Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1093/19.2T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: RECURSO
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
ÓNUS DE ESPECIFICAÇÃO
REJEIÇÃO DO RECURSO
ACÇÃO DE DESPEJO
COMPROPRIEDADE
LEGITIMIDADE ACTIVA
LITISCONSÓRCIO VOLUNTÁRIO
CONFISSÃO
DÍVIDA EM PRESTAÇÕES
VENCIMENTO
INTERPELAÇÃO
Data do Acordão: 09/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - C.BRANCO - JC CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.32, 33, 607, 610, 640 CPC, 353, 781, 804, 985, 1038, 1405 CC
Sumário: 1.- O que se impugna, quando se ataca a decisão da matéria de facto proferida pelo julgador, como decorre do art. 640º, epígrafe e seu nº 1, do NCPC, são factos, constantes da decisão sobre tal matéria, e não as questões que a julgadora elencou, em observância ao que a lei comanda no art. 607º, nº 2, do NCPC, e que a sentença terá que solucionar;

2.- Se a recorrente defende existir contradição entre a factualidade apurada e a fundamentação jurídica e respectiva decisão proferida, então estaremos perante um erro no julgamento de direito – má aplicação do direito aos factos apurados -, mas jamais perante um vício da decisão da matéria de facto;

3. - Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, designadamente os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas que tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda;

4.- A omissão desse ónus, imposto no referido artigo, implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto, não se satisfazendo o mesmo com a menção que a declaração de parte está gravada no sistema digital, ou com a indicação do início aos … e termo aos … (sendo que no caso nem existe transcrição de tais declarações);

5.- Sobre este último ónus, o texto da lei e a sua interpretação histórico-actualista, repudiam interpretações facilitistas, que no fundo degeneram em violação: do princípio da igualdade das partes - ao não tratar diferentemente o cumprimento ostensivamente defeituoso da lei adjectiva, pois se há partes que podem cumprir esse ónus e o cumprem, porque razão se haveria de dar igual tratamento a quem não o faz ! -; do princípio do contraditório - por impor à parte contrária um esforço excessivo e não previsto na tarefa de defesa, imputável ao transgressor -; e do princípio da colaboração com o tribunal - por razões análogas, mas reportadas ao julgador;

6.- Sendo de rejeitar, também, interpretações complacentes, que se contentam com a indicação do depoimento e identificação de quem o prestou, sem obrigatoriedade de transcrição; com a fixação electrónica/digital do início e fim dos depoimentos e a transcrição dos excertos relevantes; já que a não ser assim há excesso de formalismo que a dogmática processual rejeita; a não ser assim não se respeita o princípio da proporcionalidade.

7.- Na verdade, a 1ª interpretação faz tábua rasa do texto legal, relevando dois elementos que a lei não enumerou e “apagando” a passagem nuclear do texto legal “indicação com exactidão das passagens da gravação”; a 2ª interpretação, obnubila também tal trecho legal, pois que apenas releva o fim e início da gravação, acabando por não observar o cumprimento do verdadeiro requisito legal, e por outro lado, passa a requisito de cumprimento obrigatório um elemento – a transcrição dos excertos relevantes – que a lei expressamente vê como facultativo; a 3ª interpretação, não contém objecção de relevo pois a exigência de formalismo nada tem de extraordinário, como o tribunal constitucional já sinalizou; e na 4ª interpretação não se divisa ofensa da exigência de proporcionalidade, pois que, na sua tridimensionalidade de onerosidade, dificuldade e gravidade das consequências, o cumprimento rigoroso da lei, quanto ao indicado requisito de impugnação da matéria de facto, não é oneroso e é de fácil execução, não sendo anómala, no seu incumprimento, a respectiva rejeição do recurso;

8.- Como decorre dos arts. 1405º, nº1, e 985º, nº 1, do CC, a acção de despejo, na falta de convenção em contrário, pode ser proposta por qualquer um dos comproprietários; o que quer dizer que estamos perante uma situação de litisconsórcio voluntário e não perante um litisconsórcio necessário legal (vide arts. 32º e 33º, nº 1, “a contrario” do NCPC);

9.- Se um dos senhorios/comproprietários/AA confessa um facto desfavorável aos mesmos, nos termos do art. 353º, nº 2, do CC, tal confissão, de litisconsorte voluntário, embora eficaz, e com força probatória plena, restringe-se ao seu interesse, não abarcando e não valendo contra os restantes;

10.- Tendo as partes convencionado que a falta de pagamento de uma prestação implica o vencimento da totalidade da dívida, o vencimento imediato das prestações constitui um benefício que a lei concede (no art. 781º do CC), mas não decreta, ao credor, pelo que o credor deve interpelar o devedor para cumprir toda a obrigação;

11.- Dá-se a interpelação judicial, por parte do credor ao devedor, para pagamento da dívida total, com a citação da R. na acção, considerando-se a partir daí vencida, e podendo, assim, ser exigida à R./devedora (art. 610º, nº 1, b), do NCPC).

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. A (…), A (…) , , residentes na (...) , J (…), residente em (...) , M (…), N (…), , M (…) e M (…) ,residentes na (...) , instauraram acção declarativa contra E (…), Unipessoal, Lda, com sede na (...) , pedindo que se declare resolvido o contrato de arrendamento que vigora entre os autores e a ré, que a ré seja condenada a entregar o locado livre e devoluto de pessoas e bens, assim como a pagar a quantia de 24.007,59 €, a que devem acrescer as rendas vincendas e os juros de mora devidos.

Alegaram, em síntese, ter celebrado um contrato de arrendamento, para fim não habitacional, com a sociedade B (…), Lda. Esta transmitiu a sua posição de arrendatário à ré. Sucede que a ré não só não efectuou o pagamento integral da quantia devida por aquela sociedade, a que se tinha obrigado, como omitiu o pagamento das rendas vencidas nos meses de Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 2019. Assim, deve a ré ser condenada no pagamento dos montantes por si devidos, bem como no despejo do imóvel, face ao disposto no artigo 1083º, nº 3, do Código Civil.

A ré contestou, invocando, em suma, a excepção dilatória de litispendência, erro na forma do processo, que a omissão do pagamento da quantia devida, atrás aludida, não fundamenta a resolução do contrato de arrendamento, já que na altura não era arrendatária, e para o caso de assim não se entender, invoca a caducidade, por ter sido ultrapassado o prazo de três meses a que se reporta o art. 1085º do CC. Quanto às rendas referentes aos meses de Março a Julho de 2019 referiu ter procedido ao pagamento em singelo das mesmas ainda em data anterior à citação para a presente acção, sendo certo que, ao emitirem os correspondentes recibos, os autores renunciaram tacitamente à indemnização moratória prevista no art. 1041º, nº 1, do CC. Ainda assim, à cautela, na mesma data, pagou aos autores a referida indemnização, correspondente a 20% do valor das rendas que se encontravam em atraso. Em consequência, o direito dos autores à resolução do contrato de arrendamento caducou, por força do disposto no art. 1048º do CC. Por último, impugnou parte dos factos alegados pelos autores.

Foi apresentada desistência do pedido por parte do autor M (…). Foi proferido despacho, nos termos do qual se julgou improcedente a excepção de litispendência e se considerou não ter ocorrido qualquer erro na forma do processo. Os autores requereram a ampliação do pedido, de forma a que seja apreciado o pedido de resolução do contrato de arrendamento também com fundamento na falta de pagamento da quantia devida, atrás referida, o que foi deferido.

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A final foi proferida sentença que decidiu declarar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, no que respeita ao pedido de pagamento das rendas pagas pela R., após a instauração da acção;

mais julgando a acção procedente, considerando resolvido o contrato de arrendamento relativo às fracções autónomas arrendadas à R. no prédio situado na Rua (…), (...) , e, em consequência, condenar a R. a despejar as referidas fracções, entregando-as aos AA no prazo de um mês a contar da data do trânsito em julgado da sentença, bem como a pagar aos AA as rendas que se vencerem até à efectiva entrega do locado;

mais foi condenada a R. a pagar aos 1º a 3º e 5º a 7º AA o montante de 17.925 €, reduzido da quantia correspondente à proporção da quota de que é titular o 4º A., a determinar nos termos dos artigos 713º e 716º, nº 1, ambos do NCPC, e acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde o dia 9.9.2017 até integral pagamento.

