Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3108/14.1T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
REQUISITOS
Data do Acordão: 11/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – SEC. EXECUÇÃO – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 281º, Nº 5 DO NCPC .
Sumário: I) A deserção da instância cominada no art. 281º/5 do NCPC só deve ser declarada se os autos permitirem concluir no sentido de que: i) decorreu um prazo de seis meses sem impulso processual da parte sobre a qual impende o respectivo ónus, o que não equivale necessariamente a um incumprimento da obrigação do agente de execução de manter actualizado o registo dos actos por si praticados; ii) a falta desse impulso seja imputável a negligência activa ou omissiva da parte assim onerada, em termos de poder concluir-se que a falta de tramitação processual seja imputável a um comportamento da parte dependente da sua vontade.

II) Não tem essa virtualidade, por princípio, a ausência de tramitação que seja imputável ao agente de execução, porque carente da prática de actos que sejam da sua exclusiva competência, a menos que o exequente seja notificado dessa situação de inércia do agente de execução em termos de para ele ser transferido um qualquer ónus de praticar actos tendentes a pôr-lhe cobro, requerendo a realização de concretas diligências executivas ou mesmo a destituição do agente de execução.

III) O termo inicial do prazo de seis meses de inércia processual por parte do exequente que determina a deserção da instância executiva tem de coincidir com a data da notificação que lhe seja feita – pelo agente de execução ou pela secretaria – no sentido da prática de um qualquer acto de que dependa a tramitação executiva ou no sentido de o informar que o processo se encontra paralisado por inércia do agente de execução a que importe colocar termo, ficando os autos a aguardar, em qualquer dos casos, o impulso processual do exequente.

Decisão Texto Integral:



Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

Nos presentes autos de execução, iniciados em 19/7/2013 sob o nº ..., por apenso ao processo ..., após liquidação e pagamento da taxa de justiça devida, a senhora agente de execução solicitou aos exequentes em 23/7/2013 determinada provisão, a qual foi por eles satisfeita em data não posterior a 9/8/2013.

Em 9/8/2013 a senhora agente de execução requereu a dispensa judicial de siligo fiscal tendente a determinar o NIF da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito da mãe do executado e, na posse desse elemento fiscal, proceder a buscas com vista à identificação de bens penhoráveis.

Nessa mesma data, lançou nos autos a informação de que os autos aguardavam o levantamento do sigilo fiscal.

Ainda na mesma data notificou os exequentes nos seguintes termos: “Fica(m) V. Exa(s). notificado(s) para o términos da FASE 1 nos autos em referência, conforme dispõe o número 1 do artigo 833º-B, do Código de Processo Civil.

Para os referidos efeitos refere-se abaixo, em informações complementares, o resultado da consulta ao registo informático das execuções e dos bens penhoráveis identificados ou do facto de não se ter identificado quaisquer bens penhoráveis.

No caso de terem sido identificados bens penhoráveis, a execução prossegue, sem prejuízo do disposto no número 1 do artigo 834.º do Código de Processo Civil, com a penhora desses bens excepto se, no prazo de 5 dias a contar desta notificação, o exequente:

a) Declarar que não pretende a penhora de determinados bens imóveis ou móveis não sujeitos a registo identificados;

b) Desistir da execução. Não tendo sido encontrados bens penhoráveis, o exequente deve indicar bens à penhora no prazo de 10 dias, sendo penhorados os bens que ele indique.”.

Conjuntamente com essa notificação deu-se informação aos exequentes de que existiam, pelo menos, dois veículos automóveis penhoráveis.

Em 16/9/2013 foi deferida a requerida dispensa de sigilo fiscal (referência Citius ...), do que a senhora agente de execução foi notificada em 17/9/2013 (referência Citius ...).

Em 1/10/2013 a senhora agente de execução lançou nos autos a seguinte informação sobre o seu estado: “Pesquisa de Bens Penhoráveis. Aguarda levantamento do sigilo fiscal.”.

Em 7/10/2013 a senhora agente de execução juntou aos autos o resultado de uma pesquisa que efectuou na Conservatória do Registo Predial de ...

Em 20/2/2014 a senhora agente de execução lançou nos autos uma informação relativa a pesquisa de bens penhoráveis junto da autoridade tributária e aduaneira, com identificação de um veículo automóvel penhorável.

Em 5/3/2014 a senhora agente de execução lançou nos autos a seguinte informação relativa ao seu estado: “Diligências para a citação do executado para os termos do 750.º CPC em curso.”.

Por registos postais de 5/3/2014 foi penhorado o direito do executado à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de D..., a qual era objecto do processo de inventário com o nº ..., e à qual concorriam o executado e outros.

No dia 24/3/2014 (referência Citius ...), P... requereu nos autos, designadamente, o que a seguir se deixa transcrito: “Sem conceder, sempre se impõe declarar, nos aludidos autos de execução (2004), a extinção da instância executiva, por deserção (art. 277º, c) e art 281º nº1 e nº5 do NCPC), por clamorosa inércia dos exequentes em promover os seus termos há mais de 6 meses.

Tudo como se requer e impõe seja declarada e extinção da instancia executiva por deserção, com as legais consequências quanto ao invocado crédito sobre o executado.”.

Em 26/3/2014 a senhora agente de execução lançou nos autos a seguinte informação relativa ao seu estado: “Diligência de penhora em curso. Notificação para penhora de créditos..

Em 3/4/2014 foi lavrado o auto de penhora do direito do executado à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de D...

Citado para os termos da execução, o executado apresentou no dia 6/5/2014 (referência Citius ...) oposição à execução por embargos, com o teor seguidamente transcrito:

1.º

Vem o presente requerimento executivo assente, alegadamente, em titulo executivo constituído por sentença judicial.

2.º

Porém, o dito título executivo de decisão condenatória não se mostra junto com a execução ora proposta contra o executado.

3.º

Pelo que está o executado impossibilitado de se opor na presente execução.

4.º

Efectivamente, o titulo executivo, ainda que sentença judicial, tem de ser junto e integrar o requerimento executivo, a fim de serem conhecidos todos os elementos que integram o titulo, designadamente e no caso concreto, ser, desde logo, certificada pelo Tribunal que a decretou a data do trânsito em julgado.

5.º

Tal requisito formal não se mostra cumprido.

6.º

Nem alude a exequente à data do trânsito em julgado, nem a data a partir da qual iniciou a contagem dos juros apenas referindo, genericamente, “(…) contados até à data de 20-07-2013”.

Ora,

7.º

Efectivamente, logo no plano da exequibilidade da sentença condenatória quanto aos juros de mora, devem estes contar-se a partir do trânsito em julgado.

