Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5457/09.1T2AGD-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: EXECUÇÃO
PENHORA
SUBSTITUIÇÃO
BENS
OPOSIÇÃO
EXEQUENTE
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 834º, NºS 3, AL. A) E 4 DO CPC
Sumário: I – De harmonia com o disposto no artº 834º, nº 3, a) do CPC, o executado pode requerer, no prazo da oposição à penhora, a substituição dos bens penhorados por outros que igualmente assegurem os fins da execução, desde que a isso não se oponha exequente.

II - Havendo oposição à substituição, o nº 4 do citado artº 834º determina que o agente de execução remeta o requerimento e a oposição ao juiz, para decisão.

III - Significa isto que a lei pressupõe que, aquando da aludida remessa, efectuada pelo agente de execução ao Juiz, o incidente está apto a ser decidido, ou seja, exequente e executado hão-de já ter fornecido os elementos em que sustentam as respectivas posições, sendo que é ao executado, requerente da substituição, que compete demonstrar que os bens que oferece em substituição dos penhorados, igualmente asseguram os fins da execução.

IV - Omitindo, o executado, a alegação de factualidade suficiente à demonstração da viabilidade da sua pretensão, ou seja, não alegando factualidade concreta suficiente para que se conclua que os bens oferecidos em substituição dos penhorados igualmente asseguram os fins da execução, afigura-se que terá de arcar com as consequências de tal omissão, vendo improceder, por carência de demonstração de requisito exigido por lei, a substituição da penhora.

V - Atento os termos em que está desenhado o incidente, afigura-se que não existe, preliminarmente à decisão judicial que o nº 4 do artº 834 refere, lugar a convite, pelo juiz, para que o executado supra omissões de alegação susceptíveis de comprometer a verificação da existência do pressuposto que lhe cabia demonstrar, mas, se lugar paralelo à situação que ora se analisa, fosse de considerar surpreender-se na previsão do art.º 508, nº 3 do CPC, o entendimento não poderia deixar de ser equivalente àquele que, interpretando esta previsão legal, têm seguido os nossos tribunais superiores e que é o de considerar que o convite aí consignado não constitui um poder vinculado do juiz, mas uma simples faculdade.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

A) - Relatório:

1) – J…, intentou em 01/10/2009, no Juízo de Execução de Águeda - Comarca do Baixo Vouga, contra E…, residente em …, execução para pagamento de quantia certa, com base na sentença de 13/03/2009, que homologou a transacção ocorrida entre ambos no processo de partilha nº 326-A/1999, mediante a qual, entre o mais, a ora executada se obrigou a pagar ao ora exequente a quantia de € 55000,00.

No requerimento inicial executivo nomeou logo à penhora, para além de um veículo automóvel ligeiro, o imóvel assim identificado: “casa de habitação composta de rés-do-chão, com hall de entrada, 2 assoalhadas, cozinha, casa de banho, 1º andar com 2 assoalhadas e uma casa de banho, anexos, 1 divisão para arrumos com sótão e logradouro”.

2) - A executada, em 26/02/2010, veio opor-se à execução, bem assim como à penhora, terminando por requerer que, na procedência da Oposição:

- Fosse “absolvida do pedido por se encontrar a declaração negocial que serve de base ao título executivo inquinada de vício na formação de vontade gerador de anulabilidade”;

- Fosse “ordenado o levantamento da Penhora incidente sobre o bem imóvel por este estar já na posse de terceiro”; ou

- Fosse “ordenado o levantamento da Penhora incidente sobre o veículo automóvel marca Honda Civic, matrícula …, por se afigurar excessiva e ilegal pois que violadora do 821º, n.º 3 do C.P.C.”.

Mais requereu, invocando o disposto no artigo 834º, n.º 3, alínea a) do CPC, que fosse ordenada a substituição da penhora incidente sobre o referido imóvel, pela penhora do prédio identificado no artigo 52º da Oposição (Prédio Rústico sito em …).

