Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
343/10.5TBTND.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: EMPREITADA
DEFEITOS
DIREITOS
DONO DA OBRA
Data do Acordão: 04/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAR
Legislação Nacional: ARTIGOS 799º Nº1, 808º, 1221.º, N.º 1 E 1229º DO CC
Sumário: i. Denunciados os defeitos, o primeiro direito do dono da obra é o de obter a respectiva eliminação pelo empreiteiro (art.º 1221.º, n.º 1 do CC).
ii. Demonstrada a existência de defeitos susceptíveis de reparação e subsistente a presunção de culpa que onera o empreiteiro (art.º 799.º, n.º 1), a resolução do contrato importa ainda a prévia conversão da mora, no que respeita à obrigação de eliminação dos defeitos, em incumprimento definitivo ou, em alternativa, a perda do interesse do credor na prestação, a apreciar objectivamente (art.º 808.º).

iii. É lícita a desistência da empreitada pelo dono da obra, que fica todavia obrigado a indemnizar o empreiteiro nos termos prescritos pelo art.º 1229.º daquele diploma legal.

Decisão Texto Integral: I. Relatório

No Tribunal Judicial da comarca de Tondela, A..., LDA., com sede na rua (...), concelho e comarca de Tondela, veio instaurar contra B... e marido, C..., casados sob o regime da comunhão de adquiridos, residentes na Rua (...), Tondela, acção declarativa de condenação, a seguir a forma sumária do processo comum, pedindo a final a condenação dos RR a pagarem o montante de 23.072,00 (vinte e três mil e setenta e dois euros), acrescido dos juros legais contados desde a data da citação e até integral e efectivo pagamento, a devolverem os utensílios identificados no artigo 19º do presente articulado e, bem assim, a pagarem a quantia mensal de € 300,00 relativa ao valor locativo de tais utensílios, desde a data de desistência da empreitada (21 de Maio de 2010) até à data da efectiva entrega de tais bens.
Em fundamento alegou, em síntese útil, dedicar-se à actividade de construção civil, no âmbito da qual celebrou com os RR, no mês de Outubro de 2009, contrato verbal de empreitada, tendo-se obrigado a proceder à edificação da casa de habitação destes, de harmonia com o projecto por eles encomendado e aprovado pela CM de Tondela. Conforme o acordado, à autora caberia fornecer a mão de obra e o equipamento, competindo aos RR adquirir os materiais e colocá-los em obra, tendo o preço da empreitada sido fixado em, pelo menos, € 80 000,00, o qual seria pago à medida que a obra fosse sendo executada e mediante a apresentação das pertinentes facturas.
Face ao Inverno muito chuvoso de 2009/2010, o que determinou o encharcamento da escavação feita tendo em vista o início dos trabalhos, a autora apenas em Maio de 2010 iniciou a execução da obra, tendo construído os alicerces e elevado as paredes até ao primeiro piso, a cujo nível foi construída a primeira placa, daqui prosseguindo até ao nível do sótão.
No dia 21 de Maio de 2010, encontrando-se os trabalhos na fase de execução da segunda placa, ao nível do sótão, faltando apenas proceder ao enchimento da mesma, os RR dirigiram-se logo pela manhã à obra e, aí chegados, proibiram os trabalhadores da A. de prosseguir com os respectivos trabalhos, tendo-os expulsado do local. Mais comunicaram então aos legais representantes da A. que não queriam que esta prosseguisse com a obra, pretendendo proceder à contratação de uma nova empresa, tendo no entanto impedido a demandante de levar os utensílios que se encontravam na obra.
Por via da descrita actuação dos RR, que consubstancia uma desistência do dono da obra, estão estes obrigados, não só a pagar à A a totalidade dos trabalhos executados, encontrando-se em dívida o valor de € 3 072,00 titulado pela última factura emitida, como a indemnizá-la pelos lucros cessantes, reclamando a este título a quantia de € 20 000,00 correspondente ao proveito que obteria caso lhe tivesse sido permitido concluir a obra, conforme prevê o art.º 1229.º do Código Civil, que expressamente invoca.
Por outro lado, os equipamentos ilicitamente retidos pelos RR na obra têm valor locativo, reclamando a demandante a este título indemnização no valor de € 300,00 mensais.
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Regularmente citados, os RR contestaram, impugnando terem celebrado com a autora contrato de empreitada, defendendo tratar-se antes de um contrato de prestação de serviços, sendo a autora paga “à jorna”, ou seja, por dia de trabalho.
Mais invocaram que os trabalhos executados pela A. apresentavam defeitos, não observando o que se encontrava projectado e aprovado pela Câmara de Tondela, obrigando à presença no local do técnico da obra para corrigir e verificar erros de construção, o que levou a que os RR a mandassem embora, procurando um novo empreiteiro com maior competência. Confirmaram ter a A. deixado a obra por sua ordem, encontrando-se então a cofragem da segunda placa pronta para o enchimento, sendo certo que também aqui teve lugar uma rectificação, uma vez que as cofragens apresentavam desníveis de 4 cm.
A correcção dos identificados erros de execução da responsabilidade da demandante causou prejuízos aos contestantes, pelo que, concluem, de nada são devedores.
Finalmente, alegaram que desde a data em que a A. saiu da obra vêm insistindo com aquela para que remova do local os seus utensílios e equipamentos, cuja permanência no local constitui um verdadeiro estorvo, obrigando a gastos suplementares, tal como ocorreu aquando da abertura do alicerce do muro de delimitação da propriedade, o qual teve que ser aberto à mão, dada a impossibilidade de utilizar uma máquina retroescavadora.
Com os aludidos fundamentos concluem pela sua absolvição.
A A. respondeu, impugnando os factos alegados pelos RR no que respeita aos imputados defeitos, e ainda em relação ao que denominou de “questão da retenção, ou não, dos utensílios utilizados na obra”. Mais informou que na sequência da citação para a acção, mais precisamente a 10 de Setembro de 2010, os RR haviam procedido à entrega dos equipamentos cuja restituição fora pedida.
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Teve lugar audiência preliminar com as finalidades previstas nas alíneas c), d) e e) do n.º 1 e al. a) do nº 2 do artigo 508º do Código de Processo Civil e nela, frustrada a tentativa de conciliação, o Mm.º juiz “a quo”, admitindo embora que na contestação os RR não haviam referido de forma expressa pretenderem invocar a excepção da compensação pelos custos em que teriam incorrido ou iriam incorrer por força dos alegados defeitos de execução, determinou a notificação dos mesmos “para, em 20 dias, concretizarem por um lado os custos da reparação dos defeitos e por outro lados os custos decorrentes das alterações de métodos construtivos ou trabalhos”.
Correspondendo ao convite, vieram os RR alegar que na rectificação dos defeitos que então especificaram e diferença do custo de abertura manual do alicerce para o muro de delimitação, motivado pela presença no local do equipamento deixado pela A., que impediu a utilização de uma retroescavadora, despenderam € 3.425,00, crédito que (só) então declararam oferecer em compensação nos termos do art.º 847.º do CC.
Respondeu a A. e, reconhecendo uma alteração na estratégia de defesa delineada pelos RR, que passaria pela aceitação de que o contrato celebrado seria de qualificar como de empreitada para invocar a sua justificada resolução em face dos defeitos detectados, invocou expressamente a excepção da caducidade, uma vez que tais defeitos não foram, como se impunha, denunciados no prazo de 30 dias contados do descobrimento (cf. art.º 1220.º, n.º 1 do CC).
