Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
511/10.0JAAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDA VENTURA
Descritores: CONSUMO DE ESTUPEFACIENTES
CONSUMO MÉDIO INDIVIDUAL
Data do Acordão: 12/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 9º E MAPA ANEXO, DA PORTARIA N.º 94/96, DE 26 DE MARÇO
Sumário: I - Os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, de consumo mais frequente, referidos no mapa anexo à Portaria nº 94/96, de 26 de Março, são definidos por referência ao princípio activo do produto estupefaciente em causa.

II - Sendo o exame laboratorial omisso quanto a tal princípio e, não se tratando de caso em que manifestamente excede aquela quantidade ou fique muito além, o exame será apenas indicativo, podendo o tribunal recorrer a outros elementos coadjuvantes da integração, no caso, do conceito de “consumo médio individual diário” .
Decisão Texto Integral: 1. No Tribunal Judicial de Aveiro, após julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, por sentença de 30-04-2012, o arguido – A..., residente em Rua … , foi:
I. Absolvido do crime de tráfico de menor gravidade que lhe era imputado.
II. Condenado como autor material de um crime de consumo de substâncias estupefacientes, p. e p. no art. 40º nº 2 do Dec-lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 3 (três) meses de prisão efectiva.

2. Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
1-O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos.
2- -A este propósito entende a defesa, que existe um facto relevante que devia ter sido dado como provado, factualidade essa que a dar-se como provada impunha decisão diversa, mormente, a absolvição do arguido pelo crime pelo qual vem acusado.
3-De facto, de acordo com a prova produzida em audiência de julgamento, não deveria o tribunal a quo ter condenado o arguido, ao referir na sentença que a quantia estupefaciente detida pelo arguido, era superior ao consumo médio individual pelo período de 10 dias, já que o arguido declarou em sede de julgamento que consumia em média um grama por dia, por vezes mais.
4-Ora, se a quantia detida pelo arguido era de 6, 30 gramas, e o mesmo consumia em média 1 grama por dia não era possível dar como provado que a quantia apreendida excedia o consumo do arguido durante o período de l0 dias.
5- - Efectivamente em sede de julgamento foi perguntado ao arguido o seguinte:
- Quanto é que o Sr. Consumia em média por dia?
Arguido: “ Consumia uma grama por dia, ás vezes mais” (Cfr. Declarações proferidas pelo arguido no dia 23-04-2012, tal como se comprova através da acta de julgamento com tal data, sendo que da mesma consta que tais declarações estão gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso nesse tribunal).
- Esse produto que lhe foi apreendido era só para seu consumo?
- Arguido: “ Sim “. (Cfr. Declarações do arguido de dia 23-04-2012, tal como se comprova através da acta de julgamento com tal data, sendo que da mesma consta que tais declarações estão gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso nesse tribunal).
6- Deste modo, de acordo com a prova produzida em julgamento, prova essa consubstanciada nas declarações do arguido, e na ausência de qualquer elemento de prova que contrarie as declarações do arguido, posição essa que o tribunal deu credibilidade ao mesmo quanto ao destino do produto estupefaciente, não deveria o tribunal a quo dar ter condenado o arguido pelo crime previsto no art. 40 nº 2 da Lei 15193. 22 Janeiro.
7- Ao invés devia ter dado como provado o seguinte fato” O arguido consome em média uma grama de estupefaciente por dia, por vezes mais” e por conseguinte dar como no provado o seguinte: “ O produto estupefaciente detido pelo arguido excedia a quantia necessária para o seu consumo médio individual pelo período de 10 dias”.
8- E devia dar como provado e não provado estes fatos indicados sob o n 7 do recurso, de acordo com as declarações transcritas sob o art.º 5 deste recurso, proferidas em sede de julgamento pelo arguido no dia 23-04-2012, e gravadas no sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso nesse tribunal.
9-Significa isto também, que perante este fato que deveria ser dado corno provado, o tribunal ficando na dúvida quanto ao regime a aplicar, deveria sempre aplicar o regime constante da Lei 30/2000, já que se trata do regime mais favorável ao arguido.
10-O Tribunal a quo errou ao não valorar, nem manifestar posição em sede de fundamentação de sentença, à concreta situação do arguido e ao prescindir de fundamentar o porquê de não atender ao fato relevante afirmado pelo arguido, que consumia em média uma grama de droga por dia e por vezes mais” (Vide neste sentido, FERNANDO GAMA LOBO. Droga, Legislação, Notas, Doutrina, Jurisprudência, Quid Juris Sociedade Editora, em anotação à norma referida, pág. 101 e à necessidade de verificação do elemento subjectivo).
11- Nestes termos, deveria o arguido ser punido apenas pela previsão normativa prevista no art. 2n° 1 e 2 da Lei 30/2000, de 29 de Novembro, ou seja, devia ser punido apenas pela prática de uma contra-ordenação.
12-A sentença recorrida ao não dar como provado e não provado os factos indicados sob o nº 7 deste recurso, verifica-se erro de julgamento que levara à anulação da sentença.
13- O Mm° Juiz a quo não poderia ter aplicado os limites e valores contidos no mapa anexo à portaria nº 94/96, de 26 de Março, já que do exame laboratorial não consta o peso do princípio activo da Cannabis (resina).
14- O Princípio activo da cannabis, ou seja, aquele que é responsável pela maioria dos seus efeitos psicotrópicos, é o tetrahidrocanabinol (TTHC). Então para a determinação do estado de toxicodependência é essencial, não só identificar a natureza da substância detida, com vista à demonstração que ela integra as tabelas anexas do Dec-lei 15/93 de 22/1, como ainda também o respectivo princípio activo, ou seja, no caso, demonstrar a percentagem de tetrahidrocanabinol (refere o artigo 9. ° da citada Portaria. (Neste sentido, vide o Ac. RP, de 18.04.2012, Proc. n.º 560/lO.8TABGC.P1).
15-Como, in casu, não se determinou tal percentagem do princípio activo, qual é a consequência de tal facto? Existem duas posições a este respeito, sendo certo, que qualquer uma delas, impõe a absolvição do arguido pelo crime imputado.
16- Refere a Jurisprudência do tribunal da Relação do Porto a este propósito: deduzida acusação contra o arguido pela detenção de 12 embalagens com heroína, com o peso liquido de 1,71g, que destinava ao seu consumo, sem que do exame efectuado pelo LPC constem os componentes do produto nem a percentagem do princípio activo, vedado fica ao tribunal conhecer o grau de pureza da substância estupefaciente identificada no produto como, daí, vedado lhe fica o recurso aos valores indicativos constantes o mapa anexo à. Portaria 94/964 Vide neste sentido, AC TRP de 17-02 – 2010, processo nº 871/08.2PRPRT.Pl, n.º convencional JTRP 00043555).
17- Todavia, há quem entenda trilhar os limites jurisprudencialmente definidos para as quantidades médias para consumo individual durante um dia
