Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
451/21.7T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
COMPENSAÇÃO
PRESUNÇÃO DE ACEITAÇÃO DO DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 10/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE COIMBRA
Sumário: I) Presume-se que o trabalhador despedido com fundamento em extinção do posto de trabalho aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista para essa forma de cessação do contrato de trabalho.

II) A presunção referida em I) pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último.

III) Embora a lei não estabeleça um qualquer prazo para a devolução da compensação, o certo é que exige que ela ocorra em simultâneo com a respectiva disponibilização.

IV) A presunção referida em I) não pode considerar-se ilidida se: a) tal como tinha sido anunciado à trabalhadora na comunicação da decisão de despedimento, a empregadora depositou na conta bancária da trabalhadora, em 27/11/2020, a quantia correspondente à compensação pela cessação do contrato de trabalho; b) a trabalhadora beneficiava de patrocínio forense; c) a trabalhadora não esboçou qualquer reacção nos 13 dias seguintes e só em 14/12/2020 procedeu à devolução da compensação.

Decisão Texto Integral:








Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra


I – Relatório


A autora propôs contra a ré a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, requerendo que seja declarada a irregularidade ou ilicitude do despedimento de que foi objecto por parte da ré.
A ré apresentou articulado motivador do despedimento, sendo que, além do mais, sustentou a impossibilidade legal da autora impugnar o despedimento, dado que está abrangida pela presunção de aceitação do despedimento consagrada no art. 366º/4 do CT/09, presunção essa que não se mostra ilidida.
A autora contestou sendo que, em resumo, considerou que a presunção invocada pela ré está ilidida, pois que a autora comunicou à ré que não se conformava com a decisão de despedimento e que iria impugná-lo, concomitantemente com o que devolveu à ré a compensação pela cessação do contrato de trabalho que esta lhe tinha adiantado.
Foi proferido despacho saneador, constando do seu dispositivo, designadamente, o seguinte: “Pelo exposto, sem necessidade de mais considerandos, e ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos, 576º, nºs 1 e 3 e 579º, ambos, do Código de Processo Civil, aplicável, “ex-vi” artigo 1º, nº2 alínea a) do Código de Processo de Trabalho e artigo 366º nºs 4 e 5, aplicável “ex-vi”, artigo 372º, ambos do Código de Trabalho, julgo verificada a supra referida exceção perentória e consequentemente, absolvo a Ré/empregadora do pedido inerente ao presente processo de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento.”.
Não se conformando com o assim decidido, apelou a autora, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:
I A trabalhadora não concorda com a decisão proferida que concluiu pela verificação da excepção perentória, invocada pela ré, nos termos do disposto nos artigos 576.º n.º 1 e 3 e art.º 579.º do CPC e dos artigos 366.º n.ºs 4 e 5 do Código de Trabalho, absolvendo a ré do pedido, desde logo por entender que a interpretação que o Tribunal faz da expressão “em simultâneo “ não se encontrar de acordo com o espirito da lei bem como não ter sido produzida prova quanto ao momento em que a compensação ficou disponível na conta da trabalhadora, ao momento em que a trabalhadora se apercebeu do depósito em conta, do tempo necessário para analisar documentos contabilísticos e o parecer fundamentado da ré, da oportunidade para poder deslocar-se ao escritório da sua mandatária e conjuntamente ponderarem a impugnação do despedimento, e ao facto de nos 14 dias que mediaram a transferência, na verdade serem apenas 6 dias porquanto, 8 dos 14 dias trataram-se de dias não úteis.
II O Tribunal erradamente a nosso ver, que a trabalhadora não elidiu a presunção legal constante do disposto no art.º 366.º n.º 4 do Código de Trabalho, uma vez que, de acordo com aquele entendimento terá “recebido e feito sua” a quantia que a entidade empregadora lhe pagou a título de compensação por extinção do posto de trabalho.
III A sentença que ora se recorre está ferida de ilegalidade por errada interpretação dos pressupostos legais e na interpretação que faz do disposto no art.º 366.º n.º 4 e 5 do Código de Trabalho, ao considerar que o momento em que o trabalhador teria que devolver o montante recebido a titulo de compensação teria que coincidir “em simultâneo” como o momento em que o recebeu, bem como o facto de se ter socorrido de parca fundamentação que aduz no despacho, e ainda o facto de ter considerando que a decisão de extinção do posto de trabalho lhe ter sido comunicada a 20 de Novembro de 2020, quando, apenas foi recebida a 26 de Novembro pela trabalhadora
IV O Tribunal a quo não pode, sob pena de não realização da justiça, escudar-se numa interpretação de tal modo restritiva que coloque em causa e restrinja os direitos fundamentais que constitucionalmente assistem ao trabalhador, mormente o direito de acesso à tutela jurisdicional efectiva p.p. no art.º 20.° e ao princípio do direito ao trabalho e ao direito à ocupação efectiva p.p. no art.º 53, ambos da Lei Fundamental, sob pena de violação destes preceitos constitucionais, o que desde já se invoca para os devidos efeitos.
