Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3306/09.0T2OVR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: REGINA ROSA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
INEXISTÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO
SÓCIO GERENTE
GARANTE DA OBRIGAÇÃO
Data do Acordão: 12/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE OVAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 46º, AL. C) DO CPC
Sumário: I – A al. c) do artº 46º do CPC confere exequibilidade aos documentos particulares assinados pelo decedor.

II – Se uma sociedade não cumprir com o pagamento devido, pode o credor executar também o seu sócio gerente que tenha garantido a obrigação, ainda que este não tenha assinado em nome pessoal.

III – A assinatura que tenha aposto no documento vincula-o quer como representante da sociedade, quer a título pessoal enquanto garante da obrigação.

Decisão Texto Integral:             I- RELATÓRIO

            I.1- «J..., Ldª» e A..., deduziram em 20.8.09 oposição à execução para pagamento de quantia certa que lhes moveu M..., pedindo a sua extinção, invocando, para tanto e em síntese, a ilegitimidade do exequente para demandar a título pessoal a executada sociedade, e o facto do sócio-gerente da executada aquando da assinatura do contrato de compra e venda de máquinas que serve de título executivo, não lhe ter sido explicado o conteúdo do mesmo e, como tal, não ter havido aceitação dos termos do aludido contrato, pelo que, a assinatura por ele aposta não pode vincular a sociedade.

            Notificado, o exequente contestou, afirmando que todas as cláusulas do contrato foram lidas e explicado o seu conteúdo ao legal representante da executada, além de que a legitimidade atribuída ao sócio-gerente da «C...» para poder demandar a título pessoal a executada era uma condição essencial para a concretização do negócio, facto que era do perfeito conhecimento do executado A....

            Ultrapassada a fase do saneador e condensação, foi realizado o julgamento da matéria de facto controvertida, e, a final, proferida a sentença datada de 4.2.11, a julgar a oposição parcialmente procedente, e em consequência, reduzir a quantia exequenda ao montante de 67.600,00 €, determinando-se, quanto ao mais, o prosseguimento dos autos de execução.

            I.2- Apelou o executado A....

            Alegando, conclui nestes termos:

[…]

I.3- O exequente declarou prescindir do direito de contra-alegar (fls.68).

Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                               #                      #

II - FUNDAMENTOS

II.1 - de facto

Por não ter sido questionada, encontra-se assente a seguinte factualidade:

[…]

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            II.2 - de direito

            Como o próprio recorrente anota no seu requerimento de interposição de recurso, são duas as questões que coloca à apreciação da Relação:

            1ª- inexistência de título executivo quanto ao co-executado/recorrente, em nome pessoal;

            2ª- depoimento da testemunha Dr. F... prestado em violação do segredo profissional, não podendo fazer prova em juízo.

            Abordemos cada uma de per se.

            II.2.1 – Afirma o recorrente que o documento particular dado à execução não se encontra assinado por si em nome pessoal como obrigado solidário, e nesta medida não constitui título executivo.

            O recorrente parece querer confundir devedor com o terceiro garante que, solidariamente com aquele, assume perante o credor o pagamento da dívida.

            Na situação presente, decorre da cláusula 4ª/2 do contrato que constitui (e as partes outorgantes assim o desejaram) o título executivo, que por vontade dos outorgantes foi estabelecida uma garantia pessoal, em que, para o caso de a segunda outorgante e executada, «J...» não cumprir o prazo referido na mesma cláusula, o seu sócio gerente, A..., ficará responsável, pessoal e solidariamente, pelo pagamento da quantia que então estiver em dívida. Deste modo se clausulou, como se disse, uma garantia pessoal, em que o co-executado A... ficou responsável, além da sociedade devedora, com o seu património pelo cumprimento da obrigação assumida pela sociedade para com a exequente/credora.

            Houve como que um reforço quantitativo da garantia da credora para o caso de não cumprimento. O sócio gerente da sociedade executada veio a assumir uma obrigação própria, através da qual ficou solidariamente responsável pelo cumprimento da mesma. Verificado o incumprimento, sujeitou-se à possibilidade de execução do seu património.

            A al.c) do art.46º do C.P.C., confere exequibilidade aos documentos particulares assinados pelo devedor.

            No caso, o devedor é a sociedade. E esta fez-se representar pelo seu sócio gerente, o referido A..., que assinou em nome daquela. Era quanto bastava, no que toca a este requisito de forma, para conferir exequibilidade ao contrato em causa. Se a sociedade não cumpriu o clausulado em 4º, a credora podia executar também o sócio gerente que garantiu a obrigação, conforme acordado na mesma cláusula, ainda que este não tivesse assinado em nome pessoal. A assinatura que apôs no documento vinculou-o quer como representante da sociedade, quer a título pessoal enquanto garante da obrigação.

