Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | EMÍDIO SANTOS | ||
Descritores: | REPÚDIO DA HERANÇA SUB-ROGAÇÃO DO CREDOR | ||
Data do Acordão: | 05/21/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - LAMEGO - JL CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 606, 2067 CC | ||
Sumário: | O direito que o n.º 1 do artigo 2067.º do Código Civil reconhece ao credor do repudiante de aceitar a herança em nome dele pressupõe que a sub-rogação seja essencial à satisfação ou garantia do direito do credor. E ela revestirá esta essencialidade quando o devedor não tenha no seu património bens suficientes para satisfazer o direito do credor. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
M (…), residente (…) , intentou a presente acção declarativa com processo comum contra A (…) residente (…), J (…) e T (…), menor, representado pela sua mãe, S (…) (…), , pedindo: Os fundamentos da acção foram, em resumo, os seguintes: O réu T (…), representado pela sua mãe, S (…), contestou, sustentando a improcedência da acção com a alegação de que não se encontravam reunidos os pressupostos para a procedência da acção. O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência final foi proferida sentença que decidiu: O réu T (…) não se conformou com a sentença e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo a revogação dela na parte em que reconheceu ao autor o direito de aceitar a herança aberta por óbito de J (…) e repudiada pelo seu filho A (…) e bem assim o direito de se fazer pagar por intermédio dos bens que integram a referida herança, até ao limite do quinhão hereditário do repudiante. Os fundamentos do recurso consistiram em resumo na alegação de que não se mostram cumpridos os requisitos previstos nos artigos 606.º e 2067.º do Código Civil para reconhecer ao autor o direito de aceitar a herança em nome do primeiro réu. O autor respondeu, sustentando a manutenção da decisão recorrida. * Principal questão suscitada pelo recurso: saber se a decisão recorrida reconheceu ao autor o direito de aceitar a herança de João de Jesus Francisco em nome do 1.º réu sem que estivessem verificados os requisitos necessários para tanto. * Visto que a decisão relativa à matéria de facto não foi impugnada e que não há razões para a alterar oficiosamente consideram-se provados os seguintes factos discriminados na sentença: 1. O autor é portador do cheque n.º 2986232214, datado de 30.03.2016, no valor de € 20.000,00, emitido pelo 1.º réu à ordem do autor, para pagamento da quantia que este lhe havia emprestado ao longo dos anos de 2014 e 2015. 2. Apresentado o dito cheque a pagamento, veio o mesmo devolvido por motivo de “cheque cancelado”. 3. Com base naquele cheque, em 13.12.2016, o autor instaurou contra o 1.º réu a execução n.º 6338/16.8T8VIS para cobrança a quantia nele titulada, na qual o autor não logrou cobrar o seu crédito junto do réu A (…), encontrando-se contra este pendente outra execução com o n.º 4086/17.0T8VIS, no valor de € 4.438,08. 4. No âmbito da execução n.º 6338, o aqui 1.º réu não pagou, nem deduziu oposição à execução, tendo a agente de execução declarado, aos 08.02.2018, «não ter sido possível determinar a existência de bens penhoráveis» e em 17.05.2018 informado não existirem depósitos bancários em nome daquele, com saldo positivo. 5. Por escritura pública de “repúdio de herança”, de 31.05.2016 o 1º réu, A (…), no estado de divorciado, repudiou a herança aberta por óbito do seu pai J (…). 6. Da herança indivisa por óbito do pai do 1.º réu fazem parte vários prédios urbanos, rústicos, veículos automóveis, entre outros bens. 7. Nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho foram emitidos recibos de vencimento do 1.º réu pela sociedade A (…), Lda., da qual são gerentes a mãe e tios do 1.º réu, no valor total líquido que oscila entre € 794,51 e 1.195,67/mês. 8. O 1.º réu não possui outros bens livres de ónus ou encargos susceptíveis de permitir o pagamento da quantia titulada pelo cheque acima identificado. Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, mormente que o 1.º réu tem veículos automóveis e bens móveis que permitam pagar o montante em dívida ao autor. * Fundamentos de direito Descritos os factos, passemos à resolução da questão acima enunciada: saber se a decisão recorrida reconheceu ao autor o direito de aceitar a herança de J (…) em nome do 1.