Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
33/10.9GAVNO.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: ÁLCOOL
EXAME QUANTITATIVO
Data do Acordão: 04/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE OURÉM
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 2º Nº 1 DA LEI Nº 18/2007, DE 17/5
Sumário: 1.- O facto do arguido ser submetido ao teste quantitativo, mais de 2 horas após a realização do teste qualitativo, não obsta a que a taxa de alcoolémia acusada releve para efeitos penais;

2.- O artigo 2º nº 1 da lei 18/2007, de 17/5, ao estabelecer que, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não pode ser superior a 30 minutos, indicia que se trata de uma orientação, não de vinculação, pelo que aquela referência não constitui um limite inultrapassável cuja violação integre o conceito de proibição de prova.

Decisão Texto Integral: RELATÓRIO

1.
Nos presentes autos foi o arguido A... condenado na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 13,00 €, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, do art. 292º, nº 1, do Código Penal.
Feito o desconto previsto no art. 80º do Código Penal, foi o arguido condenado a cumprir 89 dias de multa, à taxa referida.
Ao abrigo do art. 69º, nº 1, do Código Penal foi, ainda, condenado na proibição de conduzir pelo período de 6 meses.

2.
Inconformado, o arguido recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões:
«1) Conforme resulta de fls. 69 a 71, foi deduzida acusação contra o arguido: "Pelo exposto cometeu o arguido um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º nº 1 e 69º nº 1, al. a), ambos do Código Penal";
2) O arguido apresentou a contestação, e alegou o acima transcrito;
3) Por sentença de fls. decidiu o Meritíssimo Juiz o que acima se transcreveu;
4) Da alteração substancial dos factos, os factos descritos na acusação definem e fixam o objecto do processo que, por sua vez, delimita os poderes de cognição do tribunal e o âmbito do caso julgado;
5) É uma exigência do princípio da plenitude das garantias de defesa do arguido que os poderes de cognição do tribunal se limitem aos factos constantes na acusação;
6) Considera-se alteração substancial dos factos, "aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis."
7) Haverá alteração substancial dos factos quando a razão da qualificação como ilícitos dos factos acusados e apurados for a mesma, mas da alteração resultar o agravamento dos limites máximos das sanções aplicáveis;
8) As nossas melhores doutrina e jurisprudência são unânimes em considerar que os factos novos e alterados que representam alteração substancial são todos aqueles que podem ter relevância na decisão final;
9) A condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos naqueles artigos 358º e 359º, acarreta a nulidade da sentença (artigo 379º, nº 1, al. a) do CPP);
10) No caso concreto, os factos novos imputados ao arguido implica alteração substancial dos factos, nos termos do artigo 359º do C.P;
11) Atendendo que os factos alterados pelo Meritíssimo Juíz, são factos autonomizáveis em relação ao objecto do processo, a comunicação destes ao Ministério Público apenas valia como denúncia para que este procedesse pelos factos novos, nos termos do nº 2 do artigo 359º do C.P;
12) O Meritíssimo Juiz não podia conhecer livremente dos mesmos, uma vez que os mesmos careciam de inquérito prévio, nem agravar a medida da pena com base nesses factos novos;
13) A sentença é nula nos termos do artigo 379º, nº 1, aI. a) do C.P.P, o que desde já e aqui se requer;
14) Na acusação proferida pelo Ministério Público consta que "no dia 17101/2010, pela 1:38H, na E.N nº 356, no lugar de Pontes, Caxarias, neste concelho e comarca, o arguido conduzia o automóvel, ligeiro de passageiros, matrícula … , depois de ter ingerido diversas bebidas de natureza alcoólica e tendo sido sujeito à realização do teste de álcool veio a ser-lhe detectada uma TAS de 2,39g/l":
15) Em sede de audiência de julgamento, ficou provado que o arguido não foi interceptado pela GNR, na sequência de uma acção de fiscalização de trânsito, realizada em frente à Igreja de Caxarias, no dia e à hora indicada nos autos;
16) Não se provou a hora exacta em que o arguido foi interceptado pela GNR, no âmbito dessa acção de fiscalização;
17) Só se provou que a data e a hora indicada quer no auto de notícia, quer na acusação não correspondem à realidade;
18) No dia e hora indicados nos autos, o arguido não se encontrava a conduzir o veículo referido nos autos, bem como não foi interceptado pela GNR, na sequência da referida acção de fiscalização de trânsito;
19) Nunca o Meritíssimo Juiz poderia ter decidido como decidiu;
20) O auto de notícia não demonstra a real taxa de alcoolemia que o arguido apresentava no momento em que conduzia o veículo, ou seja, no momento em que foi interceptado pela GNR, na sequência da acção de fiscalização de trânsito, violando o previsto na al.c) e d) do nº 3 do artigo 99º do CPP;
21) Apenas consta a hora em que foi realizado, já no Posto da GNR, o teste quantitativo de despistagem de álcool no sangue;
22) Sendo desconhecida e impossível de determinar qual a taxa de álcool no sangue do arguido no momento em que conduziu;
23) Falta aqui o elemento essencial para a determinação da eventual prática do crime, pois desconhece-se a taxa de alcoolemia do arguido no momento da condução;
24) No caso dos autos, o arguido foi interceptado pela GNR em hora concretamente não apurada, do dia 16/01/2010, tendo nessa altura, realizado o teste de despistagem de álcool no sangue através de analisador qualitativo;
25) Nada consta nos autos quanto à hora e à TAS apresentada no momento da condução e do respectivo teste;
26) Apenas consta que foi submetido a despistagem de álcool no sangue, através do analisador qualitativo;
27) Não se pode aferir a quantidade de álcool que o arguido era detentor no momento da condução;
28) Entre a realização do teste realizado através do analisador qualitativo e o teste realizado através de analisador quantitativo ocorreu mais de 30 minutos, violando o disposto na lei;
29) Considerando que a realização do teste de despistagem do álcool através de analisador qualitativo ocorreu em hora não concretamente apurada, do dia 16/01/2010, pode-se concluir que até à realização do teste quantitativo passaram aproximadamente duas horas;
30) Ultrapassou, e muito, o tempo que a lei dispõe para a realização do teste de despistagem de álcool através de analisador quantitativo, isto é, trinta minutos;
31) Os exames de alcoolemia realizados pelo método de análise do ar expirado, o conhecido balão, contêm erros de medição, decorrentes, por um lado dos aparelhos (os quais na sua composição e metodologia usam o metal mercúrio, que como é sabido é expansível com a temperatura, razão pelo qual era usado para produzir termómetros), e por outro dos múltiplos factores que afectam a certeza do resultado, de entre eles destacam-se a temperatura e a pressão atmosférica, porque como é sabido os corpos dilatam com a temperatura e os fluidos são compressíveis, mais ou menos consoante a composição físico-química dos mesmos (gases ou líquidos, sendo os líquidos menos compressíveis do que os gases), sendo que a massa - grama - é uma realidade constante, já o volume - litro - é variável em relação à massa, sendo tal variação dependente essencialmente de dois factores a temperatura e a pressão, e o resultado a análise é uma expressão de correlação entre as duas - grama por litro;
