Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
130175/08.8YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
OBRIGAÇÕES DE MEIOS E DE RESULTADO
BOA-FÉ
Data do Acordão: 01/26/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 405, 458, 798, 799, 1154 CC
Sumário: I - O contrato de prestação de serviços pode ter como objecto uma obrigação de meios, em que o devedor apenas fica vinculado a desenvolver uma actividade independentemente da verificação do resultado a que ela se destina, ou uma obrigação de resultado, em que o devedor fica vinculado a obter um determinado resultado com a sua actividade, ou convencionar-se ambas as obrigações, no âmbito da liberdade contratual.

II – A obrigação de meios deve considerar-se cumprida, mesmo que não se venha a verificar o resultado pretendido e só haverá incumprimento se, nos termos do artigo 798º do CC, se concluir que a prestação não só não foi efectuada com a diligência devida, mas que também foram cometidos erros causais da não verificação do resultado.

III - As partes devem agir de boa fé na execução dos contratos, sendo de considerar que a ré actuou de má fé quando, depois de terminado o período de exclusividade fixado contratualmente, criou expectativas à autora de que continuava a tratar exclusivamente com ela, solicitando-lhe a sua colaboração e fazendo-lhe crer que assim lhe seria paga a remuneração fixa em atraso e acabando por concretizar o resultado pretendido à revelia da autora.

IV - A violação do dever jurídico da boa fé na execução dos contratos implica responsabilidade contratual.

V- O reconhecimento de dívida prevista no artigo 458º do CC não é fonte de indemnização, operando apenas a inversão do ónus da prova da existência dessa obrigação.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A.... intentou contra B.... a presente acção, inicialmente de injunção e posteriormente convertida em acção declarativa com processo ordinário, alegando, em síntese, que acordou com a ré em executar-lhe serviços de assessoria financeira, fixando-se uma remuneração fixa de 22 500,00 euros e uma remuneração variável correspondente a 3% do valor da transacção que se viesse a efectuar, desde que tal valor fosse no mínimo de 150 000,00 euros, na sequência do que, desde Janeiro de 2006 a Julho de 2007, a autora elaborou diversos estudos e contactou potenciais investidores, sendo que, tendo sido estipulada a exclusividade da autora como intermediária com os potenciais investidores, foi essa exclusividade violada pela ré, que negociou directamente com potenciais interessados, reconhecendo, porém, a violação e comprometendo-se a pagar à autora a remuneração variável acordada, mas ficando por pagar facturas no valor global de 199196,25 euros, apesar das solicitações da autora e de a ré ter apresentado um plano de pagamento que nunca chegou a cumprir.

Concluiu pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a referida quantia de 199 196,25 euros acrescida de juros vencidos desde 5/06/2006 à taxa de 11,20% no valor de 27 808,15 euros e dos juros vincendos até integral pagamento.  

A ré contestou alegando, em síntese, que não aceitou qualquer cláusula de exclusividade e que autora não executou os serviços invocados, não tendo cumprido a obrigação de resultado que o acordo pressupunha, para além de que, mesmo que existisse cláusula de exclusividade, a mesma só se verificaria durante o prazo de nove meses, prorrogável se já existissem negociações aquando do seu termo, o que não aconteceu, pelo que não havia lugar ao prolongamento do prazo.

Concluiu pedindo a improcedência da acção e a absolvição do pedido.

Procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que julgou a acção procedente e condenou a ré a pagar à autora a quantia de 199 196,25 euros acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa a que se refere o artigo 102º do Código Comercial, até integral pagamento, contados desde 5/06/2006 sobre 9 528,75 euros, desde 14/08/2006 sobre 8 167,50 euros e desde 16/08/2006 sobre 181,500,00 euros.       

                                                            *

Inconformada, a requerida interpôs recurso da sentença, apresentando alegações, onde formula as seguintes conclusões: 

I- A autora intentou contra a ré a acção ordinária a que respeitam os autos, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de 199 196,25 euros, juros desde 05.06.2006, taxas de justiça e procuradoria;

II- alegando, sumariamente, que realizou serviços de assessoria financeira no âmbito de um processo de alienação de partes sociais da ré e que esta não lhe pagou a quantia peticionada que corresponderia, segundo a autora, à remuneração acordada pelos serviços prestados, no âmbito do contrato entre ambas celebrado;

III- A ré contestou, sendo que a sua posição é, essencialmente, que a obrigação assumida pela autora era, ao menos em parte, uma obrigação de resultado, resultado que a autora não atingiu, pelo que não lhe é devida a remuneração que ora peticiona;

