Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
145/11.1TALSA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: PENA DE MULTA
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
PRAZO
Data do Acordão: 09/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 47.º, N.º 3, DO CÓDIGO PENAL, E 489.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: Salvo no caso de justo impedimento, o pagamento da multa em prestações tem de ser requerida, pelo condenado, no prazo (peremptório) de 15 dias, fixado no artigo 489.º, n.º 2, do CPP.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório:

No âmbito dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 145/11.1TALSA que corre termos no Tribunal Judicial da Lousã, Secção Única, por despacho datado de 20/3/2013, foi autorizado à arguida o pagamento da multa em falta em 15 prestações mensais e sucessivas.                                                                 ****

Inconformado com o respectivo despacho, dele recorreu o Ministério Público, em 16/4/2013, defendendo que deve o mesmo ser revogado e substituído por outro que indefira o requerimento formulado pela arguida, a fls. 217, por extemporâneo, e que converta a pena de multa em prisão subsidiária, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:

1. O prazo para requerer o pagamento da multa criminal em prestações, conforme previsto no artigo 47.º, n.º 3, do Código Penal, é o prazo para pagamento voluntário de tal pena, estabelecido no n.º 2 do artigo 489.º, n.º 2, do CPP.

            2. Isso mesmo resulta da conjugação desses normativos com o n.º 3 do mesmo artigo 489.º e está conforme com o regime previsto no artigo 491.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, para efeitos de instauração de execução para cobrança coerciva da pena de multa.

            3. Em matéria de prazos dita genericamente o artigo 107.º, n.º 2, do CPP, que a sua prática extemporânea apenas pode ter lugar nos termos aí mencionados, invocando justo impedimento.

            4. Nada na lei nos diz que o prazo em questão está sujeito a um regime diferente, pelo que deve ter-se como peremptório e, portanto, salvo tal alegação e prova, preclusivo.

            5. Tal entendimento em nada colide com o objectivo político-criminal de aplicação preferencial de medidas não privativas de liberdade: a) porque a própria aplicação de uma pena desta natureza já teve esse objectivo em consideração; b) porque o indeferimento da pretensão do arguido não significa necessariamente a imediata conversão da pena de multa em prisão subsidiária, podendo ser viável a execução coerciva da mesma (que obvia à referida conversão); c) porque mesmo depois da conversão o condenado pode obviar ao cumprimento da prisão pelo pagamento no todo ou em parte da multa em que foi condenado (cfr. artigo 49.º, n.º 2, do Código Penal) e d) porque a execução da prisão subsidiária pode ser suspensa, nos termos do artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal, desde que o condenado prove que a razão do não pagamento não lhe é imputável.

            6. Admitir que a arguida não está sujeita ao mencionado prazo de 15 dias é admitir que poderá a todo o tempo ver um requerimento dessa natureza ser deferido (ressalvados os limites temporais contemplados no próprio artigo 47.º, n.º 3), ficando na sua disponibilidade a escolha do melhor momento para cumprir uma pena, o que manifestamente contende com o carácter sancionatório da mesma.

            7. Impunha-se, neste momento, a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, nos termos do disposto no artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal (como promovido a fls. 220), podendo os problemas de cariz psiquiátrico da arguida, mencionados na decisão recorrida, assim como a sua débil situação económica, ser eventualmente atendidos para efeitos de ulterior suspensão da execução da prisão subsidiária, nos termos do artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal (uma vez feita prova do alegado).

            8. Pelo exposto, ao não converter a pena de multa em prisão subsidiária, nos termos promovidos, e, pelo contrário, deferir o pagamento da pena de multa em prestações, salvo melhor opinião, e sempre com muito respeito pela decisão recorrida, a Mmª Juiz do Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação da lei, violando o disposto nos artigos 47., n.º 3, e 49.º, n.º 1, do Código Penal, 107.º, n.º 2, 489.º, n.ºs 2 e 3, 491.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPP.

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A arguida não respondeu ao recurso

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O recurso foi, em 29/4/2013, admitido.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto limitou-se, em 8/7/2013, a apor visto nos autos.                                                                                             

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.


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II. Decisão Recorrida:

Fls. 217: A arguida requer o pagamento da multa em 20 prestações mensais e sucessivas, quando já está ultrapassado o termo do prazo para pagamento voluntário da multa constante da guia de fls. 195 (o dia 17.09.12). Invoca falta de condições económicas e problemas de saúde ao nível psiquiátrico para justificar o não pagamento atempado.

O MP pronunciou-se no sentido do indeferimento do requerido por extemporaneidade.

            É do meu conhecimento funcional a pendência do processo n.º 369/11.1TBLSA neste Tribunal, estando aí determinado o internamento compulsivo da aqui condenada.

            Resulta da consulta desses autos que, no período para pagamento voluntário da multa (de 3 a 17.09.12), a internada se encontrava instável do ponto de vista psiquiátrico e sem adesão ao plano terapêutico, o que considero impedimento atendível no que respeita ao pagamento atempado da multa.

