Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
661/09.5TBTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CULPA EXCLUSIVA
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 07/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 483, 503, 562 CC, 24 Nº1, 29 Nº1 DO CE, 3-A Nº2 RCE
Sumário: 1 - Quando se imputa a culpa na produção de um acidente de viação a um condutor é necessário alegar, em regra, os metros que separavam os veículos entre si (ou entre um veículo e um peão) quando se tornaram mutuamente visíveis, se estavam imobilizados ou em deslocação, respectiva direcção e velocidade.

2. - Entrando um veículo automóvel num cruzamento, sem previamente parar ao sinal de Stop, e indo colidir com um outro veículo que circulava na via principal, a uma distância entre 21,7 e 25,3 metros, e à velocidade entre 60 a 70 Km, sendo o máximo permitido de 50 km/h, é de imputar a culpa exclusiva do acidente ao condutor do primeiro, por violação do art.29 nº1 CE e 3-A no 2 do RCE, pois o excesso de velocidade praticado pelo condutor do segundo veículo não foi causal do acidente.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível):

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Recorrente………………...M.L.G (…

Recorrida…………………(…)Seguros, S. A. (…).


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I. Relatório:

a) O Autor instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, com o fim de obter a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização, que computou globalmente em €11 628,50 euros, acrescida de juros legais, por danos patrimoniais e não patrimoniais, que diz ter sofrido em consequência de um acidente de viação, ocorrido em 26 de Maio de 2006, na E.N. n.º 110, a qual liga as cidades de Tomar e Entroncamento.

Atribuiu a causa do mesmo ao comportamento culposo de um empregado da firma P..., que conduzia o veículo com a matrícula ...SI, por conta e no interesse dela, em relação ao qual a Ré havia assumido, mediante contrato de seguro, celebrado com a indicada empresa, a responsabilidade civil resultante de danos causados pela circulação do automóvel.

Imputou a culpa ao outro condutor porque o Autor, estando à entrada de um cruzamento, com o fim de passar a circular pela E.N. n.º 110, tomando a direcção da cidade de Tomar, virando para a sua esquerda, verificou que não circulava qualquer veículo vindo desse lado e entrou na estrada, mas, quando já se encontrava na metade direita da estrada onde tinha acabado de entrar, o seu veículo foi embatido pelo outro automóvel que circulava a 110/120 quilómetros por hora, desgovernado, vindo do lado de Tomar, sendo certo que existia, quanto a ele, sinalização a proibir velocidade superior a 50 quilómetros por hora, a qual, se tivesse sido observada, teria evitado o acidente.

A Ré contestou rejeitando responsabilidades quanto ao acidente atribuindo a culpa da produção do mesmo ao Autor, porquanto estava onerado com os deveres resultantes da existência de um sinal «Stop» colocado à entrada do cruzamento onde pretendia entrar e entrou, mas fê-lo quando o outro condutor, que circulava a  50 quilómetros por hora, já estava tão próximo que não foi possível evitar o embate.

O processo prosseguiu com a elaboração do despacho saneador, selecção dos factos provados e dos factos a provar, instrução da causa, audiência de julgamento, julgamento da matéria de facto e sentença que absolveu a Ré do pedido por se ter considerado que a culpa na produção do acidente foi exclusivamente do Autor, que não observou os deveres decorrentes da existência do sinal «Stop».

b) O Autor recorre quanto à matéria de facto provada, que entende incorrectamente julgada e, com base na sua alteração, sustenta a condenação da Ré a pagar-lhe a indemnização pedida.

Quanto à matéria de facto pretende que sejam alteradas as respostas aos quesitos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 10.º e 11.º.

(…).

O recorrente aponta ainda uma causa de nulidade de sentença, prevista na al. c), do n.º 1, do artigo 668.º do Código de Processo Civil, resultante da oposição entre os fundamentos e a decisão, uma vez que, considerando as partes dos veículos que foram embatidas (partes frontais), bem como ao local onde se deu o embate (eixo da via), jamais se poderia concluir pela culpa exclusiva do Autor na produção do acidente.

A Ré seguradora contra-alegou.