IV- Mais defende a ré que a cláusula de exclusividade a que alude a autora estava esgotada aquando da conclusão pela ré do negócio que serve de fundamento à pretensão da autora à remuneração variável correspondente à obrigação de resultado e que não decorriam quaisquer negociações que justificassem o respectivo prolongamento;

V- Alegou, por fim, a ré que o cliente que veio a adquirir, não as participações sociais que a ré se propunha alienar, mas uma unidade fabril pertença dela, não tinha sido apresentada pelo autor nem por esta considerado na estratégia que terá delineado, pelo que nada justificava o pagamento à autora de uma remuneração pela obtenção de um resultado para o qual esta em nada contribuiu;

VI- Com base na factualidade dada como provada, considerou a, aliás douta sentença recorrida que foi celebrado entre autora e ré um contrato de prestação de serviços, regulado nos artigos 1154º e ss. do C.C., tendo por objecto a assessoria em todo o processo de procura de um investidor com vista à venda da totalidade ou de parte do capital da empresa e que teria sido, como contrapartida, acordada uma remuneração fixa de 22 500,00 euros, independente do resultado, e uma remuneração variável de 3% (com mínimo de 150 000,00 euros) sobre o valor da transacção efectuada, a satisfazer unicamente no caso de a operação se realizar, a pagar no momento da assinatura do contrato de compra a venda das participações em causa;

VII- Mais considerou a douta sentença ora em crise que o acordo implicava a exclusividade da autora na operação durante o prazo de 9 meses a partir da aceitação da proposta e que se, no final daquele prazo, estivesse a decorrer um processo de negociação com um ou vários investidores, o prazo de prolongaria automaticamente pelo tempo necessário às conclusões das negociações e que, ainda assim, se, no prazo de um ano a partir da finalização desse acordo, se realizasse uma operação que pudesse estar enquadrada no âmbito da operação, estava assegurado à autora o direito ao recebimento da remuneração variável;

VIII- Feito, desta forma, o enquadramento do negócio, a douta sentença recorrida entendeu encontrar a solução na figura do artigo 458º do Código Civil, considerando que, porque a ré teria proposto à autora um plano prestacional, teria reconhecido a obrigação, tornando, com isto, desnecessária qualquer outra consideração;

IX- Entende ainda o Tribunal a quo que, ainda que assim não fosse, sempre seria devida a remuneração variável peticionada pela autora porque, em virtude dos serviços que a autora teria continuado a prestar a ré, mesmo após esgotado o prazo contratado, este teria de ter por automaticamente prolongado, sendo, por isso, indiferente a data da alienação; 

X- Pelo que – com base nesta fundamentação de direito e sem apelo a qualquer outra consideração ou norma jurídica – condenou a ré no pagamento das quantias peticionadas.

XI- Não assiste, porém, razão ao tribunal a quo que, na, aliás douta sentença recorrida fez – salvo o devido respeito, que é muito – mau julgamento da matéria de facto e má aplicação do direito, violando o disposto nos artigos 458º e 1154º e ss. do C.C.;

SENÃO VEJAMOS:

XII- Os factos julgados provados pelo Tribunal não têm o menor apoio quer na prova documental quer no depoimento das testemunhas arroladas pela ré e pela própria autora;

XIII- Designadamente, deu o Tribunal como provado que, entre Janeiro de 2006 e Julho de 2007, a autora, em cumprimento do acordo celebrado e das solicitações da ré, entregou todas as conclusões do seu trabalho, por forma a avaliar da viabilidade e rentabilidade futura do desenvolvimento do negócio projectado de acordo com as solicitações da ré, preparou e apresentou, a pedido da ré, várias versões dos “Business Plan”, os quais foram sofrendo várias alterações, em função das várias hipóteses de concretização do negócio preconizadas pela ré, procedeu à elaboração de diversas listagens com potenciais investidores e/ou estratégicos, contactou, preparou e esteve presente nas várias reuniões com a ré e potenciais investidores interessados, por forma a assessorar a ré na conclusão do negócio em causa e posteriormente, por solicitação da ré, a autora apresentou um novo documento de avaliação com possíveis alternativas de venda e definição da estrutura mais adequada, no qual incluiu a hipótese de venda da unidade fabril da ... (C....), na sequência do que já vinha a fazer, mais uma vez a autora assessorou a ré no início do processo de negociação com os potenciais investidores seleccionados para a venda da referida unidade fabril, nomeadamente, na realização de reuniões para estabelecimento do preço, acesso a informação adicional e visita às instalações;

XIV- Factos que são contrariados pelo depoimento das testemunhas;

XV- A douta sentença recorrida entendeu, por outro lado, que o período inicial de nove meses fora prorrogado por acordo das partes, facto que foi, aliás, determinante na decisão proferida. No entanto, esse facto é inequivocamente contrariado pelos testemunhos quer das testemunhas da autora, D.... e E... , quer pela testemunha da ré, F... .