18— A titulo de exemplo, o Acórdão do STJ de 15105/1996, proc. N° 48306 da 3° Secção, fixou tal quantidade em 2 gramas para o Haxixe (Vide também neste sentido, tratando-se de Jurisprudência maioritária, senão uniforme, Ac do STJ de 10/07/1991, in 13MJ 409,392; Ac do STJ de 5/2/199l, in BMJ 404, 151, Ac da RL de 9/1/1990, in BMJ, 393, 648; Ac do STJ de 30/01/1990, in BMJ, 393. 319).
19- Neste sentido, também refere o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 13-10 – 2010, Proc: 46/09.3SFPRT:P1, nº convencional JTRP000, que se aplica sem margem para dúvidas à situação do recorrente, diz-nos o seguinte: “Os valores contidos no mapa anexo à Portaria nº 94/96 não são de aplicação automática. À acusação pelo crime de consumo do art. 40º 2 do Dec-lei nº 15/93 que afirma que o arguido detinha para
20- seu consumo 5,770 gramas de cannabis, mas não diz que essa quantidade excede a necessária para o consumo médio individual pelo período de 10 dias, é manifestamente infundada. Porém neste arresto é referido que, neste contexto, apenas a aplicação automática da Portaria 94/96, suportaria a conclusão de estarmos perante um consumo superior ao assinalado período, que, mesmo assim, não resistiria ao exercício do contraditório já operado no inquérito”.
21- Ora, o tribunal a quo apesar de não referir nos factos dados como provados que a quantia detida era superior ao consumo médio individual pelo período de 10 dias, nem fazer referência aos valores constantes no mapa anexo à Portaria nº 94/96, acaba por fazer referir-se a esta tabela e respectivos valores na motivação da sentença.
22- Acontece que O tribunal a quo aplicou tal tabela de forma automática, quando da mesma não consta a identificação do princípio activo da substância, mas apenas a identificação do peso líquido Cfr. Exame laboratorial junto aos autos).
23- Ora, não podendo o tribunal a quo ter utilizado o critério apontado no mapa da Portaria 94/9õflá que o exame laboratorial indicou apenas o peso liquido, sem determinar a percentagem do produto activo da substância estupefaciente, haveria que utilizar o critério jurisprudencial para aferição e definição das quantidades médias para consumo individual durante um dia e que seriam de 2 gramas para a Cannabis.
24- Deste modo, atenta a quantidade apreendida na posse do arguido (6,84g) leva-nos a concluir que a conduta do arguido não integra a prática do crime de consumo e p e p pelo artigo 40 n°2 do Decreto — Lei 15/95. Sendo certo que das declarações do arguido referidas sob o artº. 5 deste recurso, nem seria necessário utilizar esta presunção, para o mesmo ser absolvido.
25- Para concluir a Jurisprudência mais recente a este propósito, de 18-04-2012, diz-nos o seguinte de forma inequívoca;” Os valores que constam do mapa anexo à Portaria nº94/96, de 26 de Março, não impõem conclusões rigidamente determinadas quanto às quantidades de consumo médio individual, desde logo porque não pode ser ignorada a maior ou menor percentagem de produto activo. Se o exame pericial não determina a
26-a percentagem de produto activo da substância estupefaciente indicando apenas o seu peso liquido, deve lançar-se mão de um critério baseado nas regras da experiência, que tenha em conta o normal grau de impureza desse tipo de produtos quando chegam ao consumidor (Vide neste sentido, Ac do TRP de 18-04-2012, Proc: 560/108TABGC.P1, in)
27- Nestes termos e nos melhores de direito, resulta claramente que mesmo que o arguido não tivesse declarado que consumia uma grama por dia, não se dando credibilidade ao mesmo, este teria de ser absolvido adoptando-se o critério jurisprudencial para o consumo individual durante um dia, que é de2 gramas para a cannabis.
28- Impõe-se por conseguinte a absolvição do arguido pelo crime previsto no art.º 40ºn° 2 do Dec-lei 15193, existindo erro de julgamento por parte do tribunal a quo, pois não poderia ter dar – se como provado o crime de consumo de estupefacientes, violando-se por conseguinte o art. j4n° 2 do CPP e art. 127 do CPP.
29- Sem prescindir de tudo o supra exposto, entende o recorrente que o Tribunal a quo ao condenar o mesmo, deveria ter suspendido a pena de prisão de 3 meses.
30- O tribunal fundamentou a opção pela pena de prisão efectiva nos seguintes termos:
Atentos os motivos supra expostos, e à quantidade e qualidade do produto de que era portador (Considerado droga leve), considera-se adequado aplicar urna pena que se situe algo abaixo do meio da moldura abstracta da pena, ou seja, uma pena de 3 meses de prisão. E tal pena terá, necessariamente, que ser efectiva, porquanto, nesta altu
31- ra e face à exageradamente repetida prática de crimes, ao facto de ter sido cometido dentro do próprio estabelecimento prisional quando estava em cumprimento de pena, não se vislumbra minimamente que uma mera ameaça da pena ou o cumprimento da mesma por qualquer das outras formas previstas no Código Penal, que pudesse ser suficiente para satisfazer as necessidades de prevenção e as finalidades da punição que ao caso se tomam, de sobremaneira, prementes face a todo o passado criminal do arguido’.
32- Ora na óptica da defesa o passado criminal do arguido e o facto do crime ser praticado na prisão, não justificam a aplicação de uma pena efectiva de prisão, tendo em conta nomeadamente os fatos provados na sentença, toda a politica de descriminalização quanto ao consumo de estupefacientes, que, parece, salvo melhor opinião, que ninguém deve ser preso apenas só por consumir estupefaciente.
33- acresce que o tribunal se absteve de pronunciar quanto à suspensão ou não da pena de prisão, quando o devia ter feiro devido a toda a prova produzida em julgamento pois resulta do facto provado sob o n.º10 da sentença que o arguido goza de apoio familiar e visitas, tem perspectivas de trabalho uma vez em liberdade e vivia com a mãe e a irmã.
34- Estes três factos dados como provados, permitem um juízo de prognose favorável, que permitiria a suspensão da pena de prisão, pois o arguido tem casa onde morar, tem perspectivas de emprego e tem o apoio da família.
35- De modo que estes factos em confronto com os crimes anteriores e o facto de ter praticado este crime na prisão, que é um crime, que muitas duvidas existem se fará sentido manter ou mesmo se está em vigor, atenta a politica de descriminalização do consumo de drogas, os efeitos da entrada em vigor da Lei 30/20011, e o princípio da necessidade das penas e intervenção mínima do direito penal.
36-Não poderá o tribunal se esquecer também que a droga apreendida chegou à posse do arguido, porque alguém do estabelecimento prisional não revistou devidamente a pessoa que lhe deu a droga, o que significa portanto que o Tribunal não pode condenar o arguido em pena de prisão efectiva, esquecendo-se que por falta de zelo de algum funcionário da prisão, a droga chegou ao arguido.
Estando assente desse modo, sob factos provado nº 10 da sentença, a possibilidade efectiva de reintegração do agente na sociedade, e a mera posse de cannabis para consumo, teria em obediência ao art. 50 do CP e ao Princípio de ultima ratio da prisão efectiva, que existir suspensão da pena de prisão.
38- Deste modo o tribunal a quo violou o art. 50 do C.P. a pena de prisão deveria ser suspensa, dado que se encontram previstos os requisitos de natureza formal e material previstos no art. 50 do Código penal.