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2. A R. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões (extensas, repetitivas, e confusas, que só não mereceram despacho de aperfeiçoamento, dada a aparente simplicidade das questões em recurso e a paragem da instância de recurso devido à pública pandemia):

(…)

3. Os AA contra-alegaram, concluindo que:

(…)

 

II - Factos Provados

 

1. Entre os Autores e a sociedade comercial denominada B (…) L.da foi celebrado um contrato de arrendamento, para fim não habitacional, de duas fracções autónomas do prédio situado na Rua (…), (...) , pela renda mensal de € 950,00, correspondendo o montante de € 500,00 a uma das fracções e o montante de € 450,00 à outra.

2. O escrito através do qual foi formalizado o referido contrato de arrendamento encontra-se em parte incerta, não conseguindo os Autores localizá-lo.

3. Mediante escrito intitulado Confissão e Assunção de Dívida e Acordo de Pagamento, datado de 1 de Fevereiro de 2017, a sociedade comercial denominada B (…), L.da, representada pelo respectivo gerente, J (…), na qualidade de primeira outorgante, a Ré E (…) Unipessoal, L.da, representada pela respectiva gerente, M (…), assim como, em nome individual, M (…) e J (…) todos na qualidade de segundos outorgantes, e os Autores, na qualidade de terceiros outorgantes, acordaram o seguinte:

“Primeiro

Entre Primeira e Terceiros outorgantes vigora um contrato de arrendamento, relativo a duas fracções autónomas do prédio sito na Rua (…) (...) .

Segundo

A Primeira outorgante não tem pago pontualmente a renda, estando em dívida, no final de Janeiro de 2017, a quantia de 21.250,00 euros, dos quais 5.322,54 euros correspondem a retenções na fonte, à taxa actual de 25%.

Terceiro

A Primeira outorgante confessa dever tal valor aos terceiros.

Quarto

Os Segundos outorgantes assumem-se pelo presente acto solidariamente responsáveis com a primeira pelo pagamento do valor devido, nos termos que constam das cláusulas supra e infra, renunciando ao benefício da excussão prévia.

Quinto

Para pagamento do valor em dívida a Primeira outorgante entrega aos terceiros 36 cheques mensais e sucessivos de 356,25 euros cada um, vencendo-se o primeiro em 08 de Fevereiro de 2017 e os restantes no mesmo dia de cada um dos 35 meses subsequentes.

Em cada um dos referidos meses a Primeira outorgante entregará ainda 118,75 euros à administração tributária correspondente à retenção na fonte à taxa de 25% sobre o valor das rendas pago, que totaliza assim 475,00 euros mensais.

Sexto

Com o bom cumprimento do plano de pagamentos referido no artigo anterior a Primeira outorgante terá pago um total de 17.100,00 euros por conta das rendas devidas, caso em que os Terceiros outorgantes perdoarão o remanescente da dívida.

Sétimo

A falta de pagamento de uma prestação ou de uma retenção na fonte implica o vencimento da totalidade da dívida, pelo valor referido no artigo Segundo deste acordo.

Oitavo

Ainda que qualquer dos Terceiros outorgantes venha a transferir, para outro comproprietário ou para terceiro, o seu direito de propriedade sobre o imóvel referido no artigo Primeiro, o transmitente não perde a qualidade de credor perante Primeira e Segundos outorgantes a menos que tal venha a ser expressamente previsto no acordo de transmissão e – para o efeito – se notifiquem os devedores. (…).”.

4. Mediante escrito intitulado Aditamento a Contrato de Arrendamento, datado de 1 de Setembro de 2017, os Autores, na qualidade de primeiros outorgantes, a sociedade comercial denominada B (…) L.da, representada pelo respectivo gerente, J (…), na qualidade de segunda outorgante, e a Ré E (…) Unipessoal, L.da, representada pela respectiva gerente, M (…), na qualidade de terceira outorgante, acordaram o seguinte:

“1. Entre Primeiros Outorgantes e Segunda Outorgante vigora o contrato de arrendamento relativo a duas fracções autónomas do prédio sito na Rua (…), (...) .

Segunda Outorgante e Terceira Outorgante acordaram na transmissão da posição contratual da Segunda Outorgante para a Terceira Outorgante, transmissão à qual os Primeiros Outorgantes não se opõem.

3. A transmissão produz efeitos a partir do dia 1 de Setembro de 2017 devendo, a partir dessa data, as rendas vencidas e as rendas que se venham a vencer passarem a ser pagas pela Terceira Outorgante aos Primeiros Outorgantes, que lhe darão quitação.

4. A Terceira Outorgante declara que conhece o teor do “Contrato de arrendamento” e da “Confissão e assunção de dívida e acordo de pagamento”, aceitando os direitos e obrigações que deles decorrem.

5. O presente aditamento será comunicado à Repartição de Finanças competente, ficando o encargo com o imposto de selo a cargo da Terceira Outorgante.”.

5. Mediante sentença proferida a 15 de Janeiro de 2019, no âmbito do processo n.º 25/19.2T8FND, que corre termos no Juízo de Comércio do Fundão, foi declarada a insolvência de J (…).

6. Das trinta e seis mensalidades indicadas no escrito a que se alude em 3. foram pagas apenas as sete primeiras, no valor total de € 3.325,00.

7. Na data da instauração da presente acção, 8 de Julho de 2019, encontravam-se em dívida as rendas vencidas nos meses de Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 2019, no valor total de € 4.750,00.

8. Mediante carta datada de 20 de Setembro de 2018, o Ilustre Advogado constituído pelos Autores comunicou à Ré o seguinte:

“Fomos contactados pelos vossos senhorios por via do incumprimento quanto ao pagamento pontual da renda devida pela E (…) e quanto ao pagamento dos valores em dívida do contrato anterior – da B (…), L.da –, a cujo pagamento se obrigaram solidariamente com a devedora, a E (…), a Sra. M (…) e Sr J (…) por via da cláusula quarta da confissão de dívida com acordo de pagamento celebrada em 1 de Fevereiro de 2017.

Atenta a antiguidade da relação entre as partes não é – para já – intenção dos senhorios avançar com qualquer acto judicial pelo que a presente missiva se destina a solicitar um contacto no sentido de podermos agendar uma reunião para encontrar uma solução amigável para o assunto.

Aguardaremos por tal contacto durante os próximos 5 dias.

Findo esse prazo sem que tenhamos obtido notícias de V. Exa., iremos, de imediato, intentar a correspondente acção para cobrança do capital, dos juros e das demais despesas que ao caso couberem.

Grato pela atenção, e na certeza de que a presente situação não traduz mais do que um descuido que V. Exas. se apressarão a corrigir, aceitem os nossos melhores cumprimentos, (…).”.

9. A Ré foi citada para os termos da presente acção no dia 12 de Julho de 2019.

10. As rendas referentes ao mês de Março de 2019 foram pagas aos Autores no dia 17 de Junho de 2019.

11. As rendas referentes ao mês de Abril de 2019 foram pagas aos Autores no dia 11 de Julho de 2019.

12. As rendas referentes ao mês de Maio de 2019 foram pagas aos Autores no dia 11 de Julho de 2019.

13. As rendas referentes ao mês de Junho de 2019 foram pagas aos Autores no dia 11 de Julho de 2019.

14. As rendas referentes ao mês de Julho de 2019 foram pagas aos Autores no dia 11 de Julho de 2019.

15. As rendas referentes ao mês de Agosto de 2019 foram pagas aos Autores nos dias 31 de Julho de 2019 e 6 de Agosto de 2019.

16. As rendas referentes ao mês de Setembro de 2019 foram pagas aos Autores no dia 10 de Setembro de 2019.

17. Os Autores emitiram os recibos de renda electrónicos referentes às rendas mencionadas em 10. a 16., as quais foram pagas pela Ré em singelo.

18. Os Autores aceitaram o pagamento dessas rendas em singelo.

19. As rendas referentes ao mês de Outubro de 2019 foram pagas aos Autores no dia 4 de Outubro de 2019.

20. As rendas referentes ao mês de Novembro de 2019 foram pagas aos Autores no dia 7 de Novembro de 2019.

21. As rendas referentes ao mês de Dezembro de 2019 foram pagas aos Autores no dia 29 de Novembro de 2019.

22. As rendas referentes ao mês de Janeiro de 2020 foram pagas aos Autores no dia 17 de Dezembro de 2019.

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Factos não provados:

1. A Ré, na mesma data, pagou aos Autores a indemnização moratória correspondente a 20% do valor das rendas referentes aos meses de Março a Julho de 2019.

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III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Impugnação da decisão da matéria de facto.

- Verificar se o direito dos AA à resolução do contrato de arrendamento caducou.

- Determinar se é devido o pagamento da quantia de 17.925 €, peticionada pelos AA.