XVI- O Mm. Juiz a quo considerou, bem assim, provado que, por solicitação da ré, a autora apresentou um novo documento de avaliação com possíveis alternativas de venda e definição da estrutura mais adequada, no qual incluiu a hipótese de venda da unidade fabril da ... ( C...) e que, na sequência do que já vinha a fazer, mais uma vez a autora assessorou a ré no início do processo de negociação com os potenciais investidores seleccionados para a venda da referida unidade fabril, nomeadamente, na realização de reuniões para estabelecimento do preço, acesso a informação adicional e visita às instalações; douta sentença recorrida;

XVII- Factos que foram contrariados por todas as testemunhas, incluindo as arroladas pela autora.

XVIII- Finalmente, o Mm. Juiz a quo deu como provado que a ré assumiu para com a autora a obrigação de pagamento da remuneração variável, tendo apresentado mesmo um plano de pagamento em prestações da correspondente factura.

XIX- Facto cuja prova o Tribunal alicerça num e-mail de conteúdo vago, cuja recepção, pelo destinatário, não ficou demonstrada e no depoimento altamente contraditório e duvidoso da testemunhas da autora, G.... ;

XX- E que, mais uma vez, resulta, de forma inequívoca, contrariado pelo depoimento das testemunhas da ré, ao qual o Tribunal a quo, sem querer invocar justificação, não atribuiu qualquer relevância.

XXI- Toda a fundamentação da sentença ora em crise está, pelo exposto, alicerçada em factos que o Tribunal deu como provados não obstante a fragilidade da prova apresentada pela autora e a avassaladora produzida, em sentido contrário, pela ré;

XXII- Fez, pois, errado julgamento da matéria de facto relevante para a decisão da causa, julgamento que, como tal, deverá ser revisto por este Alto Tribunal;

SEM CONCEDER,

XXIII- A, aliás douta, sentença ora em crise faz, bem assim – e sempre salvo o devido respeito – errónea aplicação da lei;

XXIV- Desde logo, porque assenta num suposto reconhecimento de dívida que, ainda que pudesse considerar-se provado, o que não se concede, sempre não poderia ter o alcance e o efeito jurídico atribuído;

XXV- Porquanto, em primeiro lugar, inexiste qualquer documento que a suporte – e é sabido que a confissão de dívida, nos termos do invocado artigo 458º do Código Civil, não pode revestir a forma tácita;

XXVI- Mas também porque, em segundo lugar, ainda que tivesse tido lugar (o que, mais uma vez, não se concede) jamais poderia tal declaração de vontade – porque, de acordo com a própria alegação da autora e com a matéria de facto tal e qual ela foi saneada e considerada provada pela decisão ora em crise – obrigar a ré;  

XXVII- Tanto mais que o suposto e-mail contendo um plano de pagamento por conta da factura que contempla a retribuição variável, a ter sido enviado, foi subscrito precisamente pela testemunha da autora, G..., com propósitos que não ficaram suficientemente esclarecidos e que, enquanto director financeiro, nenhuns poderes para obrigar a ré detinha;

XXVIII- Por outro lado, a douta sentença recorrida fundamenta a condenação da ré pelo facto de o prazo do contrato se dever ter por tacitamente prorrogado, pelo que seria “indiferente a data em que a alienação se materializou”;

XXIX- Este facto – a prorrogação tácita do contrato –, ainda devesse dar-se como provado, o que não se concede, não tem a virtualidade de determinar a condenação da ré no pagamento da retribuição variável;

XXX- Por um lado, porque o próprio acordo existente entre a autora e ré não prevê essa possibilidade – de prorrogação tácita;

XXXI- E, por outro lado, porque a douta sentença recorrida, quando qualifica o acordo entre autora e ré como um contrato de prestação de serviços e, bem assim, quando alude à retribuição variável em crise como uma “sucess fee”, adere à tese da ré;

XXXII- Na verdade, a obrigação da autora que teria como contrapartida a obrigação de pagamento da retribuição variável é, indiscutivelmente, uma obrigação de resultado;