8.º

Pois é negado ao credor o direito de, mesmo a partir de uma sentença que condena o devedor no pagamento de determinado capital, a exigir a cobrança coerciva de juros de mora, mesmo os vencidos a partir do seu trânsito em julgado.

9.º

Como vem entendendo a Jurisprudência maioritária, a justificação radica da aplicação directa do nº 1 do art. 45º do CPC, considerando que a falta de alusão à obrigação de juros moratórios retira à sentença a exequibilidade nessa parte pois, de acordo com tal preceito, o título executivo esgota os fins e os limites da acção executiva.

10.º

Destarte, é vedada ao credor a cobrança coerciva desses juros, mesmo nos casos em que a existência de mora, por falta de pagamento atempado da obrigação principal, seja inequívoca.

11.º

Ora, no caso o executado e ora oponente apenas foi citado para o presente requerimento executivo em 07-04-2014 (refª. registo postal ...).

12.º

Decorreram mais de nove anos desde a data da instauração da dita acção sob a forma de processo sumário com proc nº... e/ou da sentença nos ditos autos até à data da citação do executado para os termos do presente requerimento executivo.

13.º

Não sendo, também, devida a quantia de juros peticionada contados “(…) até à data de 20-07-2013, no montante de 2.019,20€ (…)”, ou seja, o “calculo de juros civis  à taxa legal de 4% desde o transito em julgado da sentença e vencimento das rendas (dia 8 de cada mês) até ao dia 20/07/2013: 4.489,20€ desde 12-07-2004 (transito em Julgado) – 1621,03€; 374,10€ desde 8 de Agosto de 2004 – 133,98€; 374,10€ desde 8 de Agosto de 2004 – 132,71€; 374,10€ desde 8 de Agosto de 2004 – 131,48€; Total de  Juros – 2.019,20€” – cfr a parte dos “Factos” e “Da liquidação da obrigação” do requerimento executivo.

14.º

Aliás, é ininteligível o calculo apresentado por referência concreta a rendas alegadamente devidas e vencidas subsequentemente à sentença na parte da liquidação em que o exequente calcula, repetidamente, “374,10€ desde 8 de Agosto de 2004” com valores distintos “133,98€”, “132,71€” e 131,48”.

15.º

Questionamos como é que operou esse milagre da multiplicação do mesmo valor com resultados distintos!

16.º

Pelo que improcede, em suma, a presente execução por falta de titulo executivo, o qual sendo alegadamente uma sentença não se mostra junto aos autos com a respectiva data do transito em julgado, e bem assim

17.º

Não sendo devida a quantia peticionada quer a titulo de capital, quer a titulo de juros de mora.

18.º

Impugna-se, por não corresponder à verdade, a alegada “entrega do locado em 27-04-2004” e bem assim as rendas reclamadas por “falta de entrega do locado” até à indicada data.

19.º

Efetivamente, a entrega do locado ocorreu na data em que ambos acordaram, designadamente após a limpeza do locado e a remoção das benfeitorias pelo ora oponente.

Sem conceder,

20.º

Também não se mostra junto ao requerimento executivo a procuração forense outorgada pela exequente Herança Ilíquida a favor do mandatário.

21.º

Ao abrigo do disposto no nº3 do art. 58º do CPC é obrigatória a constituição de advogado pela parte que se arroga legítima sempre que a execução seja superior à alçada do Tribunal de primeira instância (5.000,00€).

22.º

E assim, verifica-se igualmente a falta de patrocinio judiciário na presente execução e a consequentemente ilegitimidade dos exequentes, designadamente da Herança Iliquida e Indivisa.

23.º

Em suma, não reconhece a existência do alegado crédito dos exequentes Cabeça de casal da Herança de M... e outros, atenta a prescrição do mesmo.

24.º

Por outro lado, ocorreu a extinção da instância executiva, por deserção (art. 277º, c) e art 281º nº1 e nº5 do NCPC), por clamorosa inércia dos exequentes em promover os seus termos há mais de 6 meses.

Nestes termos e nos demais de direito devem os presentes embargos ser julgados procedentes por provados e, em consequência:

a) Ordenar-se o cancelamento da penhora efectuada sobre o quinhão hereditário detido pelo executado na herança de D..., tudo com as legais consequências.

b) Condenar-se os embargados a pagar custas e adequada procuradoria.”.

No dia 24/7/2014 o tribunal dirigiu à senhora agente de execução um pedido de informação de teor concreto não apurado (referência Citius ...).

Em 30/7/2014 a senhora agente de execução informou que “…vai proceder-se à transferência/pagamento do valor supra indicado, mais declarando que se encontram reunidos os pressupostos processuais e legais para que este pagamento seja realizado.

Este documento não é comprovativo de realização de transferência, mas tão só como documento de suporte prévio a realização da transferência.”.

Em 1/9/2014 o processo executivo transitou do extinto Tribunal da Comarca de Montemor-o-Velho para a Secção de Execução da Instância Central do Tribunal da Comarca de Coimbra, tendo-lhe aí sido atribuído o número 3108/14.1T8CBR.

Foi para este processo com o novo número que foi importada toda a tramitação efectuada até 31/8/2014 no processo ...

Também foi para este processo com o novo número que passaram a ser canalisados todos os requerimentos e demais expediente remetidos pela agente de execução e pelas partes, mesmo aqueles que vinham dirigidos ao ...

Apesar da relocalização e renumeração do processo, a senhora agente de execução continuou a praticar nos autos até 20/4/2016, seja em relação às partes, seja em relação ao tribunal, actos processuais que se reportavam, em termos da identificação do seu destinatário, ao processo nº ...

Em 24/9/2014 a senhora agente de execução prestou nos autos a seguinte informação sobre o estado dos mesmos: “Penhora efectuada. A aguardar que seja feito o inventário.”.

Em 3/10/2014 a senhora agente de execução dirigiu aos exequentes a seguinte notificação: “Não tendo sido possível determinar a existência de bens penhoráveis, deve proceder à sua indicação no prazo de DEZ DIAS, nos termos do artigo 750º do Código do Processo Civil (CPC), requerendo o que tiver conveniente.”.

Em 23/1/2015 o tribunal dirigiu à senhora agente de execução uma notificação no sentido da junção aos autos das notificações da extinção da execução (referência Citius ...).

A senhora agente de execução respondeu, em 29/1/2015, o seguinte: “A..., Agente de Execução nos autos em epígrafe, tendo sido notificada a 23 de Janeiro de 2015, vem mui respeitosamente informar de que a presente execução está a aguardar informações do processo de inventário que está a decorrer, uma vez que existe um bem penhorado ao abrigo dos presentes autos que depende da resolução do referido processo de inventário.”.

