Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
933/07.3TBILH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
ÓNUS DA PROVA
INVALIDEZ ABSOLUTA
Data do Acordão: 06/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA, AVEIRO – JUÍZO DE GRANDE INSTÂNCIA CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 5.º, N.º 3, DO DL 446/85, DE 25/10; ARTIGO 8.º DO CC; ARTIGO 427.º DO C. COMERCIAL
Sumário: 1. Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do DL 446/85, de 25/10, o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.

2. A questão do ónus da prova não opera ao nível da decisão da matéria de facto (saber se determinado facto deve ou não ser dado como provado, em face das provas produzidas) mas sim num momento ulterior, qual seja o de saber quais as consequências da não demonstração de determinado facto, caso em que a decisão terá de ser prejudicial à parte que estava onerada com o respectivo ónus da prova.

3. Daqui resulta que com base no facto de a ré seguradora estar onerada com o ónus da prova dessa prova não decorre, por si só, que tal comunicação se tenha de dar como não provada.

4. Só no caso de os respectivos quesitos terem sido dados como não provados (o que se traduziria no desconhecimento da existência do cumprimento do dever de comunicação) é que se poderia fazer apelo à regra do ónus da prova e, então, decidir contra a parte que estava onerada com a respectiva demonstração.

5. A apólice de seguro que tem por objecto o risco de incapacidade absoluta para toda e qualquer profissão ou actividade lucrativa e não a incapacidade para o desempenho da profissão que o segurado exercia, não abrange uma situação em que a incapacidade seja apenas para o exercício da profissão habitual.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A...e cônjuge B..., residentes na Rua (...), Ílhavo, intentaram a presente acção ordinária contra C..., S.A., com sede na Av. (...), Lisboa, pedindo, que a ré fosse condenada a:

a) Pagar aos demandantes a quantia de 19.861,62 €, acrescida de juros legais vencidos e vincendos desde 16/10/2003 até integral pagamento.

b) Pagar aos demandantes todas as prestações mensais que estes amortizem na pendência da presente acção junto do banco mutuante identificado no articulado inicial, acrescidas de juros legais desde a entrada em juízo da presente acção até à prolação de sentença, a liquidar em sede de execução.

c) Pagar ao banco mutuante a quantia remanescente que se encontrar em dívida na data da prolação da sentença.

Para o efeito, alegaram, em síntese, ter contraído um mútuo junto do então D..., S.A., o que implicou a subscrição de um seguro de vida junto da então D... – Seguros Vida, S.A., hoje demandada, sendo que no acto de subscrição da respectiva proposta foram os demandantes informados que em caso de incapacidade para o trabalho de qualquer dos mutuantes, a seguradora amortizaria a totalidade do montante que se encontrasse em dívida ao banco.

Mais, alegaram que o autor marido foi vítima de um acidente de trabalho, ficando, em consequência, incapacitado, a título permanente, para o trabalho e impossibilitado de angariar meios de subsistência, sendo que a demandada declinou a sua responsabilidade, por entender que as lesões sofridas pelo demandante não configuram uma situação de invalidez absoluta e definitiva – exclusão essa que os demandantes não aceitam uma vez que as condições gerais e especiais invocadas pela demandada nunca lhes foram comunicadas.

A ré deduziu contestação, impugnando parte da matéria alegada pelos autores, designadamente que no acto da subscrição do contrato foram explicadas aos autores o teor e âmbito das respectivas cláusulas, as quais se encontram escritas na respectiva proposta e sustentando que o autor marido não se encontra na alegada situação de invalidez absoluta e definitiva, o que implica que o caso em apreço não tenha cobertura na apólice em vigor.

Respondendo, os autores reiteram o que, quanto a isto, já haviam alegado na petição inicial.

           

Com dispensa de audiência preliminar, elaborou-se despacho saneador tabelar e seleccionaram-se os factos assentes e elaborou-se base instrutória, quanto aos factos controvertidos, de que não houve reclamação.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação, tal como consta de fl.s 275 a 282, sem que lhe tenha sido formulada qualquer reclamação.

Após o que foi proferida a sentença de fl.s 288 a 299, na qual se julgou a presente acção improcedente, por não provada, com a consequente absolvição da ré do pedido, ficando as custas a cargo dos autores.