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Prosseguiram os autos com a prolação de despacho saneador tabelar, tendo sido relegado para final o conhecimento das excepções invocadas, selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, peças que se fixaram sem reclamação das partes.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual o Tribunal proferiu decisão sobre a matéria de facto controvertida, respostas não reclamadas, após o que foi proferida sentença que, na total improcedência da acção, absolveu os RR do pedido.
Inconformada, a A. recorreu da sentença e, tendo produzido pertinentes alegações, rematou-as com as seguintes necessárias conclusões:
“I. Talqualmente resulta da factualidade provada e de acordo, aliás, com o douto entendimento do Mmo. Juiz “a quo”, o contrato celebrado entre Autora e Réus configura um contrato de empreitada.
II. Considerando o desenvolvimento da obra, objeto do contrato de empreitada, os lesados, com a execução defeituosa da obra, se se quisessem ressarcir dos prejuízos daí advientes teriam de, previamente, se submeter ao iter legal que resulta das normas dos artigos 1220º e seguintes do Código Civil, ou seja, teriam de, em primeira linha, e após terem feito a respetiva denúncia dos defeitos, exigir a sua eliminação e, no caso de tal não se possível, exigir nova obra ou mesmo a resolução do contrato se os defeitos tornassem a obra inadequada ao fim a que se destinava, sem prejuízo do direito à indemnização que daí lhes pudesse advir.
III. No caso dos autos não resulta que os Réus tivessem previamente denunciado qualquer defeito da obra à Autora sendo certo que não se submeteram ao referido iter legal da empreitada.
IV. A resolução do contrato talqualmente foi definida pela sentença recorrida só poderia ter assim lugar na sequência do exercício das chamadas “pretensões edilícias” dos artigos 1221º a 1223º do Código Civil e desde que se verificassem os respetivos pressupostos previstos na norma do artigo 1222º deste citado diploma legal.
V. Assim, o ato praticado pelos Réus e configurado nos pontos 10º a 13º da fundamentação de facto da sentença recorrida configura uma clara desistência da empreitada por parte dos donos da obra, e isto porquanto pretenderam então com tal comportamento pôr fim imediato à execução do respetivo contrato, sendo certo que não teriam, nem a lei o impõe, de obedecer a qualquer forma.
VI. Esta desistência é consentida pelo artigo 1229º do Código Civil, do qual decorre a consequente obrigação do dono da obra de indemnizar o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e bem assim do proveito que poderia tirar da obra.
VII. Em face da verificação da desistência da empreitada por parte dos Réus teriam estes de ser condenados a proceder ao pagamento dos gastos e trabalho, e bem assim do proveito que a Autora poderia tirar da obra, tudo nos precisos termos do pedido formulado.
VIII. Sendo certo que caso da matéria de facto não resultassem elementos factuais suficientes para se poder fixar ou quantificar a indemnização devida sempre se impunha ao julgador relegar as partes para o posterior incidente da liquidação nos termos do artigo 609º nº 2 e 358º, ambos do CPC.
IX. No que concerne aos invocados defeitos da obra que o Mmo. Juiz “a quo” deu como provados e que vêm descritos nos pontos 18º a 22º da fundamentação de facto da sentença recorrida, não resulta da respetiva factualidade que tais alegados defeitos possam, de qualquer forma, ser imputáveis à Autora.
X. Sendo certo que a respetiva factualidade constante da conclusão anterior está inclusivamente em clara contradição com a factualidade alegada e dada como provada e constante dos pontos 30º a 32º da fundamentação de facto da sentença.
XI. Os Réus não podem proceder à compensação de qualquer indemnização a que alegadamente tivessem direito pelos defeitos verificados na parte executada da obra, indemnização esta que apenas em sede de resolução do contrato e nos termos dos artigos 1222º e 1223º do Código Civil poderia ser exigida.
XII. Assim, no que concerne à compensação operada na douta sentença recorrida, a mesma é legalmente inadmissível.
XIII. Mas, mesmo que teórica e abstratamente a compensação fosse admissível, a verdade é que, in casu, os créditos ou pelo menos parte dos créditos compensados e descritos no ponto 29º da fundamentação de facto da sentença, não podem resultar da atos ou factos imputados à Autora – ora recorrente – como é o caso do custo da mão de obra decorrente do “trabalho braçal” da abertura de alicerces em virtude da ocupação do espaço por materiais da Autora os quais não foram então levantados por culpa dos Réus como decorre do ponto 13º da fundamentação de facto da sentença recorrida.
XIV. Com a douta sentença recorrida violou assim o Mmo. Juiz “a quo” as normas dos artigos 1220º, 1221º; 1222º, 1223º e 1229º todos do Código Civil.
XV. O fundamento específico da recorribilidade da decisão proferida funda-se assim na errada qualificação jurídica dos factos dados como provados e na consequente errada interpretação e aplicação que, no entendimento da recorrente, o Meritíssimo Juiz a quo fez das normas jurídicas aplicadas.”
Com tais fundamentos pretende a revogação da sentença apelada e sua substituição por acórdão que condene os RR mas que, atenta a falta de alguns elementos que permitam a fixação ou quantificação da indemnização devida, poderá relegar as partes para posterior incidente de liquidação, com o que será feita a devida Justiça.
Contra alegaram os RR, pugnando naturalmente pela manutenção do julgado, concluindo como segue:
“A) O contrato de empreitada celebrado entre A. e RR. não cumprido por única e exclusiva responsabilidade da A.;
B) Os RR. denunciaram previamente os defeitos da obra através do técnico da obra e solicitaram a sua eliminação;
C) Ainda assim, os defeitos não foram eliminados, tendo os RR. que recorrer a novo empreiteiro para proceder à sua rectificação;
D) Os RR. cumpriram com o preceituado nos artigos 1120º e seguintes do Código Civil;
E) A resolução do contrato pelos RR. é legal e feita de acordo com aqueles preceitos legais”.
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Sabido que pelas conclusões se delimita, definitivamente, o objecto do recurso, são questões a decidir:
i. da causa da cessação do contrato;
ii. da indemnização devida à autora.
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Questão prévia
Impunha o artigo 659.º do CPC 1961, que presidiu à elaboração da sentença em 1.ª instância (tendo embora sido prolatada já na vigência do NCPC, a decisão da matéria de facto havia sido proferida em data anterior), que na fundamentação o juiz tomasse em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo tivesse dado como provados, fazendo o exame crítico das provas que lhe cumprisse conhecer. O assim preceituado, aplicável aos acórdãos por força do disposto no n.º 2 do artigo 713.º, surge agora consagrado, sem diferenças de relevo, nos artigos 607.º, n.º 4 e 663.º, n.º 2 do NCPC.
Invocam-se aqui os mencionados dispositivos porquanto, feito o confronto entre os factos assentes e aqueles que resultaram das respostas aos artigos da base instrutória, por um lado, e o elenco consignado na sentença, por outro, constata-se ter sido nesta omitido o facto perguntado em 3.º da BI que, tendo merecido resposta positiva, há-de naturalmente ser considerado na decisão final.