3) - Do documento junto, relativo à caderneta predial rústica do prédio oferecido à penhora pela executada, consta como “Valor Patrimonial Actual”, resultante de avaliação efectuada em 1989, o valor de € 24,01.

4) - O Exequente, na contestação que apresentou, veio, além do mais, opor-se à requerida substituição da penhora (artºs 61º e 62º), alegando que o bem que a executada oferecia em substituição do imóvel penhorado tinha um valor bastante inferior à quantia exequenda, juros, custas e despesas, não sendo, por isso, susceptível de garantir o pagamento de tais montantes.

Defendendo o indeferimento da requerida substituição, concluiu, pugnando pela improcedência da oposição e pela condenação da executada como litigante de má fé. 

5) - Foi proferido despacho saneador, tendo a Mma. Juiz, invocando o disposto no art.º 787º, nº 1, do CPC, se abstido de fixar os factos assentes e de elaborar a base instrutória. 

6) - Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova, após o que foi proferida sentença (em 06/07/2011) que, indeferindo a substituição da penhora e absolvendo a Opoente do pedido de condenação como litigante de má fé, julgou improcedente a oposição à execução e à penhora, e determinou o prosseguimento da execução.

7) - a) - Inconformada, a executada/opoente recorreu dessa sentença, tendo terminado as alegações desse recurso - que veio a ser admitido como Apelação, com efeito meramente devolutivo -, formulando as seguintes conclusões:

b) - O Apelado, na resposta, defendeu a rejeição da reapreciação da matéria de facto e a improcedência do recurso, requerendo, por sua vez, a condenação da recorrente como litigante de má fé, em multa e indemnização a seu favor, nunca inferior a € 10.000,00 (dez mil euros).

c) - Por despacho do Relator foi decidido rejeitar o recurso no que concerne à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

B) - As questões:

Em face do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 685-Aº, n.º 1, ambos do CPC[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660º, n.º 2, “ex vi” do art.º 713º, n.º 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586[2]).

Assim, a questão a solucionar no presente recurso consiste em saber se foi correcta a decisão de indeferir o requerido pela Executada/Opoente quanto à substituição da penhora do imóvel indicado pelo exequente, pela penhora do prédio rústico que aquela ofereceu para esse efeito.

C) - Fundamentação:

1) - Sendo de considerar o circunstancialismo processual descrito em A) supra, a factualidade dada como provada na sentença da 1.ª Instância foi a seguinte:

«A-) Foi dada à execução a sentença homologatória de transacção celebrada em sede de conferência de interessados realizada no âmbito do processo de partilha de bens em casos especiais com o nº326-A/1999 do extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial de Águeda, constante de fls. 5 e ss PP dos autos principais, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais.

B-) Foram penhorados nos autos um imóvel, ao qual foi atribuído o valor de 70.000,00€ e um veículo automóvel com o valor de 1.500,00€.

C-) O prédio rústico sito em … tem viabilidade de construção.».

2) - Por força das conclusões da apelação, bem como do decidido quanto à reapreciação da matéria de facto, o objecto do recurso mostra-se confinado à decisão do Tribunal “a quo” em indeferir o requerimento da executada quanto à substituição da penhora.

Como acima se referiu, tendo a executada vindo oferecer à penhora um prédio rústico, para substituição do imóvel penhorado, o exequente opôs-se a tal substituição, com fundamento na insuficiência do valor do bem oferecido para garantir o pagamento da quantia exequenda, juros, custas e despesas.

Para fundar o decidido indeferimento, o Tribunal “a quo” entendeu que a Opoente, ao invés do que lhe cumpriria fazer, não indicara, nem fizera prova, do valor do imóvel que oferecera em substituição do prédio penhorado.

Entende a Apelante que a Mma. Juiz do Tribunal “a quo” não poderia ter indeferido tal pedido de substituição sem que, previamente, tivesse convidado a requerente a indicar o valor do imóvel em causa.