(…)

c) O objecto do recurso consiste, por conseguinte, no seguinte:

Em primeiro lugar, saber se ocorre a apontada nulidade de sentença.

Em segundo lugar, se a resposta à questão anterior for negativa, passar-se-á à análise da parte relativa à impugnação da matéria de facto, verificando se as respostas aos quesitos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 10.º e 11.º devem manter-se ou serem alteradas.

Por fim, verificar se a matéria de facto provada é suficiente para condenar a Ré em indemnização a favor do Autor, como este pede, e respectivo montante.

II. Fundamentação.

a) Nulidade de sentença.

O recorrente diz que a sentença enferma de nulidade porque os fundamentos e a decisão estão em oposição, uma vez que, se se reparar nas partes dos veículos que foram embatidas (partes frontais), bem como ao local onde se deu o embate (eixo da via), jamais se poderia ter concluído pela culpa exclusiva do Autor na produção do acidente.

Não ocorre a nulidade de sentença arguida pelo Autor.

Com efeito, nos termos da al. b), do n.º 1, do mesmo artigo 668.º, a sentença é ainda nula «Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão».

Como escreveu o Prof. Alberto dos Reis, ocorre esta nulidade quando «…os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto» ([1]).

Tal não é o caso dos autos.

Lendo o discurso argumentativo seguido na sentença a decisão é aquilo que se espera do anterior arrazoado.

Questão diversa é saber se a argumentação é válida tendo em conta os factos e a lei.

Se os factos e a lei aplicável conduzirem a outra solução jurídica que não a alcançada na sentença, tal situação não produz nulidade de sentença.

Neste caso, a sentença poderá ser revogada, mas não declarada nula.

A nulidade tem de resultar do próprio discurso argumentativo do juiz, isto é, é este discurso que tem de se anular logicamente a si mesmo.

Ou seja, lidos os fundamentos (ainda que errados face aos factos provados e à lei) a decisão lógica seria «A», mas, surpreendentemente a decisão é «B».

Ora, não é este, como se disse, o caso dos autos.

Improcede, pois, a invocada nulidade.

b) Passando agora à análise da matéria de facto impugnada.

(…)

Face a tudo o que fica exposto, a única alteração a fazer respeita ao quesito 4.º que terá esta resposta: «O Autor entrou na E. N. 110, perpendicularmente, e executou actos relativos à manobra de mudança de direcção para a esquerda».

Mas como este quesito repete o já mencionado no quesito 10.º será incorporado neste, nos seguintes termos: «5. Quando o «SI» se aproximou do cruzamento, o «BO» entrou na E. N. n.º 110, perpendicularmente, e executou actos relativos à manobra de mudança de direcção para a esquerda (quesitos 4.º e 10.º).

c) Face às anteriores conclusões a matéria de facto provada é a seguinte:

1. No dia 26 de Maio de 2006, pelas 19,40 horas, na E. N. n.º 110, ao quilómetro n.º 107,7, no cruzamento com a estrada da Peralva, no concelho de Tomar, deu-se um embate entre o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ...BO, propriedade do Autor e conduzido pelo próprio, e o veículo de matrícula ...SI, propriedade de (…), conduzido por R  (…).

2. O «BO» circulava na estrada da Peralva, com destino a Tomar.

3. O «SI» seguia na E. N. n.º 110, no sentido Tomar/Entroncamento.

4. O «SI» circulava a uma velocidade entre 60 e 70 Km/h (quesito 6.º).

5. Quando o «SI» se aproximou do cruzamento, o «BO» entrou na E. N. n.º 110, perpendicularmente, e executou actos relativos à manobra de mudança de direcção para a esquerda (quesitos 4.º e 10.º).

6. O condutor do «SI» desviou para a esquerda para procurar evitar o embate (quesito 11.º).

7. O embate deu-se no eixo da E. N. n.º 110 (quesito 12.º).

8. O embate deu-se entre a parte frontal do lado direito do «SI» e a parte da frente do lado esquerdo do «BO».

9. À entrada da E. N. n.º 110, do lado direito da via atento o sentido seguido pelo «BO», estava colocado um sinal de STOP.

