Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
669/09.0TBCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
VALOR DE MERCADO
COMPRADOR MÉDIO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
PROVA PERICIAL
Data do Acordão: 12/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 23, 26, 28 C.EXP., 668 CPC, 205 CRP
Sumário: 1.- Os critérios expressos nos artigos 26º e 28º do Código das Expropriações são a densificação ou a concretização do critério geral previsto no art.23º do mesmo Código, na prossecução do “valor real e corrente do bem, de acordo com o seu destino efectivo ou possível, numa utilização económica normal.”

2. - O conceito do “comprador médio” aparece para ajudar na compreensão do critério geral, também para afastar o valor que resulta de mera especulação, mas não dispensa a concretização exigida pelos art.26º e 28º do Código das Expropriações.

3.- No actual quadro constitucional (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório.

4.- O julgador aprecia livremente as provas, inclusive pericial, mas, na falta de outros elementos, não deve afastar-se das conclusões ou resultados a que cheguem os peritos, em unanimidade ou maioria, excepto se for de concluir que estes assentaram o seu raciocínio em erro manifesto ou em critério legalmente inadmissível.

Decisão Texto Integral:             Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            Nestes autos de expropriação litigiosa, por utilidade pública, é Expropriante o Município da Covilhã e Expropriados M (…) e C (…) residentes na (. ..) Peraboa.

            Os expropriados interpuseram recurso da decisão arbitral que fixou o montante indemnizatório em 25.905,92 euros, pretendendo a quantia de 50 400 euros, alegando uma diferente consideração da área atribuída à parcela expropriada (168,00m2), uma diferente liquidação do valor da construção e a consideração do princípio da igualdade, face ao ponderado para prédio confinante.

            Admitido o recurso, pugnou a expropriante pela manutenção do montante indemnizatório.

           

            Seguiu-se a produção de prova, com a avaliação efectuada nos termos do art.61º, nº2, do C. Expropriações. Não foram apresentadas reclamações aos relatórios periciais.

            Recorrentes e recorrida produziram alegações finais, vindo o recorrente a declarar aceitar o valor de 46 116 euros fixado no laudo maioritário.

            Foi proferida a sentença a julgar o recurso parcialmente procedente e a fixar o valor da parcela expropriada em 46 116 euros.


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            Inconformado, o Município da Covilhã recorre, pedindo a fixação do valor da indemnização em € 25.306.92, e apresenta as seguintes conclusões:

            A. A sentença recorrida é nula, porquanto indica somente que “4 dos 5 fixaram o valor da indemnização em 46 116,00 euros”, que acabou por ser o valor fixado para a parcela expropriada, mas não fundamenta por que razão tal valor é o valor da justa indemnização — aliás, não é feita a menor referência, nos factos provados, a qualquer elemento que permita concluir o que quer que seja quanto ao valor do bem expropriado, sendo certo que a singela alusão a um relatório, dando a existência deste como provada, é por demais escassa.

            B. Quanto à aplicação do direito aos factos, resulta desde logo a respectiva impossibilidade, uma vez que não resultou provado o valor do bem expropriado ou qualquer critério que a ele possa conduzir.

            C. Atendendo à nulidade da sentença, deve a decisão proferida ser anulada, a fim de se dar cumprimento à lacuna encontrada, ou seja, à concretização dos fundamentos de facto e de direito.

            D. Sem prescindir, constituem jurisprudência e doutrina perfeitamente pacíficas o entendimento de que o dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido, de uma forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado, ou, por outras palavras, ao respectivo valor de mercado – vd. Ac. do S.T.J. de 23/09/1998, Recurso número 810/98.

            E. Tendo em conta todos os elementos atrás referidos e seguindo-os, entende-se que o relatório pericial subscrito pelo perito da entidade expropriante, cujos temos aqui se dão por integralmente reproduzidos, é o que melhor salvaguarda tais critérios, devendo, assim, o valor da justa indemnização ser mantido, e definitivamente fixado, em € 25.306.92, aqui se dando por reproduzidos os respectivos fundamentos, os quais devem integrar a matéria de facto provada.

            F. Quanto à alteração da matéria de facto provada, devem passar a constar todos os pontos do relatório do perito indicado pela entidade expropriante que conduzem à fixação do valor do bem expropriado em € 25.306.92, devendo ser dado julgado ser este o valor do bem expropriado.

            G. Em suma, a sentença recorrida violou as disposições constantes dos artigos 23º, 26º, 28º do Código das Expropriações, e ainda a da alínea do número 1 do artigo 668º do CPC.


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            Os expropriados contra-alegaram, defendendo a solução da decisão recorrida.

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            São duas as questões a resolver:

            1ª A sentença é nula nos termos do artigo 668º, nº1, b), do Código de Processo Civil?

            2ª A sentença violou o critério legal da “justa indemnização” expresso nas disposições constantes dos artigos 23º, 26º e 28º do Código das Expropriações?


