Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
Descritores: | DESERDAÇÃO HERDEIRO LEGITIMÁRIO IMPUGNAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 11/17/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE COIMBRA - PENACOVA - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 2166, 2167, 2169 CC | ||
Sumário: | 1.- A prova de que o de cujus vendeu alguns bens da herança para não os deixar ao filho herdeiro, não é, formal e substancialmente, bastante para se concluir que estamos perante um ato ilícito de deserdação – artº 2166º do CC – que acarrete, no processo de inventário, a nulidade das vendas. 2.- Existindo deserdação que o herdeiro considere ilegal, tem de a impugnar nos termos do artº 2167º do CC; inexistindo, resta-lhe atacar o negócio, vg. por apelo aos vícios gerais da vontade - artº 240º do CC. | ||
Decisão Texto Integral: |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
1. Foi instaurado inventário por morte de M (…), no qual desempenha funções de cabeça de casal N (…).
Os interessados L (…), M (…), M (…) e M (…) reclamaram da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal. Para além do mais e no que para o caso interessa, requereram a exclusão de bens imóveis, alegando que os mesmos não pertencem à herança, mas a si próprios, pois que o de cujus lhos tinha vendido. O cabeça de casal pugnou pelo indeferimento de tal pretensão, alegando que as vendas são nulas e que violam o artº 2166º ou o artº 2169º do CC.
2. Foi proferida decisão no incidente da reclamação, tendo, para além do mais, sido decidido que todos os bens imóveis reclamados e constantes da relação fossem dela excluídos.
Para tanto entendeu-se que na ação nº 378/2000, o cabeça de casal demandou os outros interessados, requerendo que a venda dos bens ora em causa fosse declarada nula, por simulação, tendo tal pretensão sido indeferida por sentença e acórdão já transitados em julgado; e que o caso não acarreta a redução, por inoficiosidade, pois que estamos perante negócios onerosos e não liberalidades.
3. Inconformado recorreu o cabeça de casal. Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)
Contra alegaram os restantes interessados, pugnando pela manutenção do decidido, aduzindo os seguintes argumentos finais:
(…)
4. Sendo que, por via de regra: - artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção, o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:
Declaração de nulidade das compras e vendas efetuadas, por não observância dos requisitos formais para a deserdação do herdeiro, violando-se o art. 2166.º do Código Civil, ou redução das liberalidades vertidas nas aludidas escrituras, por inoficiosidade, nos termos dos arts. 2169.º e ss. 5. Apreciando. 5.1. A nulidade é um vício grave de invalidade de um ato ou negócio jurídico. Pois que ela acarreta a destruição dos seus efeitos, ex tunc, sendo insanável e, assim, podendo ser invocável a todo o tempo, por qualquer interessado, e ser conhecida oficiosamente pelo tribunal – artºs 286º e 289º do CC. Este regime mais severo da nulidade é, pelo menos tendencialmente, justificado porque se reporta à defesa de interesses de ordem pública. Já o regime da anulabilidade, a qual apenas pode ser arguida pelas pessoas em cujo interesse a lei a estabelece e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento, e sendo sanável – artº 287º - mais se reporta à tutela de interesses particulares – Cfr. Mota Pinto, Teoria, p. 358. Nesta conformidade, e considerando a severidade do regime da nulidade, esta, pelo menos por via de regra, apenas emerge, e pode ser declarada, quando a lei especialmente comine com tal sanção um determinado vício. Por outro lado estatui o artº 2166º do CC: 1. O autor da sucessão pode em testamento, com expressa declaração da causa, deserdar o herdeiro legitimário, privando-o da legítima, quando se verifique alguma das seguintes ocorrências: a) Ter sido o sucessível condenado por algum crime doloso cometido contra a pessoa, bens ou honra do autor da sucessão, ou do seu cônjuge, ou de algum descendente, ascendente, adoptante ou adoptado, desde que ao crime corresponda pena superior a seis meses de prisão; b) Ter sido o sucessível condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas; c) Ter o sucessível, sem justa causa, recusado ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge os devidos alimentos. 2. O deserdado é equiparado ao indigno para todos os efeitos legais. A deserdação «vem a ser o acto em que o testador priva da legítima os seus herdeiros legitimários comporta esta duas características essenciais…: é, desde logo, um acto que deve ser declarado em testamento - ou negócio similar -, e destina-se, tão só, a produzir efeitos post mortem…» - Ac. do STJ de 03.10.2002, p. 02B297 in dgsi.pt. Na verdade: «A deserdação tem de ser feita em testamento, com expressa declaração da causa que a justifica e o deserdado é equiparado ao indigno para todos os efeitos legais – nº 2 do artigo 2166º.» - Ac. da RL de 14.02.2008, p. 361/2008-8 Efetivamente: «Assim como a indignidade sucessória tem de ser declarada judicialmente (artº 2036º), assim a deserdação não opera automaticamente, pela simples verificação de uma das ocorrências do artº 2166º: tem de ser ordenada pelo autor da sucessão, em testamento e com expressa declaração de causa (artº 2166º, nº 1)» - Ac. da RC de 19.10.2010, p. 214/07.2TBSBG.C1. citando Pereira Coelho, in “Direito das Sucessões – Lições ao curso de 1973-1974”, pgs. 111/112. Não obstante, importa ter presente que: «Os institutos da indignidade sucessória e da deserdação são distintos – aquele afecta mais a ordem social, enquanto as causas que motivam a deserdação repercutem-se mais na ordem familiar.» E urgindo ainda atentar que: «as causas de deserdação representam um agravamento em relação às causas de indignidade …a atestar essa maior gravidade nos requisitos da deserdação em relação aos da indignidade…»- Ac. do STJ de 09.12.2003, p. 9860/2003-7. 