De harmonia com o disposto no artº 834º, nº 3, a), do CPC, o executado pode requerer, no prazo da oposição à penhora, a substituição dos bens penhorados por outros que igualmente assegurem os fins da execução, desde que a isso não se oponha exequente.

Havendo oposição à substituição, o nº 4 do citado artº 834º determina que o agente de execução remeta o requerimento e a oposição ao juiz, para decisão. Significa isto que a lei pressupõe que, aquando da aludida remessa, efectuada pelo agente de execução ao Juiz, o incidente está apto a ser decidido, ou seja, exequente e executado hão-de já ter fornecido os elementos em que sustentam as respectivas posições, sendo que, é ao executado, requerente da substituição, que compete demonstrar que os bens que oferece em substituição dos penhorados, igualmente asseguram os fins da execução.[3]

Omitindo, o executado, a alegação de factualidade suficiente à demonstração da viabilidade da sua pretensão, ou seja, não alegando factualidade concreta suficiente para que se conclua que os bens oferecidos em substituição dos penhorados, igualmente asseguram os fins da execução, afigura-se que terá de arcar com as consequências de tal omissão, vendo improceder, por carência de demonstração de requisito exigido por lei, a substituição da penhora.

Atento os termos em que está desenhado o incidente, afigura-se que não existe, preliminarmente à decisão judicial que o nº 4 do artº 834 refere, lugar a convite, pelo juiz, para que o executado supra omissões de alegação susceptíveis de comprometer a verificação da existência do pressuposto que lhe cabia demonstrar, mas, se lugar paralelo à situação que ora se analisa, fosse de considerar surpreender-se na previsão do art.º 508, nº 3, do CPC, o entendimento não poderia deixar de ser equivalente àquele que, interpretando esta previsão legal, têm seguido os nossos tribunais superiores e que é o de considerar que o convite aí consignado não constitui um poder vinculado do juiz, mas uma simples faculdade[4].

No específico caso que ora se trata, não tendo, a pretensão da substituição da penhora, sido apresentada em requerimento autónomo (cfr. nº 4 do artº 834º), mas antes integrada na oposição à execução, embora ganhe mais sentido chamar à colação a previsão do 508, nº 3, do CPC, não deixa de manter-se o que se afirmou quanto ao carácter facultativo do convite previsto nesta norma.

Sem prejuízo do que ora se concluiu, cumprirá dizer que os autos não eram totalmente omissos quanto a elementos tendentes a habilitar, relativamente ao prédio oferecido à penhora pela executada, a formulação de um juízo sobre a sua adequação a garantir os fins da execução.

O que sucede é que esses elementos são insuficientes para demonstrar tal adequação do prédio oferecido à penhora pela executada, pois que, da respectiva caderneta predial rústica, designadamente, apenas resulta que, por força de avaliação efectuada em 1989, o “Valor Patrimonial Actual” é de € 24,01.

É, seguramente, esse valor de € 24,01, um valor desactualizado, tanto mais que se provou que o prédio em causa, ”tem viabilidade de construção”, mas, o certo é que, quanto ao valor actual do prédio, o mais que se pode entender ter a executada alegado é que o mesmo seria “de igual valor” (artº 48º da contestação) ao do imóvel que foi penhorado, o que, tendo em consideração a este foi atribuído o valor de 70.000,00 €, não se mostra provado.

Do exposto importa extrair, pois, a conclusão, de que a decisão impugnada deve ser mantida, improcedendo, consequentemente, a apelação.

Não tendo o Apelado interposto recurso da sentença, que lhe foi desfavorável na parte em que desatendeu o seu pedido de condenação da Opoente como litigante de má fé, veio, no entanto, na resposta à alegação de recurso da Apelante, pedir a condenação desta como litigante de má fé, em multa e indemnização nunca inferior a € 10.000,00.