3. A Magistrada do Ministério Público respondeu ao recurso, conclusivamente nestes termos:
- A aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações incluídas nas referidas tabelas constituirá contra-ordenação (artigo 2.° da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro) ou crime (artigo 40.°, n.º 2, do Dec-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro) consoante o produto exceda ou não exceda a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.
- Na aferição das quantidades de consumo médio individual diário de produtos estupefacientes devem ser considerados os valores fixados pelo mapa a que se refere o artigo 9.° da citada Portaria. (Neste sentido, vide o Ac. RP, de 18.04.2012, Proc. n.º 560/10.8TABGC.P1).
- Ora, o referido mapa estabelece que é de 0,5 grama a quantidade de cannabis (resina) que corresponde ao consumo médio individual diário.
- A quantia detida pelo recorrente é de 6,849 gramas, excedendo, assim, o consumo médio individual durante 10 (dez) dias.
- Não se vislumbra nos argumentos apresentados pelo recorrente: “ter apoio familiar e visitas, tem perspectivas de trabalho uma vez em liberdade e vivia com a mãe e irmã” qualquer razão que minimamente belisque a decisão recorrida no que toca a pena de prisão efectiva de 3 meses em que o recorrente foi condenado.
- Saliente-se o facto de recorrente ter várias condenações por crimes como o tráfico de menor gravidade, tráfico para consumo, ameaça, furto qualificado, ofensa à integridade física simples, e se encontrar preso em cumprimento de pena de prisão pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, acrescido ao lugar da prática do crime nos presentes autos — estabelecimento prisional — denota, sem margem para dúvida, que o recorrente mantém, ainda um comportamento reiterado e contrário ao dever jurídico, nada abonando em favor da prevenção especial.
- As exigências de prevenção especial e geral não ficariam, pois, salvaguardadas com a suspensão da pena de prisão de 3 meses em que o recorrente foi condenado.
Nestes termos, deve a douta decisão proferida pelo Tribunal sob recurso ser mantida e, consequentemente deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo recorrente.