            Inconformados com a mesma, interpuseram recurso os autores, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida, imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 302), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

I- Incidindo sobre a seguradora o ónus de provar que comunicou, informou e explicou aos segurados o conteúdo de cláusulas de que se pretende prevalecer, nos termos do nº. 3 do Artº. 5º do Dec. Lei 446/85, para que o mesmo se mostre cumprido, não basta o recurso às regras da experiência comum, bem assim o depoimento de testemunhas que se limitaram a referir que os funcionários têm instruções para cumprir aquelas determinações, sem, no caso concreto demonstrarem conhecimento se foram ou não as respectivas cláusulas comunicadas e explicado o seu conteúdo;

II- Não demonstrando a seguradora com recurso a meios probatórios diretos e efetivos, não pode ter-se aquele ónus por cumprido e, desse modo, terá a matéria respetiva de ser considerada como não provada ou provada, consoante, a sua formulação se encontre questionada pela positivas ou negativa;

III- No caso dos autos, os quesitos 1º, 6º e 7º terão de ser considerados PROVADOS, atenta a sua formulação pela negativa; no quesito 15º, apenas, se pode dar como assente que os autores assinaram a proposta de seguro, nada mais se podendo dar como provado, em face do aludido ónus, já que, como da fundamentação de facto resulta, nenhum elemento probatório direto existe que nos permita concluir que os autores leram, preencheram e tomaram conhecimento das situações cobertas pelo seguro.

IV- Por outro lado, a nosso ver, a resposta POSITIVA aos quesitos 5º e 8º resulta expressa dos documentos de fls. 179 a 197 dos autos, pois, de outro modo, se os demandantes tivessem na sua posse tais elementos, não iria existir tanta insistência sua, mesmo do seu mandatário, na sua obtenção.

V- Independentemente do apontado sentido das respostas àqueles quesitos, nos termos da matéria de facto dada como assente, nomeadamente, em D) e 2º do douto despacho Saneador, não releva o facto de se tratar ou não de invalidez absoluta, pois, resulta provado que os apelantes aceitaram contratar e, disso forma informados, que a demandada amortizaria a quantia em dívida em situações de morte ou incapacidade para o trabalho de algum deles.

VI- Em lugar algum se dá como assente ou se provou que, apenas, tal sucederia em caso de incapacidade absoluta, sendo irrelevante, a nosso ver, se existia ou não na proposta definição de tais conceitos, já que, contrataram e disso foram informados, um seguro para amortização de dívida em situação de morte ou incapacidade para o trabalho.

VII- Está assente que o demandante marido tem, presentemente, uma incapacidade permanente parcial de 33% e absoluta e permanente para o trabalho habitual. Está, pois, a nossos ver verificado o evento que leva a seguradora demandada a amortizar aquilo a que se obrigou, já que, nos termos contratados e informados aos aderentes ora autores, existe uma situação de incapacidade do demandante marido para o Trabalho.

VIII- Aplicando a metodologia sumariamente enunciada na fundamentação desta peça processual, salvo o devido respeito, não colhe a tese sufragada pela apelada quanto à dependência funcional ou não de apelante marido, pois, em lugar algum resulta provado (como é seu ónus – Artº. 5º nº. 3 do Dec. Lei 446/85) que a mesma informou, comunicou ou explicou aos aderentes (autores) a clausula de que agora se pretende prevalecer para se escusar à responsabilidade.

IX- Outrossim, resultou provado que os demandantes na data da subscrição da proposta foram informados que em caso de morte ou de incapacidade para o trabalho de qualquer um deles a seguradora amortizaria a totalidade do montante que se encontrasse em dívida ao Banco e que foi por estarem convictos disso que os autores aceitaram contratar nos termos constantes da apólice (al. D) da matéria assente e quesito 2º da BI).

X- Assim sendo, não basta dar aos aderentes (no caso os apelantes) a possibilidade de ler o clausulado da apólice para que dele tenham conhecimento, impondo a lei, como se viu, a comunicação e explicação do seu conteúdo, o que, no caso dos autos se não verifica, pelo que, está tamanha cláusula excluída do concreto contrato em discussão nos autos, sendo, pois, inoponível aos apelantes.