            De resto, compreende-se mal a posição do recorrente, porquanto foi atribuído pelos outorgantes (portanto também por si), força de título executivo ao contrato (cláusula 5ª), o que pressupõe a execução de todo o seu conteúdo. Logo, do referido clausulado sobre a garantia pessoal do sócio gerente.  

            Improcedem, assim, as conclusões 2ª a 6ª.

            II.2.2- Refere o recorrente ter sido cometida uma nulidade processual com influência no exame e decisão final da causa, o que implica a anulação do julgamento. Isto porque foi admitida a depôr a testemunha F..., advogado, que prestou um depoimento com violação do segredo profissional a que estava sujeito nos termos do art.87º do E.O.A..

            Sustenta o recorrente que, ainda que não arguida tempestivamente, a nulidade praticada pode ser conhecida no recurso, por ter havido um despacho – o proferido sobre a matéria de facto – que a sancionou.

            Não lhe assiste razão.

            O depoimento – neste caso de advogado - com violação do sigilo profissional (arts.87º/5 do E.O.A. e 519º/3-c) e 618º/3, C.P.C.) - produzido sobre os factos por ele abrangidos é nulo. Logo, está sujeito ao regime geral das nulidades processuais – arts.201º/1, 203º e 205º, 206º/3 e 207º, C.P.C..

            Na situação ajuizada, a testemunha foi chamada a depôr, não pediu escusa, não foi advertido pelo tribunal desse dever, prestou o seu depoimento relatando factos relacionados com o contrato dos autos cuja feitura foi da sua responsabilidade (motivação do juiz decisor a fls.43). Deste modo, infringiu o dever de reserva a que estava sujeito nos termos do art.87º/1 do E.O.A..

            Pergunta-se: o despacho sobre a matéria de facto sancionou a nulidade em causa como defende o recorrente?

            Cremos que não.

            Estamos perante uma nulidade secundária, cuja regra geral sobre o prazo de arguição vem formulada no art.205º, distinguindo o nº1 entre as nulidades cometidas na presença da parte e as restantes. Assim, “… se a parte estiver presente, por si ou mandatário, no momento em que foram cometidas, podem ser arguidas enquanto o acto não terminar”. Por acto em que a parte esteja presente, entende-se a audiência ou a diligência; a arguição deve ter lugar na própria sessão em que a nulidade é cometida e até a mesma terminar.

            Em matéria de nulidades secundárias, impende sobre a parte interessada na impugnação, o ónus da preclusão.

            Revertendo ao caso em apreço, defui da acta de julgamento que o recorrente esteve representado pela sua mandatária, Drª S..., que não se opôs ao depoimento em questão, nem antes de ele começar, nem no seu decurso, terminando a audência sem ter sido arguida a nulidade do depoimento (fls.38 a 41).

Deve ser entendido por final da audiência de julgamento, a conclusão da instrução e discussão sobre a matéria de facto (art.653º/1). A apreciação da prova pelo tribunal para se dar resposta à base instrutória, constitui, portanto, um outro momento processual que se segue ao do encerramento da produção e discussão de prova.

Segue-se, então, que a parte interessada na eliminação do acto ferido de nulidade, ou seja, o recorrente (art.203º/1), estando, como estava, presente por mandatário no acto judicial (a audiência), deveria ter reclamado da nulidade ocorrida, até o mesmo acto findar. É o que claramente decorre do estabelecido na primeira parte do nº1 do art.205º.

Tal não se verificou como se disse. Consequentemente, precludiu o direito à reclamação da nulidade cometida, havendo-se esta por sanada. Logo, a decisão sobre a matéria de facto não podia ter coberto uma nulidade já sanada. Assim não seria, se nulidade do depoimento do advogado com violação do sigilo profissional tivesse sido praticada na ausência da parte interessada e estivesse a decorrer o prazo para a sua reclamação. Proferida a referida decisão enquanto decorria esse prazo, ela sancionou a nulidade. A reclamação deixou de ser o meio próprio para impugnar esse vício, passando então a ser o recurso da decisão final (art.205º/3).

Donde, não poder agora o recorrente reagir contra o sancionamento da nulidade cometida.

Improcedem, portanto, as restantes conclusões, soçobrando o recurso e mantendo-se a decisão impugnada que não padece de qualquer nulidade, designadamente da nulidade do art.668º/1-d), C.P.C. apontada pelo recorrente, que de resto nem tão pouco a fundamenta.

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III - DECISÃO

Acorda-se, pelo exposto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença apelada.

Custas pelo apelante.

Regina Rosa (Relatora)   

Artur Dias

Jaime Carlos Ferreira