10. No local existia o sinal «C13», o sinal de cedência de passagem B e um painel com indicação de zona de acidentes (quesito 9.º).

11. No momento do embate, o pavimento apresentava-se com sujidade.

12. No local do embate, a estrada é uma recta a anteceder uma curva à direita, no sentido de marcha Tomar/Entroncamento.

13. No momento do embate, R (…) conduzia o «SI» com o consentimento, no interesse e sob a direcção da proprietária (quesito 13.º).

14. Em consequência do embate, o «BO» ficou danificado sem possibilidade de reparação.

15. O «BO» tinha o valor de €2.500,00 euros (quesito 16.º).

16. O valor estimado da reparação ascendia a €9.485,61 euros.

17. O valor do salvado era à data do embate de €400,00 euros.

18. Na sequência do embate, o Autor sofreu ferimentos (quesito 14.º).

19. O Autor recorreu ao Hospital de Tomar, onde foi observado e medicado.

20. Após regressou a casa.

21. O Autor teve dores (quesito 21.º).

22. Em despesas hospitalares, o Autor despendeu €49,70€ (quesito 15.º).

23. O Autor necessitava do «BO» nas suas deslocações diárias.

24. O «BO» era o único veículo que o Autor possuía (quesito 17.º).

25. O Autor adquiriu outro veículo passados dois meses (quesito 18.º).

26. Sentiu tristeza e angústia por ficar sem o veículo (quesito 22.º).

27. Tendo passado noites sem dormir (quesito 23.º).

28. À data a responsabilidade pelos danos resultantes da circulação do «SI» encontrava-se transferida para a Ré, conforme titulado pela apólice de seguro n.º 547662.

d) Quanto ao aspecto jurídico da causa cumpre desde já referir que a solução a que chegou a 1.ª instância é a correcta.

Com efeito, para que alguém possa ser responsabilizado, nos termos do n.º 1 do artigo 483.ºdo Código Civil, há-se ter agido com dolo ou mera culpa e ter violado ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, desde que produza danos na esfera jurídica alheia, podendo, inclusive, o agente responder a título de responsabilidade objectiva, prevista no artigo 503.º do Código Civil.

Como escreveu o Prof. Antunes Varela agir com culpa «Significa actuar em termos de a conduta do agente merecer reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo» ([2]).

No âmbito da negligência cabem em primeiro lugar, como escreveu o mesmo autor, os casos «Em que o autor prevê a produção do facto ilícito como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar», assim como se compreendem os casos «em que o agente não chega sequer, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, a conceber a possibilidade de o facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse a diligência devida» ([3]).

A negligência consiste, pois, na omissão de um dever de cuidado, dever este que uma vez observado teria obstado, no caso, à produção do evento.

Cumpre, portanto, averiguar se algum dos intervenientes omitiu algum dever de cuidado que, no caso, uma vez observado, teria evitado o sinistro.

Olhando para a matéria de facto provada logo se vê que o autor infringiu o dever constante do artigo 29.º, n.º 1, do Código da Estrada (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94 de 3/5), conjugado com o artigo 3.º-A, n.º 2 (na redacção da Portaria n.º 46-A/ 94 de 17/1), do Regulamento do Código da Estrada, aprovado pelo Dec. n.º 39 987 de 22 de Dezembro.

O artigo 3.º-A, n.º 2, do Regulamento do Código da Estrada (na redacção da Portaria n.º 46-A/ 94 de 17/1), relativo ao sinal B2, constante do Quadro XI, anexo à Portaria n.º 46-A/94, dispõe: «B2 – Paragem obrigatória na intercepção: indicação de que o condutor é obrigado a parar antes de entrar na intercepção junto da qual o sinal se encontra colocado e ceder a passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar».

Provou-se que «Quando o “SI” se aproximou do cruzamento, o “BO” entrou na E. N. n.º 110, perpendicularmente, e executou actos relativos à manobra de mudança de direcção para a esquerda (quesitos 4.º e 10.º)».