A condenação em multa e a comunicação à Ordem dos Advogados, que se aludem, respectivamente, na 1ª parte do nº 1 do artº 456º e no artº 459º, ambos do CPC, não carecem de ser pedidas – ao invés do que sucede com a indemnização referida na 2ª parte do mencionado artº 456º - sendo, nesse âmbito, a questão da litigância de má fé, de conhecimento oficioso.

Assim, havendo elementos que revelem litigância de má fé, o tribunal, ainda que não tenha sido suscitada essa questão, deve, oficiosamente, emitir pronúncia sobre a mesma na ocasião em que proceda à análise dos fundamentos das pretensões que as partes apresentaram e do comportamento processual que assumiram até então, coincidindo esse momento, por regra, com o da decisão que, em 1ª Instância, ponha termo ao processo.

Caso a conduta que revele a litigância de má fé tenha lugar em momento processual subsequente ao dessa decisão, a apreciação de tal matéria será feita pelo Tribunal Superior, na hipótese de respeitar aos termos de recurso que para este haja sido interposto.

Assim, para que a Relação conheça, “ex novo”, da litigância de má fé, esta há-de resultar de actividade desenvolvida pelo litigante na 1ª Instância e que aí não tenha sido objecto de decisão, ou, então, terá de provir de conduta respeitante aos termos do recurso que se aprecia, aí compreendidas as alegações das partes. No âmbito desta situação que se aponta em último lugar, será susceptível de revelar litigância de má fé do recorrente, por exemplo:

- O recurso manifestamente infundado, interposto, com negligência grave, ou, com dolo, com a única finalidade de protelar o trânsito em julgado da decisão[5];

- Invocar-se, em alegação de recurso, em abono do entendimento que aí se defende, decisões proferidas nos vários acórdãos que se identificam, quando, na realidade, o entendimento que nestes foi seguido é inquestionavelmente contrário à pretensão do alegante[6].

Do exposto resulta que, “in casu”, tendo a litigância de má fé imputada à executada sido analisada e decidida na sentença, sem que, quanto a essa matéria, haja sido interposto recurso, a esta Relação só cabe apreciar a má fé que se revele na conduta subsequente da ora Apelante, designadamente, nos termos do recurso e, em particular, nas respectivas alegações.

Ora, não obstante a apelação improceder, não existem elementos que nos levem a concluir que a conduta processual da executada, subsequente à prolação da sentença, v.g., a atinente aos termos do recurso que ora se decide, se possa subsumir a alguma das situações previstas no art.º 456º, n.º 2, do CPC, não se podendo afirmar, por exemplo, posto que elementos não há que o revelem, que, com a interposição do presente recurso, tivesse a apelante a finalidade exclusiva de protelar o trânsito em julgado da decisão da 1ª Instância.

Indefere-se, pois, o pedido de condenação da Apelante como litigante de má fé.

D) - Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, julgando a apelação improcedente, confirmar o decidido na sentença recorrida.

Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.


Luís José Falcão de Magalhães (Relator)

Sílvia Maria Pereira Pires

Henrique Ataíde Rosa Antunes



[1] Código de Processo Civil, que é de aplicar, no que respeita ao regime de recursos, na versão resultante do DL n.º 303/07, de 24/08, havendo que considerar, por outro lado, no que concerne às normas do processo executivo, serem convocáveis, no caso “sub judice”, as alterações introduzidas a esse Código pelo DL n.º 226/2008, de 20/11.
[2] Consultáveis na Internet, através do endereço http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, tal como todos os Acórdãos do STJ ou os respectivos sumários que adiante se citarem sem referência de publicação.
[3] Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 25/06/2009 (Agravo nº 5553/03.9TMSNT-G.L1-8), consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase”.
[4] Cfr. Acórdão do STJ, de 14/11/2006 (Revista nº 06A3486).
[5] Cfr. Acórdão do STJ de 12/06/2003 (Revista nº 03B573).
[6] Cfr. Acórdão do STJ de 04/04/2002 (Agravo nº 02B440).