32) Consciente de tal realidade, e uma vez que, como é do conhecimento comum, qualquer aparelho de medição, tem uma margem de erro, sendo que, em relação aos alcoolímetros tal decorre das Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal e da Portaria nº 748/94, de 13/08, por remissão para a norma NFX20-70 1, pese embora as recentes orientações no sentido de tais margens de erro não serem atendidas, orientações essas não compatíveis com a recente informação divulgada pelo I.P.Q. através de Circular do C.S.M. atenta a deliberação de 25/09/2007, bem como o teor dos recentes diplomas legais relativos à regras de pesquisa de álcool no sangue e seus regulamentos Lei 18/2007, o legislador estatuiu margens de erro admissíveis para os alcoolímetros e possibilidade de realização de contra prova, por instrumentos ou pericial pela análise de sangue - cfr. com o disposto no artigo 30 da Lei 18/2007, com o disposto na secção I da Portaria 902-B/2007, e com a portaria 155612007;
33) Da ciência médica resulta que a absorção do álcool no corpo humano não é imediata, passando pelo processo de digestão e metabolização, sendo que é do conhecimento geral que o valor máximo da alcoolemia é atingido cerca de 2 horas após a ingestão de bebidas, e que depois desse momento o valor começa a diminuir, em média cerca de 0,10 gr/l;
34) Atendendo à hora em que o arguido foi interceptado pela GNR, que não foi concretamente apurada - até à hora da análise quantitativa decorreu cerca de duas horas, logo a digestão ainda não tinha sido totalmente efectuada e por isso a TAS estava em ascensão;
35) No caso dos autos, não ficou provado a quantidade de álcool que o arguido detinha no momento em que foi mandado parar;
36) Apenas ficou provado que o arguido era detentor de álcool, mas não em que quantidade;
37) Não se pode dar como provado que o arguido era detentor de álcool no sangue superior ao permitido por lei, aquando o acto de condução;
38) Nada consta nos autos sobre a TAS de álcool no sangue apresentada pelo teste qualitativo;
39) Aquando a realização de tal teste, o aparelho apresentava uma TAS, sendo esta depois confirmada ou não pelo teste quantitativo;
40) No caso concreto tal não aconteceu;
41) Não se sabe o grau de álcool, isto é, a TAS que o arguido era detentor aquando a interceptação dos militares da GNR;
42) Não ficaram provados os elementos do crime de condução em estado de embriaguez;
43) Não poderia o Meritíssimo Juiz ter dado como provado os pontos a) quanto à hora em que o arguido foi interceptado pela GNR, bem como a hora em que foi realizado o teste qualitativo de despistagem de álcool - vide depoimentos das testemunhas …………………..acima transcritos;
44) Conforme se extrai do depoimento da testemunha … acima transcrito, a testemunha foi mandada parar pela GNR, por volta das 23:00 horas e que depois foi mandado parar o arguido;
45) Nunca se poderia ter dado como provado que a hora em que o arguido foi interceptado pela GNR era 23 :00 horas, bem como que a esta hora foi realizado o teste de despistagem de álcool;
46) Quem foi mandado parar por volta das 23:00 horas foi a testemunha e não o arguido;
47) Também a testemunha … disse no seu depoimento que o Sr. … foi mandado parar por volta das 23:00 horas e pouco;
48) Leva algum tempo mandar parar a pessoa, pedir documentos e realizar o teste de álcool, daí não se saber, por não constar dos autos, nem tão pouco ter sido provado em audiência de julgamento, a hora concreta em que o arguido foi mandado parar e a hora que realizou o teste qualitativo de despistagem do álcool;
49) Sabe-se apenas que foi no dia 16/0 1/2010, após as 23:00 horas e antes das 24:00 horas, mas não se sabe a hora concreta em que tudo ocorreu;
50) Não podia o Meritíssimo Juiz ter dado como provado o ponto a) da sentença quanto à hora;
51) Pelo que tal ponto, quanto à hora deve ser dado como não provado, o que desde já e aqui se requer;
52) Como bem afirma o Meritíssimo Juiz no ponto b) da sentença foi realizado teste qualitativo de despistagem do álcool no sangue, contudo não foi apurada a quantidade de álcool, pelo que não se pode afirmar que a TAS seria superior a 1,2g/l;
53) O arguido, no momento em que foi mandado parar e realizou o teste de despistagem de álcool no sangue, poderia ter uma TAS de 0,01 g/l até a uma TAS indefinida;
54) Não ficou provado qual a TAS apresentada pelo teste qualitativo de despistagem do álcool;
55) Aceitar sem análise crítica, o valor que o aparelho apresenta, ou porque o arguido não exerceu o direito a requerer uma contra prova, importa, em nossa modesta óptica, um tratamento diferencial dos cidadãos perante a lei, dependendo se estes são mais ou menos informados, se estes são melhor ou pior representados no tribunal;
56) Neste aspecto deverá funcionar o princípio do "in dúbio pró reo";
57) Por tudo o acima alegado, o arguido crê que não está feita prova de que praticou o crime de condução de veículo sob o efeito do álcool, p. e p. pelo artigo 292º do CP, pondo em causa a prova produzida pelo auto de notícia, bem como da acusação;
58) Não se provou um dos elementos objectivos do crime de condução em estado de embriaguez, isto é, que o arguido conduzia com uma taxa de álcool igual ou superior a 1,2 g/l;
59) Deve a Sentença de que se recorre ser revogada, por inexistência de prova conclusiva da prática do crime de condução de veículo sob o efeito do álcool, absolvendo-se assim o arguido do crime de que vem acusado, atendendo ao princípio da presunção de inocência estabelecido no artigo 32º, nº 2 da CRP;
60) A sentença recorrida é nula nos termos do artigo 379º do Código do Processo Penal;
61) Na sentença recorrida, embora de faça essa referência, porém, pelas declarações das testemunhas inquiridas e pelo auto de notícia, não se poderia efectivamente condenar o arguido, pois não se apurou a TAS de álcool no sangue aquando o momento em que foi realizado o teste qualitativo de despistagem de álcool no sangue, bem como não se provou a hora em que tal teste foi realizado, nem a hora em que o arguido foi mandado parar, conforme já se disse, e portanto não se pode de forma alguma condenar o arguido deste modo;
62) Dizer-se como se diz na sentença recorrida, é o mesmo que nada se dizer, pois fartamente se verifica que pelo depoimento das testemunhas, não se pode aferir que o Arguido tenha cometido os factos dados como provados e que são referidos na Sentença;
63) Assim, tem forçosamente a sentença recorrida de ser revogada com todas as consequências legais para a acusação, por erro de apreciação das provas inquiridas em audiência de julgamento, bem como de todos os elementos juntos ao processo, nomeadamente o auto de notícia, a acusação e a prova produzida em sede de audiência de julgamento;
64) Na sentença recorrida: existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, a ilegalidade da prova, erro notório na apreciação da prova;
65) Lendo, atentamente, a sentença recorrida, nesta parte, ou noutra parte qualquer, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo da condenação do arguido;
66) Sendo o arguido primário, conforme resultou provado no sentença recorrida, como nunca poderia aplicar-se uma condenação da forma e modo como foi;
67) O nosso código é no sentido de recuperar os arguidos primários, e apenas se podem condenar os arguidos, quando a conduta destes não reúnem os requisitos para a absolvição, o que não é o caso;
68) A sentença é nula, por interpretação e aplicação deficiente das normas legais citadas, conforme já acima se disse e provou;
69) A sentença recorrida viola:
a) Artigo 125º; 126º; 359º, nº 1 e 2; 374º, 375º, 377º; 379º e 410º do, c.P.P;
b) Artigos 13º, 32º; 205º, 207º e 208º da C. R. P;
c) Artigos 40º; 70º; 71º do CP;
d) Artigos 153º do Código da Estrada;
e) Artigo 2º da Lei nº 18/2007, de 17 de Maio».