Por sua vez, o condutor do “SI” desviou o veículo para a sua esquerda, para evitar o embate (quesito 11.º)», o que não conseguiu, pois «O embate deu-se no eixo da E. N. n.º 110 (quesito 12.º)», «…entre a parte frontal do lado direito do “SI” e a parte da frente do lado esquerdo do “BO”»

Provou-se que «À entrada da E. N. n.º 110, do lado direito da via, atento o sentido seguido pelo “BO”, estava colocado um sinal de STOP», isto é, o sinal B2 (Paragem obrigatória na intersecção).

Destes factos resulta que o Autor infringiu o dever de ceder a passagem ao veículo “SI” que transitava na via em que o autor pretendia entrar e entrou.

O comportamento que o Autor devia ter tido consistia em ter verificado se podia entrar na E. N. 110 sem perigo e esperar que os veículos próximos passassem por si.

Quanto ao condutor do veículo “SI” verifica-se que infringiu o limite de velocidade prescrito para o local pela sinalização vertical que lhe impunha uma circulação máxima de 50 quilómetros hora.

A regulação da velocidade ao longo das vias tem a ver com a necessidade de assegurar que o condutor possa parar em caso de perigo de colisão, sem que o embate chegue a ocorrer.

É o que resulta do disposto no n.º 1 do artigo 24.º do Código da Estrada quando dispõe que o condutor deve regular a velocidade de modo a «…fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente».

No caso dos autos, para se poder emitir um juízo sobre se o excesso de velocidade, no sentido de que foi causal para o acidente, é necessário saber a que distância, necessariamente aproximada, o veículo SI se encontrava do veículo BO quando este penetrou na EN n.º 110.

Embora o condutor do veículo SI tivesse prioridade de passagem sobre o Autor, o n.º 2 do artigo 29.º impunha-lhe também, nessas circunstâncias, deveres.

 Com efeito, nos seus n.º 1 e 2 este artigo do Código da estrada dispõe: «1 - O condutor sobre o qual recaia o dever de ceder a passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar ou, em caso de cruzamento de veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direcção deste.

2 - O condutor com prioridade de passagem deve observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito».

Verifica-se, pois, que o condutor do veículo SI embora gozasse de prioridade de passagem, tinha o dever de observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito, desde logo a atinente ao respeito pela velocidade determinada para o local pela sinalização vertical.

Porém, a infracção a este dever, como se verá à frente, não se mostra, no caso, causal para o embate.

Retomando o que estava a ser dito, quando se pretende averiguar a culpa de um condutor na produção de um acidente de viação é necessário alegar factos de onde se extraia a conclusão de que esse condutor infringiu algum dever de cuidado que, uma vez observado, teria evitado o evento.

Para isso é necessário alegar, em regra, a distância que separava os veículos entre si (ou entre um veículo e um peão) quando se tornaram mutuamente visíveis; se estavam imobilizados ou em movimento e, neste caso, a respectiva direcção, assim como a velocidade, em quilómetros por hora, que animava cada um deles.

Só assim se conseguirá apurar se algum dos condutores vinha a infringir algum dever estradal ou, se não vinha, que tempo teve cada um dos intervenientes para adoptar a conduta devida e adequada a evitar o embate, tendo em conta a velocidade a que cada um seguia.

No caso dos autos, como na generalidade dos casos em que há um embate, era importante apurar, como se disse, a distância de visibilidade que o Autor teve para a sua esquerda, em direcção a Tomar, e a distância que existia entre ambos os veículos, quer quando se tornaram mutuamente visíveis, quer quando o veículo BO penetrou na E.N. n.º 110.

Isto é, quando o veículo BO penetrou na E.N. n.º 110 a quantos metros de distância se encontrava o veículo SI?

A matéria de facto não nos elucida directamente sobre estas questões, mas contém alguns elementos que permitem reconstituir a situação com a fiabilidade necessária.

Vejamos.

Considerando a dinâmica do veículo BO.

Se o Autor parou à entrada do cruzamento, como ele diz, então teve de arrancar da velocidade zero e com a primeira velocidade engrenada, a qual permite atingir apenas a velocidade mínima necessária para colocar o veículo em marcha, até 20 quilómetros por hora, passando-se à engrenagem da «mudança» seguinte para atingir velocidades superiores.