Em 3/6/2015 o tribunal dirigiu à senhora agente de execução um pedido de informação sobre o estado do processo, na sequência do que a mesma agente nada promoveu ou informou nos autos.

Em 17/9/2015 o tribunal dirigiu à senhora agente de execução um pedido de informação sobre o estado do processo, “Alertando-se para o cumprimento do disposto no art.º 750 do Código de Processo Civil, caso não consiga penhorar bens ao executado dentro dos próximos 3 meses - cumprir com o disposto no art.º 750 n.º 1 a 3 do CPC, procedendo as diligências necessárias.”, na sequência do que a mesma agente nada promoveu ou informou nos autos.

Em 21/1/2016 (referência Citius ...) o tribunal dirigiu à senhora agente de execução um novo pedido de informação sobre o estado do processo.

Nesse mesmo dia os exequentes foram notificados nos seguintes termos: “Fica deste modo V. Exª notificado, relativamente ao processo supra identificado, de que a Sr.ª AE foi por nós notificada para informar o estado das diligências efectuadas nos autos em 03/06/2015 e 17/09/2015 e até á presente data nada informou.

Assim queira V.º Ex.º requerer o que tiver por conveniente.

Juntam-se as notificações efectadas e a sua ultima comunicação aos autos” – referência Citius ...

Em 25/1/2016 (referência Citius...) o executado apresentou um requerimento do seguinte teor: “1 – Por requerimento de 06-05-2014, o executado deduziu oposição por embargos contra a execução de que foi citado em 07-04-2014 tendo por referência um requerimento executivo apresentado em juízo em 19-07-2013 – tendo por base um titulo executivo, dito, de “sentença judicial, transitada em julgado, no Processo com acção sob a forma de processo sumário ...” a qual não acompanhou o requerimento executivo.

2 – Destarte, além da invocada falta de titulo executivo, o executado invocou na sua Oposição “a extinção da instância executiva, por deserção (art. 277º, c) e art 281º nº1 e nº5 do NCPC), por clamorosa inércia dos exequentes em promover os seus termos há mais de 6 meses”.

3 – Subsequentemente, veio o Mm Juiz notificar a AE – em 03-06-2015, Refª ... -, para informar o estado das diligências.

4 – A AE não respondeu.

5 – De novo veio o Mm Juiz de Direito notificar a AE – em 17-09-2015, Refª ... – para informar o estado das diligências.

6 – A AE não respondeu.

7 – Já anteriormente a AE foi notificada pelo Mm Juiz para juntar aos autos “as notificações da extinção da execução ” -vd. Refª ..., de 23-01-2015 -, na plataforma citius, não tendo a AE dado cumprimento ao ordenado.

8 - Ora, decorridos mais de 6 meses desse requerimento do Tribunal de 23-01-2015 notificado à AE, também o exequente nada requereu, tendo decorrido até à presente data mais de 1 ano!

9 - Dispõe o nº5 do art. 281º do CPC que “no processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”, como ocorre clamorosa e manifestamente no caso concreto.

Termos em que requer a Vª. Exª. se digne julgar deserta a instância nos termos e ao abrigo do disposto no art. 281º, nº5, do CPC, com as legais consequências.”.

Em 2/2/2016 a senhora agente de execução requereu nos autos o seguinte: “A..., Agente de Execução nos presentes autos vem solicitar – com vista ao prosseguimento das diligências nos presentes autos - que se dignem informar se já houve decisão relativamente aos embargos de executado.”.

No dia 11/2/2016 os autos foram conclusos com a informação de que “…se encontra junto aos autos, com a ref.ª de entrada ..., datada de 06/05/2014, um requerimento com a designação de Execução - Requerimento para outras questões, ao editar o documento verifica-se que o mesmo é uma oposição por embargos, deduzida pelo executado F..., sem que a mesma tenha sido autuada com tal, pelo que faço os autos conclusos a V.a Ex.a, face ao requerimento agora entrado com ref.ºa ..., de 25/01/2016.”.

Por ocasião dessa conclusão decidiu o tribunal recorrido, por despacho de 11/2/2016 (referência Citius ...) o seguinte: “Face ao teor da informação acima consignada e uma vez que os referidos “Embargos à execução” deveriam ter sido deduzidos por apenso, o que não sucedeu, não pode, no momento actual e de modo oficioso, ser tal situação suprida pelo juiz de modo oficioso.

Todavia, verifica-se que o “fundamento” essencial dos embargos é a invocação da declaração de deserção da instância executiva, o que poderia ter sido já arguido em requerimento junto a esta execução.

Assim sendo, de modo a poder apreciar cabalmente tal questão, visto existir um auto de penhora de 2014 (que incide sobre o quinhão hereditário do executado F...), deverá a Srª. AE melhor explicitar o teor do seu requerimento de 29-01-2015 em 10 dias, notificando-a para esse efeito.

Notifique (exequentes e executados) e comunique à AE.”.

Desse despacho foram notificados os exequentes e o executado, através da plataforma Citius por notificação elaborada em 16/2/2016 (referências Citius ...), não tendo sido apresentada qualquer reclamação, arguição de nulidade ou recurso.

Na sequência desse despacho e em cumprimento do mesmo, a senhora agente de execução prestou nos autos a seguinte informação: “A..., Agente de Execução nos presentes autos tendo sido notificada do despacho de V. Exa de 11/02/2016 ( ref ...) hoje dia 29/02/2016( Conforme printScreen que se junta) com um prazo de 10 dias para responder ao mesmo, informa que devido a um problema com o Citius só nesta data foi notificada do referido despacho.

Relativamente ao solicitado informa que o requerimento que V. Exa. refere do dia 29-01-2015 é a resposta a um estado de Diligencia.” .

Em 26/2/2016 os exequentes requereram o prosseguimento dos autos com vista à realização da venda judicial do direito penhorado (referência Citius...).

Em 10/3/2016 a senhora agente de execução comunicou aos autos que havia notificado o executado e os ilustres mandatários do executado e dos exequentes do seguinte: “Sou pelo presente remeter a V.Exª retificação do auto de penhora datado de 03/04/2014.

No anterior auto, a ora signatária apenas referiu “penhora de quinhão hereditário (…)”, contudo vem agora retificar, procedendo à descriminação de todos os bens que integram o mesmo.” – junto nessa data o auto de penhora com a anunciada rectificação.

Em 14/3/2016 o exequente J... requereu a adjudicação do direito penhorado, com dispensa do pagamento do preço – referência Citius ...