XI- Encontra-se, igualmente, provado nos autos que o impetrante marido se encontra em situação de invalidez (ao presente com incapacidade parcial de 33% e absoluta para a sua profissão que era marinheiro), sendo que, não se mostrando provado, sequer alegado, em que condições funcionaria a apólice em caso de invalidez (nomeadamente coeficiente de desvalorização) e, mostrando-se não incluída a sobredita cláusula, impende sobre a demandada a obrigação de proceder à amortização nos termos em que se obrigou, bastando que se verifique uma situação de invalidez seja ela qual for.

XII- Mas, mesmo que o contrato dos autos passasse pela apontada peneira da análise formal, sempre o mesmo não passa na peneira da análise material. Com efeito, a cláusula invocada pela seguradora para se escusar ao cumprimento daquilo a que se obrigou é NULA, porquanto abusiva e, consequentemente, proibida, de resto, como já se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Janeiro de 2009 – Processo nº. 8347/2008, cujo sumário acima se deixou exposto e não será perdulário visitar.

Nos termos expostos,

E nos mais que este Colendo Tribunal experimentada e proficientemente suprirá, deve a apelação merecer integral provimento, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências.

            Contra-alegando, a ré, pugna pela manutenção da decisão recorrida, estribando-se nos fundamentos nesta invocados e que inexiste violação do ónus da prova, tendo provado, como lhe competia, que comunicou o conteúdo das cláusulas contratuais aos autores e que estes as conheciam, tanto que invocou a existência de um acidente de trabalho, quando sabe que a IPP de que é portador é consequência de uma patologia degenerativa com evolução desde 2002 e não de qualquer acidente de trabalho.

           

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.  

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Se os quesitos 1.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 15.º da base instrutória têm que ser considerados como provados, sob pena de violação do ónus da prova que incumbe à seguradora, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do DL 446/85, de 25/10;

 B. Se a ré violou os deveres de comunicação e informação aquando da celebração do contrato;

C. Se se encontra verificada a condição para que a ré esteja obrigada a satisfazer as prestações em causa.

            D. Nulidade da cláusula que define a invalidez absoluta e definitiva.

           

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1 - Por escritura pública de mútuo com hipoteca outorgada em 10.09.1994 entre os autores e o então D..., S. A., declarou este mutuar àqueles a quantia de dez milhões de escudos (alínea A) dos factos assentes).

2 - Nos termos da cláusula 19ª do documento complementar os ora autores obrigaram-se a fazer um seguro de vida pelo valor do capital mutuado (alínea B) dos factos assentes).

3 - Tendo, por essa razão, no balcão do banco mutuante, os autores subscrito com a D... Seguros de Valores S.A, a proposta que veio a dar lugar à emissão da apólice 00048780 (alínea C) dos factos assentes).

4 - Na data da subscrição da proposta foram os demandantes informados que em caso de morte ou de incapacidade para o trabalho de qualquer um deles a seguradora amortizaria a totalidade do montante que se encontrasse em dívida ao Banco (alínea D) dos factos assentes).

5 - Os autores contactaram o Banco mutuante e a ré no sentido desta proceder à amortização da totalidade do montante ainda em dívida que nessa data ascendia a 38.584,78€ (alínea E) dos factos assentes).

6 -A ré enviou ao autor a carta junta a folhas 23, cujo teor se dá por reproduzido (alínea F) dos factos assentes).

7 - Foi por estarem convictos do referido em D) que os autores aceitaram contratar nos termos constantes da apólice (art. 2º da base instrutória).

8 – O autor marido é portador de alterações na integridade anátomo-funcional, designadamente patolologia degenerativa da coluna dorso-lombar com vários anos de evolução, pelo menos desde 2002, que lhe determinaram uma incapacidade parcial permanente fixada em 33% e uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual como marinheiro (art. 4º da base instrutória).

9 – No período compreendido entre 16.10.2003 até 30.09.2007, os autores liquidaram ao E... no âmbito do contrato de empréstimo celebrado com esta instituição e referida em A) dos factos assentes a quantia de 20.279,09 € (art. 9º da base instrutória).