2.1. Defende a recorrente que a juiz a quo não deveria ter dado como provada a matéria de facto ínsita nas alíneas abaixo indicadas das questões a resolver, a saber:

“a) Aferir se a Ré omitiu o cumprimento de obrigações a que se tenha vinculado nos termos do escrito intitulado Confissão e Assunção de Dívida e Acordo de Pagamento;

b) Apurar se a Ré omitiu o cumprimento de obrigações decorrentes do contrato de arrendamento celebrado com os Autores;

c) Determinar se é devido o pagamento das quantias peticionadas pelos Autores;

d) Verificar se se encontram preenchidos os pressupostos de que depende a resolução do referido contrato de arrendamento.” – (cfr. conclusão 31) do seu recurso).

Esta impugnação é absurda. Efectivamente, são factos o que se impugna, quando se ataca a decisão da matéria de facto proferida pelo julgador, como decorre cristalinamente do art. 640º, epígrafe e seu nº 1, do NCPC.

As questões que a recorrente refere e que a julgadora elencou (e ainda elencou sob e) e f), outras 2), não é mais do que aquilo que a lei comanda no art. 607º, nº 2, do NCPC, que determina as regras de feitura da sentença, designadamente as questões que nela o tribunal terá que solucionar.

Questões não são, pois, pontos de facto constantes da decisão dessa matéria, pelo que queda absurda uma pretensa impugnação daquelas. 

2.2. Diz também a recorrente que existe contradição entre os factos provados e não provados e fundamentação de direito (cfr. conclusão 33) do seu recurso).

Bom, se existe factualidade apurada contraditória com a fundamentação jurídica e a decisão proferida, então estaremos perante um erro no julgamento de direito – má aplicação do direito aos factos apurados -, mas jamais perante um vício da decisão da matéria de facto.

2.3. Impugna, ainda, a recorrente, aparentemente, os factos provados 3. e 8. Dizemos aparentemente, pois dada a confusa impugnação da recorrente não se consegue ter a certeza.

Seja como for, parece que que a recorrente deles discorda, porque não terá havido interpelação (cfr. 19) a 30), das conclusões de recurso).

Não se compreende, porém, que impugnação, a final de contas, acaba por ser deduzida ! Tais  factos estão incorrectamente dados com provados ? Qual seria então a resposta adequada, provado com restrições ou não provado ? Não se sabe, porque a recorrente não o indica, o que desde logo, por desrespeito do estabelecido no art. 640º, nº 1, c), do NCPC, implicaria, rejeição da dita impugnação.

O que se percebe, é que a recorrente defende que não houve interpelação à R., e, como tal, que a dívida total reclamada pelos AA não estava vencida, e por isso não pode ser exigível.

Mas a ser verdadeira tal invocação, então estaremos perante uma questão de direito, a solucionar, aquando da apreciação do direito, e não, perante um ponto impugnável em termos de decisão da matéria de facto. 

2.4. A recorrente impugna o facto não provado 1., pretendendo que ele passe a provado, com base no doc. 16, junto com a contestação, não impugnado pelos AA, o que importa confissão, e nas declarações de parte do 1º A. (…)

O tribunal a quo, relativamente a tal facto não provado, expressou a seguinte convicção:

“A decisão proferida a respeito do único facto considerado não provado ficou a dever-se à circunstância de não ter sido produzida qualquer prova suficientemente consistente e coerente para fundamentar a convicção do Tribunal acerca da verificação desse facto.

Aliás, não deixará de se notar que o facto em causa, alegado no artigo 34º da contestação, é incompatível com os factos que foram alegados pela própria Ré nos artigos 32º e 33º do mesmo articulado de contestação.

Na verdade, a Ré alegou, nos artigos 32º e 33º da contestação, que “os AA emitiram os recibos referentes às rendas acima mencionadas, pagas pela Ré em singelo, dando, dessa forma, a respectiva quitação” e que “os AA, ao aceitarem o pagamento das rendas em singelo renunciaram tacitamente à indemnização moratória legal de 20% nos termos do art. 1041º, n.º 1, do C.C., tal como é entendimento maioritário da Jurisprudência”.

Ou seja, a Ré alegou ter pago, em singelo, as rendas a que se reportam os recibos que juntou com a sua contestação.

Conforme resulta claramente do alegado nos artigos da contestação atrás transcritos, com a alusão ao pagamento em singelo pretende a Ré referir o pagamento do valor correspondente às rendas devidas sem o acréscimo da indemnização prevista no artigo 1041º, n.º 1, do Código Civil.

De todo o modo, de acordo com o alegado pela Ré, “ao aceitarem o pagamento das rendas em singelo” os Autores teriam renunciado tacitamente ao direito de receber o pagamento da indemnização a que se aludiu.

Neste contexto, apenas com base num lapso manifesto se compreende que a mesma Ré possa ter alegado, no artigo 34º da contestação, que, “na mesma data, pagou aos AA a indemnização moratória, correspondente aos 20% do valor das rendas alegadamente em atraso (Março a Julho de 2019), conforme doc. n.º 16 que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos”.

Como é bom de ver, tal facto é manifestamente contraditório e incompatível com o facto anteriormente alegado pela Ré, e considerado provado, no sentido de os Autores terem aceitado as rendas pagas pela Ré em singelo, emitindo os correspondentes recibos.

Tal incongruência, aliás, foi reflectida no depoimento prestado, em sede de audiência final, pela testemunha (…)

Na verdade, por trabalhar por conta da Ré E (…)Unipessoal, L.da e ser filho da respectiva gerente, a testemunha esclareceu que lhe incumbe providenciar pela realização das transferências bancárias referentes ao pagamento das rendas relativas às fracções autónomas a que se reportam os presentes autos.

Assim, nesse âmbito a testemunha afirmou que, em virtude de, excepcionalmente, a sociedade Ré ter acumulado três rendas cujo pagamento não foi tempestivamente efectuado, providenciou, no mês de Julho, pelo pagamento, em simultâneo, de todas as rendas em causa.

Sucede que, de acordo com o declarado pela testemunha em sede de audiência final, dois ou três dias após a realização desse pagamento um dos senhorios da sociedade Ré abordou a testemunha, informando-a de que tinha sido efectuado apenas o pagamento das rendas em atraso, razão pela qual ainda se encontrava em falta o pagamento da indemnização correspondente a 20% do valor devido.

Questionado acerca do montante devido pela sociedade Ré, o referido senhorio informou que o mesmo ascenderia a € 950,00, o qual lhe foi entregue em dinheiro, tendo sido emitida a declaração junta a fls. 46 dos autos.

O depoimento prestado, a este respeito, pela testemunha 8…) afigura-se inverosímil.

De facto, a própria testemunha (…) admitiu que o pagamento das rendas devidas pela Ré foi sempre efectuado através de transferência para a mesma conta bancária.

De igual forma, a citada testemunha admitiu que todos os assuntos relacionados com o arrendamento a que se tem vindo a aludir sempre foram tratados com o Autor (…)sendo certo que em nenhum momento foi comunicado à Ré que tais assuntos devessem passar a ser tratados com qualquer outro dos comproprietários das fracções autónomas arrendadas.

Em todo o caso, a testemunha esclareceu que, a partir do mês de Maio de 2018, as relações estabelecidas com o Autor (…) se deterioraram, em virtude de o mesmo ter solicitado o envio urgente de determinadas facturas.

Para além disso, já em data mais recente e posterior ao pagamento das rendas que se encontravam em atraso, a testemunha afirmou também que, tendo ocorrido uma inundação no imóvel, e apesar de ter sido solicitada a comparência, no local, do (…), acabou por ser o Autor (…) quem prestou a assistência pretendida pela Ré.

Nestas circunstâncias, afigura-se inverosímil que uma sociedade comercial que procedia, há anos, ao pagamento das rendas por si devidas através da realização de transferências bancárias para a mesma conta aceitasse efectuar o pagamento, em dinheiro, de uma indemnização devida em consequência do atraso no pagamento de algumas dessas rendas.

Tal inverosimilhança é ainda mais evidente se se considerar que, como foi referido pela testemunha (…), o próprio Autor (…)no momento em que exigiu o pagamento de tal indemnização, informou que a quantia correspondente à mesma ficaria apenas para si, já que os restantes comproprietários não lhe pagavam a percentagem que lhe era devida.

Resultando claramente desta atitude do Autor (…) a existência de divergências entre o mesmo e os restantes comproprietários das fracções autónomas arrendadas, não é credível que a sociedade Ré procedesse ao pagamento da indemnização devida nas circunstâncias indicadas pela testemunha (…) sem questionar previamente o Autor (…) que não só sempre foi o interlocutor da Ré para tratar de assuntos relacionados com o arrendamento, como foi o responsável pela emissão de todos os recibos que se encontram juntos aos autos.