Por despacho de 30/3/2016 (referência Citius...), decidiu-se nos termos seguidamente transcritos: “Uma vez que a Srª. AE aguardava que o juiz resolvesse a questão colocada pelo executado sobre os “embargos à execução” e dado que o teor desses embargos concernem à deserção da instância executiva, inexistindo inércia dos exequentes mo prosseguimento desta execução, deverá a AE prosseguir com as diligências de venda do quinhão hereditário, fixando o valor base ao mesmo e decidindo sobre o pedido de adjudicação.

Notifique e comunique.”.

Em 18/4/2016 (referência Citius...), o executado: i) suscitou pela primeira vez nos autos a questão da execução estar a ser formalmente tramitada por via de dois processos electrónicos (Proc. nº ..., ambos do J2 da Secção de Execução da Instância Central de Coimbra), arguindo a nulidade de todo o processado subsequente à oposição por embargos deduzida anteriormente e requerendo a apensação do primeiro ao segundo; ii) pronunciou-se sobre a modalidade da venda e sobre o correspondente preço base de venda, requerendo avaliação para a determinação deste.

Não se conformando com o despacho de 30/3/2016, apelou o executado, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:

1.º É do despacho de 30.03.2016 que recorre o executado e ora recorrente F... porque inconformado com o teor.

2.º Desde logo, limita-se tal despacho a pronunciar-se sobre os embargos de executado sem verdadeiramente os decidir, referindo apenas no despacho em crise que “concernem à deserção da instancia executiva, inexistindo inércia dos exequentes no prosseguimento dessa execução (…)”

3.º Ora, tal não corresponde à verdade, constituindo tal despacho “liminar” flagrante omissão de pronuncia sobre o âmbito dos embargos de executado.

4.º Efectivamente, os embargos de executado versavam sobre diversas questões, as quais não foram decididas pelo tribunal a quo, designadamente no despacho em crise, nem tendo havido sentença sobre o mérito dos mesmos.

5.º Não se cingiram os embargos de executado á questão da deserção da instancia executiva mas também sobre a existência/falta de titulo executivo, e sobre esta questão o tribunal a quo sequer conhece ou decide!

6.º Nos embargos de executado, o ora recorrente suscita diversas questões, neles concluindo o ora recorrente deverem ser julgados procedentes por provados e, em consequência, ordenar-se o cancelamento da penhora efectuada sobre o quinhão hereditário detido pelo executado na herança de D..., e serem condenados os embargados a pagar custas e adequada procuradoria, mais arrolando prova testemunhal.

7.º O despacho em crise, decidindo como decidiu, reconduzindo o teor e âmbito dos “embargos à execução” à mera questão da “deserção da instância executiva, sendo esta questão apenas referida nos pontos 11, 12 e 24 dos embargos à execução, decidiu mal, omitindo manifestamente a sua pronúncia e decisão sobre todas as demais questões concretamente suscitadas, designadamente sobre o titulo executivo (falta da data do transito em julgado), a falta de legitimidade dos embargados, a falta de patrocínio à data da interposição do requerimento executivo sendo este obrigatório, os juros indevidos, a prescrição do crédito, a impugnação da matéria subjacente quanto á “entrega do locado em 27-04-2004”, entre outras.

8.º Por outro lado, como é patente perante toda este elencado de tramitação processual efectuado a duas execuções, paralelamente pela AE, omitindo assim o Tribunal a quo e não dando relevância a tudo o tramitado nos autos de execução ..., a saber a pronúncia do interessado P... sobre o quinhão penhorado e os embargos de executado de F..., até á data de 30.07.2014, data a partir da qual foi desdobrada ou duplicada a execução para uma nova execução nº3108/14.1T8CBR, a falta de pronúncia e decisão concreta sobre os indicados articulados de defesa praticados pelo interessado e pelo executado e ora recorrente até à data do despacho ora em crise.

9.º Efectivamente, pese embora a AE se referir expressamente aos “embargos à execução” invocando (após um período temporal de mais de 1 ano sem nada tramitar não obstante as sucessivas e reiteradas notificações do tribunal a quo para que o fizesse), estar a aguardar que sobre os mesmos fosse proferida decisão, o despacho em crise que sobre eles se pronuncia limita-se a decidir sobre a “deserção da instância executiva” e manda prosseguir a execução para a venda, não obstante ter decidido quaisquer das outras questões expressamente alegadas nos mesmos embargos.

10.º Ao invés, o Tribunal a quo limita-se a concluir que os “embargos à execução” se reconduzem ou concernem à deserção da instancia executiva e, não tendo esta ocorrido, a execução prossegue, assim decidindo “liminarmente” os embargos à execução.

11.º Tal decisão viola o dever de pronuncia a que está obrigado o tribunal a quo, de se pronunciar sobre todas as questões colocadas á sua decisão.

12.º Por outro lado, o recorrente tem direito à tramitação dos embargos de execução com a respectiva produção da prova, como alegou e arrolou.

13.º Por outro lado ainda, no que concerne à deserção da instancia, a mesma era invocada nos embargos á execução por referencia a outro período temporal do que o abrangido e referido no despacho em crise.

14.º Nos “embargos à execução” na execução ... o recorrente alegava expressamente que “ o executado e ora oponente apenas foi citado para o presente requerimento executivo em 07-04-2014 (refª. registo postal...)” e que “decorreram mais de nove anos desde a data da instauração da dita acção sob a forma de processo sumário com proc nº... e/ou da sentença nos ditos autos até à data da citação do executado para os termos do presente requerimento executivo”, tendo ocorrido a extinção da instância executiva, por deserção (art. 277º, c) e art 281º nº1 e nº5 do NCPC), por clamorosa inércia dos exequentes em promover os seus termos há mais de 6 meses.

15.º E ainda na execução ... o executado sustentou que desde os embargos à execução e, em particular, a partir de 30.07.2014 (data em que a AE passou a tramitar a execução como tendo o nº 3108/14.1T8CBR, sem atentar ou se pronunciar sobre tudo o anteriormente praticado pelo executado e ao interessado, regulamente citado e/ou notificado para o efeito), na (nova) execução (com processo nº 3108/14.1T8CBR), o único e primeiro ato praticado pela AE foi a Informação estatística de 16.01.2015, com a informação de “Penhora efectuada. A aguardar que seja feito o inventário” – vd registo citius...

16.º Nova execução essa (proc 3108/14.1T8CBR) tramitada à revelia e sem o conhecimento do executado, já que este só vem a tomar conhecimento destes autos de execução, por ter compulsado o processo na plataforma inusitadamente, em 25.01.2016!