10 – Os autores, em dia não apurado do mês de Outubro de 2006 (anterior ao dia 19) comunicaram à ré que o autor marido se encontrava em situação de invalidez (art. 10º da base instrutória).

11 - E remeteram à ré relatórios médicos sem comunicarem por que motivo o autor marido se encontrava em situação de invalidez (art. 11º da base instrutória).

12 – Nas comunicações efectuadas entre o autor marido e a ré na sequência da comunicação de uma situação de invalidez, este não faz referência ao facto de ter sido vítima de um acidente de trabalho (art. 12º da base instrutória).

13 – As alterações/sequelas referidas em 8 não afectam o autor em termos de autonomia e independência (art. 13º da base instrutória).

14 - Na data de subscrição do contrato de seguro constava da proposta de seguro a definição de invalidez absoluta e definitiva e de invalidez total e permanente por acidente (art. 14º da base instrutória).

15 – Os autores assinaram a proposta de seguro junta aos autos a fls. 50 e 51 com os elementos pessoais e de saúde aos mesmos referentes, tiveram oportunidade de a ler, atenta a consignação expressa das suas cláusulas no respectivo documento e tomaram conhecimento das situações cobertas pelo seguro (art. 15º da base instrutória).

            A. Se os quesitos 1.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 15.º da base instrutória, têm de ser considerados como provados, sob pena de violação do ónus da prova que incumbia à seguradora, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do DL 446/85, de 25/10.

            No que a esta questão concerne, alegam os autores, ora recorrentes, que cabendo à recorrida o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva das cláusulas contratuais aos segurados, não se pode bastar o tribunal com o recurso às regras da experiência comum, bem como o depoimento de testemunhas que se limitaram a referir que os funcionários têm instruções para cumprir as instruções relativas ao modo como devem explicar as cláusulas contratuais, sem o saberem se assim aconteceu no caso concreto, pelo que à luz do disposto no artigo 712.º do CPC e por sobre a seguradora incidir o citado ónus da prova, devem as respostas ser alteradas como sugerem (serem dados tais quesitos como provados).

            Efectivamente, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do DL 446/85, de 25/10: “O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.”.

            No entanto o ónus da prova, por si só, nada releva em termos de se dar ou não, um facto como provado ou não provado.

            Como refere Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1985, a pág. 447 e nota 3, o ónus da prova só releva no caso de existência de dúvida sobre determinado facto, por não se saber se ele ocorreu ou não, caso em que o non liquet do julgador se converte, na sequência da directiva traçada pelo n.º 1 do artigo 8.º do Código Civil, num liquet contra a parte a quem incumbe o ónus da prova do facto, na sequência do que como afirmam Rosenberg-Schwab, ali citados, se poder dizer que a doutrina do ónus da prova se trata de uma verdadeira doutrina dos efeitos da falta de prova.

            Ou seja, como referem P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição Revista E Actualizada, Coimbra Editora, 1982, a pág. 304: “O significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe fazer a prova do facto como em determinar o sentido em que deve o tribunal decidir no caso de não se fazer prova do facto.”.

            A questão do ónus da prova não opera, pois, ao nível da decisão da matéria de facto (saber se determinado facto deve ou não ser dado como provado, em face das provas produzidas) mas sim num momento ulterior, qual seja o de saber quais as consequência da não demonstração de determinado facto, caso em que a decisão terá de ser prejudicial à parte que estava onerada com o respectivo ónus da prova.

            Daqui resulta, pois, que com base no facto de a ré estar onerada com o ónus da prova a que se alude no supra mencionado artigo 5.º, n.º 3, não decorre, por si só, que tal comunicação se tenha de dar como não provada.

            Relevando, apenas, no caso de existir dúvida se existiu ou não tal comunicação, devendo a decisão ser desfavorável à ré, por onerada com tal ónus.

            Mas, tal não se verifica no caso em apreço, dado que como consta das respostas aos quesitos em análise nesta questão do recurso, o tribunal deu como não demonstrada a tese dos autores (que as cláusulas contratuais não lhes foram comunicadas e explicadas) e por demonstrada a tese da ré (conforme consta do item 15 do factos provados).

