Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
929/17.7T8GRD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: DIVÓRCIO
ATRIBUIÇÃO DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
Data do Acordão: 11/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA GUARDA – JUIZ 2 – DO T.J DA COMARCA DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.1793 CC, 990 CPC
Sumário: 1– O art. 1793º, nº1 do C.Civil fixa os critérios a que se deve atender para determinar qual dos cônjuges poderá continuar a habitar a casa, sendo que se entende que esses critérios ali enumerados de forma expressa são os mais importantes, por isso mesmo sendo expressamente indicados, sendo eles dois, a saber, (i) as necessidades de cada um dos cônjuges, e (ii) o interesse dos filhos do casal.

2 –Nessa medida, apenas haverá que recorrer a outros critérios, em caso de dúvida ou de situação de igualdade entre ambos os cônjuges com o recurso àqueles, podendo alinhar-se entre estes critérios suplementares os que definem e caracterizam de forma mais ampla, como “razões atendíveis”, o quadro vivencial de cada um dos ex-cônjuges, com relevância para aquilatar relativamente a cada um deles a premência dessa necessidade, agora num sentido mais amplo.

3 – Sendo certo que a necessidade da habitação é uma necessidade atual e concreta (e não eventual ou futura), a apurar segundo a apreciação global das circunstâncias particulares de cada caso.

4 – Sucede que enquanto incidente processual (apenso) da ação de divórcio, o processo de jurisdição voluntária do art. 990º do n.C.P.Civil está concebido para regular a situação em que, desavindos os cônjuges, se torne impossível ou insuportável a estes ou a algum deles continuarem a viver ambos na antiga casa de morada da família.

5 – Falha este pressuposto básico no caso vertente, na medida em que resulta dos dados processuais que o Requerente tem estado a partilhar a casa em referência com a Requerida, isto é, apesar de eles terem deixado de formar um casal, tal não tem impedido que ambos tivessem continuado a partilhar aquele espaço.

6 – Isto é, no caso vertente não resulta de todo a premência da necessidade por parte do Requerente de lhe ser atribuído o direito ao arrendamento ajuizado, assim como não resulta uma necessidade atual e concreta em dispor dessa casa em termos de direito ao arrendamento, se não lhe está vedada a sua fruição enquanto bem integrante da comunhão do ex-casal.

7 – Neste quadro, a solução definitiva para a questão habitacional de Requerente e Requerida pode e deve vir a resultar da partilha do património comum, sem prejuízo da venda daquela casa de morada de família.

Decisão Texto Integral:    





         Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]                                                                                                          *

1 – RELATÓRIO

Por apenso aos autos de ação especial de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, veio F (…), ali R., aludindo ao disposto no art.º 990.º do Código de Processo Civil (versão 2013) e seguintes, suscitar o que denomina de “ação de atribuição de casa de morada de família” contra M (…), peticionando que lhe seja atribuído o arrendamento da casa de morada de família, mediante o pagamento de renda mensal não superior a € 70,00, atenta a sua insuficiência económica.

Alega, para o efeito e em suma, não ter condições financeiras, em virtude de viver da ajuda de familiares e amigos, de uma pensão de sobrevivência de valor pequeno, para arrendar local pois em circunstâncias idênticas, a renda oscilaria entre os € 300,00 e os € 350,00.

Mais alega que, ao contrário de si, a Requerida possui outra casa onde poderá morar.

                                                           *

Citada, veio a Requerida deduzir oposição onde, sucintamente, alega que, apesar de reformado, o Requerente continua a ser comissionista, que a casa de morada de família apresenta condições normais de utilização e habitabilidade, ao contrário da sua outra casa.

Alega ainda os gastos que tem com as duas filhas e com as suas deslocações de e para o local de trabalho bem como a circunstância de a outra casa de sua propriedade, sita no x... , não ter condições mínimas de utilização, não dispondo de aquecimento ou sistema de água quente eficaz.

Pugna pela improcedência do pedido.

*

Foi realizada a audiência de julgamento, sob os legais formalismos, conforme o atesta a respetiva Ata.                                                         

                                                           *

Veio, na sequência, a ser proferida sentença, na qual após identificação em “Relatório”, das partes e do litígio, se alinharam os factos provados e não provados, relativamente aos quais se apresentou a correspondente “Motivação”, após o que se considerou, em suma, que apesar de aparente e objetivamente, ter o Requerente maior necessidade na utilização da casa de morada de família, contudo, «tal não será o suficiente, em face do que ficou provado, para declarar o presente incidente procedente», termos em que se julgou “totalmente improcedente o presente incidente”.