3.
O recurso foi admitido.

4.
O Ministério Público respondeu, defendendo a manutenção do decidido.
Quanto à alegada alteração substancial dos factos, entende tratar-se de uma simples rectificação, porquanto os factos acrescentados não ganham sentido fora do contexto da pronúncia, não sendo, por si mesmos, desacompanhados dos demais factos elencados, relevantes do ponto vista jurídico-penal e, por conseguinte, autonomizáveis. Relativamente à violação do art. 2º, nº1 do DL nº 18/2007, de 17/5, do que resulta é que o arguido, quando foi analisado, apresentava pelo menos a TAS indicada, pois que o decurso do tempo apenas teve por efeito favorecê-lo. Assim, e perante esta certeza, não há fundamento para fazer funcionar o princípio in dubio pro reo.

Nos mesmos termos se pronunciou o Exmº P.G.A. junto desta relação

Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

5.
Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.
Realizada a conferência cumpre decidir.
*
*

FACTOS PROVADOS

6.
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
«a) No dia 16 de Janeiro de 2010, pelas 23h00m, o arguido A... conduzia o veículo automóvel, tipo ligeiro de passageiros, com matrícula … , titulado pela sua mãe, pelo lugar de Pontes, Caxarias, comarca de Ourém,
b) Tendo sido submetido a teste qualitativo de despistagem de álcool no sangue na decorrência de acção de fiscalização de trânsito levada a cabo pela Guarda Nacional Republicana na sequência da qual foi indiciada a presença de álcool no sangue do arguido A...;
c) O arguido ficou então a aguardar pela finalização da acção de fiscalização sempre na presença e sob vigilância dos militares da Guarda Nacional Republicana,
d) Sendo, após, conduzido ao posto do mesmo Órgão de Polícia Criminal sito em Ourém,
e) Onde foi submetido, pelas 1h38m do dia 17 de Janeiro de 2010, a teste quantitativo de despistagem de álcool no sangue em aparelho Drager, modelo 7110 MKIII P, com o nº de série ARAA-0077 – com primeira verificação concretizada pelo Instituto Português da Qualidade em 28 de Abril de 2009 –,
f) Tendo o arguido, nesse seguimento, acusado no mesmo aparelho a presença de uma TAS de 2,39 gr/l;
g) O arguido quis conduzir o veículo descrito na alínea a) dos factos provados, apesar de saber que havia ingerido bebidas alcoólicas em quantidade proibida por lei para a prática de tal acto;
h) O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido por lei;
i) O arguido, na sequência imediata do exame descrito no ponto e) dos factos provados, foi detido;
j) O arguido trabalha como pedreiro, auferindo, em média, a quantia de € 800,00 por mês;
k) O arguido vive a sua mãe em casa própria desta,
l) Contribuindo com importância mensal variável para a economia doméstica;
m) O arguido é tido na comunidade onde vive como pessoa de bom porte moral;
n) Nada consta do registo criminal do arguido».
7.
Quanto aos factos julgados não provados, ficou consignado que «não resultou provado, por reporte à acusação e com relevo para a discussão da causa, que o arguido se achasse a concretizar a condução do veículo descrito na alínea a) dos factos provados pelas 01h38m do dia 17 de Janeiro de 2010».
Acrescentou-se que «O facto constante da alínea a) do circunstancialismo provado no que se reporta à hora do acto de condução decorreu da própria defesa apresentada pelo arguido em sede de contestação de fls. 144 (artigo 5.º)».