Contudo, conforme foi referido pelo Autor (…), a Ré não lhe dirigiu qualquer contacto nos termos do qual abordasse a questão do pagamento da indemnização a que se tem vindo a aludir.

Mas, para além disso, o depoimento prestado, em sede de audiência final, pela testemunha (…) também se revelou inconsistente, na medida em que a testemunha foi adaptando as suas respostas em função das perguntas que lhe iam sendo dirigidas.

Na verdade, a testemunha começou por afirmar que o pagamento da indemnização correspondente a 20% do valor das rendas atrás identificadas foi efectuado no próprio dia em que o Autor (…) abordou a testemunha solicitando o pagamento dessa quantia.

Porém, questionada acerca da disponibilidade imediata, por parte da Ré, de uma quantia em dinheiro tão elevada, a testemunha (…) acabou por referir que o pagamento teria sido efectuado apenas dois ou três dias após o primeiro contacto estabelecido pelo Autor (…)

Com efeito, de forma a esclarecer a sequência dos factos por si relatados, a testemunha (…) afirmou ter feito uma transferência interbancária com vista ao pagamento das rendas em atraso e que, dois ou três dias após a realização desse pagamento, foi abordada pelo Autor (…)nos termos já indicados, sendo certo que dois ou três dias após essa abordagem entregou ao mesmo a quantia de € 950,00 em dinheiro.

Para além disso, a mesma testemunha esclareceu ainda que o documento junto aos autos a fls. 45 corresponde a uma declaração subscrita pelo Autor (…), de forma a dar a competente quitação.

Questionada acerca da razão pela qual essa declaração está datada de 10 de Julho de 2019, a testemunha (…) referiu que tal data coincidiria com a data em que o pagamento da indemnização foi solicitado pelo Autor (...) e não com a data em que o referido pagamento foi, efectivamente, efectuado.

Sucede, porém, que as indicações transmitidas pela testemunha não se mostram compatíveis com os elementos documentais constantes dos autos.

É certo que, encontrando-se em causa uma transferência bancária efectuada entre contas pertencentes a Bancos diferentes, decorre das regras da experiência comum que, em princípio, o montante transferido não ficaria disponível na conta de destino na própria data em que foi dada a ordem de transferência, mas apenas um ou dois dias após essa data.

Tendo em conta que, de acordo com o teor dos documentos juntos aos autos a fls. 39 a 42, o montante em causa terá ficado disponível na conta dos Autores no dia 11 de Julho de 2019, dúvidas não restam de que a ordem de transferência terá sido dada pela testemunha em data anterior à mencionada.

Todavia, da declaração junta a fls. 45 dos autos consta a data de 10 de Julho de 2019 que, segundo a testemunha (…), coincidiria com a data em que o (…) teria solicitado o pagamento da indemnização em falta.

Acontece que no dia 10 de Julho de 2019 o Autor (…) não poderia conhecer o valor da transferência efectuada pela Ré, já que o mesmo ficou disponível na conta dos Autores somente no dia 11 de Julho de 2019, a não ser que tal informação lhe tivesse sido previamente transmitida pela própria Ré.

Deste modo, não é plausível que os factos relatados pela testemunha (…) Ferreira tenham ocorrido nos termos pela mesma indicados.

Acresce ainda que a testemunha (…), que presta serviço à sociedade Ré como contabilista certificado, declarou, em sede de audiência final, desconhecer, em absoluto, a emissão da declaração junta aos autos a fls. 45, na medida em que a mesma não lhe foi comunicada para efeitos contabilísticos.

Note-se que a testemunha (…) prestou o seu depoimento de forma que se afigurou desinteressada, consistente e plausível, revelando ter conhecimento directo dos factos sobre os quais se pronunciou.

Aliás, a respeito do pagamento das rendas devidas pela sociedade Ré, a citada testemunha revelou um conhecimento preciso e actualizado dos factos em apreço, esclarecendo não só que os pagamentos efectuados pela Ré deveriam dizer respeito à renda do mês seguinte, mas também que, neste momento, apenas não sabe se, no mês de Janeiro de 2020, já foi efectuado o pagamento da renda devida aos Autores.

Para além do mais, a mesma testemunha esclareceu que a sociedade Ré lhe faculta todos os documentos relevantes para efeitos contabilísticos dentro de prazos relativamente curtos e que não podem exceder trinta dias, o que significa que a declaração datada de 10 de Julho de 2019 já lhe deveria ter sido comunicada.

Ora, a discrepância verificada entre a comunicação tempestiva de todos os recibos electrónicos referentes às rendas pagas pela Ré e a omissão de qualquer comunicação relativamente à declaração junta aos autos a fls. 45 apenas pode significar que esta última não titula, de facto, qualquer pagamento efectuado pela sociedade Ré com vista ao cumprimento de alguma obrigação relacionada com o arrendamento das fracções autónomas identificadas nos presentes autos.

É certo que a declaração junta a fls. 45 dos autos está assinada pelo Autor (…)

De todo o modo, tendo resultado das declarações de parte prestadas pelo Autor (…)que entre o Autor (…) e os demais comproprietários das fracções autónomas ocorreu um certo distanciamento, relacionado com divergências existentes ao nível da administração das mesmas, o que é corroborado pela circunstância de apenas o Autor (…) ter vindo aos autos desistir dos pedidos formulados contra a sociedade Ré, o documento mencionado não se mostra susceptível de comprovar o efectivo pagamento da quantia de € 950,00 em dinheiro para a finalidade que nele se encontra indicada.

Em face do exposto, não poderia o Tribunal deixar de considerar não provado o facto incluído no elenco dos factos considerados não provados sob o número 1.”.

Recorde-se que a norma que regula a impugnação da matéria de facto (art. 640º do NCPC) dita que tem de observar-se os ditames fixados no seu nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, sob pena de rejeição.

Ou seja, de tal dispositivo verifica-se que a lei exige 5 requisitos:

i) Que o recorrente obrigatoriamente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

ii) Que o recorrente obrigatoriamente especifique o sentido concreto da resposta, que na óptica do recorrente, se impunha fosse dado a tais pontos;

iii) Que o recorrente obrigatoriamente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa;

iv) E por que razão assim seria, com análise crítica criteriosa;

v) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de facultativa transcrição dos excertos relevantes.

Ora, das alegações de recurso – corpo e conclusões – verifica-se que a recorrente, relativamente às declarações de parte do indicado A., não cumpriu o quinto dos mencionados requisitos processuais, pois não indicou, em lado algum, com exactidão as passagens da gravação em que funda a sua impugnação, baseada nas mencionadas declarações de parte que referiu, apesar de, face à gravação efectuada (vide a respectiva acta), haver identificação precisa e separada de tais declarações. Tendo-se limitado a indicar o seu início em … e o seu termo  em …, da gravação digital. Nem sequer transcreveu tais declarações.

Na realidade, o ónus imposto a qualquer recorrente no aludido nº 2, a) do art. 640º, do NCPC, não se satisfaz com a menção de que os depoimentos estão gravados no sistema digital, nem com a referência de que os depoimentos tiveram o seu início em … e o seu termo em … ou que duraram determinado tempo. Nem, por último, sequer com a transcrição, total ou parcial, dos depoimentos prestados, já que esta é meramente facultativa.