            Ou seja, o Tribunal não teve dúvidas relativamente à existência/inexistência da comunicação, tendo respondido em conformidade com o seu convencimento em face da prova produzida e que analisou.

            Só no caso de todos estes quesitos terem sido dados como não provados (o que se traduziria no desconhecimento da existência do cumprimento do dever de comunicação) é que se poderia fazer apelo à regra do ónus da prova e, então, decidir contra a parte que estava onerada com a respectiva demonstração.

            Assim sendo e concluindo, nesta matéria, em nada releva o facto de estar a cargo da ré o ónus da prova, nos assinalados termos.

            Por outro lado, como resulta de fl.s 280 a 282, a M.ma Juiz a quo, fundamentou as respostas que deu aos quesitos em referência, no teor da proposta de seguro junta aos autos e nos depoimentos das testemunhas arroladas por ambas as partes, como aí melhor explicitado, bem como quanto aos quesitos 5.º e 8.º da ausência de prova que os justificassem, em conjugação com os elementos documentais aí, igualmente, referidos.

            Como resulta da acta de julgamento, os depoimentos prestados foram gravados.

            Consequentemente, nos termos do disposto no artigo 712.º, n.º 1, al. a), do CPC, a decisão de facto só poderia ser alterada nos moldes previstos no seu artigo 685.º-B, o que os recorrentes não fizeram.

Assim sendo, não pode a matéria de facto dada como provada e não provada em 1.ª instância ser sindicada.

Pelo que se mantém a factualidade que foi dada como provada e não provada em 1.ª instância, improcedendo a presente questão do recurso.

B. Se a ré violou os deveres de comunicação e informação aquando da celebração do contrato.

Os autores fundamentam a procedência da acção com base na falta de informação, explicação e comunicação das cláusulas contratuais, por parte da ré, aquando da celebração do contrato, por tal não se ter demonstrado.

Esta sua pretensão assentava no pressuposto da alteração da matéria de facto, o que não se verificou.

Ora, em face da resposta de “não provado” que mereceram os quesitos 1.º e 5.º a 8.º e a resposta explicativa que mereceu o quesito 1.º e que se acha transcrita no item 15.º dos factos provados, de acordo com a qual “Os autores assinaram a proposta de seguro junta aos autos a fls. 50 e 51 com os elementos pessoais e de saúde aos mesmos referentes, tiveram oportunidade de a ler, atenta a consignação expressa das suas cláusulas no respectivo documento e tomaram conhecimento das situações cobertas pelo seguro”, tem de se considerar que a seguradora cumpriu com o ónus que lhe incumbia.

Como decorre do disposto no artigo 5.º, n.os 1 e 2, do referido DL 446/85, as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, devendo a comunicação ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por que use de comum diligência.

Como refere Almeno de Sá in Cláusulas Contratuais Gerais E Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, Almedina, 1999, a pág.s 190 e 191, depreende-se deste preceito que se esteja perante uma comunicação integral das cláusulas e a necessidade de proporcionar à contraparte a possibilidade de uma exigível tomada de conhecimento do respectivo conteúdo.

Bem como que, em função da extensão e complexidade do clausulado, se proceda a uma transmissão das cláusulas concretizada de tal modo que se abra caminho a uma exigível tomada de conhecimento por parte do aderente.

Concluindo que:

“Exige-se ainda que à contraparte do utilizador sejam proporcionadas condições que lhe permitam aceder a um real conhecimento do conteúdo, a fim de, se o quiser, formar adequadamente a sua vontade e medir o alcance das suas decisões. Que o contraente venha a ter, na prática, tal conhecimento, isso já não é exigido, pois bem pode suceder que a sua conduta não se conforme com o grau de diligência legalmente pressuposto (…) aquilo a que o utilizador está vinculado é tão só a proporcionar à contraparte a razoável possibilidade de delas tomar conhecimento.”.