Como o embate ocorreu quando o veículo BO se encontrava com a frente sobre o eixo da via (quesito 12.º), então percorreu 3,5 metros dentro da E.N. n.º 110, pois a largura total desta estrada era de 7 metros.

Por conseguinte, o veículo nestes primeiros 3,5 metros de circulação não atingiu uma velocidade superior a 10 quilómetros por hora.

A esta velocidade percorrem-se a distância de 2,8 metros em cada segundo, ou seja, quase a totalidade da aludida metade da faixa da rodagem da E.N. n.º 110.

Sendo assim, pode assentar-se no seguinte:

− Quando o veículo BO entrou na E.N. n.º 110, demorou cerca de 1,3 segundos a percorrer os 3,5 metros, até ter ocorrido o embate no eixo da via (se se percorrem 2,8 metros em um segundo, isso implica que, à mesma velocidade, se percorram 3,5 metros em 1,3 segundos).

Também sabemos, pois basta fazer a respectiva operação, que à velocidade de 50 quilómetros por hora se percorre, em cada segundo, um espaço de 13,8 metros.

E um veículo à velocidade de 70 quilómetros por hora percorre um espaço de 19,8 metros por segundo.

Tendo em conta o exposto, podemos concluir que quando o veículo BO entrou na E.N. n.º 110, o automóvel SI também estava a 1,3 segundos de embater, pelo que, seguindo ele a uma velocidade entre 60 a 70 quilómetros por hora, como ficou provado, estava a uma distância entre 21,7 e 25,3 metros do veículo BO quando este último penetrou na EN. n.º 110.

Ora, nesta hipótese, face à exiguidade da distância, era absolutamente defeso ao autor iniciar uma marcha que o colocasse em rota de colisão com qualquer outro veículo que viesse a circular na E. N.º 110, circulasse ele a 50 ou a 70 quilómetros por hora.

Nesta situação, a velocidade de 70 quilómetros por hora é inócua para efeitos de desencadear a produção do acidente, pois o evento só se torna possível e ocorre, porque o Autor não permaneceu parado como era seu estrito dever e movimentou o veículo para o interior da E.N. n.º 110.

O acidente não ocorre porque o veículo SI vinha animado de uma velocidade de 70 quilómetros por hora, em vez dos 50 quilómetros horários regulamentares.

Este facto não pôs em marcha o acidente.

Nem contribuiu, depois, para a sua ocorrência, pois a 50 quilómetros horários a distância percorrida em 1,3 segundos é de 18 metros.

Entre os 50 quilómetros horários e o máximo de 70 quilómetros por hora a que o veículo SI circularia só há uma diferença de 7,3 metros.

Sendo certo que continuando o veículo BO a seguir em frente o embate em vez de ter ocorrido na frente deste veículo teria ocorrido na sua lateral, do lado do condutor.

Vejamos outra hipótese que os factos provados consentem.

Se, porventura, o Autor não parou à entrada do cruzamento, como alegou o condutor do veículo SI, a situação já não é a mesma, pois o BO teria entrado na E.N. n.º 110 seguramente a mais de 10 quilómetros hora.

Se tivesse entrado, por exemplo, a 20 quilómetros por hora, teria percorrido os 3,5 metros da hemi-faixa em 0,63 segundos, estando o SI também, nesse momento, a 0,63 segundos de si.

A uma velocidade entre 60 a 70 quilómetros por hora, o veículo SI teria percorrido nestes 0,63 segundos entre 10,5 a 12,25 metros de distância, o que implica, em relação à primeira hipótese, maior proximidade do SI em relação ao BO, quando o Autor entrou na E.N. n.º 110.

Maior proximidade esta que implica um maior dever de cuidado por parte do Autor, pois a sua entrada na via quando o veículo SI estava entre 10,5 a 12,25 metros, tornava o embate praticamente certo.

Nestas circunstâncias, só um comportamento se impunha e esse consistia em o Autor parar antes do sinal stop e esperar que o veículo SI passasse.

O que fica referido são conjecturas acerca de situações prováveis, não são certezas absolutas, que não podem existir face a dificuldade em estabelecer os factos ocorridos no passado, mas estas hipóteses permitem compreender com fiabilidade como os acontecimentos terão ocorrido.