4. Neste Tribunal da Relação, o Exmº. Procurador-Geral Adjunto, em parecer de fls. 224/226, manifestou-se, de igual modo, no sentido da confirmação integral da sentença sob recurso entendendo ainda dever ser rejeitado liminarmente o recurso sobre a matéria de facto (art.º 420º, n.º1 al. a) do C.P.Penal.

Colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

III. Fundamentação:
1. Poderes cognitivos do tribunal da quem e delimitação do objecto do recurso:
Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).
Assim, no caso sub judicie cumpre apreciar:
Matéria de facto:
Omissão de pronuncia

Matéria de direito:
Determinação do consumo médio pelo período de 10dias
Aplicação da tabela da portaria nº 94/96 com ou sem referência ao princípio activo.
Critério jurisprudencial.

2. Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 23-10-2010, cerca das 12h00, a arguida B... dirigiu-se ao Estabelecimento Prisional Regional de Aveiro, sito na Av. Calouste Gulbenkian, n.º 118, em Aveiro, para visitar o recluso A....
2. Ali chegada, e durante a visita, a arguida B... entregou ao arguido A... uma substância de cor acastanhada, com um peso bruto de cerca de sete gramas, que a dissimulou nas suas calças.
3. No final da visita, no interior do Estabelecimento Prisional, elementos da Guarda Prisional, no exercício das suas funções de policiamento, na revista efectuada ao arguido A..., detectaram que o mesmo era portador do referido produto, com o peso líquido de 6,849 gramas que, submetido ao competente exame laboratorial, revelou ser Cannabis (resina), substância compreendida na Tabela I-C anexa ao Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
4. A substância estupefaciente supra referida, pertença da arguida, e destinava-se a ser entregue ao recluso, ora arguido, no Estabelecimento Prisional de Aveiro, o que a arguida fez.
5. A arguida B... conhecia a natureza e características da substância estupefaciente que entregou ao arguido, bem sabendo que não podia nem devia comprar, conservar nem, por qualquer forma, proporcionar a outrem a sua utilização e consumo, não se abstendo de o fazer, agindo de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
6. O arguido destinava tal produto ao seu consumo.
7. Agiu o arguido de forma livre, voluntária e conscientemente, conhecendo a natureza e as características estupefacientes, do produto que detinha, bem sabendo que a respectiva aquisição, venda, detenção ou cedência eram proibidas e punidas por lei penal.
8. Os arguidos têm em comum um filho menor que está a cargo da arguida.
9. A arguida B...: aufere mensalmente o salário mínimo nacional; vive com seus pais; tem como habilitações literárias o 11º ano de escolaridade; não tem antecedentes criminais.

10. O arguido A…:
- encontra-se em cumprimento de pena, goza de apoio familiar e visitas, não exercendo no EP qualquer actividade remunerada;
- antes de detido trabalhava em mármores e vivia com a mãe e irmã;
- tem perspectivas de trabalho, uma vez em liberdade;
- por alguns que o conhecem é considerado bom rapaz e amigo do seu amigo;
- para além daquele filho que tem em comum com a arguida, o arguido tem outro filho de uma outra relação;
- tem como tem como habilitações literárias o 7º ano de escolaridade.

