Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2827/07.3TBFIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
PRAZO
CADUCIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 09/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - FIGUEIRA FOZ - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 696, 697 CPC
Sumário: 1.A interpretação da norma contida no nº 2 do artº 697º, do CPC, no sentido de que o prazo aí previsto ( de 5 anos ) é contado desde o trânsito em julgado da decisão a rever, não sofre de inconstitucionalidade, porquanto exceciona expressamente, da sujeição a esse prazo, os direitos de personalidade.

2 As demais ações que, por exclusão de partes terão por objeto direitos de natureza patrimonial, não necessitam de sacrificar na mesma medida daquelas cujos interesses envolvidos estão diretamente relacionados com direitos de personalidade, os fundamentos do caso julgado, como sejam, a segurança, a certeza jurídica, a estabilidade e paz social.

3 - O recurso de revisão já é em si, um mecanismo que põe em causa tais valores, em prol da sobreposição de outros como a verdade material e a justiça do caso. Permite-se de forma excecional rever um caso já transitado, em apelo ao princípio da justiça material.

4- Mas, considerando a natureza da decisão a rever, meramente patrimonial, não deve este mecanismo ser usado para lá de limites temporais considerados razoáveis, eternizando a possibilidade de sacrificar a estabilidade da decisão. O prazo de 5 anos é razoável.

5 - A falta de citação pode ser invocada no recurso de revisão (alª e do art. 696 do CPC). Pressuposto para o seu conhecimento é que estes sejam intentados em prazo (art. 697 nº 2).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                                        I

Por apenso aos autos de ação declarativa com processo sumário nº 2827/07.3 TBFIG (ação de despejo por falta de pagamento de rendas), veio M (…), ré na ação principal, e ali condenada como fiadora no pagamento das rendas, interpor recurso de revisão de sentença, ao abrigo do disposto nos artºs 696º alªs b) e e) e 697º, ambos do CPC.

Fundamenta o recurso nos seguintes dois fundamentos:

1- É falso o documento no qual a sentença se fundou;

2- Correu o processo à sua revelia, por falta absoluta da sua intervenção.

Relativamente ao primeiro fundamento refere que nunca foi fiadora do corréu, sendo falsa a assinatura que, nessa qualidade, lhe é atribuída no contrato de arrendamento, assinatura essa que motivou a sua condenação, como fiadora, no pagamento de rendas vencidas e vincendas.

Relativamente ao segundo fundamento, alega que nunca rececionou qualquer notificação respeitante ao processo em causa e jamais interveio em qualquer ato ou diligência no mesmo.

Acrescenta que só teve conhecimento da existência do processo em 02 de outubro de 2014, quando foi citada para a execução a correr por apenso àquela execução sumária e que nunca residiu na morada da citação, não sendo nem nunca tendo sido casada com o corréu dessa ação, com quem, igualmente, nunca viveu, sendo do mesmo apenas parente afastada.

Até à citação para a ação executiva a Recorrente viveu no mais completo desconhecimento sobre a existência da ação declarativa intentada contra si e a condenação que correu nesse processo, permanecendo nesse estado de ignorância durante 7 anos (a ação declarativa foi instaurada em 23 de novembro de 2007).

Pretende a recorrente estar, assim, fundamentado o recurso de revisão previsto nas alªs b) e e) do art. 696 do CPC (2013).

Mais invoca em reforço da sua pretensão que, embora a decisão recorrida tenha sido proferida em 13 de março de 2008, ainda não transitou em julgado, porquanto, sendo falsa a morada indicada nos autos como sendo da recorrente, não sendo daqueles autos conhecida a verdadeira morada desta e, sendo exigência da lei que as decisões finais sejam sempre notificadas, desde que a residência ou sede da parte seja conhecida no processo, haverá que concluir que a decisão daqueles autos, no respeitante à recorrente ainda não transitou em julgado.

Assim, o decurso do prazo de cinco anos para interposição do recurso de revisão ainda não se iniciou, não havendo impedimento temporal à sua interposição, não se verificando, por isso, o facto impeditivo do exercício do seu direito, previsto no art. 697 nº 2 do atual CPC, que refere que “o recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade e o prazo de interposição é de 60 dias (…)”.

Quando assim, se não entenda, pretende a recorrente em alternativa:

- arguir a sua falta de citação, nos termos e para os efeitos do art. 188º do CPC;

- requerer se declare a inconstitucionalidade da norma do art. 697 nº 2, 1ª parte, quando interpretada no sentido de que, o prazo aí previsto (cinco anos) é contado desde o trânsito em julgado da decisão a rever, por violação dos princípios do contraditório, da proibição da indefesa e da proporcionalidade.