XXXIII- E é a própria autora quem confessa não ter produzido o resultado pretendido nem, tão pouco, contribuído por qualquer forma para a produção de tal resultado;

XXXIV- A autora assume, bem assim, que jamais tinha contemplado, no decurso dos trabalhos realizados, como potencial investidor a entidade que veio, de facto, a comprar a unidade fabril em causa;

XXXV- E assume, bem assim, que o plano por ela, autora, elaborado nem sequer compreendia a venda daquela unidade fabril, até que a venda veio a ser equacionada por sugestão da própria ré;

XXXVI- Não tendo contribuído, por qualquer forma, para a produção do resultado – ao qual, aliás, nem, nem sequer ficado inicialmente obrigada – não pode a autora, ao abrigo da regulamentação do contrato de prestação de serviços, fazer-se valer do facto de a ré ter afinal logrado, de moto próprio, vender a unidade fabril;

XXXVII- Repugna, aliás, tal solução, que vincularia de forma inaceitável e leonina a ré e conduziria, seguramente, à sua ruína.

A douta sentença recorrida fez mau julgamento da matéria de facto, face à prova produzida, e, em qualquer caso, viola, assim, o disposto nos artigos 58º do C.C. e, bem assim, dos artigos 1154º e ss. do C.C., pelo que, revogando-a e substituindo-a por outra que absolva a ré do pedido, fará este Alto Tribunal, como é já dele apanágio, SÃ E SERENA JUSTIÇA.

                                                            *

A recorrida não apresentou contra alegações.

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos autos próprios autos e efeito devolutivo.

                                                            *

A questões a decidir são as seguintes:

I) Impugnação da matéria de facto.

II) Natureza do contrato celebrado entre as partes.

III) Pagamento da remuneração fixa.

IV) Pagamento da remuneração variável (cláusula de exclusividade e validade do acordo de reconhecimento da dívida).

                                                            *                   

                                                            *

FACTOS.

Os factos considerados provados na sentença recorrida são os seguintes:

1. A autora é uma sociedade que exerce essencialmente actividade de consultoria (A) dos factos assentes).       

2. A ré dedica-se à actividade de fabrico e comercialização de produtos cerâmicos de pavimento e revestimento (B) dos factos assentes).  

3. Em Dezembro de 2005 a autora apresentou à ré a proposta de fls 63 a 76, cujo teor aqui se dá como reproduzido (C) dos factos assentes). 

4. A ré aceitou por escrito a proposta referida em 3 em data não apurada de Dezembro de 2005 (1).

5. Nos termos acordados, com a aceitação da proposta, a autora, como interlocutora da ré em todo o processo nela referido, ficava com exclusividade, durante um período de 9 meses (a partir da aceitação da proposta por escrito) e, se no final desse prazo de 9 meses estivesse a decorrer um processo de negociação com um ou vários investidores, esse prazo considerava-se automaticamente prolongado pelo tempo necessário à conclusão dessas negociações, obrigando-se ainda a ré a comunicar à autora todos os potenciais investidores que considerassem relevantes (2). 

6. Adicionalmente, ficou estabelecido que no período de um ano subsequente à conclusão do processo, a ré permaneceria obrigada ao pagamento da remuneração variável de 3% sobre o valor da transacção efectuada caso concluísse a transacção com qualquer dos investidores considerados no decurso do contrato (3).

7. A obrigação de exclusividade e a obrigação de pagamento dos honorários variáveis devidos naquele período foram explicadas pela autora aquando da negociação do contrato e ao longo da execução dos respectivos serviços, o que a ré aceitou e sobre o que nunca levantou qualquer questão (4 e 5).

8. A autora obrigou-se a prestar à ré os serviços indicados na proposta referida em 3 (23).

9. Entre Janeiro de 2006 e Julho de 2007, a autora em cumprimento do acordo celebrado e das solicitações da ré, entregou todas as conclusões do seu trabalho, por forma a avaliar da viabilidade e rentabilidade futura do desenvolvimento do negócio projectado de acordo com as solicitações da ré (6).  

10. A autora preparou e apresentou, a pedido da ré, várias versões dos “Business Plan”/“Memorando de Informação” ou “Memorandos de Informação”, os quais foram sofrendo várias alterações, em função das várias hipóteses de concretização do negócio preconizadas pela ré (7).

11. (…) fosse por alienação de participações sociais da ré, por aumento do capital através da entrada de uma sociedade de capital de risco ou por aliança/fusão com outra entidade do sector (8).

12. A autora procedeu à elaboração de diversas listagens com potenciais investidores financeiros e/ou estratégicos nacionais e internacionais, seleccionados pela autora ou pela ré, tendo disso dado conhecimento à ré (9).