                                                           *

É com esta decisão que o Requerente não se conforma e dela vem interpor recurso de apelação, pedindo a revogação da mesma, apresentando as seguintes conclusões:

(…)

Por sua vez, apresentou a Requerida as suas contra-alegações, das quais extraiu as seguintes conclusões:

(…)

                                                           *

Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

- erro de decisão ao denegar-se a entrega da casa de morada de família ao Requerente ora recorrente?

                                                           *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade que interessa ao conhecimento do presente recurso, é a que foi alinhada na decisão recorrida (e que não foi expressamente alvo de impugnação nas alegações recursivas), a saber:

«1. Os AA. contraíram entre si em 08.07.1989 casamento católico, sem precedência de convenção antenupcial, na Igreja de (...) , na y... ;

2. Na constância dessa união matrimonial, nasceram duas filhas:

- ME (…), em 27.03.1991; e

- MC (…), em 20.09.1993;

3. Em 28.06.2017 deu entrada neste Juízo Local Cível uma ação especial de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge intentada por M (…)

4. Através de escritura pública celebrada em 03.12.1993, no Cartório Notarial da y... , o Requerente comprou a C (…) a fração autónoma designada pela letra C, correspondente ao primeiro andar, para habitação, com garagem na subcave com 40m2, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, designado por Lote C – (...) , sito no Bairro w.... , pelo preço de oito milhões e cem mil escudos;

5. Após a aquisição, as partes foram viver para o referido imóvel, onde passaram a viver com as filhas;

6. Atualmente, Requerente e Requerida residem na casa supra referida, mas não comem ou dormem juntos ou fazem vida em comum;

7. A referida casa encontra-se mobilada e equipada com eletrodomésticos adequados ao seu funcionamento;

8. Dispõe de 3 quartos, 2 casas de banho e sala, estando equipada com água, luz, gás e aquecimento central;

9. Encontra-se inscrita na matriz urbana sob o artigo 0001 , da freguesia da y... , com o valor patrimonial de € 69.640,00;

10. A Requerida é professora e exerce funções na Escola Básica do 1.º Ciclo de z... ;

11. No mês de Novembro de 2017, auferiu o vencimento base de € 1.446,98 e o subsídio de Natal no valor de € 1.157,54;

12. No mês de Dezembro de 2017, auferiu o vencimento base de € 1.432,75;

13. No mês de Janeiro de 2018, auferiu o vencimento base de € 1.464,30;

14. A Requerida recebeu herança por óbito de seus pais, tendo-lhe sido atribuídos:

a. Em exclusiva propriedade, 10 prédios rústicos;

b. Em exclusiva propriedade, 02 prédios urbanos, inscrito na matriz com o artigo 002..., destinado à habitação, sitos na freguesia do x... e de artigo 003..., destinado a arrecadação e arrumos, na mesma freguesia;

15. O prédio urbano, inscrito na matriz com o artigo 002... dispõe de 03 quartos, 02 salas, 01 casa de banho, 01 cozinha, 01 garagem, uma divisão para arrumos e uma adega;

16. O prédio referido em 15) encontra-se desocupado;

17. Era a casa de habitação dos pais da Requerida e onde esta e o Requerente passavam fins-de-semana em vida daqueles;

18. A renda de uma casa com as características do imóvel referido em 4) tem o valor mensal variável entre os € 300,00 e os € 350,00;

19. O Requerente encontra-se reformado desde 20.07.2016, auferindo, a título de reforma por velhice, a quantia de € 574,63, por mês;

20. Nasceu em 09.05.1957;

21. Esteve internado em 20.10.1996 por AVC isquémico lacunar esquerdo;

22. Da investigação então efetuada salientava-se a identificação de TA lábil e alterações da imunidade, admitindo a possibilidade de doença auto-imune e eventual vasculite;

23. O Requerente é seguido no Centro Hospitalar e Universitário de k... por doença crónica ((…));

24. Por esse motivo necessita de fazer tratamento com Infliximab, também com caráter crónico;

25. O Requerente é seguido na Consulta de Nefrologia do Centro Hospitalar e Universitário de k... desde maio de 2014 por insuficiência renal crónica desenvolvida no contexto da doença (…)

26. O Requerente necessita de acompanhamento médico regular face às doenças que o atingiram;

27. Por manter cansaço fácil há 03 dias, o Requerente deu entrada em 14.05.2017 no Serviço de Urgência dos Hospitais da Universidade de Coimbra, com as seguintes queixas “(…)”;