Por outro lado, verifica-se que o facto consignado em 25., reproduzindo o teor do art.º 28.º da base instrutória, não teve em consideração a diferente resposta que lhe foi dada.
Perguntava-se naquele artigo 28.º se “O enchimento da segunda placa foi já efectuado pelo novo empreiteiro, as D..., Lda?”, facto este proveniente do alegado pelos RR no artigo 35.º da contestação. Ao assim perguntado respondeu o Tribunal Provado que a cofragem de onde iria resultar a betonagem teve de ser demolida duas vezes pela autora e depois demolida pelo novo empreiteiro”. Todavia, em sede de sentença final, quiçá reconhecendo o carácter absolutamente excessivo da resposta dada, que nada tem a ver com o perguntado, considerou-se sob o n.º 25 o facto, tal qual constava do dito art.º 28.º da base instrutória, sendo certo que não corresponde à resposta que pelo Tribunal lhe foi dada.
Não obstante o que se deixou referido, e que levaria à desconsideração do aludido facto, tal como ficou a constar da sentença, a verdade é que o mesmo, alegado pelos RR em 35.º da contestação, se encontra assente por acordo. Com efeito, a autora alegou -vide art.º 15.º da petição- que, no referido dia 21 de Maio, data em que, logo pela manhã, foi impedida de prosseguir com os trabalhos, “a obra encontrava-se já na fase da construção da segunda placa, ao nível do sótão, faltando apenas proceder ao enchimento da mesma com betão”. Ora, se assim é, tendo os RR alegado ter sido o enchimento desta segunda placa efectuado pela nova empreiteira, e não se questionando que a placa foi efectivamente cheia, há-de o alegado pelos RR -no sentido do enchimento ter sido feito pela nova empreiteira- ter-se como admitido por acordo das partes. E por assim ser, nada obstava à sua consideração na sentença, tal como nada obsta a que seja considerada neste acórdão, nos termos dos antes invocados artigos 653.º n.º 2 e 713.º, n.º 2 (artigos 607.º, n.º 4 e 663.º, n.º 2 do NCPC).
Já quanto à resposta dada pelo Mm.ª juiz “a quo” ao artigo em causa, nunca a mesma poderia ser levada em consideração, por não se conter minimamente nos limites do perguntado, havendo assim de ter-se por não escrita conforme o disposto no n.º 4 do art.º 646.º do CPC, aplicado extensivamente, dispositivo ainda aqui aplicável, dado que foi proferida decisão nos termos antes previstos no art.º 653.º.
Também a resposta ao art.º 11.º não pode, pelos mesmos motivos, subsistir, para além de, a manter-se, ser contraditória com as respostas dadas aos precedentes artigos 9.º e 10.º. Vejamos:
Provindo do alegado pela autora no art.º 19.º da petição inicial, perguntava-se no referido art.º 11.º da base instrutória:
“Ao mesmo tempo que impediram a A. de continuar com a execução da obra, impediram também esta de levar todos os utensílios que aí tinha, compostos por…”.
Confrontados com tal alegação os RR, na contestação apresentada, impugnaram o artigo em causa, aditando que “Desde a data do abandono da obra pela A. que os RR. vêm insistindo para a retirada de todos os utensílios e equipamento” e “Porém, e apesar dos diversos contactos directos dos RR. ou por interpostas pessoas, a A. nunca se dispôs a retirar o equipamento” (cf. artigos 37.º, 38.º e 39.º). Tal posição, reiteraram-na os demandados no articulado corrigido que apresentaram a convite do Mm.º Juiz, aí tendo afirmado que “Aquele equipamento permaneceu na obra por total e única incúria da A., que nunca se dispôs a proceder à sua remoção, o que acabou por acontecer em Setembro”, “Mas a permanência daquele equipamento por diversas vezes foi estorvo para o andamento dos trabalhos, obrigando os RR. a proceder à sua remoção de local” (cf. artigos 9.º e 10.º).
Não obstante o teor da defesa dos RR, o Mm.º juiz veio a responder ao artigo em causa do seguinte modo “Provado que impediram de deslocar os utensílios enquanto não fossem corrigidos os vícios alegados pelos réus” (é nosso o destaque). Ora, para além de estarmos perante uma resposta que extravasa do teor do perguntado, trata-se ainda e sobretudo de matéria nunca alegada, nada constando da acta quanto à circunstância de ter emergido da decisão da causa e os RR terem declarado pretender prevalecer-se do facto em causa, conforme impunha o artigo 264.º, n.º 3 do CPC). Mais: tal facto contraria a defesa dos RR, vista na sua globalidade, uma vez que muito claramente afirmaram que “Cansados das sucessivas imperfeições, incorrecções e erros técnicos na execução da obra, os RR. foram obrigados a mandar embora a A.”, “Procurando então um novo empreiteiro com maior competência” (cf. artigos 30.º e 31.º da contestação), não tendo alegado em lado algum terem interpelado a autora para proceder à correcção de quaisquer vícios.
Atento o exposto, e dado o preceituado no art.º 646.º do CPC, dá-se ainda por não escrito o aditamento à resposta dada ao artigo 11.º.
Idêntica sanção é também de aplicar à resposta positiva que mereceu o perguntado no art.º 21.º, com o seguinte teor “A autora, na execução da obra, desrespeitou o projecto que se encontrava projectado e aprovado pela Câmara de Tondela?”. Desprezando a redundância, a verdade é que o assim alegado, nada esclarecendo quanto aos aspectos constantes do projecto aprovado que terão sido inobservados pela autora aquando da execução dos trabalhos, contém em si a conclusão -indutora de efeitos jurídicos- que haveria de ser extraída da pertinente factualidade, se alegada e demonstrada. Deste modo, não pode o facto em causa ser, “qua tale”, considerado, impondo-se assim que se dê tal resposta por não escrita, eliminando-se em conformidade o facto 18. da sentença.
De referir ainda que, tendo o Mm.º dado ao art.º 18.º da BI uma resposta restritiva/explicativa, tal resposta não transitou integralmente para o elenco dos factos assentes (cf. o ponto 16. da sentença). Todavia, dada a perfeita irrelevância da alteração -e até do facto em causa- abstemo-nos de lhe introduzir qualquer modificação (consentida nos termos das disposições conjugadas dos convocados artigos 653.º, n.º 2 e 713.º, n.º 2 do CPC em vigor à data da prolação da decisão sobre a matéria de facto).
Mas a decisão proferida sobre a matéria de facto, ainda que não tenha sido alvo de impugnação expressa, merece outros reparos. Vejamos:
Epigrafado de “Modificabilidade da decisão de facto”, o art.º 662.º do NCP (reproduzindo, embora com alterações de algum relevo, quanto antes constava do artigo 712.º, daqui resultando o alargamento, neste âmbito, dos poderes oficiosos do Tribunal da Relação) confere ao Tribunal de 2.ª instância o poder de, mesmo oficiosamente, “Anular a decisão proferida na 1.ª instância quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do n.º anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”. Do assim preceituado resulta, “a contrario”, que quando se verifiquem os apontados fundamentos da anulação mas o Tribunal da Relação tenha ao seu dispor todos os elementos em ordem a permitir a alteração da decisão proferida, não haverá lugar àquela. Tal é a situação dos autos.