Ora visionando a proposta subscrita pelos autores, como se salienta a fl.s 280 e 281, a mesma apresenta-se de forma linear, claramente visível e objectiva, estando bem definidos os conceitos integrados na cobertura, de morte, invalidez absoluta e definitiva e invalidez total e permanente da pessoa segura devido a acidente, sendo, ainda, de realçar o tamanho da letra em que se encontra redigido (de forma a permitir uma fácil leitura) e com um conteúdo de acessível e fácil compreensão, o que tudo os autores assinaram (sendo de presumir que o fizeram depois de a lerem e não o tendo feito, não usaram da diligência que lhes era legalmente exigível).

Em face de tudo isto, parece-nos que a seguradora cumpriu de forma adequada e nos termos legais a obrigação de comunicação e informação das cláusulas contratuais que enformam e conformam o contrato de seguro que está na génese dos presentes autos.

Consequentemente, também, quanto a esta questão improcede o presente recurso.

C. Se se encontra verificada a condição para que a ré esteja obrigada a satisfazer as prestações em causa.

Defendem os autores que estando provado que na data da subscrição da proposta foram informados que em caso de morte ou de incapacidade para o trabalho de qualquer um deles a seguradora amortizaria a totalidade do montante que se encontrasse em dívida e foi por estarem convictos disso que aceitaram contratar (cf. itens 4 e 7) e estando, igualmente, provado que o autor está incapacitado para o trabalho habitual, a seguradora está obrigada, nos termos em que com eles contratou, a suportar as quantias correspondentes e ora peticionadas.

É pacífico que as partes celebraram um contrato de seguro de vida e de invalidez absoluta e definitiva com vista a os autores obterem um empréstimo para habitação, visando a prevenção do risco de ocorrência da morte ou invalidez absoluta e definitiva por parte dos beneficiários de tal mútuo, que não lhes permita ou torne mais difícil o pagamento das prestações em dívida.

Consequentemente, tal contrato de seguro regula-se, em primeiro lugar, pelas estipulações da respectiva apólice não proibidas por lei, e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições do Código Comercial – cf. artigo 427.º deste Código.

Assim, importa, desde logo, analisar o teor da cláusula que define o que, para efeitos do presente contrato de seguro, se entende por “invalidez absoluta”.

Ora, compulsando o doc. de fl.s 50/51, no capítulo das coberturas, item 2, pode ler-se o seguinte:

“Considera-se que a Pessoa Segura se encontra na situação de Invalidez Absoluta se, em consequência de doença ou acidente, ficar totalmente incapacitada de exercer qualquer profissão ou actividade lucrativa, com fundamento em sintomas objectivos, clinicamente comprováveis.”.

Daqui resulta pois, que as partes tiveram em vista acautelar a situação de a pessoa segura ficar, por doença ou por acidente, totalmente incapacitada de exercer qualquer profissão ou actividade lucrativa, situação, esta, em que o segurado, não poderá prover a meios de subsistência e, por conseguinte não poderia satisfazer os compromissos assumidos ou muito dificilmente o poderia fazer.

E para prevenir tal risco, optaram pela celebração do contrato de seguro em cujo objecto se compreende essa, possível, situação.

Mas, como se depreende de tal cláusula, o que as partes tiveram em vista foi a previsão do risco de o segurado ficar impossibilitado de exercer qualquer profissão ou actividade lucrativa e não uma específica e determinada profissão ou actividade lucrativa, designadamente da habitual ou aquela que o segurado vinha desempenhando.

Por certo, uma previsão deste último tipo, levaria a um agravamento do prémio do seguro, já que seria mais gravosa para a seguradora do que o acautelar ou prevenir o risco de incapacidade do exercício de qualquer actividade profissional.

No entanto, reitera-se, o importante é que as partes contrataram que o risco coberto era o de total incapacidade para o exercício de qualquer profissão ou actividade lucrativa.

Tal cláusula foi acordada como corolário do primado da liberdade contratual consagrado no artigo 405.º do Código Civil e não se vê que a mesma seja desproporcionada aos interesses contratuais em jogo.

Efectivamente e mais uma vez seguindo os ensinamentos de Almeno de Sá, ob. cit., a pág.s 220 e 221 o critério de avaliação do conteúdo proibido das cláusulas, tem como objectivo último “um adequado equilíbrio contratual de interesses”, em face do que se impõe a ponderação dos interesses em jogo, tendo em vista atingir a medida do equilíbrio entre os vários interesses em jogo, pressuposto pela ordem jurídica e visando obstar a uma “desrazoável perturbação desse equilíbrio”, em detrimento da contraparte do utilizador.