V Não se acede na opção seguida pelo Tribunal não pode colher, pois não seria possível determinar, qual o momento em que a trabalhadora confirmou/verificou a existência do depósito do montante relativo à compensação devida pelo despedimento por extinção do posto de trabalho e assim toma conhecimento da disponibilidade da compensação, assim , como não se pode exigir ao trabalhador que pondere naquele mesmo dia, consultando a sua mandatária e analise a documentação enviada, decidindo ou não se impugna a decisão, havendo assim a necessidade de uma analise ponderada dos elementos a serem analisados e de se aferir da justeza e legalidade da decisão.
VI Entendemos que a trabalhadora teria que ter o tempo necessário, ainda que no mais curto espaço de tempo possível, em relação à data que recebe a notificação e desde que fique claro que a trabalhadora não pretendeu integrar esse valor na sua esfera patrimonial, considerando que a transferência bancária fora efetuada pela entidade empregadora no dia 27 de Novembro, 6.ª feira, tendo ficado disponível na conta da trabalhadora em data que não consegue precisar pois nos dias seguintes (sábado dia 28, domingo dia 29 e 2.ª feira dia 30 (tolerância de ponto concedida pelo Governo) e dia 1 de Dezembro (feriado)) eram dias feriado, colocando-se como provável que a quantia tenha ficado disponível apenas no dia 2 de Dezembro, seguindo-se apenas mais 6 dias uteis, uma vez que a devolução fora efectuada a 11 de Dezembro, depois de alcançar o teor da fundamentação da extinção do seu posto de trabalho, consultar a sua mandatária, e decidir em consciência o que fazer relativamente à impugnação judicial, tendo e menos de uma semana, considerando os dias feriado, tolerância de ponto e fins de semana que se verificaram entre 27 (dia do recebimento) e dia 11 (dia da devolução da compensação), num total de 8 dias (28, 29 30 de Novembro e 1, 5, 6, 7 e 8 de Dezembro – DIAS NÃO ÚTEIS) teve apenas SEIS DIAS - 6 dias para analisar, recorrer à sua mandatária para obter aconselhamento e decidir impugnar judicialmente o despedimento do posto de trabalho, até porque reside na cidade do porto
VII É entendimento da doutrina - Pedro Furtado Martins in Cessação do Contrato de Trabalho , Principia , 4.° edição pag, 394 que: “Julga-se que será a comunicação do trabalhador ao empregador da não aceitação do despedimento", adiantando que a simples recusa ou devolução é suficiente para afastar a  presunção, e adiante que "a letra da lei parece emitir que o trabalhador receba a compensação fazendo seu o valor que lhe foi entregue pelo empregador e com isso desencadeando a presunção, para em seguida devolver essa quantia e com isso ilidir a presunção( ...), considerando que a ser assim, então a trabalhadora ilidiu a presunção no momento em que comunicou a intenção de impugnar o despedimento, com a comunicação da sua mandatária, exactamente no mesmo dia/ em simultâneo com a realização da transferência bancária de devolução da quantia relativa à compensação.
VIII Assim como o entendimento mais acertado para a decisão do Tribunal a quo estaria em consonância com o entendimento do Venerando Juiz desembargador Dr. Antero Veiga que refere que: "O momento adequado seria aquele em que o trabalhador declara a sua vontade de impugnar o despedimento, de que não aceita o mesmo, que no limite pode coincidir com o momento em que se introduz a acção em juízo. Será, pois o momento que coloca o facto real, que pode resultar tacitamente da dedução da houve declaração, facto esse que contraria o facto presumido do facto base ou indiciário"
IX Ainda que assim não entenda teria sempre que considerar que a devolução que ocorrer num prazo relativamente curto e ponderando critérios de oportunidade e razoabilidade após o seu recebimento e como uma das formas de manifestação de impugnação da extinção do contrato de trabalho, ou num prazo curto e que não permita dúvidas quanto à vontade do trabalhador no sentido da não integração das quantias pecuniárias pagas na sua disponibilidade patrimonial.
X A questão dicidenda é exactamente uma destas situações, pois a trabalhadora no mais curto prazo possível procedeu à devolução da compensação e comunicou de forma expressa e inequívoca, através da sua mandatária o motivo de tal devolução, ou seja, a intenção de impugnar o despedimento ilidindo assim a referida presunção legal, ou deveria o Tribunal a quo ter em consideração e fazer as correspectivas démarches probatórias, para aferir o critério - Curto prazo – escudando-se nos seguintes factores: a) momento em que a compensação ficou disponível na conta, b) momento em que a trabalhadora se apercebeu, c) tempo necessário para analisar documentos contabilísticos e o parecer fundamentado da ré, d) oportunidade para poder deslocar-se ao escritório da sua mandatária e conjuntamente ponderarem a impugnação do despedimento, e) o facto de nos 14 dias que mediaram a transferência e a devolução 8 deles terem sido dias não úteis. Não tendo feito prova destes factores então a decisão recorrida padece de vicio de violação de lei, devendo V.Exas considerar que a sentença ora recorrida carece de legalidade por falta da produção e sustentação da prova.”.
A ré contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência da apelação.
Colhidos os vistos legais, importa decidir