17.º E neste sentido aliás, em 23.01.2015 a Exma Juiz de Direito notificou a AE para “juntar aos presentes autos as notificações da extinção da execução” – vd registo citius nº ...

18.º Contudo, em 29.01.2015, a AE, omitindo qualquer resposta ao requerimento do interessado P..., veio informar os autos que “a presente execução está a aguardar informações do processo de inventário que está a decorrer, uma vez que existe um bem penhorado ao abrigo dos presentes autos que depende da resolução do referido processo de inventário” e juntou o Auto de Penhora de 3.04.2014.

19.º Neste sentido, pretendendo o Tribunal a quo ter informação sobre o estado das diligências cumpridas e efectuadas subsequentemente à informação da AE de 29.01.2015, em 3.06.2015 o Tribunal a quo notifica a AE para informar este tribunal qual o estado da diligência – vd registo citius... – sem resposta.

20.º Em 17.09.2015 a AE foi notificada para informar este tribunal qual o estado da diligência – vd registo citius... –, de novo, sem resposta da AE.

21.º Em 21.01.2016 a AE foi, de novo, notificada pelo tribunal a quo para “dar informação aos autos já por nós solicitada” – vd registo citius nº... – e bem assim, na mesma data, foi notificado o exequente do incumprimento do dever de resposta pela AE aos diversos pedidos de informação do tribunal do estado das diligências – vd registo citius ...

22.º Deste modo, em suma, é a concreta inércia da exequente e da AE, desde 29.01.2015 até à indicada data de 21.01.2016, decorrido ap. 1 ano, que está subjacente a que, por requerimento de 25.01.2016, o executado e ora recorrente tenha requerido então expressamente fosse declarada a deserção na presente execução – vd registo citius ... – o que é bem distinto do período e lapso temporal a que alude o recorrente nos seus “embargos à execução”, assim enfermando o despacho em crise de 30.03.2016 em manifesto erro de apreciação e valoração processual da inercia invocada por referencia a períodos e lapsos temporais distintos com falta de tramitação da execução!

23.º Acresce que em requerimento de 2.02.2016, sem nada responder ao pedido de informação do tribunal, a AE apresenta-se então a indagar junto do tribunal se houve decisão sobre os embargos de executado – vd registo citius... – dando lugar a que lavrada a cota ” Em 05-02-2016, Constata-se agora que se encontra junto aos autos com a ref.ªa de entrada ... datado de 06/05/2014, um requerimento com a designação de Execução - Requerimento para outras questões, ao editar o documento verifica-se que o mesmo é uma oposição por embargos deduzida pelo executado F..., pelo que faço os autos conclusos a V.a Ex.a, face ao requerimento ref.ºa ... de 25/01/2016” e em 11.02.2016, fosse lavrado o seguinte despacho “Face ao teor da informação acima consignada e uma vez que os referidos “Embargos à execução” deveriam ter sido deduzidos por apenso, o que não sucedeu, não pode, no momento actual e de modo oficioso, ser tal situação suprida pelo juiz de modo oficioso. Todavia, verifica-se que o “fundamento” essencial dos embargos é a invocação da declaração de deserção da instância executiva, o que poderia ter sido já arguido em requerimento junto a esta execução. Assim sendo, de modo a poder apreciar cabalmente tal questão, visto existir um auto de penhora de 2014 (que incide sobre o quinhão hereditário do executado F...), deverá a Srª. AE melhor explicitar o teor do seu requerimento de 29-01-2015 em 10 dias, notificando-a para esse efeito. Notifique (exequentes e executados) e comunique à AE.”, tentando, assim, o Tribunal a quo corrigir o processado face aos erros da AE quanto à duplicação das execuções, passando os embargos à execução a integrar os autos principais, notificando, contudo, a AE para se pronunciar sobre a concreta questão da deserção da instancia, previamente à decisão a proferir.

24.º Sucede que em 1-03-2016 a AE limita-se a responder ao Tribunal – sem conhecimento às partes, nomeadamente sem qualquer notificação ao executado - que “o requerimento que Vª. Exª refere do dia 29-01-2015 é a resposta a um estado da diligência”, nada mais dizendo ou justificando sobre a sua inércia desde a partir da indicada data (29.01.2015) e para a qual foi reiteradamente notificada a dar informação aos autos (às partes e ao Tribunal).

25.º Seguidamente, sem qualquer notificação ao executado para os termos tidos por convenientes nomeadamente atento o requerimento do executado para q fosse declarada a deserção, foi proferido despacho em 30.03.2016, que refere: “Uma vez que a Srª. AE aguardava que o juiz resolvesse a questão colocada pelo executado sobre os “embargos à execução” e dado que o teor desses embargos concernem à deserção da instância executiva, inexistindo inércia dos exequentes no prosseguimento desta execução, deverá a AE prosseguir com as diligências de venda do quinhão hereditário, fixando o valor base ao mesmo e decidindo sobre o pedido de adjudicação. (…)”

26.º Assim, atento o erro decisório e a manifesta omissão de pronúncia do tribunal a quo pois contrariamente ao despacho em crise que refere expressamente que a “AE aguardava que o Juiz resolvesse a questão colocada pelo executado sobre os embargos à execução e dado que o teor desses embargos concernem á deserção da instancia executiva (…)”, o que como supra se evidenciou não corresponde ao teor dos embargos à execução, que contendem com outras questões não decididas, não pode o recorrente conformar-se com o decidido.

27.º Efectivamente, ao decidir como decidiu no despacho em crise, o tribunal a quo faz ainda tábua rasa dos articulados apresentados na execução nº... e duplicados nos autos de execução 3108/14.1T8CBR, sem sobre eles se pronunciar ou decidir, ordenando o prosseguimento da execução para a venda do quinhão hereditário do executado, com manifesto e claro prejuízo dos direitos do interessado e do executado/oponente.

28.º Também é notório, no âmbito da nova execução (nº 3108/14.1/T8CBR) e a partir de 30.07.2014, que a AE não a tramitou em cumprimento dos prazos legais.

29.º Efectivamente, a partir de 30.07.2014, a AE tramitou a execução 3108/14.1T8CBR, porém sem atentar ou se pronunciar sobre tudo o anteriormente praticado pelo executado e interessados, regulamente citado e notificados para o efeito!

30.º Assim, o único ato praticado pela AE subsequente ao requerimento do oponente de 25.06.2014 é a informação estatística da AE em 16.01.2015 de “Penhora efectuada. A aguardar que seja feito o inventário” – vd registo citius... - à revelia e sem o conhecimento do executado, já que este só vem a tomar conhecimento destes autos de execução, por ter compulsado o processo na plataforma inusitadamente, em 25.01.2016!