Invoca a recorrente em defesa desta posição o Ac. do Tribunal Constitucional nº 209/04 proferido pela 3ª secção desse Venerando Tribunal, proferido no âmbito do processo nº 798/03 e incidente sobre o art. 772 do CPC de 1961, com correspondência ao atual art. 697 do CPC (2013) e, o Ac. deste Tribunal da Relação de Coimbra de 19/10/2004 proferido no âmbito do processo nº 2541/04 com referência ao anterior CPC.

Com tais pedidos, pretende seja considerado tempestivo o recurso e, desse modo, seja o mesmo admitido, dele se conhecendo, com a consequente revogação da decisão recorrida.

Ou, quando assim se não entenda, seja anulado todo o processado depois da petição inicial no âmbito dos autos principais, no âmbito e para os efeitos do disposto no art. 188º do CPC, atenta a falta de citação da recorrente nesses autos.

O tribunal a quo proferiu então a seguinte decisão, ora sob recurso:

«Considerando que a sentença proferida nos autos principais transitou em 2008 e que aqueles autos não dizem respeito a direito de personalidade, caducou em 2013 o direito da requerente de interpor recurso de revisão – cfr. art. 697º do CPC.

Sendo certo que estes autos deram entrada a 01.12.2014, dúvidas não restam que é de indeferir liminarmente o presente recurso de revisão, o que se decide.

Custas pela requerente – cfr. art. 527º do CPC».

Inconformada com tal decisão veio a requerente recorrer, concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:

(…)

A final requer seja dado provimento ao presente recurso e, consequentemente ser:

a) declarada a nulidade da decisão recorrida, que indeferiu liminarmente o recurso de revisão, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC;

b) declarada inconstitucional a interpretação do artigo 697.º, n.º 2, do CPC no sentido de que o prazo aí previsto (5 anos) é contado desde o trânsito em julgado da decisão a rever, e não do efetivo conhecimento da decisão revidenda, por violação do direito de defesa, do direito ao contraditório, do direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas peias formalísticas e da proibição da indefesa, consagrados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição, e ainda do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição;

c) revogada a decisão ora recorrida, substituindo-a por outra que, admitindo o recurso de revisão, o julgue totalmente procedente, por provado, revogando a decisão revidenda e determinando o cumprimento do disposto nas alíneas a) ou c) do artigo 701º do CPC.

Ou, caso assim se não entenda, deve revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que declare a nulidade de todo o processado depois da petição inicial no âmbito dos autos principais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 188.º, do CPC conjugado com o artigo 255.º, n.º 4, do CPC, atento a falta de citação da Recorrente nesses autos.

O Tribunal a quo veio pronunciar-se sobre a invocada nulidade por omissão de pronúncia, no despacho de admissão do recurso, nos seguintes termos:

«Vem a requerente recorrer do despacho proferido a fls. 124, arguindo, desde logo, a sua nulidade por omissão de pronúncia no que concerne à invocada inconstitucionalidade da norma contida no art. 697º n.º 2 1ª parte do CPC.

Só agora constatamos que, por lapso informático, pelo qual nos penitenciamos, não vertemos na versão final do despacho proferido as considerações que pretendíamos tecer quanto à inconstitucionalidade alegada mas apenas o respetivo segmento final.

Verificada, por este motivo, a nulidade arguida, passamos a supri-la, fazendo constar dos autos o despacho integral.

(…)

Entendemos que não se verifica a inconstitucionalidade aduzida.

Vejamos porquê.

Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16-04-2009, Proc. 514/09.7YRLSB00, in www.dgsi.pt, a que aderimos:

“O recurso de revisão é um recurso extraordinário.

O fundamento para a sua existência reside na conflitualidade entre as exigências da justiça e a necessidade de segurança ou de certeza.

Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, não haja lugar a qualquer pretensão tendente a inutilizar o benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora.

No entanto, pode haver circunstâncias que induzam à quebra deste princípio. Na verdade, a sentença pode enfermar de vícios de tal ordem que imponham a revisão como recurso extraordinário, para que o princípio da justiça prevaleça sobre o da segurança.

Do corpo do art. 771 CPC concluiu-se que qualquer sentença pode ser revista, uma vez que haja transitado em julgado.

Por seu turno o art. 772/2 CPC estabelece, quanto ao prazo de interposição do recurso, que este não pode ser interposto se tiverem decorrido 5 anos sobre o trânsito em julgado da decisão e que o prazo de interposição é de 60 dias contados: a) no caso da alínea a) art. 771, desde o trânsito em sentença em que se funda a revisão; b) nos outros casos, desde que a parte obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão.

Sustenta o agravante que esta norma é inconstitucional e, como tal, deve ser declarada, em conformidade.