11. Do CRC do arguido constam averbadas as seguintes condenações:
a) em 13/06/2005, transitada em julgado em 28/06/2007, por crime de tráfico de menor gravidade, na pena de 8 meses de prisão suspensa na sua execução por 1ano;
b) em 27/11/2009, transitada em julgado em 17/12/2009, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 110 dias de multa à taxa diária de €8;
c) em 30/11/2009, transitada em julgado em 04/01/2010, por crime de tráfico de menor gravidade, na pena de 1 ano de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade;
d) em 30/04/2010, transitada em julgado em 20/05/2010, por crime de trafico para consumo de estupefaciente e tráfico de menor gravidade, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão;
e) em 13/11/2009, transitada em julgado em 27/05/2010, por crimes de ameaça, furto qualificado e ofensa à integridade física simples, na pena de 2 anos e 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período com condições de pagamentos quantias monetárias aos lesados;
f) em 07/06/2010, transitada em julgado em 28/06/2010, por crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 1 ano de prisão suspensa na sua execução por igual período e com regime de prova.

3. Quanto aos factos não provados, está exarado na sentença:
Não se provaram outros factos... e que tenham relevância para a decisão da causa, designadamente:
- que o arguido destinasse tal produto à venda e à cedência aos restantes reclusos que para tal o procurassem.

4. Relativamente à motivação da decisão de facto, ficou consignado:
O Tribunal, num juízo crítico de apreciação da prova produzida, e sendo certo que as declarações oralmente prestadas em audiência constam do respectivo registo áudio de gravação da prova ali produzida, formulou a sua convicção, quanto aos factos dados como provados, com base na análise global da prova produzida, em conjugação as regras da experiência comum e da lógica, e particularmente nos seguintes elementos:
a) nas declarações dos arguidos:
...
- do arguido A... que confessou a detenção para o seu próprio consumo da quantidade de cannabis apurada, no contexto espácio-temporal apurado e na altura em que foi alvo daquela revista; declarações do mesmo quanto à sua situação económica, familiar, habilitações literárias, apoio familiar e visitas que tem tido no estabelecimento prisional. O seu depoimento, pela forma como foi prestado, também foi convincente para que o tribunal desse também como provado ter sido a arguida B...que, aquando da visita que esta lhe fez naquela manhã com o filho de ambos, lhe entregou aquele produto estupefaciente para ele próprio consumir, salientado que na altura já ambos tinham esse filho em comum.

b) no depoimento das testemunhas:
- José Henriques Marques Lima (na altura guarda prisional, actualmente aposentado), o qual referiu que na sequência de ter sido detectada droga ao arguido, logo diligenciou para que a arguida B...(que segundo julga terá sido a única visita ao arguido naquele período da manhã) não saísse daquele EP, tendo ainda ideia que nessa altura terá assumido que tal droga tinha sido por ela levada para o arguido;
- … (guarda prisional), o qual aquando da revista por apalpação ao arguido depois do parlatório, detectou que caiu ao chão (tem ideia que terá caído da manga do blusão) uma pequena substância de cor acastanhada que logo apreendeu e se veio a constatar ser cannabis;
- … (irmã do arguido) a qual teceu boas considerações acerca do carácter e personalidade do arguido;
c) no teor dos seguintes documentos:
teste rápido de pesagem de fls. 18;
relatório de exame laboratorial do LPC constante de fls. 47, no teor dos CRC´s de fls. 103 e 129 a 136, bem como no teor da filha biográfica exibida em sede de audiência;
d) no próprio teor da Tabela I-C anexa ao Dec-lei nº 15/93, de 22.01.
*
Quanto aos factos dados como não provados não foi feita qualquer prova dos mesmos em audiência. Para além da negação deles por parte do arguido e da arguida não ter prestado declarações em relação aos factos da acusação, pelas testemunhas de acusação foi dito não terem quaisquer referências a que o arguido destinasse ou pretendesse destinar aquela ou parte daquela substância a quaisquer reclusos, tendo a testemunha … até dito que o arguido era referenciado como consumidor.
Por outro lado a testemunha de defesa … nada disse de positivo a tal respeito.
Por todas estas razões, e fazendo uso do princípio do "in dúbio pro reo" os factos da acusação que extravasam dos apurados não puderam ser tidos como não assentes.

5. Mérito do recurso:
Alega o recorrente que o tribunal a quo deveria ter dado como provado que consumia pelo menos um grama de haxixe por dia e, consequentemente deveria ter dado como não provado que o produto apreendido era suficiente para o seu consumo médio pelo período de 10dias. Já que referiu que consumia um grama ou mais de haxixe por dia.
Tal facto não foi levado à matéria de facto provada nem referido nos demais factos não provados e seria fundamental para determinar a quantidade de haxixe que o arguido consumiria em 10 dias.