Assim, e tal como a apelante não deixa de assinalar nas suas alegações, são contraditórias as respostas dadas pelo Mm.º Juiz aos artigos 31.º e 33.º (esta em parte) da Base instrutória.
Perguntava-se no aludido artigo 31.º (proveniente do art.º 45.º da contestação), “Vendo-se [os RR] obrigados a abrir todo o alicerce do muro com trabalho manual, porquanto aquele mesmo equipamento não permitia que o alicerce fosse aberto com máquina?” O assim perguntado mereceu do Tribunal resposta negativa. Não obstante, perguntando-se no artigo 33.º (este reproduzindo o art.º 10.º do articulado corrigido apresentado pelos RR na sequência do convite formulado pelo Mm.º juiz), para além do mais que dele consta, se “Os trabalhos de correcção de desvios ao projecto e às regras de construção efectuados pela A., bem como a deslocação sucessiva do equipamento, levou a que os RR tivessem que suportar um custo total de € 3 425,00, a saber: -abertura com recurso ao trabalho braçal de alicerces de muro de vedação de propriedade, em virtude de não ser possível a realização do trabalho através da máquina, por ocupação de espaço pelos materiais do anterior empreiteiro, no valor de € 500,00”, respondeu o Tribunal positivamente. Tais respostas, por absolutamente contraditórias, não podem, como é óbvio, subsistir, sendo certo, porém, que a prova produzida, aqui se considerando a prova testemunhal, não permitiu confirmar este específico ponto -isto mesmo, aliás, já resultava da fundamentação da decisão proferida pelo Mm.º juiz “a quo”- donde ter-se como prevalecente a resposta negativa do art.º 30.º, eliminando-se da resposta ao art.º 33.º o aludido segmento.
Por outro lado, tendo respondido positivamente ao art.º 1.º, e dando respostas negativas aos artigos 4.º, 16.º e 17.º, que tinham sido objecto da perícia, o Mm.º juiz fundamentou as respostas dadas pelo seguinte modo: “Quanto ao ponto 1, 2, 16 e 17 da BI, no relatório pericial junto aos autos e nos esclarecimentos dos peritos, que foi unânime, e é subtraído à valoração do tribunal”. Radicando em lapso manifesto a alusão ao artigo 2.º, uma vez que objecto da perícia foi, como se disse, para além do mais, a matéria vertida no artigo 4.º da BI, admitindo-se obviamente que o Sr. Juiz tivesse valorado o relatório pericial e nele fundamentasse as respostas dadas, não pode deixar de se fazer notar que, contrariamente ao que deixou plasmado, a força probatória das respostas dadas pelos senhores peritos é fixada livremente pelo tribunal (cf. art.º 389.º do Código Civil), encontrando-se sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova, não vinculando portanto o juiz. Não poderia assim o Mm.º Juiz “a quo” escusar-se a proceder à apreciação crítica da prova produzida a propósito destes quesitos, tanto mais que o perguntado em 4.º -A remuneração do empreiteiro, a aqui autora, o preço da obra, relativo à mão de obra e utensílios necessários à execução da referida obra foi acordado pelo menos em oitenta mil euros?- nem sequer deveria ter sido objecto da perícia, por se reportar aos termos do acordo celebrado entre as partes, matéria que necessariamente excede o objecto e finalidade da prova pericial (a qual tem por fim, nos termos consagrados no art.º 388.º do Código Civil, a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial). Diferente seria se se perguntasse, o que não era o caso, qual o custo, eventualmente estimado, da mão-de-obra e utilização de equipamento para executar uma obra como a projectada. De todo o modo, não tendo efectivamente a autora logrado fazer prova de haver sido acordado um montante, ainda que mínimo, conforme alegou -nenhuma das testemunhas inquiridas depôs concludentemente a este respeito- é de manter, mas por este outro motivo, a resposta negativa dada ao referenciado artigo 4.º.
Já no que se reporta ao perguntado em 16.º (Os utensílios descritos em 11. têm, no seu conjunto, um valor locativo de, pelo menos, € 300,00 por mês?) e 17.º (A autora perspectivava vir a auferir um efectivo proveito da obra de não menos de € 20,000 pela execução da totalidade da mesma?), não foi arredado pelos Srs. peritos, nem que os equipamentos tivessem um valor locativo, nem que a autora, se tivesse concluído a obra, dela viria a retirar algum proveito, tendo-se limitado a responder não disporem de meios que lhes permitissem confirmar os valores referenciados, designadamente “a margem de lucro da autora”, que assim admitiram existir. Daqui resulta pois que, mesmo fazendo apelo ao relatório pericial unânime apresentado pelos Srs. peritos, as respostas dadas não mereçam confirmação -sendo certo, até, que contrariam as regras da experiência ou presunções judiciárias que ao tribunal não está vedado recorrer, nos termos dos art.ºs 349.º e 351.º do CC-, impondo-se que aos artigos em causa sejam dadas respostas positivas, ainda que restritivas, do seguinte teor:
“Art.º 16.º- Provado apenas que os utensílios descritos em 11. têm valor locativo não apurado.
Art.º 17.º- Provado apenas que a autora perspectivava vir a auferir um proveito da obra de montante não apurado pela execução da totalidade da mesma”.
Por último, tendo respondido negativamente ao perguntado em 15.º, artigo no qual se perguntava se “Esta factura [o artigo reportava-se à factura alegadamente emitida pela autora em 24 de Maio de 2010, no valor de € 3 072,00, perguntada no artigo anterior e que foi respondido negativamente] relativa a mão de obra executada na obra dos RR no referenciado período foi paga?”, veio o Mm.º juiz, inexplicavelmente, a incluir no elenco dos factos assentes o facto contrário, ali tendo consignado que “Esta factura, relativa a mão de obra executada na obra dos RR no referenciado período, não foi paga” (vide facto 15. da sentença, sendo nosso o destaque).
Ora, não só o artigo em causa havia sido formulado em conformidade com o critério legal de repartição do ónus da prova, competindo obviamente aos RR, por se tratar de facto extintivo do direito da autora, demonstrar o pagamento dos trabalhos efectuados no período entre 3 a 21 de Maio de 2010 (aos quais respeitava o artigo 13.º, que mereceu resposta positiva), como ainda, conforme é sabido, a resposta negativa a um facto não autoriza a que se dê como assente o contrário. Deste modo, porque o facto incluído na sentença não resultou comprovado (nem teria que o ser porquanto, como se disse, o que relevava era a prova do facto extintivo pagamento), não poderia ter sido incluído na sentença, atento o teor do sempre citado n.º 3 do art.º 659.º do CPC, assim se determinando a sua eliminação.
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II. Fundamentação
De facto
Atendendo ao decidido supra, são os seguintes os factos a considerar:
1. A autora é uma Sociedade Comercial por quotas, que se dedica a trabalhos de construção civil (al. A).
2. No exercício dessa actividade, foi procurada pelos réus, com vista a efectuar trabalhos de construção de uma moradia, de acordo com o projecto por estes encomendado (al. B).
3. Esta obra, cujo projecto veio a ser aprovado no âmbito do Processo de Obras n.º 126/2008 da Câmara Municipal de Tondela, em Outubro de 2009, tinha uma área de implantação de 206 m2 e uma área de construção de 538 m2 com uma volumetria de 929,60 m2, tendo prevista a construção de varandas com a área de 50,00 m2 e seria edificada no prédio rústico, propriedade dos Réus, sito (...), área desta comarca, inscrita na respectiva matriz sob o artigo 501º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 688 (al. C).