E, do exposto, resulta que quer o veículo SI circulasse a 50 ou a 70 quilómetros por hora, esta velocidade não foi causal para o acidente, pois em qualquer caso era absolutamente proibido ao Autor entrar na via, sem que antes o veículo SI, passasse por si, sendo certo, por outro lado, não era previsível para o condutor do SI que o Autor não respeitasse o sinal stop.

E só a previsibilidade do embate impõe que seja tomada alguma acção destinada a evitá-lo.

Perante esta conclusão, ficamos apenas com a infracção a um dever de cuidado, praticada pelo autor, a qual foi a única causal para o acidente, sendo-lhe imputável, só a ele, a produção do sinistro, sendo, por isso, o único culpado ([4]).

Conclusão esta que ilide a presunção de culpa estabelecida no n.º 3 do artigo 503.º do Código Civil, onde se diz que «Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte; se, porém, o conduzir fora do exercício das suas funções de comissário, responde nos termos do n.º 1».

Neste caso, fica também excluída a responsabilidade objectiva do proprietário do veículo SI, fixada no n.º 1 do artigo 503.º do Código Civil, pois o artigo 505.º do Código Civil determina que «Sem prejuízo do disposto no artigo 570.º, a responsabilidade fixada pelo n.º1 do artigo 503.º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de força maior estranha ao funcionamento do veículo».

e) Como a alteração da resposta ao quesito 4.º se limita a reproduzir a resposta ao quesito 10.º, nada lhe acrescentando, tal alteração não tem qualquer relevo para efeitos de procedência parcial do recurso, sendo este totalmente improcedente.

III. Decisão.

Considerando o exposto, altera-se a resposta ao quesito 4.º que se funde com a resposta ao quesito 10.º, com a seguinte redacção: «Quando o «SI» se aproximou do cruzamento, o «BO» entrou na E. N. n.º 110, perpendicularmente, e executou actos relativos à manobra de mudança de direcção para a esquerda (quesitos 4.º e 10.º)».

Julga-se o recurso improcedente.

Custas pelo Autor.


Alberto Ruço (Relator)
Judite Pires
Carlos Gil

Nos termos do n.º 7 do artigo 713.º do Código de Processo Civil elabora-se o seguinte sumário:

1 - Quando se imputa a culpa na produção de um acidente de viação a um condutor é necessário alegar, em regra, os metros que separavam os veículos entre si (ou entre um veículo e um peão) quando se tornaram mutuamente visíveis, se estavam imobilizados ou em deslocação, respectiva direcção e velocidade.

2 - Quando o condutor A, onerado com sinal stop, arranca e entra na outra via, onde nesse momento se encontrava o veículo B, que circulava entre 60 e 70 quilómetros por hora e estava a uma distância entre 21,7 e 25,3 metros, o embate não pode ser imputado, ainda que parcialmente, a culpa do condutor do veículo B por este circular em excesso de velocidade, por o máximo permitido ser apenas de 50 quilómetros horários.

É que, nestas circunstâncias, a velocidade a que circulava o veículo SI não pôs em marcha o acidente, nem o podia evitar; a acção que lhe deu início e o tornou possível foi apenas a invasão da outra via por parte do condutor A, acrescendo que, não era previsível para o condutor do veículo B, que o condutor A entrasse na via sem esperar que ele passasse.


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[1] Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 141, (reimpressão), Coimbra Editora/1984.
[2] Das Obrigações em Geral, Vol. I, pág. 480, 4.ª Ed..

[3] Ob. ob. cit., pág. 491 e 492.

[4] Em caso com algumas semelhanças com o dos autos, em que um condutor onerado com a regra do sinal «stop» entrou sem parar num cruzamento, colidindo com um veículo que se apresentava pela sua esquerda, a 70 quilómetros por hora, sendo o limite de velocidade de 50 quilómetros por hora, o Supremo Tribunal de Justiça concluiu que este excesso de velocidade não foi causal para o acidente - ac. do S.T.J de 06-05-2008, em http://www.gdsi.pt, processo n.º 08A1279.