargante – artigo 527º do C.P.C.».

3.

Inconformado recorreu o embargante.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1.º O Tribunal a quo concluiu que o prazo de 30 dias para apresentar os embargos já havia decorrido aquando da entrada da ação em juízo no dia 12 de julho 2017, porquanto, o Recorrente alegadamente teve conhecimento da penhora no dia 09 de fevereiro de 2017, na medida em que se encontrava na posse de uma certidão da descrição predial do prédio reivindicado.

2.º Com os embargos apresentados em juízo no dia 12 de julho de 2017, o Embargante/Recorrente pretende ver regressar à sua posse/propriedade o objeto da penhora, isto é, o prédio urbano identificado no ponto 4) alínea b) dos factos provados).

3.º Os embargos apresentados pelo Embargante/Recorrente têm finalidade repressiva, encontrando-se o prazo para a dedução dos embargos de terceiro de feição repressiva mencionado no artigo 344.º, n.º 2, do CPC, de forma alternativa: a) ou nos 30 dias a contar da data em que a diligência foi efetuada; b) ou no prazo de 30 dias a contar da data em que o embargante teve conhecimento da ofensa.

4.º Importa assim aferir em que data é que o Embargante/Recorrente teve conhecimento efetivo do ato ofensivo do seu direito.

5.º O ato ofensivo do direito do Embargante/Recorrente é a penhora do prédio urbano identificado no ponto 4), alínea b), dos factos provados e não o seu REGISTO.

6.º A penhora de bens imóveis pode ser feita nos termos gerais do registo predial (artigo 41.º a 42.º-A do CRP) ou por comunicação eletrónica à conservatória do registo predial competente, comunicação essa que vale como apresentação para o efeito de inscrição no registo (artigo 755.º, do CPC e artigos 42.º-A, 48.º, n.º 1 e 60.º do CRP), pelo que poderá pensar-se que a penhora e o ato de apresentação se confundem.

7.º Mas trata-se apenas da simplificação do procedimento da penhora, uma vez que, após o envio pela conservatória do registo predial ... dos registos em vigor sobre o prédio penhorado, o agente de execução lavra o auto de penhora.

8.º Só quando o agente de execução lavra o auto de penhora é que a mesma se considera realizada.

9.º Não é, assim, o registo da penhora que ofende ou agride o direito de terceiro, mas o próprio ato da penhora enquanto apreensão judicial de bens, já efetuada ou mesmo só ordenada.

10.º É, portanto, por referência ao conhecimento do ato de penhora que se conta o prazo do artigo 344.º do CPC e não por referência ao conhecimento do registo da penhora.

11.º Da análise da jurisprudência resulta manifestamente que o ato de penhora e o ato de registo são atos totalmente distintos e não se confundem entre si, sendo que a posse ou o direito de terceiro sobre imóvel apenas é suscetível de ofenda pelo ato de penhora, mas não pelo seu registo (seja ele provisório ou definitivo).

12.º Logo, os factos dados como provados nos pontos 79 e 80 da matéria assente afiguram-se absolutamente inócuos para efeitos de contagem do prazo estabelecido no artigo 344.º, n.º 2, do CPC, pois que o conhecimento que releva para o início da contagem desse prazo é o conhecimento do ato de penhora e não o conhecimento do registo da penhora.

13.º O Tribunal a quo deu como provado que o Município ... teve em seu poder a certidão da descrição n.º ...15/... relativa ao prédio penhorado nos autos que obteve no dia 25.01.2017, através do código de acesso à certidão permanente, onde consta o registo da penhora efetuado nos autos de execução principais sobre o prédio descrito em 4º, alínea b), no dia 09/06/2015.

14.º Sobrevém que, o registo da penhora mencionado pelo Tribunal a quo não tem efeitos constitutivos da penhora!

15.º A penhora só foi constituída no dia 15 de junho de 2015, com a elaboração do auto de penhora por parte do agente de execução.

16.º Apesar de na certidão da descrição n.º ...20 constar a informação AP. ...49 de 2015/06/09, 12:56:10 UTC – Penhora, data da penhora 2015/06/09, tal não significa que, no dia 09/06/2015, a penhora efetivamente estivesse constituída!

17.º E, na verdade, no dia 09/06/2015 a penhora ainda não se encontrava constituída, o que apenas se veio a verificar no dia 15/06/2015 aquando da elaboração do auto de penhora por parte do Agende de Execução.