13. A autora contactou, preparou e esteve presente nas várias reuniões com a ré e potenciais investidores interessados, por forma a assessorar a ré na conclusão do negócio em causa e a prestar os esclarecimentos necessários (10).

14. Posteriormente, por solicitação da ré, a autora apresentou um novo documento de avaliação com possíveis alternativas de venda e definição da estrutura mais adequada, no qual incluiu a hipótese de venda da unidade fabril da ... ( C...) (11).

15. Na sequência do que já vinha a fazer, mais uma vez, a autora assessorou a ré no início do processo de negociação com os potenciais investidores seleccionados para a venda da referida unidade fabril, nomeadamente na realização de reuniões para estabelecimento de preço, acesso a informação adicional e visita às instalações (12).

16. Em conformidade com o acordado, a autora emitiu a primeira factura nº20806000057, datada de 11/0172006, vencida no dia 31/01/2006, no valor de 9 528,75 euros, correspondente a 35% da remuneração fixa, a qual foi prontamente paga pela ré, em 22/03/2006 (13 e 14).

17. Em conformidade com o acordado e com os serviços prestados, a autora emitiu as segunda e terceira facturas, nº20806000742, de 16/05/2006 e 2086001094, de 25/07/2006, respectivamente, no valor de 9 528,75 euros (correspondente a 35% da remuneração fixa) e no valor de 8 167,50 euros (correspondente a 30% da remuneração fixa) (15).

18. Apesar de a ré não ter pago as facturas referidas em 17, a autora, no intuito de ver satisfeitos os seus créditos, em cumprimento dos princípios éticos pelos quais rege a sua actividade e atendendo ao seu profissionalismo, continuou a dar resposta às solicitações da ré, assistindo-a em reuniões relativas à actividade da empresa e ao negócio projectado (16).

19. Em Julho de 2007 a ré na pessoa da Srª Drª H.... (“Srª Drª H.... ”) telefonou à autora, na pessoa do Sr. Dr. E.... (“Sr. Dr. E...”), informando-o que se tinha verificado “algo que não ia gostar”: que a ré já tinha planeado vender a referida unidade fabril da ... à I.....e que as negociações já estavam concluídas (17).

20. Face ao comunicado, a autora, na pessoa do Sr. Dr. E..., convocou de imediato uma reunião com os representantes da ré por forma a verificar qual a melhor forma, não só, de concluir as tarefas a que se tinha obrigado nos termos do acordo, mas também, de ambas cumprirem as obrigações resultantes do mesmo (18).

21. Após vários telefonemas entre o Sr. Dr. E... e a Srª Drª H... naquele mês, no sentido de esclarecer o porquê de uma negociação paralela pela ré com outros investidores, à margem dos termos acordados com a autora, a pedido da autora, teve lugar uma reunião com o Sr. Dr. E..., Srª Drª D.... e o Sr. Dr. F...., em representação da autora e com a Srª Drª H... e o Sr. Eng.º J..... (“Sr. Eng.º J....”), em representação da ré (19).

22. Nessa reunião, os representantes da ré assumiram efectuar o pagamento da remuneração variável/comissão de sucesso, nos termos dos Capítulos 5 e 6 do acordo (20).

23. Em conformidade com o acordado a autora emitiu a quarta factura nº20807001454, datada de 27/07/2007, com vencimento no dia 16/08/2007, no valor de 181 500,00 euros (21).

24. Em 14 de Março de 2007 a ré propôs à autora planos de pagamentos em prestações por conta das facturas 208060000742 e 20866001094 (27).

25. Em 2 de Novembro de 2007 a ré propôs à autora planos de pagamento por conta da factura 20807001454 (28).

26. Propostas que a autora aceitou, atendendo ao bom relacionamento com a ré e às dificuldades de tesouraria desta (29).

                                                            *

                                                            *

ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

I) Impugnação da matéria de facto.

(…)

II) Natureza do contrato celebrado entre as partes.

Por força do contrato celebrado entre as partes, a autora ficou obrigada a assessorar a ré no processo de procura de investidor com vista à venda de todo ou parte do capital da empresa, mediante o pagamento de uma retribuição.

Tal contrato previa várias fases, consistindo a primeira na elaboração de estudos e análises e as seguintes no planeamento da operação, na apresentação de potenciais investidores, na negociação e selecção do investidor e na conclusão e fecho da operação.