Ali concluindo:

“a supressão de um interesse da contraparte só poderá, em princípio, justificar-se se se lhe contrapuser um legítimo interesse do proponente de valor superior ou, pelo menos, de valor igual, ou se a eliminação daquele for compensada pela concessão de vantagens de valor similar.

Torna-se manifesto que, nesta contraposição de interesses igualmente legítimos, está naturalmente reservado um lugar de destaque para o princípio da proporcionalidade, numa incessante sopesagem e comparação de vantagens, custos, compensações e riscos.”.

Ora, como acima se referiu, não é a mesma coisa contratar um seguro que cubra o risco de incapacidade para o exercício de uma certa actividade que uma determinada pessoa leva a cabo (a qual, inclusivamente, poderá ser mais penosa ou perigosa do que a maioria – o que se verifica no caso em apreço, dado que o segurado exerce a actividade de marinheiro, com os perigos que lhe são inerentes) do que contratar o risco de incapacidade do exercício de qualquer profissão ou actividade lucrativa.

A apólice em referência tem por objecto o risco de incapacidade absoluta para toda e qualquer profissão ou actividade lucrativa e não a incapacidade para o desempenho da profissão que o segurado exercia, sendo esta a sua abrangência, nos termos do artigo 427.º do Código Comercial, nada se vislumbrando, na ponderação dos interesses em jogo, a que se considere que nela, também, se poderá incluir uma situação em que a incapacidade seja apenas para o exercício da profissão habitual, sob pena de se estar a postergar, por completo, a vontade contratual dos intervenientes, a “riscá-la” do contrato.

Achámos por útil tecer as considerações que antecedem porque, cf. item 8 dos factos provados, apenas se demonstrou que o autor marido é portador de alterações na integridade anátomo-funcional, designadamente patologia degenerativa da coluna dorso-lombar com vários anos de evolução, pelo menos desde 2002, que lhe determinaram uma incapacidade parcial permanente fixada em 33% e uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual como marinheiro.

Ou seja, o quadro clínico que o autor marido apresenta não se enquadra na previsão contratual assumida, não constitui o risco contratado, já que aquele não se encontra numa situação de incapacidade absoluta para o exercício de toda e qualquer profissão, mas apenas para o desempenho da (sua) profissão habitual de marinheiro.

O que não acarreta que esteja impossibilitado de, por si, prover/obter meios de subsistência, que lhe permitam pagar as prestações a que se obrigou, mas apenas que não pode continuar a exercer a profissão que exerceu de forma habitual.

Do que decorre não poder ser a seguradora responsabilizada pelas prestações que aos autores incumbe pagar na sequência do contrato de mútuo que outorgaram, o que acarreta a improcedência da presente acção.

Consequentemente, improcede esta questão do recurso.

            D. Nulidade da cláusula que define a invalidez absoluta e definitiva.

            Alegam os autores que sempre seria inválida a cláusula que define a invalidez absoluta e definitiva, por contrária à boa fé negocial e ao equilíbrio de interesses em jogo.

            Nesta refere-se que como tal só se pode considerar a situação em que a pessoa segura necessite do auxílio de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária.

           

            Não teríamos quaisquer dúvidas em considerar esta cláusula como nula, nos termos do disposto nos artigos 15.º e 16.º do DL 446/85, de 25/10, na esteira do decidido pelo STJ, designadamente, nos Acórdãos de 27/05/2010 e de 07/10/2010, respectivamente, Processos n.º 976/04.4TBOAZ.P1.S1 e 1583/06.7TBPRD.L1.S1, ambos disponíveis in http://www.dgsi.pt/jstj.

            No entanto, uma vez que, como acima explicitado, não estamos em face de uma situação de invalidez absoluta, despiciendo se torna analisar esta questão, a qual, assim, se considera prejudicada pela decisão dada à anterior questão.

Nestes termos se decide:       

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhes foi atribuído.

           

Arlindo Oliveira (Relator)

Emidio Francisco Santos

Catarina Gonçalves