Não deixando a lei neste ponto qualquer dúvida, face aos termos claros e terminantes com que está redigida (vide igualmente no mesmo sentido L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 3º, T. I, 2ª Ed., nota 4. ao artigo 685º-B, págs. 62/64, e A. Geraldes, Recursos em P. Civil, 2ª Ed., 2008, notas 3. e 4. ao referido artigo, págs. 138/142, normativo do CPC semelhante ao actual 640º do NCPC, e a título de exemplo os recentes Acds. do STJ de 18.9.2018, Proc.108/13.2TBPNH e desta Rel. de 28.9.2015, Proc.198/10.0TBVLF, 10.2.2015, Proc.2466/11.4TBFIG e de 17.12.2014, Proc.6213/08.0TBLRA; e quanto à facultatividade das transcrições o Ac. do STJ, de 19.2.2015, Proc.405/09.1TMCBR, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Aliás, o NCPC no seu art. 640º, manteve em termos idênticos esse ónus, introduzido pelo regime de reforma de recursos (DL 303/2007, de 24.8) no anterior art. 685º-B, mantendo, igualmente, a cominação da imediata rejeição do recurso para o seu incumprimento. Esta posição recente do legislador evidencia a desconformidade relativamente à lei, quer no seu elemento literal, quer no histórico-actualista (no discurso de apresentação da proposta de Lei de Autorização Legislativa 6/2007, de 2.2., publicado no Diário da Assembleia da República de 21.12.2006, e ainda na Reforma dos Recursos em Processo Civil - Trabalhos Preparatórios, págs. 343 e segs. O Ministro da Justiça referiu que na “proposta prevê-se, expressamente, que a gravação digital do julgamento possa ser em áudio, ou logo que possível, em vídeo e que haja identificação precisa e separada dos depoimentos. Isto, de modo a permitir às partes que indiquem as passagens da gravação em que se fundam…” - sublinhado nosso - como se retira de Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 143), de interpretações facilitistas, acima elencado -, que por vezes se vêm, que no fundo degeneram em violação do princípio da igualdade das partes - ao não tratar diferentemente o cumprimento ostensivamente defeituoso da lei adjectiva, pois se há partes que podem cumprir esse ónus e o cumprem, como se pode constatar noutros processos que passam nos tribunais superiores, porque razão se haveria de dar igual tratamento a quem não o faz ! -; do princípio do contraditório - por impor à parte contrária um esforço excessivo e não previsto na tarefa de defesa, imputável ao transgressor -; e do princípio da colaboração com o tribunal - por razões análogas, mas reportadas ao julgador (vide neste sentido o Ac. da Rel. Lisboa de 12.2.2014, Proc.26/10.6TTBRR, em www.dgsi.pt).

Sendo também de rejeitar interpretações complacentes, que se vão vendo noutras instâncias de recurso, sobre este aspecto, acima elencado - no seguinte sentido: a) o tribunal de recurso deve contentar-se, na impugnação da matéria de facto, com a indicação do depoimento e identificação de quem o prestou, sem obrigatoriedade de transcrição; b) basta a fixação electrónica/digital do início e fim dos depoimentos e a transcrição dos excertos relevantes; c) a não ser assim há excesso de formalismo que a dogmática processual rejeita; d) a não ser assim não se respeita o princípio da proporcionalidade.

Quanto à 1ª interpretação, ela faz tábua rasa do texto legal, relevando dois elementos que a lei não enumerou e “apagando” a passagem nuclear do texto legal que consiste no cerne da questão e que se reporta à indicação “com exactidão das passagens da gravação” em que se funda o recurso, pelo que não pode aceitar-se a mesma.

A 2ª interpretação, obnubila também tal trecho legal, pois que apenas releva o fim e início da gravação, quando esse elemento é o lógico antecedente do posterior cumprimento da indicação com exactidão das passagens da gravação. Com essa interpretação contenta-se o intérprete meramente com o pressuposto legal do cumprimento da lei, acabando por não ser observado o cumprimento do verdadeiro requisito legal. E por outro lado, com tal interpretação, passa a requisito de cumprimento obrigatório um elemento – a transcrição dos excertos relevantes – que a lei expressamente vê como facultativo ! Não podemos, também, acompanhar tal entendimento.

Quanto ao “plus” da 3ª interpretação, não vemos objecção de relevo. Por um lado, quanto à modernidade da exigência legal referida só podemos constatar que assim é, pois foi introduzida no nosso ordenamento jurídico em 2007 e de caso pensado pelo legislador, como acima vimos. Por outro lado, a exigência de formalismo nada tem de extraordinário. Na verdade, a este propósito, no seu acórdão de 14.3.2002 o Tribunal Constitucional decidiu o seguinte: "As formalidades processuais ou, se se quiser, os formalismos, os ritualismos, os estabelecimentos de prazos, os requisitos de apresentação das peças processuais e os efeitos cominatórios são, pois, algo de inerente ao próprio processo. Ponto é que a exigência desses formalismos se não antolhe como algo que, mercê da extrema dificuldade que apresenta, vá representar um excesso ou uma intolerável desproporção, que, ao fim e ao resto, apenas serve para acentuadamente dificultar o acesso aos tribunais, assim deixando, na prática, sem conteúdo útil a garantia postulada pelo nº 1 do art. 20° da Constituição" [Diário da República, II, de 29.5.2001]. Ou seja, o formalismo processual é normal e aceitável, porque inerente naturalmente ao próprio processo. Ponto é que não descambe em desrespeito do princípio da proporcionalidade, com a consequente dificuldade de acesso aos tribunais que a nossa constituição quer garantir.

O que nos faz entrar no “quid” da 4ª interpretação. Concordando, obviamente, com a exigência de proporcionalidade, todavia na sua tridimensionalidade de onerosidade, dificuldade e gravidade das consequências, não divisamos ofensa de tal princípio na interpretação que fazemos. Indicar com exactidão as passagens da gravação, não é oneroso, bastando ao Sr(a). Advogado(a) que patrocina a parte e quer recorrer dispor de um aparelho/leitor de CD, com contador digital, que lhe permita essa indicação exacta, aparelhos esses que se vendem no mercado a preços perfeitamente acessíveis. Dificuldade não existe, bastando, ouvido o depoimento que se considera relevante, tomar nota do momento temporalmente em que ele ocorreu e fazer a sua indicação digital – dificuldade nenhuma, se detecta, também, na indicação dos pontos em concreto da matéria de facto que estão elencados na decisão sob recurso. Sendo estes dois elementos perfeitamente observáveis já não se detecta nenhuma anomalia na rejeição do recurso, a não ser que se queira erigir a “gravidade das consequências” como elemento de per si determinante, o que rejeitamos em absoluto, bastando pensar no fenómeno processual da preclusão (por ex., deixar passar um prazo peremptório para contestar, deixar passar um prazo para recorrer, etc), em que a defesa da parte pode ficar seriamente afectada, sem que se possa solidamente defender que foi violado, com implicações constitucionais, o princípio da proporcionalidade. 

Revertendo, ao nosso caso, a recorrente limitaram-se a referenciar o início e termo dos depoimentos, sem sequer ter, depois, apresentado transcrição do mesmo, em vez de indicar com exactidão as passagens temporais da gravação daquilo que foi declarado por tal parte, no sentido supostamente afirmado/defendido pela apelante, a fim de permitir, como pretendia, diferente resposta ao apontado facto impugnado, depois de prévia audição por esta Relação e subsequente análise e ponderação de tais depoimentos.     

Assim, face ao não cumprimento do referido ónus legal, a impugnação da indicada matéria de facto não pode proceder com base em tal declaração de parte, tendo, por isso, de ser rejeitada, como estipula o aludido art. 640º.

De sorte que, cabe apenas analisar a prova documental invocada, o específico documento apontado pela recorrente.

Tal documento nº 16 (junto com a contestação a fls. 45) é uma declaração/recibo, datada de 10.7.2019, referente ao pagamento pela R., ora Apelante, da indemnização de 20% relativa à mora no pagamento das rendas dos meses de Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 2019 das fracções B e C do prédio sito na Rua (…), na (...) , subscrita e assinada pelo 4º A. (…), na qualidade de senhorio, declarando ter recebido o montante de 950 €, a esse título. Tal documento não foi impugnado pelos AA.

O mencionado documento, constitui um documento particular assinado pelo declarante - o mencionado A. (…), na qual dá quitação do valor recebido a título de indemnização pelo pagamento com atraso das rendas aí discriminadas.  

Trata-se, pois, de um documento particular, no qual o referido senhorio confessa ter recebido o indicado valor para o fim mencionado, e com tal uma confissão com força probatória plena (arts. 352º, 355º, nº 4, 358º nº 2, 374º, nº 1, 376º, nº 1 e 2, todos do C.C.).

Acontece que a dita confissão promana apenas de um dos senhorios/comproprietário.

Como decorre incontroversamente dos arts. 1405º, nº1, e 985º, nº 1, do CC, e professa Miguel Teixeira de Sousa (em Leis do Arrendamento Anotadas, Coord. de A. Menezes Cordeiro, 2014, págs. 395/396), a acção de despejo, na falta de convenção em contrário, pode ser proposta por qualquer um dos comproprietários. O que quer dizer que estamos perante uma situação de litisconsórcio voluntário e não perante um litisconsórcio necessário legal (vide arts. 32º e 33º, nº 1, “a contrario” do NCPC).

Assim, apesar de a acção ter sido proposta por todos os senhorios/comproprietários, a confissão, com força probatória plena, do referido (...) , decorre apenas de um senhorio/comproprietários.