4. A obra edificanda estava projectada com três pisos, respectivamente cave, rés-do-chão e sótão, sendo os dois últimos destinados a habitação (al. E).
5. A estimativa do custo total da obra, de acordo com o referenciado projecto, era de €151.300,00 (cento e cinquenta e um mil e trezentos euros) (resposta ao art.º 1.º).
6. Foi convencionado entre Autora e Réus no referenciado contrato de empreitada, que não foi reduzido a escrito, que aquela se obrigava apenas a fornecer a mão-de-obra e os utensílios necessários à execução da obra (resposta ao art.º 2.º).
7. Ficando a cargo dos RR o fornecimento de todos os materiais necessários (resposta ao art.º 3.º).
8. A autora seria paga pelos dias de trabalho que efectivamente os trabalhadores prestassem na obra, periodicamente, de 15 em 15 dias, mediante a apresentação dos mapas de trabalho de cada um dos trabalhadores (resposta ao art.º 5.º).
9. A autora apenas em Março de 2010 pôde efectivamente dar início à construção da obra, em virtude das condições climatéricas desde Outubro, que encharcaram os solos e as escavações (resposta ao art.º 7.º).
10. A autora iniciou a obra construindo os respectivos alicerces, elevando as respectivas paredes e pilares até ao primeiro piso, a cujo nível foi construída a primeira placa, daqui prosseguindo a obra até ao nível do sótão (al. D).
11. No dia 21 de Maio de 2010 a obra encontrava-se já na fase da construção da segunda placa, ao nível do sótão, encontrando-se a autora a colocar vigotas de cimento e abobadilhas (resposta ao art.º 8.º).
12. Os Réus nesse dia dirigiram-se à obra e, aí chegados, proibiram os trabalhadores da Ré de prosseguir com os respectivos trabalhos (resposta ao art.º 9.º).
13. De forma expressa, referiram aos legais representantes da Autora que não queriam que esta continuasse com a obra (resposta ao art.º 10.º).
14. Ao mesmo tempo que impediram a Autora de continuar com a execução da obra, impediram também esta de levar todos os utensílios que aí tinha, compostos por: 77 metros de vigas da Doka; 170 prumos metálicos; 90 serrajuntas; 80 barrotes; 8 castanhetas de apertar, marca capriola; Guilhotina de cortar ferro; 2 pés; 16 chapas de 0,50 por 2,50 metros para montagem de pilares; 1 falhão de madeira de andaimes de 4 m por 2,80 metros; 3 tubos quadrados de 40x40 centímetros com 3 metros de comprimento; 1 tubo de 30x30 centímetros com 3 metros de comprimento; 1 chave de torcer/virar ferro (resposta ao art.º 11.º).
15. O último período de trabalho executado e facturado aos Réus foi o compreendido entre o dia 3 e o dia 21 de Maio de 2010 (resposta ao art.º 13.º).
16. No início da obra a autora contratou um trabalhador com a categoria de servente (resposta ao art.º 18.º).
17. Na sequência da desistência da empreitada por parte dos Réus, tal trabalhador foi transferido para outras obras que a Autora tinha em execução (resposta ao art.º 19.º).
18. Os utensílios descritos em 14. têm valor locativo não apurado (resposta ao art.º 16.º).
19. A autora perspectivava vir a auferir um proveito da obra de montante não apurado pela execução da totalidade da mesma (resposta ao art.º 17.º).
20. Por várias vezes o técnico da obra foi chamado ao local para corrigir e verificar erros de construção (resposta ao art.º 22.º).
21. As vigas das varandas foram executadas com altura a mais relativamente ao projecto de betão (resposta ao art.º 23.º).
22. A parede do alçado principal do rés-do-chão, com dois vãos de janela e um de entrada (trata-se efectivamente de um vão de entrada ou porta, como resulta claro, desde logo do relatório junto pelos RR com a contestação, e não de escada, lapso que consta do artigo 26.º desta peça, daí tendo transitado incólume para o artigo 24.º da BI e daqui para a sentença) executados pela autora não cumpriam as medições do projecto (resposta ao art.º 24.º).
23. Durante a execução da obra foram detectadas armaduras das vigas centrais e das cintas das paredes exteriores que não cruzavam com os pilares (resposta ao art.º 25.º).
24. Os RR., já com o novo empreiteiro, viram-se obrigados a rectificar todas as medidas da cofragem, que apresentavam desníveis de 4 cm (resposta ao art.º 26.º).
25. As escadas interiores de acesso ao sótão foram demolidas e construídas de novo pelo actual empreiteiro, por as mesmas não se encontrarem executadas de acordo com o projecto (resposta ao art.º 27.º).
26. O enchimento da segunda placa foi já efectuado pelo novo empreiteiro, as “ D..., Ldª. (assente por acordo das partes).
27. Os RR., duas semanas após terem impedido a autora de continuar com a obra, solicitaram a esta que removesse do local da obra todos os utensílios e equipamento referidos em 13 da mesma (resposta ao art.º 29.º).
28. Sempre que os RR. pretendiam executar determinados trabalhos no exterior da obra, viam-se obrigados a deslocar todo aquele equipamento, nomeadamente para a construção de um muro de vedação (resposta ao art.º 30.º).
29. O equipamento descrito em 14. nunca foi utilizado pelo novo empreiteiro (resposta ao art.º 32.º).
30. Os trabalhos de correcção de correcção de desvio ao projecto e às regras de construção efectuados pela A., bem como a deslocação sucessiva de equipamento, levou a que os RR tivessem que suportar os seguintes dispêndios:
- Rectificação de níveis de laje que estavam 5/6 cm desnivelados, reparação da cofragem e levantamento do vigamento pré-esforçado e recolocação do mesmo: Custo de mão-de-obra: 4 dias de trabalho € 2.000,00;
- Demolição e reconstrução de escada interior: Custo de mão-de-obra: 2 dias de trabalho € 500,00;
- Rectificação de portais e janelas desenquadrados do projecto: Custo de mão-de-obra: um dia de trabalho € 125,00;
- Madeira que foi inutilizada devido a todos estes trabalhos de correcção de erros, no valor de € 200,00;
- Deslocação, por diversas vezes, de equipamento do anterior proprietário e que impedia sucessivamente a realização de trabalhos: € 100,00 (resposta ao art.º 33.º).
31. À data em que a Autora deixou de executar a obra os Réus, haviam encomendado os pilares de granito prefabricados referenciados no ponto a) do relatório pericial, sobre os quais terão assentado as vigas das varandas (resposta ao art.º 34.º).
32. As armaduras (estrutura de ferro entrelaçado que integra as vigas e os pilares) foram previamente adquiridas pelos Réus, vindo as mesmas já previamente dimensionadas (resposta ao art.º 35.º).
33. À data em que a Autora deixou de executar a obra, o vão de porta aberta pela Autora não tinha ainda ombreiras construídas (resposta ao art.º 36.º).
34. As demolições e rectificações de erros eram necessárias por afectarem, em alguns aspectos, a funcionalidade/estabilidade da obra (resposta ao art.º 37.º).
35. A construção da casa dos réus encontra-se, após a saída a Autora, a ser efectuada pela “ D... Lda.”, com sede em Molelos (al. F).