            Por conseguinte, entendo dever dar-se à arguida outra oportunidade para proceder ao pagamento da multa em que foi condenada de forma faseada tal como, e apesar das dificuldades económicas alegadas, é por ela agora requerido.

            Importa, contudo, atender ao disposto no artigo 47.º, n.º 3, in fine, do CP, que estabelece que a última prestação não pode ir além dos dois anos posteriores à data do trânsito em julgado da condenação.

            Pelo exposto, defere-se parcialmente o requerido, autorizando-se o pagamento da multa em falta em 15 prestações mensais e sucessivas.

            Notifique, advertindo a arguida de que a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento de todas.
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III. Apreciação do Recurso:

O objecto de um recurso penal é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do C.P.P. e Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro.

A questão a conhecer é a seguinte:

- Saber se o prazo para requerer o pagamento de multa em prestações tem natureza peremptória e, portanto, preclusiva, ou não, podendo ser atendido mesmo depois de decorrido o prazo para pagamento voluntário da referida pena.

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            Para tomar posição quanto ao recurso, importa reter o seguinte:

a) Por sentença de 11/4/2012, transitada em julgado a 3/5/2012, a arguida A… foi condenada na pena única de 200 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, perfazendo o total de € 1.000, pela prática de dois crimes de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2008, de 23 de Fevereiro;

            b) A arguida foi notificada para proceder ao pagamento da referida multa, entre os dias 3 e 17 de Setembro de 2012, não o tendo feito;

            c) Em 19/12/2012, o Ministério Público promoveu que a arguida fosse notificada para alegar o que tivesse por conveniente quanto ao não pagamento da multa, com a advertência de que, se nada dissesse ou não provasse que o não pagamento não lhe era imputável, a mesma seria convertida em 133 dias de prisão subsidiária;

            d) Em 29/1/2013, tal notificação foi ordenada;

            e) Em 15/2/2013, a arguida veio informar não ter pago a multa em causa por não ter condições económicas para o efeito, requerendo, em simultâneo, o respectivo pagamento em 20 prestações mensais e sucessivas, no valor de € 50,00, cada uma;

            f) Em 5/3/2013, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da pretensão da arguida ser indeferida;

            g) Em 20/3/2013, foi, então, proferido o despacho ora em crise.

            A questão que agora nos ocupa não tem merecido uma análise unânime na jurisprudência dos tribunais superiores, conforme resulta evidente do confronto, por exemplo, entre o Acórdão de 18/9/2012 do TRE, de 18/9/2012, Processo n.º 597/08.7CBTVR-B.E1, relatado pelo Exmo. Desembargador João Amaro, e o Acórdão do TRG, de 22/10/2012, Processo n.º 171/09.0TAAVV.G1, relatado pela Exma. Desembargadora Lígia Moreira, ambos em www.dgsi.pt.

            Pela nossa parte, salvaguardando o maior respeito pela posição contrária, e na esteira do segundo acórdão atrás aludido, sendo o prazo de pagamento voluntário da multa um prazo processual estabelecido na lei, como tantos outros em que se estabelece um período em que o arguido pode exercer um direito se o entender fazer, não temos qualquer dúvida em o considerar, atento o disposto no art.107.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, como um prazo peremptório.

Sendo o mesmo um acto peremptório, e tendo o arguido um defensor, salvo no caso de provar justo impedimento, não pode apresentar o requerimento para pagamento da multa em prestações para além do prazo de 15 dias que lhe é concedido no artigo 489.º, n.º 2, do Código de Processo Penal., e que coincide com o prazo para fazer o pagamento voluntário na multa.

            Decorrido tal prazo, sem pagamento e sem qualquer requerimento, ou este indeferido, nada mais resta que equacionar a conversão da pena de multa em prisão subsidiária.

Eventual prova de que a falta de pagamento no prazo lhe não é imputável, pode justificar que, convertida a pena de multa em prisão subsidiária, se decrete a suspensão da respectiva execução, consoante prova a apresentar pelo condenado.

            Na realidade, se assim não se entendesse, como bem é salientado no recurso, sempre ficaria na disponibilidade do condenado a escolha do melhor momento para cumprir uma pena, ainda que ressalvados os limites temporais previstos no artigo 47.º, n.º 3, do Código Penal, o que não se enquadra no carácter sancionatório da mesma.

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            IV. Decisão:

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção Criminal deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, devendo, em consequência, o despacho recorrido ser substituído por outro que indefira o requerimento formulado pela arguida, por ser extemporâneo, e que converta a pena de multa em prisão subsidiária, sem embargo de, em simultâneo, ser concedido prazo à mesma para fazer prova do alegado no requerimento de fls. 217, a fim de, eventualmente, vir a ser suspensa a execução da prisão subsidiária, nos termos do artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal.

Sem custas.


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       (José Eduardo Martins - Relator)

        (Maria José Nogueira)