18.º O registo da penhora efetuado nos autos de execução principal sobre o prédio descrito no artigo 4, alínea b), dos factos provados, mantém-se atualmente em vigor apesar de a penhora se encontrar cancelada desde 12/10/2021 – isto é desde há quase 1 ano!

19.º Quer isto significar que o conhecimento do registo da penhora não pode, por si só, de forma alguma, desencadear o início da contagem do prazo de caducidade de embargar de terceiro estabelecido no artigo 344.º, n.º 2, do CPC.

20.º O Embargante/Recorrente só teve conhecimento que, no dia 15 de junho 2015, foi constituída a penhora em discussão nos presentes autos sobre o prédio identificado no ponto 4, alínea b) da matéria assente, no dia 26 de junho de 2017, conforme decorre da análise conjugada dos documentos n.º 26 e n.º 27 junto aos autos com a petição inicial e do ponto 39 da matéria assente.

21.º O Tribunal a quo violou, assim, o disposto nos artigos 344.º, n.º 2, 755.º e 753.º, n.º 1, do CPC.

22.º Considerando que o Tribunal a quo não deu como provados (e nem como não provados) os dois factos relevantes para efeitos de contagem do prazo estatuído no artigo 344.º, n.º 2, do CPC, ou seja, a data da constituição da penhora e a data do conhecido do ato de penhora por parte do Embargante/Recorrente, impõe-se ao Tribunal ad quem a alteração da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC.

23.º O Tribunal ad quem deve proceder à alteração da matéria de facto com base no auto do penhora realizado no âmbito dos autos principais, nos documentos n.º 26 e 27 juntos aos autos com a petição inicial do Recorrente e no depoimento da testemunha FF, dando como provado o seguinte:

a) A penhora do prédio urbano composto de parcela de terreno para construção urbana com 20310M2, sito na Quinta ..., ..., freguesia ... e concelho ..., inscrito na matriz sob o art. ...38, união de freguesias ..., ..., ... e ... e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...15, efetuada no âmbito do processo n.º 2206/15...., atualmente a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Execução ... – Juiz ... (e à data da elaboração do auto de penhora a correr termos na Comarca ..., Instância Central ..., 2.ª Secção de Execução – Juiz ...), a favor dos Exequentes BB e AA, foi constituída em 15 de junho de 2015;

b) O Município ... teve conhecimento do ato de penhora do prédio urbano composto de parcela de terreno para construção urbana com 20310M2, sito na Quinta ..., ..., freguesia ... e concelho ..., inscrito na matriz sob o art. ...38, união de freguesias ..., ..., ... e ... e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...15, efetuada no âmbito do processo n.º 2206/15...., atualmente a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Execução ... – Juiz ... (e à data da elaboração do auto de penhora a correr termos na Comarca ..., Instância Central ..., 2.ª Secção de Execução – Juiz ...), a favor dos Exequentes BB e AA, por notificação datada de 21 de junho de 2017 e rececionada em 26 de junho de 2017.

24.º Alterada a matéria de facto nos termos acima traçados, o Tribunal ad quem deve julgar totalmente improcedente, por não provada, a exceção perentória de caducidade do direito de ação do embargante.

25.º Caso assim se não entenda – o que não se concede – o Tribunal ad quem deve anular a decisão recorrida, ordenando ao Tribunal a quo a ampliação da matéria de facto por forma a incluir a data de constituição do ato de penhora e a data do conhecimento do ato de penhora por parte do Embargante/Recorrente, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), parte final, e n.º 3, alínea b), do CPC.

26.º Ademais – mesmo que assim se não entenda –, cabe referir que o Embargante/Recorrente é uma pessoa coletiva de direito público, tendo como órgãos representativos a assembleia municipal e a câmara municipal, sendo a assembleia municipal o seu órgão deliberativo e a câmara municipal o seu órgão executivo, tal como determinam os artigos 5.º, n.º 2 e 6.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 75/2013, de 12/9 na sua atual redação.

27.º Competindo ao Presidente da Câmara Municipal a representação do município em juízo e fora dele, conforme dispõe o artigo 35.º, n.º 1 a) da Lei n.º 75/2013, de 12/9 na sua atual redação.

28.º Ora, só quando foi notificado pelo Sr. Agente de Execução dos autos principais, em ofício dirigido à Câmara Municipal ... para que esta exercesse o seu direito de preferência, é que o Embargante/Recorrente teve conhecimento da existência da penhora sobre o prédio, isto é, em 26 de junho 2017.