Ora estipula o art. 353º, nº 2, do CC, que a confissão do litisconsorte voluntário, embora eficaz, e com força probatória plena, se restringe ao seu interesse. De maneira que não abarcando, tal confissão, todos os senhorios/comproprietários ela não vale contra estes. De modo que a dita confissão não tem o alcance que a recorrente lhe pretende emprestar.

Pelo que improcede a impugnação da matéria de facto, quanto ao referido facto não provado 1.   

3. Na sentença recorrida, relativamente à resolução do contrato e caducidade do exercício de tal direito, escreveu-se que:

“… que, tal como foi alegado pelos Autores, a Ré não efectuou o pagamento integral e tempestivo das rendas devidas pela cedência da utilização das fracções autónomas identificada nos autos.

Com efeito, decorre da fundamentação de facto que antecede que, à data da instauração da presente acção, 8 de Julho de 2019, estavam em dívida as rendas vencidas nos meses de Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 2019, no valor total de € 4.750,00.

Nos termos do disposto no artigo 1038º do Código Civil, “são obrigações do locatário: a) pagar a renda ou aluguer”, …

(…)

Como é sabido, nos termos do disposto no artigo 804º, n.º 2, do Código Civil, “o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido”.

Por seu turno, decorre do disposto no n.º 1 do mesmo preceito legal que “a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor”.

Já o artigo 1041º, n.º 1, do Código Civil, estatui que, “constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 20% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento”.

Quer isto dizer que “o locador, perante uma situação de mora, tem duas possibilidades: ou resolve o contrato, ou aceita a manutenção do mesmo mediante o pagamento de uma indemnização no valor de 20% do montante em dívida. Não pode o locador cumular as duas soluções – se opta por resolver o contrato mantém o direito a receber os valores em falta, mas perde o direito à indemnização. Terminado o contrato por motivo distinto da resolução (p. ex., caducidade ou revogação), mantém o locador, em caso de mora, o direito a receber a indemnização, pois a mora origina sempre para o devedor/locatário alguma consequência desfavorável – ou a obrigação de indemnização ou a resolução do contrato. Não sendo o contrato resolvido, ainda que este termine por outra causa, a indemnização é devida.”7 Cfr. Elsa Sequeira Santos, in ob. cit., pág. 1304.

(…)

Por outro lado, nos termos previstos no n.º 2 do mesmo artigo 1075º do Código Civil, “na falta de convenção em contrário, se as rendas estiverem em correspondência com os meses do calendário gregoriano, a primeira vencer-se-á no momento da celebração do contrato e cada uma das restantes no 1º dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito”.

No caso em apreço decorre do que foi já mencionado que as partes acordaram o pagamento de rendas mensais.

Porém, não decorre da fundamentação de facto que antecede que tenha sido convencionada a data de vencimento de cada uma das rendas devidas no âmbito do contrato de arrendamento a que se tem vindo a aludir.

Assim, por aplicação do regime supletivo previsto na norma citada, dúvidas não restam de que, efectivamente, a Ré incorreu em mora por não ter efectuado o pagamento tempestivo das rendas vencidas nos dias 1 de Março de 2019 (referente ao mês de Abril), 1 de Abril de 2019 (referente ao mês de Maio), 1 de Maio de 2019 (referente ao mês de Junho), 1 de Junho de 2019 (referente ao mês de Julho) e 1 de Julho de 2019 (referente ao mês de Agosto).

Como é sabido, resulta do disposto no artigo 1079º do Código Civil que “o arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei”.

Por outro lado, estatui o artigo 1083º, n.º 1, do Código Civil, que “qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte”.

(…)

Já o n.º 3 do mesmo artigo 1083º do Código Civil dispõe que “é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário …

(…)

Tendo em conta que a presente acção declarativa foi instaurada no dia 8 de Julho de 2019, é patente que, nessa data, a mora da Ré no pagamento das rendas referentes aos meses de Abril e Maio era superior a três meses, uma vez que, conforme foi já referido, a data de vencimento de tais rendas foi atingida, respectivamente, no dia 1 de Março de 2019 e no dia 1 de Abril de 2019.

(…)

Deste modo, dúvidas não restam de que, por se encontrar preenchida a previsão do n.º 3 do artigo 1083º do Código Civil, não é exigível aos Autores a manutenção do arrendamento, assistindo-lhes, portanto, o direito à resolução do contrato de arrendamento a que se reportam os presentes autos.

Porém, em face da invocação, pela Ré, da excepção peremptória de caducidade, importa verificar ainda se o exercício desse direito caducou, nos termos previstos no artigo 1048º, n.º 1, do Código Civil.

Com efeito, o citado artigo 1048º, n.º 1, do Código Civil, estatui que “o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer, quando for exercido judicialmente, caduca logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da acção declarativa, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041º”.

(…)

A este propósito decorre da fundamentação de facto que antecede que a Ré foi citada para os termos da presente acção no dia 12 de Julho de 2019.

Mais se demonstrou que as rendas referentes ao mês de Março de 2019 foram pagas aos Autores no dia 17 de Junho de 2019.

Já as rendas referentes ao mês de Abril de 2019 foram pagas aos Autores no dia 11 de Julho de 2019.

De igual forma, também as rendas referentes ao mês de Maio de 2019 foram pagas aos Autores no dia 11 de Julho de 2019.

Acresce que as rendas referentes ao mês de Junho de 2019 foram pagas aos Autores no mesmo dia 11 de Julho de 2019.

O mesmo sucedeu com as rendas referentes ao mês de Julho de 2019, as quais também foram pagas aos Autores no dia 11 de Julho de 2019.

Por último, resultou provado no âmbito dos presentes autos que as rendas referentes ao mês de Agosto de 2019 foram pagas aos Autores nos dias 31 de Julho de 2019 e 6 de Agosto de 2019.

Conforme foi atrás mencionado, o primeiro dos fundamentos de resolução do contrato de arrendamento invocado pelos Autores consiste na mora verificada ao nível do pagamento das rendas referentes aos meses de Abril a Agosto de 2019.

Assim, tendo a Ré procedido ao pagamento de tais rendas ainda antes de ter decorrido o prazo de trinta dias fixado no artigo 569º, n.º 1, do CPC, para a apresentação da sua contestação, não poderá essa circunstância deixar de relevar nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1048º, n.º 1, do Código Civil.

Contudo, o citado preceito legal faz depender a caducidade do direito à resolução do contrato de arrendamento do pagamento não só das rendas devidas, mas também da indemnização a que alude o n.º 1 do artigo 1041º do Código Civil.

Ora, como decorre da fundamentação de facto que antecede, a Ré não logrou demonstrar o pagamento da referida indemnização, o que significa que não se encontram preenchidos os pressupostos de que dependeria a invocada caducidade do direito à resolução do contrato de arrendamento.

É certo que a Ré alega na sua contestação que, ao aceitar o recebimento das rendas devidas “em singelo”, emitindo os correspondentes recibos, os Autores teriam renunciado tacitamente ao recebimento de tal indemnização.

Na verdade, resultou demonstrado nestes autos que os Autores emitiram os recibos de renda electrónicos referentes às rendas a que se aludiu, as quais foram pagas pela Ré em singelo.

Para além disso, consta da factualidade considerada provada nos presentes autos que os Autores aceitaram o pagamento das rendas em singelo.

No entanto, em face do que foi já mencionado afigura-se que a invocada renúncia apenas poderia relevar no caso de os Autores não terem optado pela resolução do contrato de arrendamento.

Na verdade, como foi atrás salientado, em conformidade com o disposto no artigo 1041º, n.º 1, do Código Civil, existindo mora do locatário, o locador apenas tem o direito de exigir, para além do pagamento das rendas em atraso, a referida indemnização ou a resolução do contrato, o que significa que, optando por esta última, o locador renuncia, necessariamente, ao recebimento da indemnização indicada no citado preceito legal.

No caso em apreço as rendas mencionadas foram pagas já após a instauração da presente acção, ou seja, numa altura em que os Autores já tinham optado pelo exercício do direito à resolução do contrato de arrendamento, em detrimento do recebimento da indemnização a que se tem vindo a aludir, razão pela qual, com o respeito devido por entendimento diverso, se afigura que a emissão dos correspondentes recibos em nada poderá afectar o direito efectivamente exercido pelos Autores.

Deste modo, merecendo provimento o pedido formulado pelos Autores a propósito da resolução do contrato de arrendamento, …”.

Subscreve-se esta fundamentação jurídica, por inteiro, pois cita as normais legais pertinentes, interpreta-as e aplica-as bem.