No acórdão do Tribunal Constitucional nº 209/04, proc. 798/03, relator Conselheiro Gil Galvão, de 24/3/2004, in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, foi declarada “a inconstitucionalidade, por violação do princípio do contraditório onde se integra a proibição da indefesa, ínsito nos arts. 2 e 20 da Constituição, da norma contida no art. 772/2, 1ª parte, que prevê um prazo absolutamente perentório de 5 anos para interposição do recurso de revisão, contados desde o trânsito em julgado da sentença, quando interpretada no sentido de ser aplicável aos casos em que foi proferida decisão cuja revisão é requerida foi uma ação de investigação de paternidade, que correu à revelia e seja alegado para fundamentar o pedido de revisão, a falta ou nulidade de citação”.

Este acórdão reporta-se a um recurso de revisão emergente de uma ação oficiosa de investigação de paternidade que correu à revelia da pessoa que fora declarada pai do investigando, em que este alega falta ou nulidade de citação para a respetiva ação.

Por seu turno o Acórdão do Tribunal Constitucional 310/2005, processo 1009/04, relator conselheiro Rui Moura Ramos, de 8/6/2005, in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, decidiu “não julgar inconstitucional a norma contida no art. 772, 1ª parte em que refere não poder ser interposto recurso de revisão se tiverem decorrido mais de 5 anos sobre o trânsito em julgado da decisão, quando este caso julgado (é) formado por uma sentença homologatória de partilha, nomeadamente de separação de meações, que tenha corrido à revelia do requerente da revisão com fundamento na falta ou nulidade da citação para esse inventário, nos termos do art. 771 f) CPC”.

As questões apreciadas em ambos os arestos citados são distintas - investigação de paternidade e partilha judicial – implicando a apreciação de valores diferentes.

A primeira reporta-se a direitos estritamente da personalidade, expressos na relação de paternidade ou de filiação, enquanto, a segunda tem um conteúdo meramente patrimonial.

Assim, consoante os valores em presença – determinação da paternidade/direitos da personalidade versus direitos exclusivamente patrimoniais – justifica-se uma ponderação autónoma no que concerne à questão da relevância do caso julgado.

Na verdade, tratando-se de uma sentença homologatória de partilha num inventário para separação de meações, o prazo perentório de 5 anos referido no art. 772/2 1ª parte, não se prefigura como uma restrição dos direitos decorrentes do art. 20 CRP, designadamente, não põe em causa o princípio do contraditório.

Assim, e em consonância com o decidido pelo Tribunal Constitucional, neste último aresto, a norma do art. 772/2 1ª parte do CPC não é inconstitucional.”

No citado Acórdão n.º 310/2005, do Tribunal Constitucional, Processo n.º 1009/2004, diz-se o seguinte:

“A decisão recorrida fundamenta a recusa de aplicação da norma remetendo para a argumentação constante do Acórdão n.º 209/04 deste Tribunal (Diário da República, 2.ª série, de 12 de Maio de 2004, pp. 7322-7325; este e os outros acórdãos adiante citados estão disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). Tal aresto, com efeito, contém um pronunciamento de inconstitucionalidade relativamente ao prazo perentório de cinco anos constante desse artigo 772.º, n.º 2, do CPC. Porém, como resulta da parte decisória desse acórdão, tal juízo refere-se especificamente ao tipo de ação que nele estava em causa, a saber: "[...] uma ação oficiosa de investigação de paternidade, que corre[ra] à revelia e [na qual fora] alegado, para fundamentar o pedido de revisão, a falta ou a nulidade da citação para aquela ação" [transcrição parcial da alínea A) da decisão constante do Acórdão n.º 209/04].

Assim, embora entre o presente recurso e aquele que originou esse Acórdão n.º 209/04 exista a similitude de estar em causa a mesma norma e concretamente o mesmo prazo de cinco anos (isto além da semelhança traduzida na revelia e na alegação de nulidade da citação na ação revidenda), a circunstância de terem as duas ações natureza diferente (inventário facultativo, investigação de paternidade) não pode deixar de se repercutir na caracterização do objeto do presente recurso.

Esta constatação, decorrente da especificidade da fiscalização concreta de constitucionalidade, particularmente do carácter incindível que esta apresenta relativamente à relação material controvertida da qual emerge, conduz-nos à necessidade de incluir no próprio objeto do recurso, ao proceder à sua caracterização, o tipo de ação em causa; neste caso, a ação relativamente à qual se formou o caso julgado a rever. Este colocará seguramente questões distintas, implicando, como implica, valores diferentes, consoante essa ação seja uma partilha judicial (como aqui sucede) ou uma investigação de paternidade (o caso do Acórdão n.º 209/04).