8.
O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados e não provados nos seguintes termos:
«A convicção do tribunal na decisão respeitante à matéria de facto foi formada dialecticamente na análise crítica e ponderada de toda a prova produzida em audiência com recurso às regras de experiência de vida. Em concreto, o tribunal teve em consideração:
1. O auto de notícia de fls. 3;
2. O talão de alcoolímetro de fls. 4;
3. O comprovativo de detenção e libertação de fls. 7 e 10;
4. O comprovativo de inspecção periódica de fls. 78;
5. O certificado de registo criminal de fls. 166;
Quanto à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, salienta-se que o arguido se remeteu ao silêncio. O que ainda assim não obstou à prova inequívoca da prática dos factos que lhe são imputados, sendo, neste âmbito, particularmente de salientar o depoimento do militar … a testemunhar de forma isenta, objectiva e coerente. É certo que tal militar revelou algumas falhas de memória decorrentes do lapso temporal já decorrido sobre os factos, não se recordando se foi ele que acompanhou o arguido ao posto e do tempo que mediou desde a condução até ao teste de alcoolemia. Mas tal não prejudica a visão una e harmoniosa dos factos praticados pelo arguido e que se acha indubitavelmente suportada no seu testemunho ao narrar que, após pedir os documentos do arguido – no que comprovou a sua identidade – lhe concretizou análise qualitativa a evidenciar a presença de álcool no sangue, tendo sido, após, concretizado o seu transporte ao posto onde se encontrava o medidor quantitativo. Atestou, por igual forma, que presenciou a feitura de tal exame ao arguido – apesar de não sido o declarante a manusear o aparelho –, tendo aquele, após a sua realização, aposto a correspondente rubrica no talão obtido. Como, aliás, se comprova a fls. 4.
Diga-se, por outra via, que tal constatação da prática dos factos pelo arguido surge reforçada pelo depoimento das testemunhas por si arroladas … e … . Na verdade, constatando-se a plena credibilidade de tais testemunhas em face da postura serena e distanciada assumida, há que relevar que os mesmos – tendo sido, por igual forma, o primeiro objecto da acção de fiscalização descrita na alínea b) dos factos provados e mostrando-se o segundo o seu acompanhante – explicitaram que o arguido, na sequência da condução que se achava a exercer, foi sujeito a teste de alcoolemia. Foi, aliás, em tais testemunhos que o tribunal se ancorou para firmar a sua convicção reportada à hora da fiscalização – aceitando, nesse sentido, o explicitado na contestação quanto à circunstância de a mesma ter ocorrido às 23h00 do dia 16 de Janeiro de 2010 – e ao circunstancialismo descrito nas alíneas c) e d) dos factos provados. Isto porque tais depoentes atestaram convergentemente que, após a realização do teste qualitativo, quedaram a aguardar no local da operação pelo transporte ao posto. Isto sem que os militares da Guarda Nacional Republicana os hajam deixado, em qualquer momento, ausentar-se do local.
Com o que se compreende, na íntegra, a factualidade dada como provada. Efectivamente, os factos supra vertidos acham-se cabalmente suportados na prova produzida em audiência de discussão e julgamento, sendo, a este título, de relevar que o argumento oferecido pelo arguido quanto à pertinência do abatimento do EMA não justifica qualquer sindicância nesta sede. Isto porque o facto vertido na alínea f) dos factos provados se mostra inequívoco à luz do talão de alcoolemia de fls. 4. Ou seja, mostra-se incontestável que o medidor quantitativo Drager, 7110 MKII apontou uma TAS de 2,39 g/l, sendo tal grandeza aquela que se acha impressa a fls. 4. Questão distinta é se, na aferição da responsabilidade criminal do arguido, se deverá ou não atender ao desconto da EMA. Diga-se, aliás, que tendemos a aderir à orientação jurisprudencial que pugna, numa posição híbrida, que a EMA, mais que devendo fundar um desconto obrigatório, acarreta – no âmbito da livre convicção do tribunal – um espaço de indefinição quanto à taxa de álcool realmente existente no sangue do arguido. Mas obviamente que tal questão só se suscita quando o teor da TAS apurada se encontre junto ao limite mínimo legalmente previsto e no âmbito do qual, a intervir a EMA, fosse ainda possível concluir pela eventualidade de o arguido ostentar uma taxa real ligeiramente inferior ao efectivamente medido. Mas já numa situação como a dos autos em que o abatimento da TAS se mostra claramente inócuo para a definição da responsabilidade criminal do agente e da dosimetria da pena – pois que nenhum influência terá a constatação, a título de exemplo, de uma Taxa efectiva de 2,25 g/l ou de 2,50 g/l –, temos que nada impõe ou recomenda que tal EMA seja de atender. Com o que se pode o tribunal bastar com o valor da TAS de 2,39 gr/l apurada ao arguido a fls. 4.
Importa, por último – atento o teor da defesa apresentada pelo arguido por ocasião da oposição ao julgamento sob a forma sumária e que foi renovada em audiência de discussão e julgamento –, realçar que o aparelho utilizado pela Guarda Nacional Republicana no âmbito dos presentes autos respeita integralmente os requisitos legalmente instituídos na Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro. Determina, nesse sentido, o artigo 5.º do referido diploma que “o controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I. P. — IPQ e compreende as seguintes operações: a) Aprovação de modelo; b) Primeira verificação; c) Verificação periódica e d) Verificação extraordinária”. Isto sendo que, à luz do n.º 2 do artigo 7.º do mesmo acto legislativo, “a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo”. Por outro lado, prevê-se ainda no n.º 5 do artigo 5.º do Código da Estrada que “cabe ainda à Direcção-Geral de Viação aprovar, para uso na fiscalização do trânsito, os aparelhos ou instrumentos que registem os elementos de prova previstos no n.º 4 do artigo 170.º do Código da Estrada, aprovação que deve ser precedida, quando tal for legalmente exigível, pela aprovação de modelo, no âmbito do regime geral do controlo metrológico”.
Tudo pressupostos da utilização de alcoolímetros que foram, in casu, integralmente observados. Efectivamente, como consta de fls. 3 – informação normativa que não foi posta em causa pelo arguido –, temos que o alcoolímetro Drager, Modelo 7110 MKIII foi “aprovado pela DGV/ANSR em 11/01/1996, e pelo IPQ através do Despacho de Aprovação de Modelo n.º 211.06.96.3.30 de 25/9/1996”. Aparelho que foi, além do mais e como consta do documento junto a fls. 78, sujeito a primeira verificação pelo Instituto Português de Qualidade em 28 de Abril de 2009 e.
Com o que assume o talão de alcoolímetro de fls. 4 o valor probatório acrescido reconhecido à prova pericial e a impor-se, nesse seguimento – e em face da inexistência de fundamentos que nos levem a por em causa a sua validade –, ao tribunal.
Diga-se, aliás, que o teor da defesa assumida pelo arguido se mostra algo contraditória com o não peticionamento de contraprova assumido por ocasião dos factos. Efectivamente, considerando o arguido que os valores do alcoolímetro se acham eivados de alguma falha atenta a reduzida quantidade de bebidas alcoólicas por si eventualmente consumidas, poderia ter solicitado a confirmação da TAS constatada quer por alcoolímetro, quer por análise ao sangue. Ao invés, preferiu o arguido reconduzir-se a uma postura de inércia, privilegiando uma posterior impugnação judicial dos valores alcançados.
Com o que, não havendo qualquer fundamento metrológico ou legal para pôr em causa o indicado alcoolímetro e tendo o arguido se remetido à indicada postura de passividade mesmo quando aparentemente considerou que os valores alcançados se apresentavam erróneos, temos como inequívoca a demonstração factual alcançada no circunstancialismo provado.
Os factos referentes ao elemento subjectivo resultaram da análise das circunstâncias que envolveram os elementos objectivos em harmonia com as regras da experiência e do senso comum.
Já as condições pessoais resultaram das declarações do arguido, decorrendo o facto constante da alínea m) do depoimento das testemunhas (...) e (...)».