28. Teve consulta no serviço de Nefrologia dos Hospitais da universidade de k... no dia 24.11.2017;

29. E esteve recentemente no serviço de Gastrenterologia dos Hospitais da Universidade de k... em 12.10.2017;

30. Em 15.12.2017, deu entrada no Serviço de Urgência dos Hospitais da Universidade de k... , com as seguintes queixas “(…);”

31. Em 14.12.2017, o Requerente foi transportado de ambulância da sua residência para o Hospital de h ... , na y... , devido às dores abdominais intensas que sentia;

32. É com o rendimento proveniente da prestação de reforma que o Requerente faz face àquilo que despende a título de despesas de alimentação, vestuário, eletricidade, água, luz, impostos, saúde e com as suas filhas;

33. A filha M (…) frequenta o 3.º ano do curso de Ciências de Nutrição, em k... ;

34. A filha M (…) esteve desde setembro de 2017 até data recente não concretamente apurada nos EUA;

35. Antes de partir para os EUA, encontrava-se a estudar em Lisboa;

36. Em 11.01.2017, o Requerente despendeu a quantia de € 191,10 e € 184,10 em taxas moderadoras nos HUC;

37. A partir de data não concretamente apurada, o R. paga metade das despesas mensais de eletricidade e de água, no valor de € 57.09/2 e € 25,31/2;

38. Gasta anualmente a título de IMI, a quantia de € 119,28, correspondente a metade do seu valor;

39. Pagou em 28.08.2017, o IUC referente ao veículo comum de matrícula 00(...) , no montante de € 42,18;

40. Bem como a inspeção periódica no valor de € 30,70 e o seguro no valor de € 100,32;

41. Em dezembro de 2017 pagou € 218,94 referente à reparação da máquina de lavar a roupa de marca Bosch;

42. Neste momento, o Requerente não tem qualquer outro rendimento, seja de trabalho, seja de qualquer outra proveniência e não dispõe de quaisquer bens além da casa de morada comum;

43. Não tendo outra habitação para onde possa ir;

44. É auxiliado pela irmã, quer economicamente, quer através da aquisição de bens, como roupa, e por amigos;

45. A casa de morada de família foi submetida ao longo do tempo a trabalhos de manutenção e reparação;

46. É com o seu vencimento que a Requerida faz face às despesas normais de alimentação, saúde e vestuário, quer seu, quer das suas filhas, em montante não apurado;

47. Dali saem os € 350,00 em dispêndios com combustível derivados das suas deslocações diárias da y... a z... , no limite do Município de s... , que compreendem 48km (24km x 2);

48. A casa sita na y... é mais perto e a deslocação para o trabalho é menos onerosa a partir da y... do que a do x... ;

49. Se passasse a residir no x... , a Requerida veria acrescidos em cerca de mais de 52km diários na sua deslocação;

50. Sendo o tempo da mesma prolongado devido ao traçado sinuoso das estradas de acesso àquela aldeia;

51. A casa do x... não dispõe de aquecimento.»

                                                                       *                    

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O enquadramento e decisão que importa operar na situação vertente reporta-se nuclearmente ao referenciado erro de decisão ao denegar-se a entrega da casa de morada de família ao Requerente ora recorrente.

Consabidamente, na falta de acordo, o meio próprio para ser decidida a questão da atribuição da casa de morada de família e eventual compensação em favor do outro cônjuge quando se trate de bem comum ou próprio deste, é o processo especial previsto no art. 990º do n.C.P.Civil.

Para bem se aquilatar um tal questão importa naturalmente aprofundar a ratio legis do normativo legal atinente, a saber, o art. 1793º, nº1 do C.Civil, o qual tem efectivamente o seguinte teor: “Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.

Como é bom de ver, este dispositivo não impede nenhum dos cônjuges ou ex-cônjuges de ter uma habitação, limitando-se a regular a situação em que, desavindos os cônjuges, se torne impossível ou insuportável a estes ou a algum deles continuarem a viver ambos na antiga casa de morada da família; para tanto, fixa os critérios a que se deve atender para determinar qual dos cônjuges poderá continuar a habitar a casa, sem impedir o outro de constituir nova habitação.