À primeira fase correspondia uma remuneração fixa de 22 500,00 euros e às seguintes correspondia uma remuneração variável de 3% sobre o valor da transacção efectuada, a satisfazer se esta se realizasse e com o valor mínimo de 150 000,00 euros.

Mais estipularam as partes que, durante nove meses, a partir da aceitação por escrito da proposta do contrato, a autora seria a exclusiva interlocutora entre a ré e os potenciais investidores, exclusividade essa que se prolongaria se, no fim deste prazo decorressem negociações e pelo prazo necessário para a conclusão dessas negociações.

Trata-se de um contrato de prestação de serviços oneroso, previsto no artigo 1154º do CC, ao qual são aplicáveis as regras que regem o mandato.

Alega a recorrente que a prestação a que a autora se obrigou é uma obrigação de resultado – daí retirando depois a conclusão de que o resultado que veio a verificar não proveio da actividade da autora e não sendo, por isso, devido o pagamento.

Vejamos.

O contrato de prestação de serviços pode comportar a execução de uma obrigação de meios ou de uma obrigação de resultado (conferir sobre a distinção entre estes dois tipos de obrigações, A. Varela, “Das obrigações em geral”, 5ª edição, página 733 e ac. RP 13/12/2007 em www.dgsi.pt).

Na obrigação de meios, que é o típico trabalho desenvolvido pela generalidade das profissões liberais, o prestador do serviço compromete-se a desenvolver diligentemente uma actividade com vista à obtenção de um resultado, mas sem garantir que esse resultado se produza. Assim, o médico que se compromete a tratar do doente o melhor que puder, mas não pode garantir a cura, ou o advogado que representa diligentemente o seu cliente numa acção, mas não pode garantir o êxito da mesma.

Na obrigação de resultado, pelo contrário, o prestador de serviços fica obrigado a obter um determinado resultado. É o caso da empreitada, ou do contrato de transporte.    

No caso dos autos, o contrato celebrado pelas partes, contém, ao abrigo da liberdade contratual consagrado no artigo 405º do CC, elementos dos dois tipos de obrigação.

Deste modo, convencionaram as partes que, numa primeira fase, seria desenvolvida uma actividade de estudos e análises cuja remuneração seria fixa e que, embora visando a realização futura de uma transacção, não dependia ainda da verificação efectiva dessa transacção.

A obrigação é, nesta parte, uma obrigação de meios, bastando a sua realização diligente para se considerar cumprida.

Convencionaram, porém, as partes, que, nas fases seguintes do contrato, a actividade da autora visaria obter a referida transacção, só sendo devida a respectiva remuneração (a que dão o nome de remuneração variável), se esse resultado ocorresse.

Só nesta parte, então, é que a prestação se transforma numa obrigação de resultado, em que a autora ficou vinculada a conseguir realizar uma determinada transacção.

Resulta logo do contrato que a consequência de a autora não cumprir esta parte do contrato seria o não recebimento da “remuneração variável”, que constituía uma percentagem do valor da transacção a realizar.

Também consequência de a autora não lograr concretizar a pretendida transacção no prazo de nove meses, contados a partir da aceitação escrita da proposta, seria a perda de exclusividade, passando a ré a ter a faculdade de procurar investidores e concretizar a operação sem a assistência da autora.

O conteúdo misto deste contrato é possível no âmbito da liberdade contratual e o pagamento de cada uma das retribuições convencionadas depende de pressupostos diferentes.

                                                            *

III) Pagamento da remuneração fixa.

Com a presente acção, a autora, ora recorrida, reclama, para além do mais, o valor de duas facturas nos montantes respectivos de 9 528,75 euros, de 8 167,50 euros.

A ré, ora recorrente, recusa o pagamento, invocando o incumprimento da autora.

Estas duas primeiras facturas respeitam à remuneração fixa do contrato, ou seja, visam o pagamento da primeira fase do contrato, em que a autora estava vinculada a desenvolver uma actividade independentemente do resultado.

Com a prestação desta actividade, a obrigação, nesta parte e como em qualquer obrigação de meios, deve-se considerar cumprida, mesmo que não se venha a verificar o resultado pretendido e só se poderá considerar haver incumprimento se, nos termos do artigo 798º do CC, se concluir que a prestação não só não foi efectuada com a diligência devida, mas que também foram cometidos erros que foram causais da não verificação do resultado (cfr referido ac. RP 13/05/2007 e acs RP 12/05/2009 e 20/07/2006, também em www.dgsi.pt).

Para se concluir que houve erros ou falta de diligência terá a outra parte o ónus de os provar, de acordo com o disposto no artigo 799º do CC.