29.º Sendo irrelevante para esse efeito a data da certidão permanente predial junta com a queixa crime apresentada em 09 de fevereiro 2018, uma vez que a referida queixa não se encontra subscrita pelo respetivo presidente de câmara, nem por qualquer outro membro dos seus órgãos representativos, não tão pouco resulta da própria certidão que os seus órgãos representativos tiveram conhecimento da mesma.

30.º Acresce que, o Tribunal a quo não logrou dar como provado a data em que o Embargante/Recorrente, através dos seus órgãos representativos, teve conhecimento da penhora, tendo, inclusive, sido dado como não provado o explanado nas alíneas d) e e) dos factos não provados.

31.º De modo que, a única data que poderia ser tida em consideração pelo Tribunal a quo, para efeitos de início da contagem do prazo estabelecido no artigo 344.º, n.º 2, do CPC, seria a estabelecida no ponto 39 dos factos provados, afigurando-se, assim, os embargos de terceiros tempestivos.

32.º Mas, ainda que se entendesse que o Embargante/Recorrente conhecia, ou não poderia deixar de conhecer, da existência da penhora sobre o prédio, por força da certidão permanente que instruiu a queixa-crime apresentada no DIAP ... em 09 de fevereiro 2017, e que esse conhecimento releva para efeitos de contagem do prazo estabelecido no artigo 344.º, n.º 2, do CPC, a verdade é que nesta data o Embargante/Recorrente não era titular de qualquer direito incompatível com a penhora, sendo mero credor de uma relação obrigacional titulada pelo Protocolo.

33.º Não sendo titular de qualquer direito incompatível (dado que ainda não tinha manifestado qualquer vontade de exercer a presente aquisição potestativa), aquela penhora naquelas datas (data da penhora, data do registo da penhora e data da certidão permanente, data da apresentação da queixa-crime) não constituía um ato ofensivo do seu direito, o qual surgiu apenas no dia 12 de julho de 2017, data em que manifestou nos presentes autos (sem nunca o tendo feito anteriormente) esta sua vontade, pelo que não se verificou a exceção de caducidade.

34.º De modo que, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 1340.º do CPC.

35.º Tribunal ad quem deve declarar que o Município ... adquiriu o prédio urbano identificado no ponto 4, alínea b), dos factos provados, por acessão imobiliária, no dia 18 de junho de 2007, mediante o pagamento da quantia de €396.562,50 à Embargada A..., Lda., valor esse correspondente ao valor que este prédio tinha à data da incorporação das obras realizadas pelo Embargante naquele prédio, com base nos pontos 1 a 18, 27 a 49 e 66 da matéria de facto provada, e, consequentemente deve:

d) condenar os Embargados a reconhecer que desde 18 de junho de 2007, que o Embargante é o dono do prédio urbano situado na Quinta ..., em ..., composto por tereno para construção urbana, com uma área de 20.310 m2, a confrontar do Norte com DD, de Nascente com serventia, do Sul com EE e de Poente com rio, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...38, da freguesia ..., ..., ... e ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...20, da freguesia ..., concelho ..., e consequentemente, a ordenar o cancelamento da inscrição de aquisição AP. ...0 de 2008/12/16 daquela descrição predial;

e) declarar a nulidade, ou a sua ineficácia relativamente ao Embargante, da penhora realizada em 29/06/2016 pela Embargada Banco 1..., S.A., no âmbito do processo executivo nº ...3... – Comarca ... – ... – Instância Central – 2ª Seção de Execução, hoje denominada por Juízo de Execução – ... – Comarca ..., que tem como Exequente o Banco 1..., S.A, e Executada a A..., penhora aquela inscrita a favor da Embargada Banco 1..., S.A. pela AP. ...55 de 2016/09/26, no prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...20, da freguesia ... e concelho ..., e, consequentemente, condenar aquela Embargada a reconhecer que aquela penhora é nula, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos, ou então que a mesma é ineficaz relativamente ao Embargante, e que não produz quaisquer efeitos jurídicos relativamente este, e ainda que se ordene o cancelamento da referida inscrição predial de penhora AP. ...55 de 2016/09/26 daquela descrição predial; e,