A discordância manifestada pela recorrente dependia absolutamente da alteração do facto não provado 1. para provado, o que a recorrente não logrou, pelo que a resolução do contrato está acertadamente analisada e decidida. Razão pela qual não procede esta parte do recurso.

4. Ainda na mesma sentença, relativamente ao pagamento da quantia de 17.925 €, peticionada pelos AA., disse-se que:

“Mas, para além disso, os Autores solicitaram ainda a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 17.925,00, devida em consequência do incumprimento das obrigações assumidas através da celebração, a 1 de Fevereiro de 2017, do acordo de pagamento identificado no elenco dos factos considerados provados.

De facto, no que concerne ao mencionado acordo de pagamento decorre da fundamentação de facto que antecede que, através do escrito intitulado Confissão e Assunção de Dívida e Acordo de Pagamento, datado de 1 de Fevereiro de 2017, a sociedade comercial denominada B (…) L.da, representada pelo respectivo gerente, J (…) na qualidade de primeira outorgante, a Ré E (…) Unipessoal, L.da, representada pela respectiva gerente, (…)assim como, em nome individual, M (…) e J (…) todos na qualidade de segundos outorgantes, e os Autores, na qualidade de terceiros outorgantes, acordaram o seguinte: “entre Primeira e Terceiros outorgantes vigora um contrato de arrendamento, relativo a duas fracções autónomas do prédio sito na Rua (…), (...) ”.

Mais consignaram as partes que “a Primeira outorgante não tem pago pontualmente a renda, estando em dívida, no final de Janeiro de 2017, a quantia de 21.250,00 euros, dos quais 5.322,54 euros correspondem a retenções na fonte, à taxa actual de 25%”.

Em consequência, a sociedade comercial denominada B (…), L.da confessou-se devedora desse valor aos Autores.

Mas, para além disso, também os segundos outorgantes, entre os quais se encontrava a Ré E (…) Unipessoal, L.da se assumiram “pelo presente acto solidariamente responsáveis com a primeira pelo pagamento do valor devido, nos termos que constam das cláusulas supra e infra, renunciando ao benefício da excussão prévia”.

Ora, nos termos da cláusula quinta do escrito a que se tem vindo a aludir foi estipulado pelas partes que “para pagamento do valor em dívida a Primeira outorgante entrega aos terceiros 36 cheques mensais e sucessivos de 356,25 euros cada um, vencendo-se o primeiro em 08 de Fevereiro de 2017 e os restantes no mesmo dia de cada um dos 35 meses subsequentes. Em cada um dos referidos meses a Primeira outorgante entregará ainda 118,75 euros à administração tributária correspondente à retenção na fonte à taxa de 25% sobre o valor das rendas pago, que totaliza assim 475,00 euros mensais”.

Acresce que, conforme resulta da cláusula sexta do mencionado escrito, “com o bom cumprimento do plano de pagamentos referido no artigo anterior a Primeira outorgante terá pago um total de 17.100,00 euros por conta das rendas devidas, caso em que os Terceiros outorgantes perdoarão o remanescente da dívida”.

Porém, na cláusula sétima do acordo a que se tem vindo a aludir, as partes estipularam que “a falta de pagamento de uma prestação ou de uma retenção na fonte implica o vencimento da totalidade da dívida, pelo valor referido no artigo Segundo deste acordo”.

Mais decorre da fundamentação de facto que antecede que das trinta e seis mensalidades indicadas no escrito a que se tem vindo a aludir foram pagas apenas as sete primeiras, no valor total de € 3.325,00.

(…)

Ora, o artigo 373º, n.º 1, do Código Civil, dispõe que “os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor, ou por outrem a seu rogo, se o rogante não souber ou não puder assinar”.

Nos termos previstos no artigo 374º, n.º 1, do Código Civil, “a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras”.

Para além disso, conforme resulta do n.º 2 do citado artigo 374º do Código Civil, “se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade”.

Como esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela14 In Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1987, pág. 331., “ao contrário do que sucede com os documentos autênticos, os documentos particulares não provam, por si sós, a genuinidade da sua (aparente) proveniência. A letra e assinatura, ou a assinatura, só se consideram, neste caso, como verdadeiras, se forem expressa ou tacitamente reconhecidas pela parte contra quem o documento é exibido ou se legal ou judicialmente forem havidas como tais. Havendo impugnação, é ao apresentante do documento que incumbe provar a autoria contestada; e terá de fazê-lo, mesmo que o impugnante tenha arguido a falsidade do texto e assinatura, ou só da assinatura.”.

Tendo em conta que a Ré não veio aos autos impugnar as assinaturas constantes do escrito a que se tem vindo a aludir, impõe-se, nos termos previstos nas disposições legais citadas, considerar as mesmas verdadeiras.

Em conformidade com o preceituado no artigo 376º, n.º 1, do Código Civil, “o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento”.

Para além do mais, e nos termos previstos no n.º 2 do citado artigo 376º do Código Civil, “os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; …”.

(…)

Quer isto dizer que se encontram provados os factos enunciados no escrito junto aos autos pelos Autores, do qual resulta que a sociedade Ré se assumiu solidariamente responsável pelo pagamento da quantia de € 21.250,00.

Efectivamente, não restam quaisquer dúvidas de que tais factos são contrários ao interesse da declarante.

Como é sabido, “confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária” (cfr. artigo 352º do Código Civil).

(…)

Como é bom de ver, a declaração de reconhecimento da dívida atrás mencionada não só é desfavorável à Ré, como também se mostra favorável aos Autores, na medida em que, de acordo com tal declaração, são estes os titulares do direito ao recebimento da quantia em causa.

(…)

De todo o modo, no caso em apreço não se encontra verificada nenhuma das excepções previstas no citado preceito legal.

No que concerne à força probatória da confissão efectuada pela Ré é relevante atender, em primeiro lugar, ao disposto no artigo 358º, n.º 2, do Código Civil.

De facto, nos termos previstos no preceito legal agora mencionado, “a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena”.

(…)

Conforme esclarece o artigo 347º do Código Civil, “a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei”.

(…)

No caso em apreço, dúvidas não restam de que o documento particular identificado em sede de fundamentação de facto incorpora uma confissão extrajudicial (cfr. artigo 355º, n.º 1, 2 e 3, do Código Civil).

Uma vez que a mesma não foi colocada em causa pela sociedade Ré, impõe-se concluir que a referida confissão extrajudicial tem força probatória plena.

(…)

Tendo em conta que, das trinta e seis prestações fixadas no escrito outorgado pelas partes a 1 de Fevereiro de 2017, apenas foram pagas as primeiras sete, no valor global de € 3.325,00, dúvidas não restam de que permanece em dívida o montante peticionado pelos Autores (€ 17.925,00).

Esse facto consubstancia um incumprimento das obrigações assumidas pela Ré com a celebração do acordo a que se reportam os presentes autos.

Como é sabido, as disposições legais especificamente respeitantes à responsabilidade civil contratual constam dos artigos 798º e seguintes do Código Civil, embora também lhe sejam aplicáveis algumas das normas que regulamentam a responsabilidade civil extracontratual.

Assim, dispõe, desde logo, o preceito mencionado que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.”.

(…)

Deste modo, o primeiro dos pressupostos de que depende a responsabilidade civil contratual do devedor há-de consistir na prática de um facto que consubstancie um incumprimento da obrigação a que se vinculara.

Com efeito, resulta do preceituado no artigo 406º, n.º 1, do Código Civil, que “o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”.

Por outro lado, determina o artigo 762º, n.º 1, do Código Civil, que “o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado”.

Ora, não tendo nenhum dos devedores solidários efectuado o pagamento integral da quantia fixada nos termos acordados com os Autores, é patente que os mesmos não cumpriram, dentro do prazo estipulado pelas partes, a prestação a que ficaram vinculados em consequência do contrato celebrado com os Autores.

Assim, importa agora verificar se o efeito correspondente à apontada falta de cumprimento deverá ser o pretendido pelos Autores, ou seja, a condenação da Ré no pagamento da quantia peticionada, …

(…)

Já no que respeita à culpa dir-se-á, em primeiro lugar, que, nos termos do disposto no artigo 799º, n.º 1, do Código Civil, “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”.

(…)

A ser assim, incumbiria à Ré afastar a presunção de culpa decorrente do preceito legal citado (cfr. artigo 344º, n.º 1, do Código Civil).

Acontece, porém, que, compulsada a matéria de facto considerada provada nestes autos, não constam da mesma quaisquer factos que permitam afastar a mencionada presunção de culpa, razão pela qual não poderá deixar de se considerar o incumprimento imputado à Ré como culposo.