Ora, provou-se à saciedade que a autora prestou a actividade de acessoria financeira a que se obrigou, na parte em que não era exigido um resultado (conferir números 9, 10, 11, 12 e 13 dos factos provados da sentença recorrida).

Por seu lado, a ré nenhuma prova fez de que esta actividade da autora foi efectuada de forma pouco diligente e que tenham sido cometidos erros comprometedores do sucesso da transacção visada.

Sendo assim e devendo os contratos ser pontualmente cumpridos (artigo 406º do CC), não existe, pois, qualquer motivo para a recusa do pagamento da remuneração fixa e, consequentemente, das facturas nos valores de 9 528,75 euros e de 8 167,50 euros.

                                                              *

IV) Pagamento da remuneração variável (cláusula de exclusividade e validade do acordo de reconhecimento da dívida).

Reclama ainda a autora recorrida o valor de uma terceira factura, de 181 500,00 euros, respeitante à remuneração variável acordada.

E, quanto a esta específica factura, invoca ainda a ré recorrente o incumprimento da autora, alegando que esta não obteve o resultado de que dependia o pagamento da factura, pois a transacção efectuada não foi angariada pela autora, mas sim pela própria ré.

Efectivamente, a transacção que fundamentaria o pagamento da remuneração variável não foi obtida pela autora.

Mas levanta-se a questão de saber se a negociação paralela levada a cabo pela ré violou a cláusula de exclusividade do contrato, caso em que se teria de concluir que a autora não obteve o resultado em causa por causa imputável à ré (artigo 790º nº1 do CPC). 

A exclusividade estipulada no contrato estava prevista durante nove meses depois da aceitação escrita do contrato pela ré, o que ocorreu em Dezembro de 2005.

Assim, a referida cláusula vigoraria até Setembro de 2006.

Contudo, o contrato previa a prorrogação do prazo da exclusividade se, à data do seu termo, estivessem a decorrer negociações promovidas pela autora e pelo prazo necessário à respectiva conclusão.

Ficou provado que a autora encetou diligências para a realização da transacção em causa (pontos nº 14 e 15 dos factos provados).

Mas a autora não provou em que data realizou estas diligências, não constando este elemento dos factos provados (tudo leva a crer que tais diligências ocorreram já depois do termo do prazo de exclusividade, em Novembro de 2006, com resulta do documento de fls 149 e sgts), sendo certo, por outro lado, que também não há elementos para se concluir, como fez a sentença recorrida, que o prazo foi tacitamente prorrogado.

Poder-se-ia então pensar que, não tendo a autora obtido o resultado pretendido, nem tendo sido feita prova de que a ré violou a cláusula de exclusividade, não seria devida o valor da reclamada remuneração variável.

Porém, não é assim.

Com efeito, provou-se que, depois de terminado o prazo da cláusula de exclusividade, se encontrava ainda em dívida parte da remuneração fixa e que a autora continuou a desenvolver a actividade de assessoria, mesmo sem ter recebido essa remuneração em atraso, na expectativa de entretanto lograr realizar a transacção pretendida e assim obter pagamento.

Tal expectativa foi alimentada pela ré, que colaborava nessa assessoria e solicitou à autora um novo documento com a avaliação da venda da unidade fabril da ... (ponto 14 dos factos provados), fazendo-lhe crer que efectuaria a transacção com a assistência da autora e assim lhe pagaria a remuneração, nomeadamente a parte que na altura já estava em dívida.

Deste modo, embora já não estivesse em vigor a cláusula de exclusividade, impunha-se que a ré procedesse com lealdade para com a autora, não lhe criando expectativas que não iria cumprir e avisando-se expressamente de que poderia negociar com terceiros sem a sua intervenção.

Só assim a autora poderia ter optado por não continuar a investir nas negociações da forma como o fez e por exigir de imediato o pagamento das facturas atrasadas.

Ao colaborar com a autora nos planos que visavam a venda da unidade fabril e ao negociar paralelamente sem a assistência da autora e sem nada lhe dizer, a ré actuou com manifesta deslealdade, o que é demonstrado pelo embaraço da ré ao comunicar à autora a concretização do negócio à sua revelia.

Esta negociação paralela da ré, à revelia da autora, é uma conduta que viola a exigência da actuação de boa fé na execução dos contratos imposta no artigo 762º nº2 do CC e que causou prejuízos à autora, os quais são indemnizáveis.