5.2. In casu o recorrente pugna pela nulidade das vendas pois que, diz, na prática, elas acarretam uma real e efetiva deserdação. Reiterando, para o efeito, os já aduzidos argumentos da simulação das vendas, ou seja, que elas o foram por valores irrisórios e despojaram em grande medida o acervo hereditário do de cujus, afetando a sua legítima que é de metade da herança. Mas tal argumentação, ainda que, em termos mais prosaicos e vulgares, possa ser invocável, não se alcança, sdr, bastante, para, na perspetiva técnico-jurídica estrita, se subsumir no normativo atinente e acarretar o efeito pretendido. Na verdade, em bom rigor, e como dimana do supra exposto, não se pode dizer que as vendas efetuadas constituam um ato de deserdação: nem pela forma – testamento - nem pela substancia – manifestação de vontade que, adrede, exclua o herdeiro de toda a sua legítima. E mesmo que descurássemos tal abordagem formal, e nos ativéssemos apenas à possibilidade de os factos apurados puderem ser equiparados a tal figura, não se pode concluir que eles, quer os aduzidos na sentença ora posta sub sursis - que são os especialmente relevantes -, quer os decorrentes da sentença proferida no processo nº 378/2000, assumam tal dignidade e relevância. Desde logo porque neste processo 378/2000 não se provou que o Manuel Maia não tenha obtido um ganho efetivo com a venda, nunca tenha querido vender, e os réus – aqui interessados-, não tenham querido comprar. Ora a enorme gravidade dos pressupostos da deserdação e dos seus efeitos, implicam o seu inequívoco, ou, pelo menos, muito aproximado, preenchimento, pelo que, os factos apurados e os argumentos aduzidos pelo recorrente, não permitem a conclusão de que, no caso vertente, é possível, mesmo por analogia ou equiparação, o chamamento deste instituto jurídico. Por outro lado, mesmo que nos encontrássemos perante uma deserdação ilegal, o modo de os herdeiros lesados se insurgirem contra ela, pelo menos no âmbito do inventário, não é a invocação da nulidade das vendas. A lei em parte alguma fere de nulidade tal ato e os interesses atingidos com o mesmo são meramente particulares. Assim, e quando muito, a figura seria a da mera anulabilidade. Tal dimana ainda claramente do prazo de dois anos, contados da abertura do testamento, previsto para a ação de impugnação da deserdação – artº 2167º do CC. Pelo que, e considerando as datas em que ocorreram as vendas - ano de 1999 - há muito que estaria esgotado o prazo de um ano a que alude o citado artº 287º do CPC. Em suma: -Existindo deserdação, o autor teria de instaurar a respetiva ação de impugnação, nos termos e no prazo do artº 2167º do CC. -Inexistindo, como, summo rigore, inexistiu, a questão teria de ser dilucidada nos meios comuns, com o ataque à validade das vendas por apelo às regras gerais dos vícios da vontade – artº 240º e segs. do CC. E foi. Só que, como se disse, nestes o autor não logrou obter ganho de causa. O que, irremediavelmente, fez naufragar a sua pretensão. No atinente à redução por inoficiosidade, nos termos do artº 2169º do CC, o problema alcança-se ainda mais singelo. Tal como o julgador expendeu, a aplicação deste preceito implica, necessariamente, que o ato constitua uma liberalidade, ou seja, seja gratuito e não oneroso. Ora no caso sub judice estão em causa contratos de compra e venda para os quais foi anuído um preço que foi dado por recebido. O recorrente alegou, na ação 378/2000, que o vendedor não obteve um ganho efetivo com a venda. Mas não logrou provar tal facto. Assim, e independentemente de tal preço divergir, mais ou menos, do real preço de mercado, é obvio que a simples existência do mesmo retira ao ato o cariz de ato gratuito. Improcede o recurso.
6. Sumariando. I - A prova de que o de cujus vendeu alguns bens da herança para não os deixar ao filho herdeiro, não é, formal e substancialmente, bastante para se concluir que estamos perante um ato ilícito de deserdação – artº 2166º do CC – que acarrete, no processo de inventário, a nulidade das vendas. II – Existindo deserdação que o herdeiro considere ilegal, tem de a impugnar nos termos do artº 2167º do CC; inexistindo, resta-lhe atacar o negócio, vg. por apelo aos vícios gerais da vontade - artº 240º do CC.
7. Deliberação. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.
Custas pelo recorrente.
Coimbra, 2015.11.17.
Carlos Moreira ( Relator ) Moreira do Carmo Fonte Ramos |