(…)

Já no que respeita aos prejuízos sofridos pelos Autores e ao nexo de causalidade entre o facto e esses prejuízos importa, antes de mais, considerar que, no caso em apreço, a Ré incorreu em mora e não num incumprimento definitivo do contrato (cfr. artigo 804º, n.º 1 e 2, do Código Civil, atrás transcrito).

Acresce que, nos termos do artigo 805º, n.º 1, do Código Civil, “o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir”.

De todo o modo, resulta do disposto no n.º 2 do mesmo artigo 805º do Código Civil que “há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação: a) se a obrigação tiver prazo certo”.

Assim, em face do preceituado nas disposições legais citadas é inequívoco que a Ré ficou constituída na obrigação de reparar os danos causados aos Autores.

Verificando-se que o pagamento das prestações acordadas foi omitido a partir da prestação cuja data de vencimento foi atingida no dia 8 de Setembro de 2017, a constituição da Ré em mora ocorreu no dia seguinte.”.

Concorda-se com a sustentação jurídica e com o resultado a que ela chegou, mas a mesma deve ser completada, face à objecção da R. de que inexistiu interpelação da mesma por parte dos RR a considerar vencida a dívida, na sua totalidade, e como tal inexigível.  

Certo, como se diz na sentença recorrida, que resulta do disposto no nº 2, a), do art. 805º do CC que há mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo. Certo, então, como aí se refere, que o pagamento das prestações acordadas foi omitido a partir da prestação cuja data de vencimento foi atingida no dia 8.9.2017, pelo que a constituição da R. em mora ocorreu no dia seguinte. Mas assim sendo, no dia 9 de cada mês, face ao não pagamento de cada uma das restantes prestações a R. entrava em mora. Pelo que, quando os AA intentaram a acção, em 8.7.2019, estavam em mora 22 prestações apenas, reclamando, no entanto, os AA o pagamento de 29 prestações, correspondentes ao apontado valor total de 17.925 €.  

Só se compreende e aceita tal reclamação face ao que dispõe o art. 781º do CC e 7ª cláusula convencional estabelecida entre as partes que estatui/estabeleceu: que se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas/a falta de pagamento de uma prestação implica o vencimento da totalidade da dívida.  

Ora, como ensina Antunes Varela (em D. Obrigações, Vol. II, 7ª Ed., pág. 54), o vencimento imediato das prestações constitui um benefício que a lei concede, mas não decreta, ao credor, pelo que o credor deve interpelar o devedor para cumprir toda a obrigação, o que constitui manifestação de vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui (no mesmo sentido vão Almeida Costa, D. Obrigações, 6ª Ed., pág. 893, A. Menezes Cordeiro, D. Civil Português, II, D. Obrigações, T. IV, 2010, pág. 39 e J. C. Brandão Proença, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, 1ª Ed., pág. 85).

Dos factos apurados não resulta nenhuma interpelação extrajudicial dos AA credores à R. devedora, a exigir o montante total na acção reclamado, pois o constante do facto provado 8. não tem esse condão.

Todavia, por outro caminho, o da interpelação judicial, verificamos que a interpelação existe.

Na verdade, como já foi atrás dito, o devedor fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (art. 805º, nº 1, do CC). No nosso caso, inexiste litígio relativamente à existência da obrigação. Ela existe e a R./devedora/recorrente não a nega, apenas objecta que não foi interpelada para pagar. Porém, com a citação da R. para a presente acção, tal dívida, no seu total, considera-se vencida, podendo, pois, ser exigida à R./devedora, como emerge do art. 610º, nº 1, b), do NCPC (vide neste preciso sentido Antunes Varela, CC Anotado, Vol. II, 2º Ed., nota 1. ao art. 805º, pág. 56, Almeida Costa, ob. cit., pág. 884, nota 2, e J. C. Brandão Proença, ob. cit., pág. 77).

De sorte, que ao contrário do sustentado pela recorrente a mesma foi interpelada para cumprir, para pagar a totalidade da dívida, o que não se demonstra ter feito.

Daí que, igualmente, improceda esta parte do seu recurso.      

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) O que se impugna, quando se ataca a decisão da matéria de facto proferida pelo julgador, como decorre do art. 640º, epígrafe e seu nº 1, do NCPC, são factos, constantes da decisão sobre tal matéria, e não as questões que a julgadora elencou, em observância ao que a lei comanda no art. 607º, nº 2, do NCPC, e que a sentença terá que solucionar;

ii) Se a recorrente defende existir contradição entre a factualidade apurada e a fundamentação jurídica e respectiva decisão proferida, então estaremos perante um erro no julgamento de direito – má aplicação do direito aos factos apurados -, mas jamais perante um vício da decisão da matéria de facto;

iii) Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, designadamente os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas que tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda;

iv) A omissão desse ónus, imposto no referido artigo, implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto, não se satisfazendo o mesmo com a menção que a declaração de parte está gravada no sistema digital, ou com a indicação do início aos … e termo aos … (sendo que no caso nem existe transcrição de tais declarações);

v) Sobre este último ónus, o texto da lei e a sua interpretação histórico-actualista, repudiam interpretações facilitistas, que no fundo degeneram em violação: do princípio da igualdade das partes - ao não tratar diferentemente o cumprimento ostensivamente defeituoso da lei adjectiva, pois se há partes que podem cumprir esse ónus e o cumprem, porque razão se haveria de dar igual tratamento a quem não o faz ! -; do princípio do contraditório - por impor à parte contrária um esforço excessivo e não previsto na tarefa de defesa, imputável ao transgressor -; e do princípio da colaboração com o tribunal - por razões análogas, mas reportadas ao julgador;

vi) Sendo de rejeitar, também, interpretações complacentes, que se contentam com a indicação do depoimento e identificação de quem o prestou, sem obrigatoriedade de transcrição; com a fixação electrónica/digital do início e fim dos depoimentos e a transcrição dos excertos relevantes; já que a não ser assim há excesso de formalismo que a dogmática processual rejeita; a não ser assim não se respeita o princípio da proporcionalidade.

vii) Na verdade, a 1ª interpretação faz tábua rasa do texto legal, relevando dois elementos que a lei não enumerou e “apagando” a passagem nuclear do texto legal “indicação com exactidão das passagens da gravação”; a 2ª interpretação, obnubila também tal trecho legal, pois que apenas releva o fim e início da gravação, acabando por não observar o cumprimento do verdadeiro requisito legal, e por outro lado, passa a requisito de cumprimento obrigatório um elemento – a transcrição dos excertos relevantes – que a lei expressamente vê como facultativo; a 3ª interpretação, não contém objecção de relevo pois a exigência de formalismo nada tem de extraordinário, como o tribunal constitucional já sinalizou; e na 4ª interpretação não se divisa ofensa da exigência de proporcionalidade, pois que, na sua tridimensionalidade de onerosidade, dificuldade e gravidade das consequências, o cumprimento rigoroso da lei, quanto ao indicado requisito de impugnação da matéria de facto, não é oneroso e é de fácil execução, não sendo anómala, no seu incumprimento, a respectiva rejeição do recurso; 

viii) Como decorre dos arts. 1405º, nº1, e 985º, nº 1, do CC, a acção de despejo, na falta de convenção em contrário, pode ser proposta por qualquer um dos comproprietários; o que quer dizer que estamos perante uma situação de litisconsórcio voluntário e não perante um litisconsórcio necessário legal (vide arts. 32º e 33º, nº 1, “a contrario” do NCPC);

ix) Se um dos senhorios/comproprietários/AA confessa um facto desfavorável aos mesmos, nos termos do art. 353º, nº 2, do CC, tal confissão, de litisconsorte voluntário, embora eficaz, e com força probatória plena, restringe-se ao seu interesse, não abarcando e não valendo contra os restantes;

x) Tendo as partes convencionado que a falta de pagamento de uma prestação implica o vencimento da totalidade da dívida, o vencimento imediato das prestações constitui um benefício que a lei concede (no art. 781º do CC), mas não decreta, ao credor, pelo que o credor deve interpelar o devedor para cumprir toda a obrigação;

xi) Dá-se a interpelação judicial, por parte do credor ao devedor, para pagamento da dívida total, com a citação da R. na acção, considerando-se a partir daí vencida, e podendo, assim, ser exigida à R./devedora (art. 610º, nº 1, b), do NCPC).

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.

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Custas a cargo da A., relativamente ao montante peticionado pela mesma de 17.925 € (art. 610º, nº 3, do NCPC) e no restante a cargo da R.

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   Coimbra, 8.9.2020

Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Alberto Ruço