f) Declarar a nulidade, ou a sua ineficácia relativamente ao Embargante, da penhora realizada em 21/03/2017 pela Embargada Banco 2..., CRL no âmbito do processo executivo nº ...3... – Comarca ... – ... – Juízo de Execução, que tem como Exequente a Banco 2..., CRL e Executada a A..., Lda, penhora aquela inscrita a favor da Embargada Banco 2..., CRL, pela AP. ...68 de 21/03/2017, no prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...20, da freguesia ... e concelho ..., e, consequentemente, condene aquela embargada a reconhecer que aquela penhora é nula, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos, ou então que a mesma é ineficaz relativamente ao Embargante, e que não produz quaisquer efeitos jurídicos relativamente este, e ainda que se ordene o cancelamento da referida inscrição predial de penhora AP. ...68 de 21/03/2017, daquela descrição predial.

36.º O Tribunal ad quem deve revogar a sentença recorrida com base nos pontos 50 a 57, 60, e 85 a 91 da matéria assente e declarar a nulidade, por simulação absoluta, da hipoteca voluntária constituída pela Embargada A..., Lda, sobre o prédio identificado em 4), alínea b), dos factos provados, a favor dos Embargados AA e BB, titulada pela escritura pública de hipoteca outorgada por aqueles em 05/07/2011 no Cartório Notarial ..., a cargo da notária CC, lavrada a fls. 37 a 39, do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 155 daquele cartório, hipoteca aquela inscrita a favor destes pela AP. ...60 de 2014/10/03, no prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...20, da freguesia ... e concelho ..., e, consequentemente, condenar os Embargados A..., Lda, AA e BB, bem como os restantes embargados, a reconhecerem que aquele negócio é nulo, e que não produz quaisquer efeitos jurídicos, e ordenar o cancelamento da referida inscrição predial de hipoteca AP. ...60 de 2014/10/03 daquela descrição predial, bem como a inscrição predial de penhora AP. ...49 de 2015/06/09 também daquela descrição predial.

37.º Advém ainda que, do escrutínio dos factos constantes nos pontos 50) a 57), 60), 86) a 91) da fundamentação de facto da sentença recorrida, resulta, inequivocamente, que a hipoteca voluntária constituída pela Embargada A..., Lda, sobre o prédio identificado em 4), alínea b), dos factos provados, a favor dos Embargados AA e BB, titulada pela escritura pública de hipoteca outorgada por aqueles em 05/07/2011 no Cartório Notarial ..., a cargo da notária CC, lavrada a fls. 37 a 39, do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 155 daquele cartório, hipoteca aquela inscrita a favor destes pela AP. ...60 de 2014/10/03, no prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...20, da freguesia ... e concelho ..., foi simulada pelos mesmos com o objetivo de enganar e prejudicar os credores da Embargada A..., Lda.

38.º De modo que o Tribunal a quo sempre deveria ter declarado ao abrigo do disposto no artigo 612.º, do CPC, a nulidade, por simulação absoluta, da hipoteca voluntária constituída pela Embargada A..., Lda, sobre o prédio identificado em 4), alínea b), dos factos provados, a favor dos Embargados AA e BB, nos termos do disposto no artigo 240.º do Código Civil, por forma a obstar à continuidade do uso anormal da ação executiva e respetivos apensos.

39.º Anote-se que AA e BB depois de desistirem da instância executiva no âmbito dos autos principais com o único objetivo de obstar ao conhecimento dos presentes embargos de terceiros – e não tendo logrado conseguir tal desiderato face ao decidido no douto despacho de 12/10/2021 –, em 29/10/2021, vêm apresentar reclamação de créditos no âmbito do Apenso A com fundamento naquela mesma hipoteca voluntária, com a intenção de lograr obter o pagamento de um crédito que sabem ser absolutamente simulado e, assim, prejudicarem os demais credores.

40.º Sendo que, a análise dos factos dados como provados nos pontos 37, 67 a 72, 76 a 77, 79, da matéria assente, conjugados com os factos dados como provados nos pontos 50 a 57, 60, e 85 a 91 da matéria assente, resulta, de forma inequívoca, que a A..., Lda./o seu sócio-gerente GG têm vindo a cometer vários atos ilícitos e ilegais com o único objetivo de obstar ao cumprimento do Protocolo aludido nos pontos 3 a 9 dos factos provados.

41.º GG foi já, inclusivamente, condenado por sentença, transitada em julgado, proferida no âmbito do Processo n.º 396/17...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., pela prática, de cinco crimes de dano qualificado, previstos e punidos, pelos artigos 212.º, n.º 1 e 213.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal.