(…)

"Sem o caso julgado material estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica (instabilidade das relações jurídicas) verdadeiramente desastrosa - fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas. Seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu; que nem sequer a estes bens pudesse chamar seus, nesta base organizando os seus planos de vida; que tivesse constantemente que defendê-los em juízo contra reiteradas investidas da outra parte, e para mais com a possibilidade de nalgum dos novos processos eles lhe serem negados pela respetiva sentença. Não se trata propriamente de a lei ter como verdadeiro o juízo – a operação intelectual que a sentença pressupõe. O caso julgado material não assenta numa ficção ou presunção absoluta de verdade, por força da qual, como diziam os antigos, a sentença faça do branco preto e do quadrado redondo (facit de albo nigrum, aequat quadrata rotundis) ou transforme o falso em verdadeiro (falsumque mutat in vero). Trata-se antes de que, por uma fundamental exigência de segurança, a lei atribui força vinculante infrangível ao ato de vontade do juiz, que definiu em dados termos certa relação jurídica, e portanto os bens (materiais ou morais) nela coenvolvidos. Este caso fica para sempre julgado. Fica assente qual seja, quanto a ele, a vontade concreta da lei (Chiovenda). O bem reconhecido ou negado pela pronuntiatio judicis torna-se incontestável.

Vê-se, portanto, que a finalidade do processo não é apenas a justiça - a realização do direito objetivo ou a atuação dos direitos subjetivos privados correspondentes. É também a segurança - a paz social (Schönke) [Noções Elementares de Processo Civil, nova edição revista e atualizada pelo Dr. Herculano Esteves, Coimbra, 1976, pp. 305-306]."

(…)

Como se referiu anteriormente, a propósito da caracterização do objeto do recurso, existem diferenças particularmente relevantes entre a ação em que se originou o presente recurso e aquela que conduziu ao pronunciamento constante do Acórdão n.º 209/04.

Tais diferenças intuem-se facilmente constatando o conteúdo exclusivamente patrimonial  os interesses subjacentes à hipótese sub judice (trata-se nesta da divisão de um património outrora integrado na comunhão matrimonial), comparativamente à situação particular de tutela de direitos de natureza estritamente pessoal ou de personalidade, expressos na relação de paternidade ou de filiação, que constituem emanação do direito à identidade pessoal previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP (o "direito à historicidade pessoal", enquanto "direito ao conhecimento da identidade dos progenitores", como o qualificam Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 179).

(…)

Em função disto, entende o Tribunal que, face aos valores em causa numa sentença homologatória de partilha num inventário para separação de meações, contrariamente ao que sucedia com a situação que originou o Acórdão n.º 209/04 (uma ação de investigação de paternidade), face a esses valores, dizíamos, o prazo de cinco anos, como limite da possibilidade de revisão, não se prefigura como uma intolerável restrição dos direitos decorrentes do artigo 20.º da CRP, designadamente do princípio do contraditório.

(…)

Aqui chegados, resta-nos, à laia de síntese conclusiva, expressar o seguinte entendimento: a decisão aqui impugnada procede a uma leitura generalizadora do Acórdão n.º 209/04; contrariamente, o Tribunal entende que a questão do prazo de caducidade da revisão não pode prescindir de encarar a situação concreta que originou o caso julgado, e, neste caso, considera-se que não é constitucionalmente exigida, face à concreta constelação dos valores em presença, que é diversa da que ocorria no caso sob que incidiu o Acórdão n.º 209/04, a eliminação do limite temporal absoluto previsto no artigo 772.º, n.º 2, do CPC”.

(…)

Em consonância com esta jurisprudência, considerando que nos autos principais estão em causa interesses patrimoniais (mais ainda no que diz respeito à requerente que é requerida apenas na qualidade de fiadora), entendemos não se verificar qualquer inconstitucionalidade na interpretação normativa em causa do disposto no art. 697º n.º 2 1ª parte do CPC, não se mostrando violados os princípios invocados pela requerente.

Considerando que a sentença proferida nos autos principais transitou em 2008 e que aqueles autos não dizem respeito a direito de personalidade, caducou em 2013 o direito da requerente de interpor recurso de revisão – cfr. art. 697º do CPC.

Sendo certo que estes autos deram entrada a 01.12.2014, dúvidas não restam que é de indeferir liminarmente o presente recurso de revisão, o que se decide.

(…)

Quanto ao pedido subsidiário (de anulação de todo o processado depois da petição inicial), de facto não nos pronunciamos sobre o mesmo, omissão que passamos a sanar.

A nulidade em causa (falta de citação) só pode ser arguida no próprio processo declarativo até ao trânsito em julgado da sentença nele proferida. Após esse momento, a existência de tal nulidade terá de ser aferida ou através de recurso de revisão ou através de oposição à execução deduzida com esse fundamento.