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            Os factos considerados provados são:

            1. Por despacho de fls. 6, foi adjudicada à expropriante Município da Covilhã, a propriedade da parcela constituída por 3 prédios urbanos, sitos na Rua dos Casaínhos, freguesia de Peraboa, inscritos na matriz predial da freguesia do Peraboa, concelho da Covilhã sob os nº329, 291 e 796.

            2. A declaração de utilidade pública foi publicada em suplemento ao Diário da República n.º 211, II série, de 30-10-2008, destinando-se à construção do museu do queijo.

            3. Os Senhores árbitros no ponto 1.2 descreveram os prédios objecto da expropriação: - art. urbano 349 - 56 m2; art. urbano 350 – 36 m2; art. urbano 351 – 24 m2.

            4. O solo da parcela foi classificado como “ solo apto para construção” e atribuíram o custo das construções à data da DUP em 260 €.

            5. a) No relatório de peritagem subscrito por 4 dos peritos, de fls. 65, fixaram o valor da indemnização em 46 116 euros na hipótese do aproveitamento das construções existentes e em 5 045,64 euros na hipótese de demolição das construções existentes, concluindo os Senhores peritos que a justa indemnização corresponde ao maior dos valores determinados;

            b) O Sr. Perito da expropriada fixou o valor da parcela em 25 036,92 euros.

            6. Em sede de alegações veio a recorrente declarar aceitar o valor de 46.116 euros.

            7. A área de construção total é de 168 m2.


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            1ªquestão: a sentença é nula por falta de fundamentação de facto e de direito?

            De acordo com o previsto no artigo 668º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

            Tradicionalmente, é recorrente a afirmação de que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito.

            No actual quadro constitucional (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório.

            (ver acórdãos do STJ, de 2.3.2011, processo 161/05.2TBPRD.P1.S1 e da Relação de Coimbra, de 17.4.2012, processo 1483/09.9TBTMR.C1.)

            A falta arguida não ocorre na sentença recorrida, sendo possível às partes controlar o raciocínio seguido por esta, para chegar ao valor indemnizatório.

            A sentença começou por delimitar o objecto do recurso dos expropriados, indicando que a expropriante aceitou a decisão arbitral.

            Referindo o ponto 1.2 da arbitragem, a sentença exarou que a área considerada por esta era de 116 m2, o solo foi classificado como “apto para construção” e o custo das construções atendido foi, à data da Declaração de Utilidade Pública, de 260€/m2.

            Mas com base no laudo pericial maioritário, a sentença exarou o valor total obtido por este, 46.116€ e a área total da parcela expropriada, 168 m2.

           

            E não é desconsiderável que os relatórios periciais são notificados às partes.

            Depois, na análise jurídica, a sentença considerou:

            “O poder de cognição do Juiz delimita-se pelas alegações do recorrente e pelo decidido no acórdão arbitral, que transita em julgado em tudo quanto seja desfavorável para a parte não recorrente, envolvendo a falta de recurso concordância com o decidido pelos árbitros. Daqui se infere ser objecto deste recurso: da área atribuída à parcela expropriada; do valor da construção nos termos do art. 28.º do código das expropriações; violação do princípio da igualdade.”

            “O valor encontrado pelos Srs. árbitros e por 4 dos cinco Srs. peritos (apenas o perito da entidade expropriante o fixou em 25 036,92), como correspondendo à justa indemnização, atendeu sempre à valorização do existente, incluindo as construções. Assim, na medida em que este critério não foi posto em causa pela expropriante, e foi, de igual modo seguido pelos Srs. peritos, em respeito pelo disposto nos art.º 26/6/7 e 28 do C.E., há que aceitá-lo também, fixando o montante da indemnização no montante indicado de 46 116 euros.”

            “Considerando que o recorrente aceita este valor fica prejudicada a apreciação da invocada violação do princípio da igualdade ou, ainda, da valoração ou não da área de construção em detrimento da área de implantação.”

            Não esquecendo que os factos provados pelo Tribunal a quo são a síntese das considerações técnicas de facto, daquela leitura percebe-se, para aquele tribunal, a aceitação ou adesão ao laudo maioritário decorre do facto deste seguir os critérios legais, em respeito pelo disposto nos art.26º, nº6 e 7 e 28º do Código das Expropriações.

            Considerando por fim que os expropriados, recorrentes da decisão arbitral, aceitaram o novo valor atingido, entendeu a sentença estarem prejudicadas as restantes questões levantadas por aqueles.

            A sentença só não referiu expressamente todas as parcelas do cálculo que serviu ao valor total referido e um argumento da expropriante, ao invocar que o valor de mercado “prescreve que o expropriante deve pagar o valor que um comprador médio, tendo em consideração as condições de facto e as circunstâncias existentes à data da declaração de utilidade pública, está disposto a pagar pelo bem, para efectuar o aproveitamento económico normal permitido pela lei e regulamentos em vigor”, entendendo o comprador médio como “uma pessoa que além de prudente, disponha de um conhecimento genérico dos valores a que se transaccionam os imóveis no mercado.”