31.º Tal inércia da exequente e da AE até à indicada data de 16.01.2015, determina desde logo que seja declarada a deserção da instancia.– vd registo citius nº ... de 23.01.2015.

32.º E certo é que não obstante o requerimento da AE de 29.01.2015 em que se limitou a informar que “existe um bem penhorado ao abrigo dos presentes autos que depende da resolução do referido processo de inventário” junto o Auto de Penhora de 3.04.2014, a AE foi, subsequentemente, de novo e reiteradamente notificada para informar o Tribunal “qual o estado da diligência” - em 3.06.2015 conforme registo citius...; e em 17.09.2015 conforme registo citius... –, sempre, sem resposta da AE.

33.º Assim, é manifesto que decorreram mais de 6 meses sobre o pedido de informação de 3.06.2015.

34.º Neste sentido também, atente-se que em 21.01.2016 a AE foi, de novo, notificada para “dar informação aos autos já por nós solicitada” – vd registo citius nº...

35.º Ora, ao contrário do decidido, a inércia da exequente e da AE, desde 29.01.2015 até à indicada data de 21.01.2016, decorrido ap. 1 ano, impõe que seja declarada, desde logo, a deserção da instancia.

36.º Nessa conformidade, por requerimento autónomo de 25.01.2016 veio o executado requerer expressamente fosse, atento esse concreto lapso de tempo decorrido com clamorosa inércia das partes em promover os seus termos, fosse declarada a deserção na presente execução – vd registo citius...

37.º Sucede que, só em requerimento de 2.02.2016, sem nada responder ao pedido de informação do tribunal, limitou-se a AE indagar junto do tribunal se houve decisão sobre os embargos de executado apresentados em 6.05.2014! – vd registo citius...

38.º O Tribunal a quo aguardando os esclarecimentos da AE para decidir, conforme despacho de 30.03.2016, fez, contudo, convergir os embargos de executado apresentados em 6.05.2014 no requerimento autonómo do executado para que fosse declarada a deserção da instância de 25.02.2016, omitindo a sua pronúncia sobre todas as demais questões concretas suscitadas e alegadas pelo recorrente nos ditos “embargos à execução” e mandando prosseguir a execução para a venda, sem que tenha proferido sentença.

39.º Ao decidir como decidiu o tribunal a quo violou o disposto no art. 615º, nº1, al d) e b), 732 nº2, 4 e 5 do CPC, o que importa, assim, na nulidade do aresto em crise e bem assim, na nulidade de todo o processado em ambas as execuções a partir da oposição do executado (embargos), o se alegou e suscita a titulo de questão prévia.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossa Excelências, deve o aresto em crise de 30.03.2016 ser revogado e substituído por outro que decida os embargos á execução, na sua totalidade, e bem assim, atenta a inércia da AE e dos exequentes, também suscitada em requerimento autónomo do executado, decida da deserção da instância, tudo com as legais consequências até final.

Mais requer a Vª. Exª. se digne declarar a nulidade de todo o processado em ambas as execuções comuns a partir da pronúncia do interessado e da oposição do executado (embargos de executado), tudo com as legais consequências até final.”

Não se vislumbra deste apenso que tenham sido apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 - NCPC), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:

) se deve ser ordenada nesta altura e em relação ao requerimento de oposição à execução apresentado pelo executado no dia 6/5/2014 (referência Citius...) a tramitação legalmente prevista para a oposição por embargos (arts. 732º e ss do NCPC), declarando-se para o efeito as nulidades decorrentes da omissão dessa tramitação e da falta de pronúncia sobre alguns dos fundamentos da oposição aduzidos naquele requerimento;

) se deve ser declarada qualquer nulidade decorrente do facto do processo de execução com o nº... ter sido relocalizado e renumerado sob o número 3108/14.1T8CBR, a despeito do que a senhora agente de execução continuou a praticar nos autos, até 20/4/2016, seja em relação às partes, seja em relação ao tribunal, actos processuais que se reportavam, em termos de identificação do seu destinatário, ao processo nº...;

) se deve ser declarada deserta a instância executiva com fundamento no art. 281º/5 do NCPC.

III – Fundamentação

A) De facto

Os factos provados

Os factos provados são os que emergem do relatório da presente decisão.

B) De direito

Esclarecimento prévio

Tanto quanto é possível divisar da análise do suporte físico deste apenso e do correspondente suporte electrónico remetido pelo tribunal recorrido, existiu um processo de execução com o nº..., no qual se pretendeu dar à execução a sentença condenatória proferida no processo...à qual aquela execução foi apensada.

Entretanto, pelas incidências decorrentes da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, e como é do conhecimento profissional dos ilustres mandatários intervenientes neste processo, o tribunal da comarca de ... foi extinto, tendo sido criada a Secção de Execução da Instância Central do Tribunal da Comarca de Coimbra.

Foi para esta nova unidade orgânica que aquele processo transitou e onde continuou a ser tramitado, mas agora sob o número 3108/14.1T8CBR-A.

Foi para este processo com o novo número que foi importada toda a tramitação efectuada até 31/8/2014 no ...

Também foi para este processo com o novo número que passaram a ser canalisados todos os requerimentos e demais expediente remetidos pela agente de execução e pelas partes, mesmo aqueles que vinham dirigidos ao ...

Os autos não indiciam, nem nenhuma das partes arrolou prova nesse sentido, de que tivessem estado impedidas de consultar o processo com o novo número, do ponto de vista físico ou electrónico, ou que tivessem estado impedidas de nele praticar qualquer espécie de actos necessários à defesa dos seus direitos e interesses legítimos, ou que tivessem praticado um qualquer acto com destino ao ... que não tivesse sido integrado no processo com o novo número, ou finalmente que poderiam ter praticado um qualquer outro acto relevante para a defesa dos seus direitos e interesses legítimos, mas que não praticaram por consequência da relocalização geográfica do processo decorrente da sua remessa para a unidade orgânica competente para a sua tramitação e da renumeração a que nesta foi sujeito.

Não se vislumbra, pois, que a relocalização e renumeração acabadas de mencionar tenham tido qualquer efeito preclusivo de qualquer meio processual que, na ausência daquelas, as partes poderiam ter utilizado para a defesa dos seus direitos e interesses, pelo que desse ponto de vista não se divisa qualquer espécie de nulidade que importe ser declarada.

Primeira questão: se deve ser ordenada nesta altura e em relação ao requerimento de oposição à execução apresentado pelo executado no dia 6/5/2014 (referência Citius...) a tramitação legalmente prevista para a oposição por embargos (arts. 732º e ss do NCPC), declarando-se para o efeito as nulidades decorrentes da omissão dessa tramitação e da falta de pronúncia sobre alguns dos fundamentos da oposição aduzidos naquele requerimento.