A este respeito veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23-11-2010, Proc. 22080/03.7TJLSB.L1-1, in www.dgsi.pt, onde se diz:

“Após o trânsito em julgado da sentença proferida na ação declarativa, o réu revel pode interpor recurso de revisão, invocando a falta de citação, ou opor-se à execução invocando o fundamento constante do art. 729º al d) do CPC.

(…)

Referia Alberto dos Reis, no domínio do CPC de 1939, que «oposição à execução e recurso de revisão são meios processuais diferentes: um destina-se a extinguir ou fazer cessar a ação executiva, o outro é destruir uma sentença transitada em julgado.» (Processo de Execução, Vol 2º, pág. 30/31), mas também que no caso de falta ou nulidade de citação para a ação «o juiz deve declarar nulo o processo da ação declarativa, com exceção da petição inicial; esta anulação faz cair a sentença exequenda; consequentemente extingue-se a ação executiva, por falta de base, e assim deve declarar o juiz» (ob. cit, pág. 59).

A sentença transitada em julgado constitui título executivo (art. 47º do CPC).

A não ser anulado o processado na ação declarativa ficaria a subsistir uma sentença desprovida de eficácia perante os réus, apesar de transitada em julgado, por insuscetível de ser executada. E também estaria o autor impedido de instaurar nova ação declarativa face ao caso julgado anterior (art. 493º nº 2, 494º al i), 497º e 498º do CPC). Ora, nos termos do art. 2º nº 2 do CPC «A todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem  como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação.».

Também o art. 20º da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da tutela jurisdicional efetiva.

Assim, a procedência da oposição pelo reconhecimento da falta de citação dos réus na ação declarativa deve ter como efeito a anulação do processado da ação declarativa posterior ao momento em que ocorreu aquela falta, incluindo a sentença (neste sentido, Ac da RP de 22/2/2001 – Proc. 0130197 – in www.dgsi.pt).

Não se trata de renovar o poder jurisdicional quanto à questão da falta de citação na ação declarativa e às suas consequências pois é a lei (art. 814º al d) do CPC) que permite a sua arguição por meio de oposição à execução apesar de precludidos os meios previstos nos art. 204º nº 2, 206 nº 1 e 771º al e) do CPC).”

Quanto ao recurso de revisão, caducou, nos moldes supra vertidos, o direito da requerente.

Desconhecemos se a requerente interpôs ou não oposição à execução, arguindo a sua falta de citação.

De todo o modo, até trânsito em julgado da decisão a proferir nessa eventual oposição à execução, nada mais poderá este Tribunal determinar.

Pelo exposto, indefere-se por intempestivo o pedido subsidiário formulado a fls. 20. (…)».

                                                                        II

A factualidade a considerar consta do relatório supra

                                                                        III

Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (art. 635 nº 3 do nCPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 608 in fine), são as seguintes as questões a decidir:

I - Se a interpretação da norma contida no art. 697 nº 2 1ª parte, do CPC, no sentido de que o prazo aí previsto (de 5 anos) é contado desde o trânsito em julgado da decisão a rever, sofre de inconstitucionalidade, no caso concreto, por violação dos princípios do contraditório e da proibição da indefesa.

II - Supletivamente, se é nulo todo o processado depois da petição inicial no âmbito dos autos principais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 188.º, do CPC conjugado com o artigo 255.º, n.º 4, do CPC, atento a falta de citação da Recorrente nesses autos, com repercussão no trânsito em julgado da decisão.

Convirá referir a título prévio que:

- Foi ainda invocada a nulidade da decisão recorrida.

Contudo, estando a invocação dessa nulidade assente na omissão de pronúncia quanto a duas questões suscitadas no recurso de revisão: a inconstitucionalidade da norma do art. 697 nº 2, 1ª parte, do CPC e a nulidade de todo o processado subsequente à petição inicial, que a serem julgadas procedentes poriam em causa a decisão de extemporaneidade e, tendo o tribunal a quo, em despacho subsequente, precisamente no despacho que supra se transcreveu, suprido tal omissão de pronúncia, decidindo, sobre tais questões (ainda que negando-lhes provimento), mostra-se tal questão ultrapassada, não havendo que dela conhecer.

- Nesta sede de recurso pede a recorrente, também, que, a final se decida pela procedência do recurso de revisão, o que, se afigura um pedido desajustado, considerando que a decisão recorrida se limitou a proferir um julgamento de forma – de intempestividade – e não um julgamento de mérito, necessariamente prejudicado pelo primeiro. Assim, independentemente da decisão que sobre a tempestividade se venha a proferir, não haverá, nesta instância lugar a um conhecimento e/ou decisão do mérito, por não ter havido decisão da 1ª instância sobre o mesmo e, não ser um caso de conhecimento em substituição (art. 665 nº 2 do CPC), face à produção probatória que o caso impõe.