º réu sem que estivessem verificados os requisitos necessários para tanto. Vejamos, antes de mais, as razões que levaram a sentença a reconhecer ao autor o direito de aceitar a herança em nome do 1.º réu. Segundo a sentença, a procedência do pedido de sub-rogação (aceitação da herança pelo credor em nome do devedor renunciante) pressupunha que o repúdio prejudicasse o credor, ou seja que não existissem no património do devedor/repudiante bens suficientes para o pagamento dos seus débitos e que a sub-rogação fosse essencial para a satisfação do crédito. A sentença considerou que a sub-rogação era essencial à satisfação ou garantia do direito de crédito, sem o qual não o poderia satisfazer, o autor demonstrou a insuficiência patrimonial do requerido para a satisfação do crédito do autor. Viu esta prova nos seguintes factos: O recorrente contesta estes fundamentos com a seguinte linha argumentativa: Em primeiro lugar alegou que o reconhecimento do direito de sub-rogação previsto no n.º 1 do artigo 2067.º pressupõe que o credor não tenha possibilidade de satisfazer o direito de crédito de outra forma (a sub-rogação é um meio de última ratio) e que o credor prove que há a probabilidade séria de satisfazer o seu direito através dos bens da herança. Seguidamente afirma que não está verificado nenhum destes requisitos. Quanto ao primeiro diz que o requerido não está numa situação de insuficiência económica/insolvência. Sustenta esta conclusão com base na seguinte alegação: Quanto ao segundo pressuposto, sustenta que não está demonstrada a solvência da herança com base na seguinte alegação: Como se vê pela exposição efectuada, na presente acção está em questão o direito que o n.º 1 do artigo 2067.º do Código Civil reconhece ao credor do repudiante de aceitar a herança em nome dele. Como escreve Rodrigues Bastos, Direito das Sucessões, I, 1981, página 141, “Embora o preceito se refira à aceitação em nome do repudiante, a verdade é que se trata de uma ficção legal, por virtude da qual os credores se encontram na mesma situação jurídica em que estariam se o devedor tivesse realmente aceitado; para este, porém, o repúdio é válido, razão por que ele fica completamente estranho à herança, nada lhe cabendo ainda que depois de pagos os credores exista algum remanescente”. Segundo a parte final do n.º 1 do preceito acima referido, a aceitação da herança pelos credores faz-se nos termos dos artigos 606.º e seguintes. Importa para o caso o n.º 2 do preceito, segundo o qual a sub-rogação só é permitida quando seja essencial à satisfação ou garantia do direito do credor. Ela revestirá esta essencialidade quando o devedor não tenha no seu património bens suficientes para satisfazer o direito de crédito. Citando Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao artigo 606.º do Código Civil “Não basta, …, um risco de insolvência. É preciso uma insolvência efectiva ou o agravamento da insolvência.” [Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, página 623]. É esta também a interpretação de Luís Manuel Teles de Menezes Leitão ao afirmar a propósito do n.º 2 do artigo 606.º: “… pressupõe a demonstração de que sem o exercício daqueles direitos se verifica a impossibilidade de satisfação da obrigação (…) ou … que o património do devedor se encontra insolvente, permitindo a sub-rogação eliminar essa situação [Direito das Obrigações, Volume II, Almedina, páginas 310 e 311]. Segue-se do exposto que é pressuposto do direito de aceitar a herança em nome do devedor repudiante que o património deste seja insuficiente para satisfazer o direito do credor. O recorrente não diverge da sentença quanto aos requisitos da sub-rogação, ou seja: 1) que o sub-rogante seja credor do repudiante da herança; 2) que o património do devedor renunciante seja insuficiente para satisfazer o direito do credor; 3) que a sub-rogação seja essencial à satisfação ou garantia do direito do credor. Também não diverge da sentença na parte em que esta reconheceu que o autor era credor do 1.º réu. Também não diverge do entendimento da sentença quanto ao sentido a dar ao n.º 2 do artigo 606.º do Código Civil. Com o que o recorrente não concorda é com a resposta dada pela sentença à questão de saber se a aceitação da herança em nome do 1.