42.º O Complexo Municipal de ... afigura-se absolutamente essencial no incremento da prática desportiva e recreativa da população leiriense e dos associados do clube, sendo os espaços verdes envolventes do complexo de ténis utilizados pelo público em geral, como espaço de lazer e de recreio, onde crianças brincam e jogam, e os donos passeiam os seus animais de companhia (ponto 34 dos factos provados).

43.º O comportamento belígero e ilícito assumido pela A... (por si, e, nos presentes autos, através de AA e por BB), ao longo dos últimos anos, tem tornado absolutamente impossível a cumprimento do PROTOCOLO, com grave prejuízo, não só, para as demais partes outorgante, mas também para a população em geral que vê comprometida a manutenção e o desenvolvimento de um espaço excecional de desporto e lazer.

44.º Sendo assim, o Tribunal ad quem deverá revogar a sentença recorrida, substituindo-a por outra que, ao abrigo do disposto no artigo 612.º do CPC, declare a nulidade, por simulação absoluta, da hipoteca voluntária constituída pela Embargada A..., Lda. a favor dos Embargados AA e BB sobre o prédio identificado em 4) alínea b), da matéria assente, bem assim do “reconhecimento de dívida e acordo de pagamento em prestações”, datado de 30 de setembro de 2009, que lhe está subjacente; bem assim ordenar o cancelamento da inscrição predial de hipoteca AP. ...60 de 2014/10/03 daquela descrição predial, bem como a inscrição predial de penhora AP. ...49 de 2015/06/09 também daquela descrição predial.

Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, com o mui douto suprimento de Vªs. Exas, deve o presente recurso merecer provimento, e, consequentemente, alterar-se a matéria de facto provada nos termos expostos, com o que, deve julgar-se improcedente, por não provada, a exceção de caducidade do direito de ação do embargante/recorrente, julgando-se, outrossim, os embargos tempestivos e condenando-se os embargos nos termos peticionados na petição inicial.

Contra alegaram os embargados pugnando pela manutenção da decisão com os seguintes argumentos finais:

--A Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece censura por parte do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.

--A penhora na execução apensa aos Embargos foi registada no dia 09 de Junho de 2015

-- O Embargante / Recorrente participou criminalmente contra GG, por participação entrada nos Serviços do DIAP ... , em 09 de Fevereiro de 2017, na qual juntou cópia da descrição do registo predial do prédio em causa, onde consta o registo da penhora efetuado nos autos de execução principais sobre o prédio em causa.

 --O Município ... teve em seu poder a certidão predial da descrição 26l5lPousos, relativa ao prédio penhorado, no dia 25 de Janeiro de2017.

-- O Municipio ... quando apresentou a partrcipação criminal contra GG, 09 de Fevereiro de 2077, e juntou a certidão da descrição predial do prédio da Execução Apensa, teve conhecimento do acto de penhora efetuado nos Autos de execução principais, porque a referida penhora já se encontrava registada.

-- Na data de 09 de Fevereiro de 2017, já se mostravam reunidos no Municipio ... todos os requisitos por si apresentados como fundamento da alegada acessão industrial imobiliária.

--A acessão imobiliária industrial alegada pelo Embargante /Recorrente ocoÍreu em 18 de Junho de 2007, com a conclusão da Obra levada a cabo por este.

--O ato atentatório do direito que se aroga o Municipio ... é a penhora e não a decisão de venda do bem em leilão eletrónico . --O Embargante/Recorrente, teve conhecimento da penhora pelo menos desde 09 de Fevereiro de 2017 .

-- O Embargante/Recorrente, deu entrada em juízo dos Embargos em 12 de Julho de2017.

 -- O Embargante/Recorrente deu entrada dos Embargos em juizo jâ decorrido o prazo de 30 dias.

-- Os embargos de terceiro apresentado pelo Embargante/ Recorrente têm finalidade repressiva. O prazo para a dedução dos embargos de terceiro, com finalidade repressiva, apresentado pelo Municipio ... decorre do disposto no n-o2 do artigo 344 do Código de Processo Civil.

 -- O conhecimento pelo Municipio ... do registo da penhora é que faz desencadear o início da contagem do prazo de caducidade para embargar de terceiro estabelecido no artigo n.o 2 do artigo 344o do Código de Processo Civil.

--O ato ofensivo do direito de terceiro fica consumado com o registo da penhora que é posterior ao ato da penhora.