Vejamos:
O art.º379º do C.P.Penal comina de nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
(...)
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Quanto a este ponto cumpre dizer o seguinte:
De acordo com o princípio da vinculação temática da acusação o tribunal está obrigado a pronunciar-se sobre todos os factos constantes da acusação e ou alegados pela defesa (pelo menos é este, em nosso modesto entender, o objecto da imposição feita pelo art.º374º n.º 2 do C.P.Penal).
Só em casos excepcionais como os previstos nos art.ºs 358º e 359º do C.P.Penal, é lícita a pronúncia sobre factos não descritos na acusação.
No entanto, ponderando que no processo penal vigora sempre o princípio da verdade material (corolário de tal princípio é o art.º 340º do C.P.Penal) entendemos que são admissíveis situações em que, apesar de não constarem da acusação nem da defesa os factos em causa, devem ser apurados pelo do tribunal de julgamento, na medida em que se revelem manifestamente fundamentais à busca daquela verdade e de alguma forma tenham sido suscitados no decurso do julgamento.
Aliás, se bem ponderarmos verificamos que a imposição de aceitação(em sentido amplo) por parte do arguido de factos não constantes da acusação só existe quanto a factos que não tenham sido alegados pela defesa.
Factos esses que, em nosso entender, não se podem reconduzir ao texto da contestação – o que sucede impositivamente no direito processual civil – por força quer do princípio do inquisitório quer da descoberta da verdade material.
Na verdade entender que o tribunal só está vinculado a factos alegados na contestação, seria limitar o direito de defesa do arguido plenamente reforçado ao longo de todo o processo penal, cabendo-lhe a ele sempre a ultima palavra - Se não fora para valorar as suas declarações para quê ouvi-lo?

Como resulta do nº 4 do artigo 339.º do CPP, a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368.º e 369.º.

Neste sentido vd. o Exmº conselheiro Sérgio Poças (cfr. REVISTA JULGAR, Da Sentença Penal – fundamentação de facto, 2007, pag 24 e segs):«2.1. O tribunal, como resulta nomeadamente do disposto nos artigos 339.º, n.º 4, 368.º, n.º 2, e 374.º, n.º 2, do CPP, deve indagar e pronunciar-se sobre todos os factos que tenham sido alegados pela acusação, pela contestação ou que resultem da discussão da causa e se mostrem relevantes para a decisão.
Ou seja, ainda que para a solução de direito que o tribunal tem como adequada para o caso, se afigure irrelevante a prova de determinado facto, o tribunal não pode deixar de se pronunciar sobre a sua verificação/não verificação — o que pressupõe a sua indagação —, se tal facto se mostrar relevante num outro entendimento jurídico plausível.
É que em impugnação por via de recurso pode vir a ser considerado pelo tribunal da quem que o facto sobre o qual o tribunal a quo especificadamente não se pronunciou por entender ser irrelevante, é afinal relevante para a decisão, o que determinará a necessidade de novo julgamento, ainda que parcial, com todas as maléficas consequências consabidas.
Sejamos claros: indagam-se os factos que são interessantes de acordo com o direito plausível aplicável ao caso; dão-se como provados ou não provados os factos conforme a prova produzida.
A pronúncia deve ser inequívoca: em caso algum pode ficar a dúvida sobre qual a posição real do tribunal sobre determinado facto.
Na verdade, se sobre determinado facto não há pronúncia expressa (o tribunal nada diz), pergunta-se: o tribunal não se pronunciou, por mero lapso?
Não se pronunciou porque não indagou o facto? Não se pronunciou porque considerou o facto irrelevante? Não se pronunciou porque o facto não se provou?
Face ao silêncio do tribunal todas as interrogações são legítimas.
Das duas, uma: ou o facto é inócuo para a decisão e o tribunal, com fundamentação sintética, di-lo expressamente e não tem que se pronunciar sobre a sua verificação/não verificação, ou, segundo um entendimento jurídico plausível, é relevante e nesse caso deve pronunciar-se de acordo com a prova produzida.
(…)
Como é consabido, na produção e depois na valoração da prova do que se trata é de um confronto de provas e não uma hierarquia ou de precedência de provas. Um depoimento merece credibilidade, não por se tratar de uma prova indicada pela acusação ou pela defesa, mas porque pelas suas características convence o tribunal que o que narra corresponde à realidade dos factos, «ao realmente acontecido».