 

I - Da (in)constitucionalidade da norma do art. 697 nº 2 1ª parte, do CPC.

O presente processo deu entrada em juízo em 01.12.2014 aplicando-se-lhe, por isso o CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (doravante “CPC”).

Como bem se explanou na decisão em recurso, em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, não haja lugar a qualquer pretensão tendente a inutilizar o benefício que a decisão atribui à parte vencedora.

Mas este princípio deve ser quebrado quando determinadas circunstâncias ofendam gravemente o sentido de justiça, mostrando-se imperioso restabelecer este valor, em sacrifício da segurança.

Daí a possibilidade de revisão da sentença.

A lei enuncia quais as circunstâncias graves fundamentadoras do recurso de revisão.

Estabelece o artigo 696.º (referente ao Recurso de Revisão e equivalente ao art.º 771.º CPC 1961) o seguinte:

«Fundamentos do recurso

A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:

a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções;

b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida;

c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;

d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou;

e) Tendo corrido a ação e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação ou que é nula a citação feita;

f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português;

g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude.

A recorrente invocou as alíneas b) e e) do preceito citado, pelo que, o recurso mostra-se, numa apreciação liminar, substancialmente fundamentado.

A decisão recorrida considerou, não obstante, o recurso de revisão intempestivo, por aplicação da norma do artigo 697 nº 2 do CPC

Dispõe esta que:

«Prazo para a interposição

(…)

2 - O recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade, e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados:

a) No caso da alínea a) do artigo anterior, do trânsito em julgado da sentença em que se funda a revisão;

(…)». (sublinhado nosso)

Esta norma corresponde à do art. 772 do CPC de 1961, tendo a novidade, relativamente ao regime anterior, de não vincular a tal prazo de cinco anos sobre o trânsito em julgado, a decisão que respeite a direitos de personalidade.

A apontada novidade/exceção legal, surgida na sequência das posições jurisprudenciais do Tribunal Constitucional, referidas na decisão em recurso, e que parcialmente se mostram transcritas na decisão da 1ª instância supra reproduzida, reflete o reconhecimento por parte do legislador da necessidade de reconhecer um tratamento diferenciado, mais próximo da justiça do caso concreto e da verdade material, quando no caso estão envolvidos direitos de personalidade, como no caso das ações de reconhecimento de paternidade.

Assim, as demais ações, que por exclusão de partes terão por objeto direitos de natureza patrimonial, não necessitam, no entender do legislador, de sacrificar na mesma medida daquelas cujos interesses envolvidos estão diretamente relacionados com direitos de personalidade, os fundamentos do caso julgado, como sejam, a segurança, a certeza jurídica, a estabilidade e a paz social.

Em síntese, diremos que, a lei reconhecendo embora a necessidade de reapreciação de determinados casos, com possível destruição do caso julgado anterior, estando em causa circunstâncias graves, consagra para o efeito, o recurso de revisão, mas estabelece um prazo de 5 anos desde o trânsito em julgado para a sua instauração, a menos que estejam em causa direitos de personalidade, situação em que não recai qualquer prazo de caducidade.

A recorrente considera que este prazo, contado desde o trânsito em julgado da decisão e não do conhecimento da mesma é, ainda assim, inadmissível no seu caso concreto, por contender com o princípio constitucional do contraditório onde se integra a proibição da indefesa, devendo, por isso, considerar-se tal norma inconstitucional.

Apoia-se, para tanto, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 209/04, proc. 798/03, relator Conselheiro Gil Galvão, de 24/03/2004 e reportado ao art. 772 nº 2 do CPC de 1961 in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, que declarou “a inconstitucionalidade, por violação do princípio do contraditório onde se integra a proibição da indefesa ínsito nos arts. 2 e 20 da Constituição, da norma contida no art. 772/2, 1ª parte, que prevê um prazo absolutamente perentório de 5 anos para interposição do recurso de revisão, contados desde o trânsito em julgado da sentença, quando interpretada no sentido de ser aplicável aos casos em que foi proferida decisão cuja revisão é requerida foi uma ação de investigação de paternidade, que correu à revelia e seja alegado para fundamentar o pedido de revisão, a falta ou nulidade de citação”.

Este acórdão reporta-se a um recurso de revisão emergente de uma ação oficiosa de investigação de paternidade que correu à revelia da pessoa que fora declarada pai do investigando, em que este alega falta ou nulidade de citação para a respetiva ação.