9.
Consignam-se, ainda, mais os seguintes factos, resultantes dos autos:
- em 17-1-2010 foi elaborado auto de notícia pela GNR, assinado por … , do qual consta que … , que circulava ao volante no veículo ligeiro de passageiros de matrícula … , «ao ser submetido a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, quando conduzia o veículo acima referido, apresentou uma TAS de 2,39 g/l»;
- sobre o local e hora da ocorrência, consta do auto o seguinte: «em 17 de Janeiro do ano de 2010 pela 01h38, no Posto da GNR de Ourém …»;
- a fls. 4 do processo consta o talão emitido pelo aparelho utilizado, referido na al. e) dos factos provados, donde consta a data de 17-1-2010, a hora de 1:38 e o valor de 2.39 g/l TAS;
- na sessão designada para leitura da sentença e antes desta leitura ter ocorrido pelo sr. juiz foi proferido seguinte despacho:
«Da produção probatória realizada em sede de audiência de discussão e julgamento, constata-se a necessidade de proceder à mutação e aditamento de circunstancialismo ao objecto factual do processo. Nesse sentido, temos que o correspondente objecto temático carece de conhecer outra factualidade que permite contextualizar de forma plena e adequada a ilicitude da conduta que se acha a ser imputada ao arguido. Com o que se determina uma alteração não substancial dos factos nos termos e para os efeitos do artigo 358º do Código de Processo Penal por forma a fazer integrar no circunstancialismo constante do libelo acusatório a seguinte factualidade:
- O arguido ficou, entre o momento do teste qualitativo de álcool realizado após o acto de condução e o transporte ao posto da Guarda Nacional Republicana, a aguardar pela finalização da acção de fiscalização sempre na presença e sob vigilância dos militares da Guarda Nacional Republicana,
- Sendo, após, conduzido ao posto do mesmo Órgão de Polícia Criminal sito em Ourém;
Notifique a alteração concretizada, sendo ao arguido nos termos e para os efeitos do artigo 358.°, nº 1 e 3 do Código de Processo Penal».
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DECISÃO

Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação são as seguintes as questões a decidir:
I – Nulidade da sentença recorrida, por violação do art. 379º, nº 1, al. b), do C.P.P.
II – Inexistência do crime imputado por se desconhecer se o arguido, aquando da fiscalização, era detentor de álcool no sangue
III – Violação da Portaria nº 748/94, de 13/8, por desconsideração dos EMA
IV – Verificação dos vícios do nº 2 do art. 410º do C.P.P.
V – Impugnação da pena aplicada
VI – Violação da Constituição

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I – Nulidade da sentença recorrida, por violação do art. 379º, nº 1, al. b), do C.P.P.

O arguido começa por alegar que a sentença recorrida procedeu a uma alteração substancial dos factos e levou em consideração factos não acusados, violando a norma que proíbe um tal procedimento.

Nos presentes autos foi o arguido acusado – acusação integralmente mantida na pronúncia -, da prática de um crime de condução em estado de embriaguez, dos art. 292º e 69º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal, por em 17-1-2010, pela 1h38m, ter conduzido o veículo de passageiros de matrícula … , no lugar de Caxarias, com uma TAS de 2,39 g/l.
Realizado o julgamento provaram-se os seguintes factos:
- em 16-1-2010, pelas 23h, o arguido conduzia o ligeiro de passageiros de matrícula … , no lugar de Pontes, Caxarias, Ourém;
- na sequência de ação de fiscalização levada a cabo pela GNR, foi submetido a teste qualitativo de despistagem de álcool no sangue, que indiciou a presença de álcool;
- o arguido ficou a aguardar a finalização daquela ação de fiscalização, sobre na presença dos militares da GNR, e no final foi conduzido ao respetivo posto, onde, à 1h38m do dia 17, foi submetido a teste quantitativo, tendo este indicado uma TAS de 2,39 g/l.