-- Em 09 de Fevereiro de 2017, o Embargante/ Recorrente já era titular de um direito incompatível com a penhora, em 18 de Junho de2007, o prédio ficou-lhe a pertencer por acessão imobiliária industrial.

-- Deve ser considerada procedente a exceção de caducidade invocada pelos Embargados /Recorridos, julgando-se os Embargos intempestivos.

-- Por força da intempestividade dos Embargos , devem ser absolvidos da Instância os Embargados / Recorridos.

-- Não deve ser declarada a nulidade ou inefïcácia relativamente ao Municipio ... das penhoras constituídas a favor do Banco 1..., S.A., nem o cancelamento da sua inscrição.

--Não deve ser declarada a nulidade ou ineficácia relativamente ao Municipio ... das penhoras constituídas a favor da Banco 2..., CRL, nem o cancelamento da sua inscrição.

- Não deve ser declarada a nulidade da hipoteca voluntária a favor dos Embargados/Recorrentes, nem o cancelamento da sua inscrição.

 -- A Douta Sentença Recorrida não deve ser revogada, mas sim confirmada por não merecer qualquer censura por parte do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda  é  a seguinte:

Ilegalidade da decisão que concluiu pela caducidade dos embargos.

5.

São os seguintes os factos provados relevantes na economia do presente recurso, adstrito à questão da caducidade:

10 - Com a assinatura do Protocolo, o Embargante e a B... entraram na disponibilidade imediata dos prédios descritos em 4), tendo a B..., em 11/07/2006, consignado a obra à sociedade vencedora do concurso.

13 - Tendo aquela obra sido concluída em 18 de Junho de 2007.

14 - No âmbito daquela empreitada, os trabalhos realizados nos prédios em causa totalizaram o valor global de €1.398.758,56.

39 - Por notificação datada de 21/06/2017, e rececionada pelo Embargante em 26/06/2017, o Agente de Execução dos presentes autos notificou o Embargante para, na qualidade de titular de direito de preferência sobe o bem ora penhorado, e melhor identificado em 4), alínea b), “que o(s) mesmo(s) irá(ão) ser vendido(s), mediante Leilão eletrónico, para, querendo, exercer o direito de preferência no próprio acto, se alguma proposta for aceite.

79 – Município ... participou criminalmente contra a GG, por participação entrada nos serviços de DIAP ..., em 09.02.2017, na qual juntou cópia da descrição no registo predial do prédio em causa, onde consta o registo da penhora efectuado nos autos de execução principais sobre o prédio descrito em 4º, alínea b), no dia 09.06.2015.

80 - O Município ... teve em seu poder certidão da descrição n.º ...15... ... relativa ao prédio penhorado que obteve no dia 25.01.2017 através do código de acesso à certidão permanente.

81 - No ano de 2016 houve diversas reuniões na Câmara Municipal ... entre os representantes do Município e o legal representante de A..., Lda., com o objectivo de pôr termo ao litígio entre o Município ... e A..., Lda., relativamente ao prédio referido no Ponto 4.º b).

82 - A penhora efectuada na execução apensa foi registada no dia 09.06.2015.

83 - A hipoteca a favor dos exequentes já havia sido registada no dia 03.10.2014.

84 - Os presentes embargos deram entrada em juízo no dia 12.07.2017.

6.

Apreciando.

São os seguintes os preceitos essenciais do CPC relevantes para a decisão.

Artigo 342.º

Fundamento dos embargos de terceiro

1 - Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.

Artigo 344.º Dedução dos embargos

2 - O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas.

Artigo 755.º

Realização da penhora de coisas imóveis

1 - A penhora de coisas imóveis realiza-se por comunicação eletrónica do agente de execução ao serviço de registo competente, a qual vale como pedido de registo, ou com a apresentação naquele serviço de declaração por ele subscrita.

2 - Inscrita a penhora e observado o disposto no n.º 5, é enviado ou disponibilizado por via eletrónica, ao agente de execução, certidão dos registos em vigor sobre os prédios penhorados.

3 - Seguidamente, o agente de execução lavra o auto de penhora e procede à afixação, na porta ou noutro local visível do imóvel penhorado, de um edital, constante de modelo aprovado por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.

Como resulta do referido nº 2 do art 344º o prazo para a dedução dos embargos de terceiro com feição repressiva é aí mencionado de forma alternativa.