36. No dia 10 de Setembro de 2010, a A. levantou o equipamento referido em 14. (al. G).
   *
De direito
Da cessação do contrato
Revelam os autos que, no desenvolvimento da actividade de construção civil a que se dedica, a autora celebrou com os RR acordo verbal, nos termos do qual se obrigou à construção de uma moradia, de acordo com o projecto por estes encomendado e que veio a ser aprovado pela CM de Tondela (cf. factos 1. a 3.).
Nos termos contratualmente estabelecidos, à autora competia apenas a fornecer a mão-de-obra e os utensílios necessários à execução da obra, ficando a cargo dos RR o fornecimento de todos os materiais necessários, sendo a autora paga quinzenalmente pelos dias de trabalho que efectivamente os trabalhadores prestassem na obra (cf. factos 6, 7. e 8.)
À luz da factualidade assim apurada, o contrato celebrado é de qualificar como de empreitada, que é ainda uma modalidade de prestação de serviços, qualificação jurídica na qual as partes parecem (agora) não dissentir. Com efeito, a ré obrigou-se a proporcionar aos RR um certo resultado do seu trabalho, tendo como contrapartida um determinado preço, elemento não descaracterizado pela circunstância de ser pago quinzenalmente e por referência aos dias de trabalho em obra.
De harmonia com o disposto no art. 1207º do Cód. Civil (diploma a que pertencerão as demais disposições citadas, sem menção da sua origem), contrato de empreitada é aquele pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.
Conforme sublinha Pedro Romano Martinez, a empreitada caracteriza-se por ser “um contrato sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual. É um contrato sinalagmático na medida em que dele emergem obrigações recíprocas e interdependentes; a obrigação de realizar uma obra tem, como contrapartida, o dever de pagar o preço. Por outro lado, o contrato apresenta-se como oneroso, porque o esforço económico é suportado pelas duas partes e há vantagens correlativas para ambas; de entre os contratos onerosos, classifica-se como sendo comutativo (por oposição a aleatório), na medida em que as vantagens patrimoniais dele emergentes são conhecidas das partes no momento do ajuste. Por último, trata-se de um contrato consensual, pois não tendo sido estabelecida nenhuma norma cominadora de forma especial para a sua celebração, a validade das declarações depende do mero consenso (art. 219º)”[1].
De harmonia com o disposto nos art.ºs 406.º e 762.º, n.º 2, os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e no cumprimento das obrigações, bem como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.
A autora veio a juízo peticionar a condenação dos RR no pagamento de trabalhos prestados e não pagos e indemnização pelo proveito que retiraria da obra, fundamentando a sua pretensão no facto dos demandados, donos da obra, dela terem desistido.
Os RR, por seu turno, pretendem ter resolvido licitamente o contrato face à prestação defeituosa da autora, mais invocando, numa nova modelação da defesa inicialmente apresentada, a excepção da compensação, intentando compensar eventual crédito da empreiteira com o contra crédito proveniente dos gastos efectuados com a necessária correcção dos erros de execução da responsabilidade desta.
Assim sumariamente enunciadas as posições assumidas pelas partes, aceitando autora e RR que o contrato cessou, cumpre indagar da causa da cessação: desistência, conforme defende a autora ou resolução, conforme pretendem os RR?
Nos termos do disposto no art.º 1208.º, o empreiteiro tem o dever de “executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato”.
À luz do assim estipulado, é possível distinguir quatro distintas situações de perturbação da prestação, integrando todas elas o conceito de cumprimento defeituoso, também uma modalidade de incumprimento, a saber: desconformidade da obra em relação ao convencionado; vícios que excluam ou reduzam o valor da obra, vícios que excluam ou reduzam a aptidão da obra para o seu uso ordinário; vícios que excluam ou reduzam o valor da obra para o uso previsto no contrato.
A propósito, consignou-se na sentença apelada “Não existem dúvidas dos factos provados que a autora, por via do seu gerente e trabalhadores cometeram erros de execução da obra, desde medições sistemáticas, a colocação e amarração das armaduras, que afectam, decisivamente a estabilidade da construção.
Como resultou provado tais foram as condições que determinaram a resolução do contrato promovido pelo dono de obra, ou seja há um cumprimento defeituoso da obra.
Os erros provados poderiam conduzir à resolução unilateral do contrato? Importa cotejar os artigos 432º, 433º e 762º e seguintes do Código Civil, dos quais resulta que o cumprimento defeituosos é equivalente ao incumprimento, sendo que dos autos é patente que, relativamente a vários aspectos, a autora se encontra a prestar de forma incorrecta (execução sem observar o projecto e regras de construção) e que, atendendo à proximidade, gravidade e sendo os mesmos caso fosse concluída a moradia, irreparáveis sem que se demolisse a mesma, ter-se-á que concluir que há fundamentos legais para a resolução do contrato”.
Tais considerandos, não os subscrevemos por duas ordens de razão essenciais: porque se afigura que a factualidade apurada não suporta a conclusão; e porque a resolução, no regime jurídico da empreitada, tem um recorte mais exigente.
Com relevo, apurou-se nos autos que por várias vezes o técnico da obra foi chamado ao local para corrigir e verificar erros de construção; as vigas das varandas foram executadas com altura a mais relativamente ao projecto de betão; a parede do alçado principal do rés-do-chão, com dois vãos de janela e um de entrada, executados pela autora, não cumpriam as medições do projecto; e ainda que durante a execução da obra foram detectadas armaduras das vigas centrais e das cintas das paredes exteriores que não cruzavam com os pilares (pontos 20. a 23. dos factos assentes). Mais se apurou que o novo empreiteiro se viu obrigado a rectificar todas as medidas da cofragem, que apresentavam desníveis de 4 cm, as escadas interiores de acesso ao sótão foram demolidas e construídas de novo, por não se encontrarem executadas de acordo com o projecto (sem que se diga, todavia, qual era o desvio em relação ao projectado) (cf. factos 24. e 25.) e, finalmente, que as demolições e rectificações de erros eram necessárias por afectarem, em alguns aspectos, a funcionalidade/estabilidade da obra (facto 34.)
Por outro lado, ficou demonstrado que as armaduras (estrutura de ferro entrelaçado que integra as vigas e os pilares) foram previamente adquiridas pelos Réus, vindo as mesmas já previamente dimensionadas (facto 32); à data em que a autora saiu da obra, já os RR haviam encomendado os pilares de granito prefabricados referenciados no ponto a) do relatório pericial, sobre os quais terão assentado as vigas das varandas; com referência à mesma data o vão da porta não tinha ainda ombreiras construídas (factos 31. e 33.)
Na apreciação conjugada de tais factos, tal como a apelante não deixa de chamar a atenção, é necessário ter presente que à autora competia aplicar os materiais adquiridos pelos RR, tal como se encontrava contratualmente estipulado, sem que estes tenham demonstrado (o facto nem sequer foi alegado) que a aquisição fosse precedida de instruções da demandante. Assim sendo, resultando do relatório para que remete o facto 31., junto pelos RR com a contestação, que as vigas das varandas foram executadas com altura a mais em relação ao projectado porque os pilares de granito pré-esforçados onde as mesmas assentavam tinham sido adquiridos com menos 10 cm do que o necessário, pilares estes adquiridos pelos RR, afigura-se que o defeito não é de imputar à empreitada, assim resultando, neste aspecto, ilidida a presunção de culpa que a onera.