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II - Principais questões a decidir

Considerando que é pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, é a seguinte a questão a decidir: saber se foi ou não ilidida pela autora a presunção de aceitação do despedimento consagrada no art. 366º/4 do CT/09.
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III – Fundamentação

A) De facto

Factos provados

Com relevo para esta decisão, consideramos assentes os seguintes factos:
1) Em 10/09/2020, a ré iniciou um procedimento de despedimento da autora por extinção do posto de trabalho desta, tendo remetido à autora, em 28/9/2020, a comunicação documentada a fls. 60 e 61, acompanhada dos documentos de fls. 61 vº a 73, comunicação e documentos que a autora recebeu em 7/10/2020 (fls. 73 vº e 74);
2) No âmbito desse procedimento, a autora constituiu como sua mandatária judicial a Exma. Sra. Dra. Sandra Correia, que juntou aos autos a procuração documentada a fls. 86, datada de 7/10/2020, e ali formulou os requerimentos documentados a fls. 85, 86 vº, 88vº e 89.
3) A mesma ilustra mandatária apresentou naquele procedimento o parecer fundamentado que está documentado a fls. 90 a 95, datado de 22/10/2020 e recebido pela ré em 23/10/2020, manifestando-se por essa via a oposição da autora ao seu despedimento por extinção do posto de trabalho.
4) Em 19/11/2020, a ré decidiu despedir a autora com fundamento na extinção do seu posto de trabalho, nos termos da decisão escrita que está documentada a fls. 97 a 100, constando dessa decisão, designadamente, que: i) o despedimento produziria efeitos em 31/12/2020; ii) no dia 27/11/2020, seria depositada na conta da autora em que habitualmente era depositada a sua retribuição, a quantia líquida de 4.511,75 euros, correspondentes a todos os créditos de que a autora era titular por causa da cessação do contrato de trabalho, incluindo a compensação devida pela cessação do contrato de trabalho no montante ilíquido de 1.170,18 euros.
5) Por carta de 20/11/2020, documentada a fls. 114, a ré comunicou à autora a decisão escrita referida no antecedente parágrafo, contante dessa carta, designadamente, que: i) o despedimento produziria efeitos em 31/12/2020; ii) no dia 27/11/2020, seria depositada na conta da autora em que habitualmente era depositada a sua retribuição, a quantia líquida de 4.511,75 euros, correspondentes a todos os créditos de que a autora era titular por causa da cessação do contrato de trabalho, incluindo a compensação devida pela cessação do contrato de trabalho.
6) A autora recebeu essa carta no dia 26/11/2020.
7) Em 27/11/2020, a ré depositou na conta bancária da autora a quantia de 4.511,75 euros supra referida.
8) Em 11/12/2020, a ilustre mandatária da autora remeteu à ré o mail que está documentado a fls. 155vº, constando do mesmo, designadamente, que a autora não se conformava com a decisão de despedimento, que iria impugná-lo judicialmente e que já tinha procedido à devolução à ré de 2.470,18 euros correspondente “… ao montante indemnizatório acrescido das férias e subsídio de férias do presente ano e que se vencem a 1 de Janeiro de 2020.”.
9) Em 14/12/2020, a autora depositou na conta bancária da ré 2.470,18 euros (fls. 155).
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B) De Direito