Dúvidas não subsistem de que através do requerimento em apreço o executado pretendeu realmente opor-se à execução mediante embargos nos quais suscitava diferenciadas questões: por exemplo, falta de título executivo, falta de constituição obrigatória de mandatário judicial, ilegitimidade dos exequentes e deserção da instância executiva por inércia dos exequentes na respectiva promoção.

Porém, tendo-lhe sido presente a petição da oposição por embargos, ao invés de a sujeitar à tramitação prevista para o efeito no art. 732º do NCPC (indeferimento liminar ou recebimento dos embargos), decidiu o tribunal recorrido, pelo despacho de 11/2/2016 supra transcrito (referência Citius ...), converter a petição de embargos num requerimento avulso do executado pelo qual se solicitava exclusivamente a declaração de deserção da instância executiva.

Não obstante a manifesta desadequação procedimental desse despacho em face da ritologia processual que deveria ter sido respeitada, o certo é que do mesmo foram notificados os exequentes e o executado, através da plataforma Citius por notificação elaborada em 16/2/2016 (referências Citius...), não tendo sido apresentada qualquer reclamação, arguição de nulidade ou recurso.

Assim, essa decisão de 11/2/2016 transitou em julgado, seja quanto à conversão da petição de embargos em simples requerimento do executado, seja quanto à delimitação da questão a conhecer por força desse mesmo requerimento, com a eficácia impositiva obrigatória que lhe advém do art. 620º/1, ex vi do art. 551º/1, ambos do NCPC.

A significar, em termos práticos, que: i) não pode agora determinar-se a observância da tramitação da oposição por embargos que expressamente foi afastada por aquela decisão de 11/2/2016, não podendo agora reconhecer-se e declarar-se qualquer nulidade processual decorrente da inobservância daquela tramitação; ii) a única questão sobre a qual passou a ser devida pronúncia pelo tribunal recorrido à face do requerimento apresentado pelo executado em 6/5/2014 (referência Citius...) é a de saber se existiam fundamentos para ser declarada a deserção da instância por inércia dos exequentes em promover os termos do processo de execução há mais de seis meses[1], não podendo conhecer-se e declarar-se qualquer nulidade pela circunstância de não terem sido objecto de pronúncia as demais questões suscitadas pelo executado naquele requerimento.

De tudo flui, pois, que deve responder-se negativamente à questão em apreço, declinando-se por essa via a pretensão recursiva anulatória dos termos do processo posteriores à referenciada oposição que lhe está subjacente.

Segunda questão: se deve ser declarada qualquer nulidade decorrente do facto do processo de execução com o nº... ter sido relocalizado e renumerado sob o número 3108/14.1T8CBR, a despeito do que a senhora agente de execução continuou a praticar nos autos, até 20/4/2016, seja em relação às partes, seja em relação ao tribunal, actos processuais que se reportavam, em termos de identificação do seu destinatário, ao processo nº...

Importa reter que a decisão recorrida data de 30/3/2016, sendo que, como flui dos factos descritos no relatório da presente decisão, foi pelo seu requerimento de 18/4/2016 que pela primeira vez o apelante veio suscitar o problema referente às nulidades alegadamente decorrentes do referido no corpo da questão que está em apreço.

Por isso, na decisão recorrida o tribunal a quo não tinha que debruçar-se, como não se debruçou, sobre a questão atinente a essas alegadas nulidades[2].

Por isso mesmo, está vedado a este tribunal conhecer dessa mesma questão.

Com efeito, assumindo o recurso ordinário a natureza de recurso de reapreciação visando a modificação das decisões, a significar que tais recursos não se destinam a conhecer de questões novas não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas, sim, a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso[3], não tendo o tribunal recorrido conhecido de determinada questão que perante o mesmo ainda não tinha sido suscitada, o objecto do recurso deve circunscrever-se à matéria sobre a qual a decisão recorrida se tenha pronunciado em termos que mereçam a discordância da recorrente, com a consequente impossibilidade do tribunal superior decidir pela primeira vez sobre matéria não apreciada pelo tribunal a quo, ressalvas, como dito, situações em que estejam em causa matérias de conhecimento oficioso.

Assim sendo, uma vez que as nulidades ora em causa não são passíveis de integração no elenco das que são de conhecimento oficioso (art. 196º do NCPC), não conhecerá este tribunal, igualmente, dessa temática.

De resto, ex abundati cautela, sempre se dirá que emerge do esclarecimento prévio supra referido que a nosso ver não se vislumbra qualquer nulidade do tipo daquelas por cuja declaração pugna o apelante.

Terceira questão: se deve ser declarada deserta a instância executiva com fundamento no art. 281º/5 do NCPC.

Dispõe o artigo 281º/5 do NCPC:“No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.”.

Como claramente emerge desta norma, a deserção da instância nela cominada, para que opere ope legis depende: i) em primeiro lugar, do decurso de um prazo de seis meses sem impulso processual da parte sobre a qual impende o respectivo ónus, o que não equivale necessariamente a um incumprimento da obrigação do agente de execução de manter actualizado o registo dos actos por si praticados; ii) em segundo lugar, que a falta desse impulso seja imputável a negligência activa ou omissiva da parte assim onerada, em termos de poder concluir-se que a falta de tramitação processual seja imputável a um comportamento da parte dependente da sua vontade.

Como assim, não logra conduzir à deserção da instância a ausência de tramitação processual imputável ao próprio tribunal, designadamente por falta de um despacho judicial de que dependa a tramitação subsequente do processo executivo.

Do mesmo modo, não tem essa virtualidade, por princípio, a ausência de tramitação que seja imputável ao agente de execução, porque carente da prática de actos que sejam da sua exclusiva competência.

Na verdade, apresentado o requerimento executivo, satisfeita a taxa de justiça devida e os adiantamentos eventualmente exigidos pelo agente de execução, a título de provisão, compete a este assegurar a tramitação necessária ao andamento do processo executivo, sem dependência de qualquer acto por parte do exequente, pelo menos até ao momento em que o agente de execução ou o próprio tribunal lhe imponham o ónus de praticar um qualquer acto de que dependa aquele andamento.