Por outro lado, e no que respeita às armaduras que, efectivamente, por serem curtas, não cruzavam os pilares onde era suposto assentarem, trata-se igualmente de elementos que, conforme apurado, haviam sido previamente adquiridos pelos RR, vindo já dimensionados. Valendo aqui quanto se deixou referido quanto à falta de alegação e prova de que tivesse sido a autora a fornecer as medidas de tais elementos, cumpre no entanto observar que, tratando-se de elementos estruturais, não deveria aquela ter procedido à sua aplicação, por violadora das regras de arte, donde subsistir aqui a presunção de culpa (n.º 1 do art.º 799.º). De todo o modo, trata-se, sem dúvida, de deficiência susceptível de reparação tal como, de resto, surge evidenciado no mesmo documento junto pelos próprios RR.
Quanto às escadas e assimetria dos vãos, constituem também defeitos susceptíveis de correcção, conforme veio a ocorrer, sendo certo ainda que, conforme ficou demonstrado, aquando da saída da autora da obra, o vão da porta não tinha ombreiras, sendo de fácil solução a reposição das medidas constantes do projecto aprovado.
Sendo estes os factos, e sem pôr em causa a gravidade de alguns dos defeitos, posto ter ficado consignado que afectavam a estabilidade/funcionalidade da obra (embora não se discriminem uns e outros), presumindo-se ainda a culpa da autora empreiteita, tal não é, no entanto, suficiente para fundamentar a resolução do contrato, como procuraremos demonstrar.
Verificado o cumprimento defeituoso, exige o art.º 1220.º que os defeitos sejam denunciados ao empreiteiro, sob pena de caducidade dos direitos conferidos nos artigos seguintes. Sendo deste modo a denúncia facto constitutivo do direito do dono da obra, sobre este recai o respectivo ónus de alegação e prova (cf. art.º 342.º, n.º 1).
Denunciados os defeitos, o primeiro direito do dono da obra é o de obter a respectiva eliminação pelo empreiteiro, e só no caso deste se recusar a proceder à respectiva reparação e após ter sido condenado na prestação, poderá o dono da obra reclamar, em sede de execução, a reparação por terceiro à custa  daquele.[2]
Se os defeitos não puderem ser eliminados, o dono da obra tem a faculdade de exigir nova construção (art.º 1222.º, n.º 1), direito que aparece assim como subsidiário em relação à eliminação dos defeitos, não constituindo portando uma alternativa à disposição daquele, surgindo antes como uma consequência da impossibilidade de correcção; não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, tem o dono o direito de exigir a redução do preço; derradeiramente, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que esta se destina, tem o dono da obra direito à resolução do contrato, tudo sem prejuízo do direito à indemnização pelos danos excedentes, conforme consagrado no art.º 1223.º.
Face ao quadro legal assim desenhado, e analisada a factualidade apurada, logo se assinala uma ausência de vulto: não consta do elenco dos factos assentes terem os RR comunicado à autora a existência de qualquer um dos defeitos a cuja posterior rectificação procedeu a nova empreiteira por aqueles contratada, tendo em vista obter da primeira a respectiva eliminação (possível, como vimos). Com efeito, tendo-se apurado que “por várias vezes o técnico da obra foi chamado ao local para corrigir e verificar erros de construção”, tal é manifestamente insuficiente para que se conclua tratar-se daqueles defeitos em concreto, em cuja existência pretendem os RR fundamentar o seu direito à resolução[3]. Não fizeram portanto os RR a prova de que denunciaram os defeitos e interpelaram a autora para proceder à respectiva eliminação.
Por outro lado, estatui o n.º 1 do art.º 808º que “Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação” (destaque nosso).
Conforme explicita o Prof. A Varela, in RLJ, 128, pág. 137, “o prazo cuja fixação é facultada ao credor funciona como um segundo prazo ou um prazo suplementar, mas resulta da imposição da lei (...) que a ordena, aliás, não para satisfazer apenas o interesse do credor em esclarecer a situação e se poder libertar definitivamente, se quiser, de um contrato inconveniente, mas para conceder também ao devedor em mora uma derradeira chance de cumprir a obrigação a seu cargo e de manter o credor ainda vinculado ao contrato que lhe interesse conservar.
(…) A interpelação admonitória não surge neste art. 808 como um simples pressuposto da resolução do contrato (...) mas antes uma ponte obrigatória de passagem da tal ocorrência transitória da mora para o cumprimento da obrigação ou para a situação mais firme e mais esclarecedora do não-cumprimento (definitivo) da obrigação”.
Deste modo, demonstrada embora a existência de defeitos susceptíveis de reparação, e mesmo admitindo a subsistência da presunção de culpa que onera o empreiteiro (art.º 799.º, n.º 1), a resolução do contrato importaria a prévia conversão da mora, no que respeita à obrigação de eliminação dos defeitos, em incumprimento definitivo ou, em alternativa, a perda do interesse do credor na prestação, a apreciar objectivamente. Sucede que sem interpelação não há constituição em mora, e no caso que nos ocupa os RR não lograram provar terem interpelado a autora para proceder à eliminação dos defeitos apurados.
Por outro lado, quando se considere a perda de interesse na prestação, sendo ainda uma consequência da mora, e podendo embora conceber-se que o credor possa perder o interesse na prestação daquele concreto credor, impondo a lei que tal perda seja objectivamente apreciada, ou seja, apelando ao critério do homem médio, a factualidade apurada apresenta-se como manifestamente insuficiente para sancionar tal juízo. Com efeito, não resulta evidenciado que a autora não fosse capaz de eliminar os defeitos em causa, caso tivessem sido denunciados e solicitada a respectiva eliminação, nem o argumento invocado pelo Mm.º juiz no sentido de que “caso fosse concluída a moradia, seriam irreparáveis sem que se demolisse a mesma”, para concluir pela existência de fundamento resolutivo, nos parece pertinente. Com efeito, com a denúncia atempada dos defeitos o que se pretende é que sejam eliminados, e não que se conclua a obra para se pedir então a sua demolição.

Deste modo, e em remate, mau grado a existência de defeitos e a culpa da autora empreiteira, não tendo os mesmos sido denunciados nem conferida àquela a possibilidade de proceder à respectiva eliminação, não assiste aos RR o direito a resolverem o contrato com tal fundamento (assim resultando prejudicada a apreciação da excepção da caducidade invocada pela apelante nos termos da 1.º parte do n.º 2 do art.º 608.º do CPC, aplicável ex vi do n.º 2 do art.º 663.º do mesmo diploma legal).

Arredada pois a resolução por banda dos RR donos da obra como causa extintiva do contrato, e sendo incontornável que não quiseram que a autora prosseguisse com os trabalhos (cf. factos 11. e 12.), estamos efectivamente perante a desistência prevista no art.º 1229.º.