Do exposto resulta que o arguido foi fiscalizado no dia 16, cerca das 23h, tendo sido detetada a presença de álcool no sangue. No termo da ação de fiscalização, já no dia 17, pela 1h38m, foi submetido a teste quantitativo, que revelou uma TAS de 2,39g/l.
O arguido alega que os factos dados como provados equivalem a uma alteração substancial dos factos.

A questão da reserva do conhecimento de novos factos, diferentes dos que constituem o objecto processual, pressupõe uma análise do que seja o facto processual como elemento decisivo na discussão da questão dos poderes de cognição uma vez que, como sabemos, os poderes de cognição do tribunal estão limitados pelo conteúdo da acusação.
Abreviando discussão, o facto processual não equivale a um facto naturalístico, antes corresponde a uma pluralidade de factos singulares que se aglutinam em torno de certos elementos polarizadores que permitem a sua compreensão, de um ponto de vista social, como um comportamento que encerre em si um conjunto de elementos que tornam possível identificá-lo e individualizá-lo como um pedaço autónomo de vida Frederico Isasca, “Alteração substancial dos factos e sua relevância no processo penal português”, 2ª ed., pág. 96.. O facto processual não é um momento isolado, antes um quadro da vida.

Tendo presente este ponto de partida diz a lei, no art. 1º, al. f), do C.P.P., que a alteração substancial dos factos tem por efeito a imputação ao arguido um crime diverso do acusado ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
Daqui resulta que estes novos factos, que consubstanciem uma alteração substancial, têm que ser factos autonomizáveis em relação ao objecto do processo, isto é, têm que determinar uma alteração do pedaço de vida que está sob análise no julgamento. Os novos factos têm que constituir um quadro factual completamente distinto daquele que figurava na acusação.
Tendo presente o sucedido e o texto da lei, é claro que não ocorreu uma qualquer alteração substancial dos factos, pois que os factos assentes não tiveram por consequência imputar crime diferente ao arguido, nem agravar os limites das sanções máximas aplicáveis, nem sequer são autonomizáveis relativamente aos factos acusados.

Considerando, por um lado, que o “facto processual” é uma pluralidade de factos e que ocorre alteração substancial quando os novos factos determinam a imputação de crime diferente ou a agravação dos limites máximos das sanções, então resulta que o tribunal pode sempre explicitar o conteúdo da acusação, mediante a descrição de novos factos resultantes da discussão da causa. Usando as palavras do acórdão do S.T.J. de 5-12-2007, processo 07P3396, diremos que só por mero absurdo se pode conceber a possibilidade de uma identidade literal entre o objecto da acusação e da sentença, sendo certo que a integração de novos factos, que visem tão só explicitar os acusados, em nada viola a lei nem colide com o direito de defesa do arguido, pois que este não se depara com nenhum elemento singular novo dentro do delimitado objecto processual.
Foi isto, exatamente, o que sucedeu nos autos: uma precisão da sucessão dos acontecimentos, perfeitamente admissível e, até, louvável, pois que retratou com toda a transparência o sucedido.
Tendo a intenção de esclarecer a sucessão desses acontecimentos, previamente comunicada ao arguido, podia o tribunal recorrido considerar, como fez, os novos factos decorrentes da discussão da causa sem que, com isso, tivesse infringido qualquer norma legal.

Improcede pois, em toda a extensão, a alegada nulidade.
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II – Inexistência do crime imputado, por se desconhecer se o arguido, aquando da fiscalização, era detentor de álcool no sangue

De seguida o arguido alega que se não provou o exercício da condução em estado de embriaguez pois que, afinal, não se provou com que taxa de álcool é que o arguido conduzia quando foi intercetado pela GNR.

Indo, de novo, aos factos provados, temos que em 16-1-2010, pelas 23h, o arguido foi mandado parar, na sequência de ação de fiscalização levada a cabo pela GNR, quando conduzia um veículo ligeiro de passageiros no lugar de Pontes, Caxarias, Ourém.
Foi submetido a teste qualitativo de despistagem de álcool no sangue e por se ter indiciado a presença de álcool no sangue o arguido ficou, então, a aguardar pelo final da acção de fiscalização, junto dos militares da GNR, finda a qual foi submetido, pelas 1h38m do dia 17-1-2010, a teste quantitativo de despistagem de álcool no sangue, que acusou a presença de uma TAS de 2,39 gr/l.
Daqui resulta, primeiro, que às 23h do dia 16, quando foi intercetado, o arguido estava a conduzir um veículo automóvel. Resulta, ainda, que quando lhe foi feito o teste quantitativo, no dia 17, à 1h38m, a TAS indicada pelo aparelho foi de 2,39 g/l. Resulta, finalmente, que entre um momento e o outro o arguido esteve sempre na presença dos militares da GNR.

A regulamentação da fiscalização da condução sobre influência de álcool consta da Lei nº 18/2007, de 17/5.
Nos termos do art. 2º, nº 1, do regulamento «quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos» (norma que reproduz o art. 2º, nº 1, do Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30/10, que anteriormente regulamentava a situação).

Se é certo que entre os testes efetuados ao arguido com analisador qualitativo e com analisador quantitativo mediou mais de trinta minutos – passaram, seguramente, mais 2 horas entre ambos os testes -, nem por isso daqui resulta qualquer nulidade derivada do desrespeito do intervalo referido na lei.
Como é claro face ao texto, a norma não contém nenhuma imposição, cuja violação inquine o procedimento seguido.
Quando a norma diz que o intervalo entre os testes, sempre que possível, não deve ser superior a 30 minutos indicia que se trata de uma orientação, não de vinculação, pelo que aquela referência não constitui um limite inultrapassável cuja violação integre o conceito de proibição de prova. É uma regra de bem fazer que pode, no entanto, não ser seguida quando as circunstâncias do caso não permitirem o respeito por tal indicação Neste sentido, entre outros, acórdão da Relação do Porto de 19-11-2003, processo 0241855, e da Relação de Lisboa de 18-2-2009, processo 12/05.8GTCSC..