Voltando então à situação em apreço:
Como alega o recorrente, a instâncias do seu Defensor referiu que o produto apreendido se destinava exclusivamente ao seu consumo e que consumia cerca de um grama por dia e por vezes mais.
Cotejando a sentença em recurso verificamos que tal facto aí não foi valorado nem referido;
No entanto também resulta da prova produzida que o arguido nunca referiu que aquele produto seria para consumir no período de 10 dias ou cinco ou quinze.
O facto de, a instâncias do seu mandatário, ter respondido que consumia um grama ou mais por dia, não tendo sido motivo de discussão nem alegação contundente no decurso da própria audiência, só por si, não tem a virtualidade de obrigar o tribunal a pronunciar-se sobre tal “resposta”. Aliás, foi o próprio arguido que não lhe deu relevância em sede de audiência, limitando-se, como referido, a responder a uma pergunta do seu defensor e, repita-se nunca disse que aquele produto em concreto seria para consumir no período máximo de 10 dias.

Improcede assim a alegada nulidade da sentença.

Quanto à questão de direito:
Saber se no crime de consumo de estupefacientes ou mais concretamente no caso (atenta a quantidade de produto estupefaciente detida - menos de 7gr) é essencial identificar o seu grau de pureza.

Nos termos do disposto no art.º 40º, n.º2 do Dec-lei nº 15/93, de 22/1, a detenção de substâncias compreendidas nas tabelas I a IV anexas, integra a prática de um crime de consumo de estupefacientes, se a sua quantidade for superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.
Para efeitos da aplicabilidade dos art. 26º, nº 3, e 40º, nº 2, do Dec-lei nº 15/93, de 22/1 – que tipificam o tipo legal do crime de “traficante-consumidor” e do “consumo de droga” –, tal portaria nº 94/96, de 26/3, estabeleceu, no seu art. 9º, que «os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, de consumo mais frequente, são os referidos no mapa anexo à presente portaria …».

Por seu turno e para efeito de determinação e caracterização do produto estupefaciente impõe o art.º 62º do Decreto-Lei nº 15/93 o exame laboratorial das substâncias apreendidas.

Tal exame quando destinado a determinar o grau de toxicodependência do arguido é realizado de acordo com o disposto no art.º 10º 1 da citada portaria nº 94/96, de 26 de Março que, por referência ao artº 62º do Dec-lei 15/93, refere que «na realização do exame laboratorial referido nos nº 1 e 2 do artigo 62º … o perito identifica e quantifica a planta, substância ou preparação examinada, bem como o respectivo princípio activo ou substância de referência».
Tendo presente as regras de interpretação da lei, mais concretamente o art.º 9º do C.Civil, ponderando a unidade do sistema a finalidade da lei (no caso a portaria 94/96) há que concluir que a ideia do legislador foi a de que o exame do produto estupefaciente detido fosse feito de acordo com a regras impostas no seu art.º 10º da portaria, salvaguardando assim a certeza e unidade em tais procedimentos.
Na verdade, como o próprio preâmbulo expressa, o mapa da Portaria nº 94/96 é um elemento importante para a definição do conceito de “ consumo médio individual diário”, e o valor nele expresso é normalmente aceite pela Jurisprudência – Ac. STJ 19 de Novembro de 2008 in www.dgsi.pt; e Ac. STJ de 20 de Março de 2006, in www.dgsi.pt.
Mas tal como consta do mesmo preâmbulo a sua principal preocupação é a “caracterização do estado de toxicodependência” ou seja, poderá ser considerado toxicodependente quem tiver os consumos diários da tabela – artº 2º e 3º da Portaria, sendo que esses consumos -(J. Conde Correia, in Droga: exame Laboratorial ás substancias aprendidas e diagnostico da toxicodependência, Revista CEJ, 2004, nº 1, pág. 88)- se referem aos valores das substâncias em estado puro (ao princípio activo) e não ao peso liquido da substância apreendida que as mais das vezes se encontra traçada/ corrompida/ aditada de outras substâncias inócuas. Depois tais valores só são de ponderar em conjunto com os exames periciais em conformidade com o artº 62º Dec-lei 15/93 e artº 10º da Portaria, e por outro lado não pode deixar de se atender que são valores estatísticos.
Assim, há que concluir que subjacente à determinação da quantidade diária detida para consumo, o legislador teve igualmente pressuposta a ideia subjacente à determinação do grau de toxicodependência ou seja, a de que qualquer exame feito no seu âmbito ou com vista à sua interpretação e aplicação, o deve ser nos termos do art.º 10º, determinando-se sempre em função do princípio activo do produto detido.

Na verdade, é sabido que, na generalidade senão em todas as situações de venda a “retalho” de produtos estupefacientes os mesmos se encontram “cortados ” com as mais variadas substâncias, permitindo assim uma maior “rentabilidade” ao vendedor.
Ora sendo o princípio activo a substância ou conjunto delas que é responsável pelos efeitos da ministração de um determinado produto – vd. no site da Apifarma (www.apifarma.pt) princípio activo, «é a substância de estrutura definida responsável por produzir uma alteração no organismo que pode ser de origem vegetal ou animal» – torna-se pois essencial determinar a sua percentagem para concluir pelo seu efeito.