Assim, o embargante pode deduzir os embargos,  ou nos 30 dias a contar da data em que a diligência foi efetuada, ou no prazo de 30 dias a contar da data em que o embargante teve conhecimento da ofensa.

Neste caso encontramo-nos perante conhecimento superveniente do facto alicerçante dos embargos.

Ora consistindo este conhecimento superveniente num facto «pessoal e subjetivo», o embargante tem, na petição de embargos, não apenas de alegá-lo, como, outrossim, oportunamente prová-locfr.  Alberto dos Reis, in Processos Especiais, vol I - pág. 435;  Ac. RL de 4.05.2015, p. 18365/10.4YYLSB-B.L1-2 ;  Ac. RE de 11.04.2019, p. 924/14.8TLLE-G.E1.

Havendo até quem defenda que «Deve ser indeferida liminarmente a petição de embargos de terceiro se dela não consta ter o embargante tido conhecimento da diligencia pretensamente ofensiva há  30, ou menos, dias, se esta teve lugar há mais tempo do que esse prazo». – Ac. RP  de 23/5/2000, in dgsi.pt.

Já no que tange à data relevante para aferir do dies a quo do prazo de caducidade, certo é que, tal como defende o recorrente, a data relevante do ato ofensivo do direito, neste caso a penhora, não é a do seu registo, mas antes a da sua efetiva realização através do respetivo auto – cfr.  Ac STJ 30/11/2006, in dgsi.pt.

É que o registo não assume efeitos constitutivos de  direitos ou deveres: apenas os publicita.

No caso vertente a julgadora decidiu nos seguintes, sinóticos e essenciais, termos.

«A penhora efectuada na execução apensa foi registada no dia 09.06.2015 sobre o prédio urbano situado na Quinta ...…

O embargante Município ... veio intentar os presentes embargos em 12.07.2017.

Todavia, igualmente se provou que, o Município ... participou criminalmente contra a GG, por participação entrada nos serviços de DIAP ..., em 09.02.2017, na qual juntou cópia da descrição no registo predial do prédio em causa, onde consta o registo da penhora efectuado nos autos de execução principais sobre o prédio descrito em 4º, alínea b), no dia 09.06.2015. Provou-se ainda que o Município ... teve em seu poder certidão da descrição n.º ...15... ... relativa ao prédio penhorado que obteve no dia 25.01.2017 através do código de acesso à certidão permanente (pontos 79) e 80) dos Factos Provados).

…considerando todo o circunstancialismo transcrito, o Tribunal formou convicção segura de que o Município, pelo menos, quando apresentou a participação criminal contra GG, em 09.02.2017, aí juntando certidão de descrição predial do prédio cuja propriedade reivindica agora, teve conhecimento do acto de penhora levado a cabo nos autos de execução principais, por aí já se mostrar registado.»

 Já se viu que, tal como está configurada a ação, não é – ou não é tanto -  sobre os embargados que impende o ónus da prova da intempestividade dos embargos, mas antes sobre o embargante que impende  - ou mais impende – o ónus de provar a sua tempestividade.

Resta saber se ele cumpriu tal ónus.

E a resposta é negativa.

Desde logo, o embargante não alegou, como lhe competia, tal conhecimento superveniente.

E invocada a caducidade pelos embargados, defendeu-se ele nos termos essencialmente plasmados nas alegações recursivas.

Versus o por ele defendido, os documentos de fls. 26 e 27 juntos com a pi de embargos e o facto do ponto 39 não provam que ele teve conhecimento da penhora apenas e somente em 26.06.2017.

Tais documentos reportam-se ao registo da penhora.

Mas tal registo já constava em documentos, dos quais o recorrente tomou posse anteriormente, em Janeiro e Fevereiro de 2017.

 Pelo que é suposto que, nestas datas, do registo da penhora tomou conhecimento, ou, o que é o qb, sendo-lhe exigível,  - atenta a postura do homem médio, do homo prudens, medianamente sagaz e diligente, como é suposto ele ser e atuar, através dos seus órgãos e representantes – que tivesse tido tal conhecimento.

Acresce que é o próprio recorrente que alega e pugna que a penhora foi constituída em 15.06.205 – conclusão 15ª.

Ora se assim é – foi – então é caso para perguntar porque só em 26.07.2017, com a sua notificação para a preferência tomou conhecimento da penhora e já não tomou dela conhecimento em janeiro e fevereiro de tal ano quando adquiriu documentos em que tal registo já constava?