            Este argumento ou critério é apresentado como parecendo divergir do critério do “método do custo” seguido no laudo maioritário.

            Mas a sentença estava delimitada pelas questões levantadas pelo recurso dos expropriados e ela não tem de conhecer todos os argumentos aduzidos pelas partes, em reforço das suas posições, bastando que aquela que aceita se distinga e seja suficientemente clara.

            De qualquer maneira, veremos a seguir a valia do referido critério do “comprador médio”.

            Assim, respondendo à 1ªquestão, a sentença não é nula por falta de fundamentação de facto e de direito.


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            2ªquestão: a sentença violou o critério legal da “justa indemnização” expresso nas disposições constantes dos artigos 23º, 26º e 28º do Código das Expropriações?

            Os critérios expressos nos artigos 26º e 28º deste Código, aplicáveis por se tratar no caso de um “solo apto para construções” e com estas no mesmo, são a densificação ou a concretização do critério geral previsto no art.23º desta lei, na prossecução do “valor real e corrente do bem, de acordo com o seu destino efectivo ou possível, numa utilização económica normal.”

            O conceito do “comprador médio” aparece para ajudar na compreensão do critério geral, também para afastar o valor que resulta de mera especulação. Mas é ele próprio um critério geral que não dispensa a concretização exigida pelos art.26º e 28º referidos. (Com interesse, Salvador da Costa, Código das Expropriações Anotado, 2010, Almedina, páginas 146, 147, 179 a 184 e 207 a 213.)

            Ao escolher o laudo minoritário, o recorrente expropriante não especifica qual a razão que o diferencia do laudo maioritário e não explica porque tal razão é mais válida e é a legal.

            No caso, entre outros, como critérios legais, importava clarificar a área a considerar e o valor de referência da construção por m2.

            Estas matérias são essencialmente técnicas.

            Quanto ao valor e natureza da avaliação, a jurisprudência entende que “sem esquecer que o julgador aprecia livremente as provas, inclusive pericial, afigura-se-nos que o Tribunal, na falta de outros elementos, não deve afastar-se das conclusões ou resultados a que cheguem os peritos, sobretudo quando oriundos de uma maioria,

excepto se for de concluir que os peritos assentaram o seu raciocínio em erro manifesto ou critério ostensivamente inadmissível.” Ou “(…) o problema que se coloca ao julgador nos processos de expropriação tem sido equacionado como um problema de adesão, na medida em que deve aderir à avaliação técnica efectuada pelos peritos ou ao parecer maioritário destes, a menos que se suscitem questões de direito com relevância para o cálculo do valor da coisa ou que o processo contenha elementos de prova suficientemente sólidos – para além da avaliação – que o habilitem a divergir.” (Ver os Acórdãos, da Relação de Lisboa no processo n.º 3028/04, da Relação de Guimarães, de 10.11.2004, processo n.º 890/04-2, em www.dgsi.pt.)

            Considerando este enquadramento, lendo os relatórios técnicos, percebe-se que a divergência dos Peritos assenta apenas na depreciação que fizeram do valor inicial de referência.

            Tanto os Srs. Árbitros como os Srs. Peritos começaram por aceitar um valor inicial do custo de construção habitacional de 500€/m2.

            Os Peritos consideraram uma área total de 168m2.

            Porém, os Srs. Árbitros e o Sr. Perito vencido fizeram uma dupla depreciação daquele valor, uma primeira considerando o estado da construção, de 500€ para 260€ e uma segunda, com base nas alíneas a), b) e c) do nº1 do art.28º da lei, onde o estado da construção se insere, utilizando coeficientes médios de 0,87, 0,93 e 0,90.

            Na parte habitacional, os Srs. Peritos do laudo maioritário fizeram apenas uma depreciação, considerando o estado de conservação da construção (0,60) e a funcionalidade da mesma (0,80).

            Depois, os Srs. Peritos do laudo maioritário fizeram outro ajustamento. Sendo certo que a área total é de 168 m2, parte dela (54 m2) tinha uma função não habitacional, rectificando/baixando para esta o valor de referência. (Estes 54 m2, do duplo piso do artigo urbano 349 (com o total de 108 m2), não foram considerados pelos Srs. Árbitros.)

            Ora, a dupla depreciação referida não é legal e a que desceu do valor de 500€ para 260€ é pouco objectiva e menos sindicável do que aquela que decorre das referências específicas às alíneas da lei.

            Por isso, o caminho seguido pelo laudo maioritário é o mais correcto e o legal.


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            Decisão.

            Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a sentença recorrida.

            Custas pelo recorrente.


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 Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator )

 Maria Inês Carvalho Brasil de Moura

 Luís Filipe Dias Cravo