Para além disso, sendo seguro que entre os 45 e os 90 minutos depois da última ingestão a concentração de álcool vai diminuindo, resulta que aquele alargado intervalo apenas favoreceu, afinal, o arguido.

Aqui chegados, uma vez que a condenação assentou na certeza que o arguido cometeu os factos imputados, não tem sentido invocar a violação do princípio in dubio pro reo, que só opera, como sabemos, em caso de dúvida.
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III – Violação da Portaria nº 748/94, de 13/8, por desconsideração dos EMA

O arguido alega, depois, que o tribunal recorrido deveria ter considerado a margem de erro e ter procedido ao seu desconto na taxa de álcool indicada pelo aparelho de medição.
Esta discussão, em torno do desconto das margens de erro admissíveis nos alcoolímetros ao resultado da medição, é antiga.

Na vida moderna, nomeadamente no campo sancionatório, a metrologia – ciência da medição -, tem vindo a assumir um papel cada vez mais relevante.
A metrologia legal assenta num conjunto de pressupostos prévios que, na medida em que existem, simplificam a actuação concreta numa multiplicidade de situações, que vão do campo do direito à actividade industrial.
Ela baseia-se no estabelecimento de um conjunto de características dos instrumentos de medição e na sujeição obrigatória destes a uma operação de aprovação de modelo, prévia à sua inclusão nos actos de controlo metrológico, operação que garante que os mesmos estão de acordo com a norma aplicável. Antes de entrarem em funcionamento e, depois, em intervalos regulares durante a sua vida útil, estes instrumentos são sujeitos a operações de verificação metrológica, que garantem que as características metrológicas continuam a satisfazer os requisitos legais (Jorge Fradique, Isabel Morgado Leal, Rui Sá, in A Primeira Verificação de instrumentos de medição de pressão, de 2002 a 2004, como garantia metrológica).
Nos termos do D.L. 291/90, de 20/9, que estabelece o Regime Geral do Controle Metrológico, «os métodos e instrumentos de medição obedecem à qualidade metrológica estabelecida nos respectivos regulamentos de controlo metrológico de harmonia com as directivas comunitárias ou, na sua falta, pelas recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML) ou outras disposições aplicáveis indicadas pelo Instituto Português da Qualidade» - art. 1º, nº 2.
Este diploma prevê a existência de quatro operações de controlo metrológico: a aprovação de modelo (AM); a primeira verificação (PV); a verificação periódica (VP) e a verificação extraordinária (VE) – art. 1º, nº 3.
A aprovação de modelo é o acto que atesta a conformidade de um instrumento de medição com as especificações aplicáveis à sua categoria – art. 2º, nº 1. A primeira verificação é o exame e o conjunto de operações destinados a constatar a conformidade da qualidade metrológica dos instrumentos de medição, novos ou reparados, com a dos respectivos modelos aprovados e com as disposições regulamentares aplicáveis – art. 3º, nº 1. Aqui só são aprovados os alcoolímetros cujos erros máximos admissíveis se situem dentro dos parâmetros previstos na lei, o que significa que o aparelho usado na pesquisa de álcool efectuada ao arguido, aprovado por obedecer aos tais parâmetros, é um aparelho fiável para cumprimento das funcionalidades legais que lhe são atribuídas. Os valores concretos apresentados por estes aparelhos podem não corresponder exactamente ao valor real, mas isso é irrelevante uma vez que o seu resultado se situa dentro da margem de erro máxima admissível. A verificação periódica é o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo - art. 4º, nº 1. Finalmente, a verificação extraordinária ocorre apenas em casos de dúvidas ou de reclamações específicas – art. 5º, nº 1.

Desde há muito que a condução sob a influência de álcool, quando a taxa é superior a determinado valor, está tipificada como crime pela nossa lei.
A detecção da concentração de álcool no sangue é efectuada por alcoolímetros, que são os «instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado» (art. 2º, nº 1, da Portaria 1556/2007, de 10-12-2007).
Relativamente à questão concreta temos, ainda, a Portaria nº 748/94, de 13 de Agosto, que contém o Regulamento de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, onde admite a possibilidade de erro e os limites máximos desse erro.
Entretanto, a Portaria nº 1556/2007, de 10-12-2007, que revogou aquela outra, dispõe no seu art. 8º, cuja epígrafe é erros máximos admissíveis, que «os erros máximos admissíveis — EMA, variáveis em função do teor de álcool no ar expirado — TAE, são o constante do quadro que figura no quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante».
E a final consta o quadro contendo o valor dos erros máximos admissíveis.
Ora, «os EMA são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados. Ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra. É sabido que a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos. Esta incerteza de medição é avaliada no acto da aprovação de modelo por forma a averiguar se o instrumento durante a sua vida útil possui características construtivas, por forma a manter as qualidades metrológicas regulamentares, nomeadamente fornecer indicações dentro dos erros máximos admissíveis prescritos no respectivo regulamento» Céu Ferreira e António Cruz, “Controlo Metrológico de Alcoolímetros no Instituto Português da Qualidade, citados no acórdão da Relação do Porto de 28-5-2008, processo 0841722..
Ou seja, os EMA apresentados são considerados não a propósito do valor apresentado após cada utilização, mas antes, ab initio, quando o aparelho é aferido com vista à sua utilização posterior.
Este é o caminho percorrido por todos os aparelhos de medição utilizados para determinar uma qualidade ou quantidade juridicamente relevante. É o caso dos alcoolímetros, dos radares, das balanças. Mas também é o caso das máquinas de corte da indústria, das máquinas de calibragem, etc.
Daí que o valor apresentado após cada utilização deste tipo de aparelhos seja o valor real a ser considerado. Isto porque, e repetindo, antes de cada um destes aparelhos ser usado passaram por um processo de aprovação, no qual foram considerados os tais EMA estabelecidos na lei, de molde a que os seus resultados sejam tidos por completamente rigorosos e fiáveis.
A este propósito pense-se como seria possível a utilização de máquinas nas indústrias, nomeadamente naquelas que exigem absoluta precisão, se os resultados não fossem fiáveis e se a cada utilização o utilizador fizesse, ele próprio, uma correcção ao resultado.
No caso dos autos a detecção da concentração de álcool no sangue do arguido foi efectuada por aparelho devidamente aprovado pela entidade competente e a verificação, que não foi posta em causa, atesta que o resultado que apresenta está conforme com as tais margens de erro consagradas.