Perante o registo  da penhora constante nestes documentos o recorrente tinha de concluir pela existência da penhora e diligenciar adicionalmente pela data da sua efetivação.

Se assim não atuou quando, perante os direitos que pretende exercer, lhe era exigível que atuasse, então sibi imputat, e apenas da sua negligência e inércia se podendo queixar.

A alteração da matéria de facto  no que tange à data do conhecimento da penhora  pelo embargante – conclusão 23ª al. b) - não é de conceder pois, no rigor dos princípios, e atento o objeto da lide neste específico conspeto da caducidade, tal não se apresenta como um facto concreto alicerçante da pretensão, mas antes como um facto conclusivo pois que, só por si, decidia a lide quanto à caducidade.

O que urge  é interpretar os outros factos apurados para deles se retirar a conclusão sobre a data de  tal conhecimento.

O que foi, e bem, efetivado pelo tribunal a quo, e está a ser por este tribunal de recurso nos termos sobreditos.

O argumento de que o recorrente não estava devidamente representado aquando da apresentação da queixa a que alude o ponto 79 dos factos provados não procede.

Em tal ponto, tal como no 80, é expressado que é «O Município » o queixoso.

Ademais, no ponto 81 prova-se que  no ano de 2016 houve diversas reuniões na Câmara Municipal ... entre os representantes do Município e o legal representante de A..., Lda.

 Pelo que, ao menos nesta sede civilista,  é suposto concluir-se que tal  regular representação existia, ou,  o que mais uma vez, é o qb, que na sua atuação dentro deste conflito o recorrente atuava perante os demais interessados como devidamente representado.

E não podendo, agora, algo em venire contra factum proprium, dar o dito por não dito, ou seja, dizer que uma aparente e convincente boa representação era, afinal, uma má ou irregular representação.

Finalmente o argumento de  «Não sendo titular de qualquer direito incompatível (dado que ainda não tinha manifestado qualquer vontade de exercer a presente aquisição potestativa), aquela penhora naquelas datas (data da penhora, data do registo da penhora e data da certidão permanente, data da apresentação da queixa-crime) não constituía um ato ofensivo do seu direito, o qual surgiu apenas no dia 12 de julho de 2017, data em que manifestou nos presentes autos (sem nunca o tendo feito anteriormente) esta sua vontade, pelo que não se verificou a exceção de caducidade.»

Este argumento assume-se ainda como mais peregrino e inatendível.

Efetivamente, e tal como judiciosamente se plasma na decisão:

«…nessa data – 09.02.2017 -  já se mostravam reunidos na sua figura todos os requisitos por si apresentados como fundamento da alegada acessão industrial imobiliária.

…é indiscutível que os factos respectivos ocorreram com a conclusão da obra em 18.06.2007.

E, desde então, (e até antes se considerarmos que desde 11/07/2006, data em que se consignaram os trabalhos de construção do complexo de ténis, …que o Embargante tem os prédios referidos em 4) na sua disponibilidade) o próprio Município alegou e resultou provado que tem exercido actos correspondentes ao efectivo exercício desse direito de propriedade – celebrou protocolo com o Complexo de Ténis, o qual fiscaliza, cuida dos espaços verdes, plantou árvores, arbustos, cuida, limpa.»

E assim é, como dimana dos factos apurados e da própria alegação da embargante..

Perante estes, o direito ofendido  pela penhora, qual seja a propriedade oriunda da acessão e a  posse, já existia em janeiro de 2017, e até  muitos anos antes.

Se o recorrente apenas em Julho de 2017 o pretendeu exercer irreleva, pois que tal não lhe retira ou invalida o seu direito anteriormente constituído.

Aliás, este argumento, a ser verídico, revelava-se contra a própria pretensão e os direitos do recorrente, pois que a  questão não seria processual formal com absolvição da instância, mas antes  de fundo e substantiva, com absolvição do pedido.

Na verdade, se «no momento em que teve lugar a penhora, o embargante não era titular do direito de propriedade que veio invocar nem de qualquer outro incompatível com a realização ou âmbito dessa diligência, tendo a alegada aquisição ocorrido em momento posterior à penhora, é de concluir que os embargos estão, independentemente da improcedência da excepção de caducidade deduzida pelo embargado, destinados à improcedência.» -  Ac. do STJ de 01.04. 2008, p. 08A046 in dgsi.pt.

Improcede o recurso.

(…)

8.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelo recorrente.

Coimbra, 2023.03.14