Já o Acórdão do Tribunal Constitucional 310/2005, processo 1009/04, relator conselheiro Rui Moura Ramos, de 8/6/2005, in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, decidiu “não julgar inconstitucional a norma contida no art. 772, 1ª parte em que refere não poder ser interposto recurso de revisão se tiverem decorrido mais de 5 anos sobre o trânsito em julgado da decisão, quando este caso julgado (é) formado por uma sentença homologatória de partilha, nomeadamente de separação de meações, que tenha corrido à revelia do requerente da revisão com fundamento na falta ou nulidade da citação para esse inventário, nos termos do art. 771 f) CPC”.

A diferença de decisões quanto à (in)constitucionalidade da invocada norma prende-se com a diferente natureza das questões sobre que tal norma incide. Num caso a investigação de paternidade, questão marcadamente pessoal e respeitante a direitos de personalidade, no outro a partilha judicial, implicando a valoração de questões meramente patrimoniais.

A valoração de questões diferentes conduziu a diferentes decisões do Tribunal Constitucional e conduziu ao regime legal ora em vigor.

Também o presente caso deve ser sujeito a uma ponderação autónoma, atendendo-se aos valores em presença, a fim de determinar se o prazo perentório de 5 anos referido no art. 697 nº 2, 1ª parte, prefigura ou não uma restrição dos direitos decorrentes do art. 20 CRP, designadamente, se põe em causa o princípio do contraditório.

Vejamos.

A necessidade do estabelecimento de um prazo para o recurso de revisão prende-se com o reconhecimento constitucional da intangibilidade do caso julgado, salvo situações excecionais, que a própria Constituição prevê implicitamente nos artigos 2º, 210º, nº 2, e 282º, nº 3, da Constituição da República.

De outro modo, as decisões judiciais teriam uma natureza mutável, que a paz social, a certeza e a segurança jurídicas, desaconselha.

O recurso de revisão já é em si, um mecanismo que põe em causa tais valores, em prol da sobreposição de outros como a verdade material e a justiça do caso. Permite-se de forma excecional rever um caso já transitado, em apelo ao princípio da justiça material.

Mas, considerando a natureza da decisão a rever, meramente patrimonial, não deve este mecanismo ser usado para lá de limites temporais considerados razoáveis, eternizando a possibilidade de sacrificar a estabilidade da decisão.

Choca o sentido de equilíbrio e de razoabilidade que, alguém, tendo obtido uma decisão favorável, cujo objeto respeita somente a interesses patrimoniais, possa ver essa decisão posta em causa, qualquer que seja o fundamento invocado, para lá de determinado prazo, quando supunha que podia nela confiar e dispor do direito através dela obtido ou reconhecido, sem sobressaltos.

O princípio do contraditório e da proibição da indefesa não se podem eternizar em valor absoluto não dando espaço à consolidação da estabilidade e da segurança que a aplicação do direito propugna.

Não deve, por isso, considerar-se inconstitucional a norma que estabelece o prazo de 5 anos desde o trânsito em julgado da decisão, para interpor o respetivo recurso de revisão, seja com fundamento em documento novo, seja com fundamento em nulidade da citação, quando os valores em presença não respeitam a direitos de personalidade.

Numa sociedade inundada de mecanismos rápidos de informação, de eficácia de comunicação, o prazo de 5 anos, com vista à estabilização da decisão, mostra-se razoável face aos interesses em presença: justiça do caso por um lado, segurança e certeza jurídicas, por outro.

Assim, não padece a norma em causa do invocado vício de inconstitucionalidade.

Foi o recurso de revisão interposto fora do prazo de 5 anos sobre o trânsito em julgado e a decisão que se pretende rever não respeita a direitos de personalidade, como previsto no art. 697 nº 2 do CPC.

A recorrente foi, na sentença em causa, condenada como fiadora no pagamento de rendas, estando, por força da mesma, afetada, tão-só, no seu património.

E, não estando munida de decisão prévia que reconheça a nulidade de citação ou a falta dela, pelo menos, não invocou a existência dessa decisão, o trânsito em julgado, assente na sua notificação da sentença, verifica-se por via da notificação ocorrida.

Assim, verificada está a caducidade de intentar o recurso de revisão, assim se confirmando, neste particular, a decisão recorrida.

II – Se, é nulo, todo o processado depois da petição inicial no âmbito dos autos principais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 188.º, do CPC conjugado com o artigo 255.º, n.º 4, do CPC, atento a falta de citação da Recorrente nesses autos, com repercussão no trânsito em julgado da decisão.

Pretende a recorrente a inexistência de trânsito em julgado da decisão, por dela nunca ter sido notificada.