Por outro lado, como decidido no acórdão da Relação de Coimbra de 1/12/2015, proferido no processo 2061/10.5TBCTB-A.C1, “…o agente de execução, sendo embora escolhido pelo exequente (e exercendo as funções em regime de profissão liberal), não tem com ele um contrato de prestação de serviços, não está no processo “como mandatário do exequente, ainda que sem representação, mas como auxiliar de justiça do Estado, escolhido pelo exequente”…E, sendo esta a veste do agente de execução, a sua actuação omissiva, consistente em não andar com o processo, não se “repercute” automática e irreversivelmente sobre o exequente – sem que este seja notificado para se pronunciar sobre a paralisação processual decorrente de tal actuação omissiva – e não pode valer e ser iuris et de iure considerada como inobservância, por negligência, do ónus de impulso processual por parte do exequente.”.

Dissemos em princípio, porque admitimos que essa inércia do agente de execução se possa transmutar, em determinadas circunstâncias, em idêntica inércia do exequente.

Pensamos naqueles casos em que o exequente seja notificado dessa situação de inércia do agente de execução em termos de para ele ser transferido um qualquer ónus de praticar actos tendentes a pôr-lhe cobro, requerendo a realização de concretas diligências executivas ou mesmo a destituição do agente de execução.

Tudo para concluir, assim, no sentido de que o termo inicial do prazo de seis meses de inércia processual por parte do exequente que determina a deserção da instância executiva tem de coincidir com a data da notificação que lhe seja feita – pelo agente de execução ou pela secretaria – no sentido da prática de um qualquer acto de que dependa a tramitação executiva ou no sentido de o informar que o processo se encontra paralisado por inércia do agente de execução a que importe colocar termo.

Em qualquer dos casos, a notificação ao exequente deve ser clara no sentido de que os autos ficam a partir dela a aguardar pelo impulso processual do exequente.

Ora, no caso em apreço e a partir do momento em que os exequentes satisfizeram a taxa de justiça e o adiantamento solicitado pela agente de execução, não emerge dos factos provados que os exequentes tenham sido notificados no sentido da prática de um qualquer acto que subsequentemente tenha sido omitido e por força do que a execução não tenha prosseguido os seus termos.

Com efeito, como tal não pode relevar a notificação feita aos exequentes no dia 3/10/2014, nos termos e para os efeitos do art. 750º do NCPC, tendo em conta que essa notificação, dando conta de que não existiam bens penhorados, não espelhava a realidade dos autos, no qual existia já um direito hereditário penhorado, desde Março de 2014, competindo ao agente de execução promover a tramitação processual subsequente independentemente de qualquer acto ou resposta dos exequentes.

Por outro lado, porque em 29/1/2015 a própria agente de execução veio prestar aos autos a informação de que o processo executivo estava a aguardar, não por qualquer acto que dependesse da vontade dos exequentes, mas sim de “… informações do processo de inventário que está a decorrer, uma vez que existe um bem penhorado ao abrigo dos presentes autos que depende da resolução do referido processo de inventário.”.

A partir de então, a única notificação que foi dirigida aos exequentes foi a de 21/1/2016 (referência Citius ...), para que requeressem o que tivessem por conveniente, notificação essa a que deram resposta em 26/2/2016, requerendo o prosseguimento dos autos com vista à realização da venda judicial do direito penhorado (referência Citius...), após o que em 14/3/2016 o exequente J... requereu a adjudicação do direito penhorado, com dispensa do pagamento do preço (referência Citius...).

Como assim, entre a única notificação aos exequentes e relevante para os efeitos em análise (a de 21/1/2016) e o momento em que foi proferido o despacho recorrido (30/3/2016), nunca os autos estiveram sem tramitação por um período superior a seis meses, além de que em momento anterior a 21/1/2016 os factos provados não revelam que os autos tivessem alguma vez estado sem tramitação por falta negligente dos exequentes em praticarem uma qualquer acto cujo ónus procedendi lhes tivesse sido licitamente deferido, de forma explícita ou implícita, ainda por cima com a cominação de que os autos ficavam a aguardar pelo impulso dos mesmos.

IV- DECISÃO

Acordam os juízes que integram esta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação improcedente, mantendo-se a decisão impugnada

Custas pelo apelante.

Coimbra, 22/11/2016.


(Jorge Manuel Loureiro)

(Maria Domingas Simões)

(Jaime Carlos Ferreira)


Sumário:

I) A deserção da instância cominada no art. 281º/5 do NCPC só deve ser declarada se os autos permitirem concluir no sentido de que: i) decorreu um prazo de seis meses sem impulso processual da parte sobre a qual impende o respectivo ónus, o que não equivale necessariamente a um incumprimento da obrigação do agente de execução de manter actualizado o registo dos actos por si praticados; ii) a falta desse impulso seja imputável a negligência activa ou omissiva da parte assim onerada, em termos de poder concluir-se que a falta de tramitação processual seja imputável a um comportamento da parte dependente da sua vontade.

II) Não tem essa virtualidade, por princípio, a ausência de tramitação que seja imputável ao agente de execução, porque carente da prática de actos que sejam da sua exclusiva competência, a menos que o exequente seja notificado dessa situação de inércia do agente de execução em termos de para ele ser transferido um qualquer ónus de praticar actos tendentes a pôr-lhe cobro, requerendo a realização de concretas diligências executivas ou mesmo a destituição do agente de execução.

III) O termo inicial do prazo de seis meses de inércia processual por parte do exequente que determina a deserção da instância executiva tem de coincidir com a data da notificação que lhe seja feita – pelo agente de execução ou pela secretaria – no sentido da prática de um qualquer acto de que dependa a tramitação executiva ou no sentido de o informar que o processo se encontra paralisado por inércia do agente de execução a que importe colocar termo, ficando os autos a aguardar, em qualquer dos casos, o impulso processual do exequente.


(Jorge Manuel Loureiro)


***


[1] E dessa questão conheceu-se efectivamente na decisão recorrida, conferindo-se-lhe resposta negativa.
[2] Tanto quanto resulta dos autos, sobre essa arguição de nulidades o tribunal recorrido apenas viria a pronunciar-se em decisão de 14/9/2016 (referência Citius...), indeferindo-a, sendo que esta última decisão não integra o objecto deste recurso.
[3] José Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. V, p. 141, Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3ª edição, p. 212, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Processo Civil, Lex, p. 395, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 2ª ed., Revista e Actualizada, p. 94, acórdãos do STJ de 6/6/02, proferido no âmbito do processo 1874/02, de 30/10/03, proferido no âmbito do processo 3281/03, de 10/10/2007, proferido no âmbito do processo 3634/07, de 4/12/2008, proferido no âmbito do processo 2507/08, de 23/9/2009, proferido no âmbito do processo 5953/03.4TDLSB.S1, e de 26/6/2015, proferido no âmbito do processo 373/10.7TTPRT.P1.S1.