º réu era indispensável para pagar o crédito reconhecido ao autor. As razões da discordância não colhem, no entanto, contra a sentença. Em primeiro lugar, não vale a alegação de que o réu A (…)possui um rendimento mensal superior ao rendimento mínimo nacional e que tal rendimento é suficiente para satisfazer o crédito do autor. Como bem observa o autor na resposta ao recurso, o tribunal a quo não julgou provado que ao primeiro réu esteja a ser pago um salário. O que se provou foi que, nos meses de Janeiro a Junho de 2018 a sociedade A (…), Lda, emitiu recibos de vencimento a favor do 1.º réu, com valores que variavam entre um mínimo de e 794,51 e um máximo de € 1 195,67. Como a emissão de um recibo de vencimento não constitui prova de pagamento de salário, falece a alegação do recorrente de que está a ser pago um salário ao réu. Em segundo lugar, ainda que na realidade esteja a ser pago ao 1.º réu o salário indicado nos recibos de vencimento, esse pagamento não faz com que o património do réu possua bens penhoráveis suficientes para satisfação do crédito do autor. É que ter no património bens penhoráveis suficientes para satisfação do crédito do autor implicava ter, no momento mais recente que pudesse ser atendido pelo tribunal (esse momento era o encerramento da discussão em 1.ª instância), bens que, executados, permitissem o pagamento integral da dívida, quando o salário pago ao executado, pelo seu montante e pelas limitações à penhora a que está sujeito pelo n.º 1 do artigo 738.º do CPC, não permite tal pagamento. Quando muito permite pagar uma parte da dívida e, ainda assim, com atraso em relação ao momento em que devia ser paga. Ora, recorde-se, é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (n.º 1 do artigo 3.º do CIRE). E impossibilitado de as cumprir pontualmente. Como observam Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, em anotação ao artigo 3.º do CIRE “… não interessa … que (ainda) se possa cumprir num momento futuro qualquer; importa igualmente que a prestação ocorra no tempo adequado e, por isso, pontualmente” [Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa, Qui Juris, página 70]. Em terceiro lugar, o facto de ter sido instaurada contra o 1.º réu uma execução para pagamento de quantia certa depois da execução instaurada pelo ora autor e de aquela execução não ter sido extinta por falta de bens penhoráveis não constitui prova de que o 1.º réu tem bens penhoráveis suficientes para pagar o que deve ao autor nem sequer faz presumir a existência desses bens. A alegação do recorrente de que o 1.º réu possui bens suficientes para pagar a dívida é contrariada pelo facto de, no âmbito da execução instaurada pelo autor contra o 1.º réu para pagamento da dívida, o agente de execução não ter encontrado bens penhoráveis, não obstante ter realizado diligências com tal propósito, o que a levou a informar o exequente, ora autor, de que devia proceder à indicação de bens penhoráveis, sob pena de, não o fazendo, se extinguir o processo de execução. Este facto - insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor – constitui, segundo a alínea e) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, um indício, uma presunção, de insolvência do devedor. E a alegação do recorrente é ainda contrariada pelo facto de se ter julgado provado que o 1.º réu não possui outros bens livres de ónus ou encargos susceptíveis de permitir o pagamento da dívida. Em síntese: a sentença sob recurso não merece qualquer censura quando afirmou que o património do requerido é insuficiente para satisfazer o crédito da autora. Contra a sentença também não vale a alegação de que não está demonstrado que a herança de J (…), pai do primeiro réu, possui bens suficientes para satisfazer o crédito do autor. E não vale porque tal alegação compreende factos que não estão provados e que nem sequer foram alegados na defesa do ora recorrente e resulta do n.º 3 do artigo 607.º do CPC que a legalidade da decisão recorrida afere-se exclusivamente em função dos factos que o tribunal considera provados. Pelo exposto, a não merece qualquer censura quando conclui que a sub-rogação era essencial à satisfação do direito do autor. * Decisão: Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida. Responsabilidade quanto a custas: Visto o disposto na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de o recorrido ter ficado vencido no recurso, condena-se o recorrente nas custas, restritas a custas de parte. Coimbra, 21 de Maio de 2019
Emídio Santos ( Relator ) Catarina Gonçalves Ferreira Lopes |