Nos autos o valor diário estabelecido (cannabis (resina)) é de 0,5 gr.
O princípio activo da cannabis, ou seja, aquela que é responsável pela maioria dos seus efeitos psicotrópicos, é o tetrahidrocanabinol (THC).
O exame laboratorial é omisso quanto ao mesmo.
Assim e na sequência do referido, ponderando ainda a quantidade de produto “bruto” apreendido, cerca de 7 gramas, entendemos não poder socorrermo-nos de forma definitiva e taxativa dos valores referidos na tabela anexa à Portaria nº 94/96, de 26/3 servindo o exame em causa apenas como indicativo.
VG. Jurisprudência do Tribunal Constitucional expressa no Ac. nº 534/98 (7) proc. nº 545/98 de 7/8/98, relatado por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, que decidiu “interpretar a norma constante da alínea c) do nº1 do artigo 71 do Dec-lei nº 15/93 no sentido de que, ao remeter para a portaria nela referida, a definição dos limites quantitativos máximos do princípio activo para cada dose média individual diária das substâncias ou preparações constantes da tabela I a IV, de consumo mais frequente, anexas ao mesmo diploma, o faz com o valor de prova pericial”, e que no seu texto se esclarece que “os limites fixados na portaria … não constituem verdadeiramente, dentro do espírito e da letra do art. 71 do Dec-lei nº 15/93, uma delimitação negativa da norma penal que prevê o tipo de crime privilegiado” e que “a remissão para valores indicativos, cujo afastamento pelo tribunal é possível, embora acompanhada da devida fundamentação.

Assim sendo, pode o tribunal recorrer a outros elementos coadjuvantes da integração no caso do conceito de “ consumo médio diário “ já que não se trata de um caso em que manifestamente excede aquela quantidade ou em que fique muito além – pelo contrário estaria no limite.
Há então que recorrer a critérios de razoabilidade e bom senso tendo por base a experiência geral e comum, que em vista da segurança jurídica a Jurisprudência deve procurar. E essa procura jurisprudencial já vem desde antes da Portaria nº 94/96, com a necessidade de integração do conceito expresso no artº 26º1 do Dec-lei 430/83 de 13/12 de “quantidades diminutas” que eram “as que não excedem o necessário para consumo individual durante 1 dia”. (ver. neste sentido, entre outros, Ac. R. do Porto de 17 de Fevereiro de 2010, proc. nº 871/08.2PRPRT.P1; de 13 de Outubro de 2010, proc. nº 46/09.3FPPRT.P1; de 10 de Julho de 1985 BMJ, n.º 349, 554.Cfr: Ac. STJ 17 Julho de 1987 BMJ, n.º 369º, 330; Ac. STJ 10 Julho de 1991, BMJ, n.º 409, 392; Ac. STJ 5 Fevereiro de 1991, BMJ, n.º 404, 151; Ac. STJ 19 Setembro de 1990; de 30 de Janeiro de 1990, BMJ, nº 393, 319; de 5 de Fevereiro de 1991, BMJ, nº 404, p. 51; e de 10 de Julho de 1991, BMJ, nº 409, p. 392).
Coadjuvando este deste labor jurisprudencial veio a ser elaborado o documento do Centro de Estudos e Profilaxia da Droga/Ministério da Justiça onde clinicamente se estabeleceram os seguintes valores:
Morfina: até 5g/24 horas (10 vezes a dose letal);
Heroína: 30 mg a 3 g/dia;
Cannabis: 1 a 4 g/dia;
Cocaína: 1 a 6g/dia;
LSD: 250microgramas/dia”
(vidé nota 1.3 na pág.227, em anotação ao Ac. STJ de 11 Julho de 1990 BMJ n.º399, 219.)

Voltando então ao caso dos autos
Provou-se que o arguido detinha para seu consumo 6,849 gramas de cannabis – resina.
De acordo com o critério residual ora determinado, manifestamente ela não excede o necessário para o consumo médio durante dez dias de um toxicodependente, pois não chega a uma grama de cannabis por dia.
Assim a conduta do arguido apenas integra, a previsão da contra-ordenação de consumo p. e p. pelo artigo 2º n.ºs 1 e 2 da Lei 30/2000, para cujo conhecimento é competente a Comissão de Dissuasão da Toxicodependência, nos termos do artigo 5º de tal diploma legal.

Merecendo provimento o recurso.

III. Dispositivo:
Em face do exposto, acordam na 5.ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso e, em consequência:
Absolver o arguido A..., da prática como autor material de um crime de consumo de substâncias estupefacientes, p. e p. no art. 40º nº 2 do Dec-lei nº 15/93, de 22 de Janeiro - sem prejuízo da sua responsabilidade contraordenacional.

Sem tributação (artigo 513.º, n.º 1, do CPP).

(O presente acórdão compõe-se de 27 folhas com os versos em branco e foi processado e revisto pela relatora, a primeira signatária).
Coimbra, 12 de Dezembro de 2012


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(Fernanda Ventura)

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(Cacilda Sena )