Questão única: saber se foi ou não ilidida pela autora a presunção de aceitação do despedimento consagrada no art. 366º/4 do CT/09
Por remissão do art. 372º do CT/09: i) presume-se que o trabalhador despedido com fundamento em extinção do posto de trabalho aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista para essa forma de cessação do contrato de trabalho (art. 366º/4 do CT/09); ii) a presunção referida em i) pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último (art. 366º/5 do CT/09).
Como resulta da conjugação dos normativos referenciados no antecedente parágrafo, o legislador  “… revela-se particularmente hostil ao acto do recebimento da compensação pelo trabalhador quando este, não obstante esse recebimento, ainda pretenda questionar o despedimento de que foi alvo.” - acórdão do STJ de 9/12/10, proferido no processo 4158/05.4TTLSB.L1.S1.
Por isso, “Não aceitando o despedimento e querendo impugná-lo, o trabalhador deverá recusar o recebimento da compensação ou proceder à devolução da compensação imediatamente após o seu recebimento, ou no mais curto prazo, sob pena de, assim não procedendo, cair sob a alçada da presunção legal a que se reporta o n.º 4 do art.º 366.º, traduzida na aceitação do despedimento.
Não lhe bastará, assim, que se limite a declarar perante a entidade patronal que não aceita o despedimento nem a compensação, sendo necessário que assuma um comportamento consentâneo com aquele propósito, nomeadamente diligenciando pela devolução da compensação paga pela entidade empregadora, logo que a receba, caso o pagamento lhe seja oferecido diretamente em numerário ou cheque ou, pelo menos, logo que tome conhecimento de que o valor da compensação lhe foi creditado na respetiva conta bancária, caso o pagamento se realize mediante transferência bancária.”- acórdão do STJ de 17/3/2016, proferido no processo n.º 1274/12.0TTPRT.P1.S1.
Aliás, “O empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações.” - art. 126º/1 do CT/09.
Assim, a disponibilização da compensação devida pela cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho também é uma forma de demonstração de boa-fé do empregador que, por via daquela cessação, fica constituído numa obrigação da reparação dos danos sofridos pelo trabalhador decorrentes da perda do seu posto de trabalho associada a motivos de natureza objectiva não decorrentes de um acto ilícito e de culpa do empregador.
No reverso e em face da disponibilização da compensação pelo empregador, o trabalhador também fica obrigado a actuar de boa-fé.
Sendo assim, caso não aceite o despedimento, o trabalhador deverá devolvê-la ou colocá-la à disposição do empregador, de imediato, ou logo que da mesma tenha conhecimento, inibindo-se da prática de quaisquer actos que possam ser demonstrativos do apossamento do quantitativo que lhe foi disponibilizado.
Na verdade, a retenção da compensação por parte do trabalhador quando não concorde com o despedimento por extinção do posto de trabalho de que é objecto é ilícita porque manifestamente contrária ao princípio da boa-fé a cuja observância está legalmente adstrito, tanto mais que a disponibilização da compensação não visa antecipar o pagamento de quaisquer indemnizações a que o trabalhador se sinta com direito decorrente de uma eventual ilicitude do despedimento, ou resolver os problemas sociais derivados do despedimento – acórdão do STJ de 13/10/2016, proferido no processo 2567/07.3TTLSB.L1.S1.
Tudo visto, somos a concluir que embora a lei não estabeleça um qualquer prazo para a devolução da compensação, o certo é que exige que ela ocorra em simultâneo com a respectiva disponibilização, como claramente resulta da letra do art. 366º/5 do Código do Trabalho, não podendo olvidar-se, em face do estatuído no art. 9º/1/2 do CC, que o ponto de partida na interpretação de uma norma legal é constituído pelo elemento literal que, além disso, também constitui o limite da interpretação.
Com efeito, a letra da lei tem duas funções: a negativa ou de exclusão, que impõe o afastamento de qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão); e a positiva ou de selecção que determina sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem.