Com efeito, o dever de agir de boa fé na execução dos contratos não constitui um mero dever moral, mas sim um verdadeiro dever jurídico (conf. P. Lima e A. Varela em CC anotado, volume II, página 4 e ainda, quanto à boa fé no exercício dos direitos contratuais, ac. STJ 17/12/2008 em www.dgsi.pt).  

Tal como são indemnizáveis os danos causados pela má fé na formação dos contratos (artigo 227º do CC), a actuação de má do contratante que cause prejuízos à contraparte deve ser indemnizada, integrando a responsabilidade contratual prevista no artigo 798º do CC.

Em consequência, as partes, em Julho de 2007, acordaram em fixar a respectiva indemnização no valor correspondente ao mínimo da remuneração variável acordada.

A ré reconheceu esta obrigação de indemnização e acabou por a transpor por escrito, através do fax de 2/11/2007, que consta a fls 253, onde propõe um plano de pagamento do valor em causa.

Foi assim reconhecida a dívida pela ré, por escrito, nos termos do artigo 458º nº1 e 2 do CC.

Alega a recorrente que a pessoa que subscreveu o fax de 2/11/2007 não tinha poderes para obrigar a sociedade.

Todavia, nos factos provados consta já provado que a ré reconheceu a dívida, tendo sido tratada esta questão a propósito da impugnação da matéria de facto, na apreciação da resposta ao artigo 28º da base instrutória.

Mas mesmo que se entendesse que o reconhecimento da dívida não seria válido e que não fosse aplicável o disposto no artigo 458º do CC, a quantia em causa seria devida.

Isto porque o artigo 458º não é ele próprio fonte da obrigação, contendo apenas uma regra de inversão do ónus da prova (cfr ac RP 15/05/2001 e 24/04/2003 e RL 14/12/2006, todos em www.dgsi.pt).

Ou seja, aplicando-se o artigo 458º, caberia à ré o ónus de provar que o negócio causal não existia; não se aplicando o artigo 458º, não opera a inversão do ónus da prova, mas a autora não está impedida de proceder à prova do negócio causal, à prova da fonte da obrigação.

Ora, conforme acima se expôs, dos factos provados conclui-se que a má fé negocial da ré causou prejuízo à contraparte autora e gerou responsabilidade civil contratual, tendo as partes acordado em fixar a respectiva indemnização no montante agora em discussão.

Deste modo, não sendo valorizado como reconhecimento de dívida o fax onde consta o plano de pagamento, sempre se teria de considerar provada a obrigação da ré de pagar o valor em causa.

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SUMÁRIO:

1- A apreciação da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª instância não interfere com o princípio da livre apreciação da prova da 1ª instância, não constituindo um novo julgamento, mas apenas uma forma de detectar eventuais erros flagrantes na apreciação da prova.

2- O contrato de prestação de serviços pode ter como objecto uma obrigação de meios, em que o devedor apenas fica vinculado a desenvolver uma actividade independentemente da verificação do resultado a que ela se destina, ou uma obrigação de resultado, em que o devedor fica vinculado a obter um determinado resultado com a sua actividade.

3- No âmbito da liberdade contratual, um contrato de prestação de serviços pode ter como objecto uma obrigação de meios, cumulada uma obrigação de resultado, bem como fixar uma cláusula de exclusividade. 

4- Não sendo paga pela ré a remuneração fixa do contrato e não se provando que a autora procedeu sem a diligência devida ou cometeu erros que comprometesse o resultado pretendido, não há incumprimento da autora na parte relativa à obrigação de meios, devendo a ré ser condenada a pagar essa remuneração fixa, por força do princípio do cumprimento pontual dos contratos.

5- As partes devem agir de boa fé na execução dos contratos, sendo de considerar que a ré actuou de má fé quando, depois de terminado o período de exclusividade fixado contratualmente, criou expectativas à autora de que continuava a tratar exclusivamente com ela, solicitando-lhe a sua colaboração e fazendo-lhe crer que assim lhe seria paga a remuneração fixa em atraso e acabando por concretizar o resultado pretendido à revelia da autora.

6- Tendo a actuação de má fé da ré acarretado prejuízos à autora, esta tem direito a indemnização no âmbito de responsabilidade contratual, podendo esta indemnização ser fixada por acordo entre as partes.

7- O reconhecimento de dívida prevista no artigo 458º do CC não é fonte de indemnização, operando apenas a inversão do ónus da prova da existência dessa obrigação e, por isso, não se mostra especialmente relevante quando tal obrigação já se encontra provada.       

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DECISÃO.

Pelo exposto se decide julgar improcedente a apelação e manter a sentença recorrida.  

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Custas pela recorrente.