A recorrente invoca ainda a sua falta de citação, porquanto, apresentando os autos principais a sua identidade como casada com o Réu inquilino e como tendo a morada deste e, não sendo verdadeiros tais factos, nem tendo a recorrente alguma vez vivido ou morado com o corréu da ação, seu parente afastado, a citação que constará do processo não foi feita na sua pessoa.

Ou seja, pretende a recorrente que, como faltou a sua citação, tal como a sua intervenção espontânea, não pode considerar-se transitada a decisão, pois que pressuposto do trânsito em julgado é o conhecimento da ação.

E, nesta lógica de raciocínio não poderia ser, contra si, invocado o esgotamento do prazo de 5 anos do recurso de revisão, pois que o mesmo pressupõe o trânsito em julgado. O trânsito em julgado assenta na conjetura que a parte podendo recorrer não o faz. Só pode recorrer a parte que saiba da existência do processo. A falta de citação prende-se, assim, com a questão do trânsito em julgado e, ocorrendo o primitivo vício, o segundo seria seu resultado.

O tribunal recorrido qualificando tal vício como de falta de citação considerou que o mesmo só poderia ser suscitado até ao trânsito em julgado da sentença proferida no processo principal. Após esse prazo a existência de tal nulidade teria de ser aferida ou através do recurso de revisão ou através da oposição à execução deduzida com esse fundamento. E, assim, tendo tal vício sido (apenas) invocado num recurso de revisão, intempestivo, dele não se poderia conhecer.

É da justeza desta decisão que ora se apreciará.

A falta de citação pode, efetivamente ser invocada no recurso de revisão (alª e do art. 696 do CPC).

Pressuposto para o seu conhecimento é que estes sejam intentados em prazo (art. 697 nº 2).

Naturalmente que, a exigência do respeito do prazo de 5 anos a contar do trânsito em julgado, para instaurar o recurso de revisão, ainda que com base na falta de citação do/a recorrente, assenta no pressuposto de que tal a citação ocorreu, e por isso a decisão transitou, ainda que tal citação tenha sido fictícia e não real.

Mas, este não é o único mecanismo legal que a parte interessada tem ao seu alcance para invalidar a decisão tomada com base na sua falta de citação.

 A falta de citação pode e deve, ainda, ser invocada nos autos respetivos uma vez conhecida do interessado tal facto e, em qualquer estado do processo, enquanto não dever ser considerada sanada (artºs 187 alª a), 188, 189, 196, 2ª parte e 198 nº 2, do CPC).

Pode ainda, a falta de citação, ser invocada na oposição à execução baseada em sentença (artº 729 alª d) do CPC).

Não estando demonstrados estes dois últimos mecanismos que poderiam invalidar a consumação do trânsito em julgado da decisão e, não havendo lugar ao recurso de revisão, por intempestividade, subsiste este independentemente de tal vício ter efetivamente ocorrido e, nessa medida, não pode o mesmo ser conhecido no âmbito do recurso de revisão.

De resto tendo a recorrente alegado que só tomou conhecimento dos autos quando notificada para a execução de sentença, poderia então ter deduzido oposição com tal fundamento, o que se desconhece se fez.

Cumpre-nos pois confirmar a decisão recorrida que se mostra acertada.

Em suma:

I – A interpretação da norma contida no nº 2 do artº 697º, do CPC, no sentido de que o prazo aí previsto ( de 5 anos ) é contado desde o trânsito em julgado da decisão a rever, não sofre de inconstitucionalidade, porquanto exceciona expressamente, da sujeição a esse prazo, os direitos de personalidade.

II- As demais ações que, por exclusão de partes terão por objeto direitos de natureza patrimonial, não necessitam de sacrificar na mesma medida daquelas cujos interesses envolvidos estão diretamente relacionados com direitos de personalidade, os fundamentos do caso julgado, como sejam, a segurança, a certeza jurídica, a estabilidade e paz social.

III - O recurso de revisão já é em si, um mecanismo que põe em causa tais valores, em prol da sobreposição de outros como a verdade material e a justiça do caso. Permite-se de forma excecional rever um caso já transitado, em apelo ao princípio da justiça material.

IV - Mas, considerando a natureza da decisão a rever, meramente patrimonial, não deve este mecanismo ser usado para lá de limites temporais considerados razoáveis, eternizando a possibilidade de sacrificar a estabilidade da decisão. O prazo de 5 anos é razoável.

V - A falta de citação pode ser invocada no recurso de revisão (alª e do art. 696 do CPC). Pressuposto para o seu conhecimento é que estes sejam intentados em prazo (art. 697 nº 2).

                                                                        IV

Termos em que, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Coimbra,

Anabela Luna de Carvalho( Relatora)

 João Moreira do Carmo

José Fonte Ramos