   *
do direito da autora ao pagamento do trabalho prestado e indemnização pelo proveito perdido
Particular causa de extinção do contrato de empreitada, reservada apenas ao dono da obra, a desistência da empreitada é uma faculdade que a lei coloca no arbítrio daquele, sendo de exercício livre, permitindo-lhe desvincular-se unilateralmente sem motivo ou sem a revelação do mesmo[4]. Nestes casos, a extinção da relação contratual relaciona-se com a liberdade de desvinculação, para tutela dos interesses de um dos contraentes que, por motivos que está dispensado de revelar, perdeu interesse na execução do contrato ajustado. Apesar da licitude da conduta, o dono da obra fica obrigado a indemnizar o empreiteiro pelo interesse contratual positivo, ou seja, pelo lucro que lhe traria a cabal execução do contrato.
A este título reclamou a autora o montante de € 20 000,00. Todavia, não se tendo apurado o quantum, terá que se remeter para posterior incidente de liquidação o respectivo apuramento, conforme prevê o artigo 609.º, n.º 2 do CPC.
Não obstante a extinção do contrato operada por esta via, não tendo a cessação, por via de regra, eficácia retroactiva, não afecta as prestações vencidas anteriormente, que continuam a ser devidas, subsistindo as obrigações que resultam do cumprimento ou incumprimento antecedentes. Daí que os RR sejam devedores do custo dos trabalhos discriminados em 15. cujo montante, por não se ter apurado, se remete igualmente para posterior liquidação, ao abrigo da supra citada disposição legal.
A autora reclama ainda indemnização pela privação dos equipamentos indevidamente retidos pelos RR.
A este propósito tendo-se efectivamente apurado que os RR, tendo impedido a A. de prosseguir com os trabalhos, a impediram igualmente de retirar da obra os materiais e equipamentos que lhe pertenciam, interdição a todos os títulos injustificada e manifestamente ilícita, privando-a de tais bens por duas semanas, a verdade é que não resultou demonstrado que a demandante tenha sofrido, por via desta privação, um efectivo prejuízo que cumpra indemnizar, sendo manifestamente insuficiente para tanto o apelo ao valor locativo dos bens, uma vez que não fez prova de ser essa a destinação que lhe dava, ou sequer que teve necessidade de os usar. Deste modo, e quanto a este segmento do pedido, terá ele que improceder.
O Mm.º juiz “a quo”, tendo reconhecido um crédito dos RR sobre a autora no montante de € 3425,00 fez operar a compensação, tendo extinguido por esta via o crédito da autora relativo aos dias de trabalho não pagos (sem que, no entanto, tenha apurado o montante deste último).
Quanto a este aspecto, como se deixou já referido, encontrando-se embora a autora obrigada a executar a obra sem vícios, competindo-lhe proceder à eliminação dos que lhe tivessem sido tempestivamente denunciados, já não lhe cabe reembolsar os RR do dispêndio que hajam suportado por terem incumbido terceiro da execução de tais trabalhos. Conforme vem sendo uniformemente entendido, constituindo a reparação dos defeitos pelo empreiteiro a solução legal consagrada para os defeitos da obra, “não poderá o dono da obra proceder previamente à eliminação do defeito por iniciativa própria ou com recurso a terceiros a qual, se for realizada, implica a perda do direito ao ressarcimento das despesas com a eliminação do defeito”.[5]
Por assim ser, das despesas suportadas pelos RR e discriminadas em 28. apenas os € 100,00 relativos à deslocação, por diversas vezes, do equipamento da autora, poderiam ser reconhecidos como crédito daqueles sobre a autora. Todavia, para tanto era necessário que aqueles tivessem feito prova de que estas movimentações ocorreram para lá do aludido período de duas semanas em que a permanência dos bens da demandante se ficou a dever a conduta dos próprios. Não o tendo feito, o incumprimento do ónus importa que a decisão lhes seja desfavorável.
    *
III. Decisão
Em face a todo o exposto, e na procedência do recurso, acordam os juízes da 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação em revogar a sentença recorrida, condenando os RR B... e marido, C..., a pagarem à autora A..., Lda, as quantias que se vierem a liquidar em posterior incidente corresponderem ao trabalho por esta executado no período de 3 a 21 de Maio de 2010, até ao montante de € 3 072,00 (três mil e setenta e dois euros), e proveito que retiraria da obra até à sua conclusão, até ao montante de € 20 000,00 (vinte mil euros), absolvendo-os quanto ao mais.
Custas nesta e na primeira instância provisoriamente a cargo de A. e RR em partes iguais, procedendo-se a rateio após a liquidação.
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Sumário
i. Denunciados os defeitos, o primeiro direito do dono da obra é o de obter a respectiva eliminação pelo empreiteiro (art.º 1221.º, n.º 1 do CC).
ii. Demonstrada a existência de defeitos susceptíveis de reparação e subsistente a presunção de culpa que onera o empreiteiro (art.º 799.º, n.º 1), a resolução do contrato importa ainda a prévia conversão da mora, no que respeita à obrigação de eliminação dos defeitos, em incumprimento definitivo ou, em alternativa, a perda do interesse do credor na prestação, a apreciar objectivamente (art.º 808.º).
iii. É lícita a desistência da empreitada pelo dono da obra, que fica todavia obrigado a indemnizar o empreiteiro nos termos prescritos pelo art.º 1229.º daquele diploma legal.
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Maria Domingas Simões (Relatora)
Nunes Ribeiro
Hélder Almeida


[1] Pedro Romano Martinez, “Contrato de Empreitada”, Coimbra, 1994, págs. 66 e 67.
[2] Cf. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. III, “Contratos em especial”, 4.ª ed., Almedina, pág. 547.  Em nosso entender, deverão ser exceptuadas deste regime as reparações urgentes.
[3] Tal omissão foi (tardiamente) notada pelos apelados que, em sede de recurso, se afadigaram a alegar -alegação tardia e sem reflexo na factualidade apurada- que Por diversas vezes, a A. foi convidada, por aquele técnico da obra, a corrigir os erros, o que nunca aconteceu; Por conseguinte, os defeitos tornavam a obra inadequada ao fim pretendido, vendo-se os RR. na obrigação de solicitar a sua rectificação, o que nunca foi feito; Decorria o tempo, os defeitos persistiam e nunca foram eliminados, vendo-se os donos da obra obrigados resolver o contrato, por incumprimento da A. o que aconteceu em 21 de Maio de 2010, quando os RR. se deslocaram à obra e impediram os trabalhadores da A. de continuarem com os respectivos trabalhos”, concluindo não restarem dúvidas “que os RR. percorreram o caminho imposto pelos artigos 1221º e 1222º do Código Civil”. Tal factualidade que, a ter sido oportunamente alegada e demonstrada, seria concerteza relevante, não assume, nesta sede, qualquer pertinência.
[4] Cf. Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, vol. III, 4.º ed., pág. 561.

[5] Menezes Leitão, ob. cit., pág. 548, defendendo ainda que no caso do empreiteiro se recusar a reparar o defeito deve o dono da obra obter a condenação dele nessa prestação, podendo depois, em sede de execução, fazer cumpri-la por terceiro à custa daquele. No mesmo sentido do texto sentido Ac. STJ de 13/10/2009, processo n.º 08 A 4106, disponível em www.dgsi.pt de que se destaca o seguinte ponto do sumário “IV - Os direitos conferidos ao dono da obra pelos arts. 1221.º e 1222.º do CC não podem ser exercidos arbitrariamente, nem existe entre eles uma relação de alternatividade; existe, sim, uma sequência de prioridades que o dono da obra terá de respeitar.