Para além disso, a prova resultante do teste de álcool constitui prova legal, porque resulta da utilização de instrumento de alta performance tecnológica, sujeito a exames prévios determinantes para a sua aprovação, que oferece características funcionais que garantem que a medição efectuada, observados que sejam os procedimentos correctos na sua recolha, são exactos. Esta exactidão resulta de presunção, elidível mediante contraprova solicitada pelo arguido e cientificamente capaz de a pôr em causa.
Estando o aparelho utilizado devidamente verificado, não havendo contraprova a infirmar o resultado fornecido pelo aparelho, o valor que este apresente é aquele que deve ser considerado.
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IV – Verificação dos vícios do nº 2 do art. 410º do C.P.P.

O arguido alega, também, que a sentença recorrida incorreu nos vícios do art. 410º, nº 2, do C.P.P.
Não obstante a alegação, a verdade é que nada diz no que respeita à sua fundamentação.
Sempre diremos, porém, que consistindo a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da al. a), numa insuficiência dos factos provados para justificar a decisão proferida, ocorrendo o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, da al. b), quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou contradição entre a fundamentação e a decisão, quando a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão, e havendo erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto dado como provado uma consequência logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto provado uma consequência ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou contraditório com outro dado de facto e sendo certo que estes vícios – intrínsecos à sentença e alheios, por isso, ao julgamento -, têm que resultar do texto da decisão recorrida, com única possibilidade de recurso às regras da experiência, mesmo sem a fundamentação é clara a sua inexistência, nenhuma destas situações se deteta da leitura da sentença recorrida.
Percorrendo o texto da decisão recorrida resulta que os factos dados como provados são suficientes para a decisão de direito, visto que os mesmos integram os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime em questão. Por outro lado, não se evidencia que qualquer dos factos dados como provados não pudesse ter acontecido ou que o tribunal a quo tenha retirado de qualquer desses factos uma consequência logicamente inaceitável ou de impossível verificação, sendo permitidas todas as provas que foram apreciadas e valoradas.
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V – Impugnação da pena aplicada

O arguido diz, ainda, que o tribunal recorrido nunca poderia aplicar uma condenação «da forma e modo como foi» pois que «o nosso código é no sentido de recuperar os arguidos primários e apenas se podem condenar os arguidos quando a conduta destes não reúnem os requisitos para a absolvição, o que não é o caso».
Embora não percebamos exatamente o sentido das palavras do arguido, sempre diremos que apenas se pode condenar alguém quando resulte inequívoco, para além de toda a dúvida, que o autor de determinado crime é aquele que está a ser julgado pela sua prática.
Resultando dos autos, inequivocamente, que o arguido cometeu o crime que lhe foi imputado, então a condenação tinha que ocorrer, pois que nada se provou que obstasse a isso.
O que a lei impõe, no art. 71º do Código Penal, em sede de fixação da pena concreta, é a consideração de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra o agente e entre elas conta-se o passado criminal do arguido.
Conforme se pode ler a fls. 196 a 198, a sentença recorrida considerou este facto aquando da determinação das penas a aplicar.
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VI – Violação da Constituição

O arguido alega, finalmente, a violação múltipla da Constituição.
Começa por dizer que a sentença viola o art. 208º por não estar fundamentada.
Pensamos que esta invocada falta de fundamentação – o dever de fundamentação das decisões consta do nº 1 do art. 205º -, respeita à matéria de facto provada, pois que na motivação e imediatamente antes da invocação de tal vício o arguido diz, e citamos, que lendo a sentença recorrida «verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo da condenação do arguido».
Os motivos da condenação do arguido são evidentes: eles consistem no facto de ele, em 16-1-2010, ter conduzido um veículo automóvel com uma TAS de 2,39 g/l.
O arguido alega, depois, a violação do art. 207º da Constituição. Considerando que esta norma respeita ao “júri, participação popular e assessoria técnica” carecia a invocação de fundamentação devida para se perceber a sua pretensão.
O arguido invoca, depois, a norma que determina que «na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos … e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados», que consta do nº 2 do art. 202º, e não do nº 2 do art. 205º, dizendo que o tribunal recorrido a violou porque não assegurou a defesa do arguido ao não fundamentar a sua decisão e ao não apreciar as provas produzidas.

Do texto da sentença resulta que o tribunal deu como provados os factos essenciais à verificação do crime imputado, que indicou as provas em que se estribou e que apresentou razões suficientes para se perceber os motivos da condenação.
Em termos de fundamentação a sentença está, pois, perfeita.
Agora, e quanto à disparidade entre a prova oral produzida e os factos, para que este tribunal procedesse à ponderação da sua conformidade teria a matéria de facto que estar impugnada de acordo com o preceituado nos nº 3 e 4 do art. 412º do C.P.P., o que não se verifica.

O arguido reclama, também, a violação do art. 13º da Constituição, que proclama a igualdade de todos os cidadãos.
Se bem percebemos, esta violação residirá no facto de o arguido ter sido condenado. Ora, reclamando a lei a igualdade dos cidadãos e tendo-se provado que o arguido cometeu o crime pelo qual foi condenado, violaria, quiçá, um tal princípio se o arguido tivesse sido absolvido, mesmo não se tendo provado nada que permitisse essa absolvição.
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DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos, na improcedência do recurso, confirma-se na íntegra a decisão recorrida.
Fixa-se em cinco UC’s a taxa de justiça, devida pelo arguido.


Olga Maurício (Relatora)
Luís Teixeira