Assim sendo, não sufragamos a interpretação sustentada pela apelante no sentido de que logrou ilidir a presunção de aceitação do despedimento que está em apreciação.
Na verdade, tal como tinha sido anunciado à trabalhadora na comunicação da decisão de despedimento (ponto 5º dos factos provados), a ré depositou na conta bancária da autora, em 27/11/2020, a quantia correspondente à compensação pela cessação do contrato de trabalho (ponto 7º dos factos provados).
Como assim, se a autora tivesse actuado de boa-fé e com a diligência a que estava obrigada, a mesma poderia ter percebido, logo em 27/11/2020, que a empregadora lhe tinha disponibilizado, tal como anteriormente anunciado, a referida compensação.
Por outro lado, a essa data: i) a autora já tinha manifestado a sua oposição à extinção do posto no parecer fundamentado que a sua ilustre mandatária apresentou no procedimento de despedimento (ponto 5º dos factos provados); ii) a autora continuava a beneficiar do patrocínio por parte da sua mandatária.
Apesar disso e desde 27/11/2020 decorreram 13 dias sem qualquer espécie de reacção por parte da autora.
Com efeito, só em 11/12/2020, a ilustre mandatária da autora remeteu à ré o mail que está documentado a fls. 155vº, constando do mesmo, designadamente, que a autora não se conformava com a decisão de despedimento, que iria impugná-lo judicialmente e que já tinha procedido à devolução à ré de 2.470,18 euros correspondente “… ao montante indemnizatório acrescido das férias e subsídio de férias do presente ano e que se vencem a 1 de Janeiro de 2020.” (ponto 8º dos factos provados).
Porém, nem todo o conteúdo dessa comunicação tinha respaldo na realidade empírica, pois que até essa data a autora não tinha procedido à devolução que ali se anunciava.
Essa devolução apenas veio a ter lugar no dia 14/12/2020 (ponto 9º dos factos provados).
Assim, não obstante a autora ter evidenciado que se opunha e que iria impugnar judicialmente o seu despedimento, e apesar de se encontrar assessorada juridicamente por advogada, o certo é que entre a disponibilização da compensação pela empregadora e a sua devolução pela trabalhadora ocorreram 17 dias, dilação que naquele concreto contexto é demasiadamente extensa para que se possa ainda afirmar que a devolução da compensação ocorreu simultaneamente com a sua disponibilização ou no mais curto espaço de tempo possível a contar da mesma.
A significar que subiste a presunção de aceitação de despedimento consagrada no art. 366º/4 do CT/09, com a consequente impossibilidade legal da autora o impugnar.
Improcede, assim, a apelação.
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IV- DECISÃO


Acordam os juízes que integram esta sexta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Coimbra, 22/10/2021.
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(Jorge Manuel Loureiro)



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(Paula Maria Roberto)


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(Ramalho Pinto)
Sumário:

I) Presume-se que o trabalhador despedido com fundamento em extinção do posto de trabalho aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista para essa forma de cessação do contrato de trabalho (artigos 372.º e 366º, n.º 4 do CT/09).
II) A presunção referida em I) pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último (art. 366º/5 do CT/09).
III) Embora a lei não estabeleça um qualquer prazo para a devolução da compensação, o certo é que exige que ela ocorra em simultâneo com a respectiva disponibilização.
IV) A presunção referida em I) não pode considerar-se ilidida se: a) tal como tinha sido anunciado à trabalhadora na comunicação da decisão de despedimento, a empregadora depositou na conta bancária da trabalhadora, em 27/11/2020, a quantia correspondente à compensação pela cessação do contrato de trabalho; b) a trabalhadora beneficiava de patrocínio forense; c) a trabalhadora não esboçou qualquer reacção nos 13 dias seguintes e só em 14/12/2020 procedeu à devolução da compensação.