Para dirimir tal situação, há, assim, que averiguar qual a solução que os aludidos critérios legais, ali fixados de forma não taxativa – como resulta da utilização da expressão “nomeadamente” – apontam, sendo que se entende que esses critérios ali enumerados de forma expressa são os mais importantes, por isso mesmo sendo expressamente indicados, apenas havendo que recorrer a outros em caso de dúvida ou de situação de igualdade entre ambos os cônjuges com o recurso àqueles.

Assim, os critérios essenciais são dois: (i) as necessidades de cada um dos cônjuges, e (ii) o interesse dos filhos do casal.

Quanto a este último particular, o do interesse dos filhos, prende-se ele com a situação dos filhos menores, confiados à guarda de um dos pais, e que, para não ficarem sujeitos a outro trauma para além do que normalmente lhes resulta do divórcio destes, a lei entende por bem proteger de forma a que possam continuar a viver com estabilidade na habitação a que estavam habituados, sem mais mudanças para além da própria situação familiar.

Sucede que não é esta a situação dos autos, precisamente perante a situação de maioridade das filhas do casal[2], se bem que, ao que tudo indica, ainda sem terem independência económica.

Isto é, se as filhas do casal, na hipótese dos autos, já são maiores, elas ainda não trabalham, ou pelo menos ainda não dispõem ambas de autonomia económica, a ponto de já não carecerem do apoio e ajuda dos progenitores.

Assim sendo, esse primeiro critério não pode ser liminarmente postergado.

Quanto ao segundo critério supra enunciado – o das necessidades de cada um dos cônjuges – importa referir que caso estes dois em referência não se mostrem aptos a dirimir a questão, seria então caso de lançar mão de outros factores atendíveis, posto que aqueles dois sendo os mais importantes, não esgotam a possível solução.

Na verdade, nesse caso, outros e determinantes factores ou “razões atendíveis” importará erigir como decisivos critérios para solucionar a questão.

Senão vejamos, até por confronto com o que já foi doutamente explanado com relevância para este efeito pela melhor doutrina[3], o que vem sendo perfilhado em doutos arestos jurisprudenciais.[4]

Desde logo, a diferença de idade entre requerente e requerida; depois, o elemento do estado de saúde do requerente e da requerida; outrossim, o elemento da localização da casa relativamente ao local de trabalho de um e outro (em conjugação com o facto de algum deles dispor eventualmente de outra casa em que possa estabelecer residência); finalmente, o elemento da maior ligação de cada um dos ex-cônjuges em relação à casa em disputa.

Na sentença recorrida, embora com hesitações e dificuldades, acabou por se considerar a pretensão do Requerente improcedente.

Que dizer?

A nosso ver – e releve-se o juízo antecipatório! – bem ajuizou o tribunal de 1ª instância, embora em nosso entender, importe conferir decisiva importância a razões de ordem mais liminar, a saber, por falta de verificação do pressuposto basilar da necessidade de ser conferido ao Requerente o direito ao arrendamento em causa, nesta sede processual, isto é, como incidente da ação de divórcio.

Com efeito, como supra já se evidenciou – e agora importa sublinhar – este incidente processual está concebido para regular a situação em que, desavindos os cônjuges, se torne impossível ou insuportável a estes ou a algum deles continuarem a viver ambos na antiga casa de morada da família.

Ora se assim é, logo falha este pressuposto básico no caso vertente, na medida em que resulta dos dados processuais que o Requerente tem estado a partilhar a casa em referência com a Requerida, isto é, apesar de eles terem deixado de formar um casal, tal não tem impedido que ambos tivessem continuado a partilhar aquele espaço.

E, embora se indiciem alguns pequenos focos de conflito entre ambos, nomeadamente quanto à repartição de despesas que tal convivência no mesmo espaço implica, o Requerente não alega em momento algum que lhe seja impossível, e muito menos que se tenha tornado insuportável, essa repartição do espaço.

Neste conspecto, qual a “urgência” de lhe ser atribuído o direito de arrendamento daquela casa?

Salvo o devido respeito, não o conseguimos de todo vislumbrar!

Atente-se que, tal como já nos foi doutamente ensinado, «[…] a lei quererá que a casa de morada da família, decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, possa ser utilizada pelo cônjuge ou ex-cônjuge a quem for mais justo atribuí-la, tendo em conta, designadamente, as necessidades de um e de outro […]. Ora, este critério geral, segundo nos quer parecer, não pode ser outro senão o de que o direito ao arrendamento da casa de morada da família deve ser atribuído ao cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela. […] A necessidade da casa (ou a «premência», como vem a dizer a jurisprudência; melhor se diria a premência da necessidade) parece-nos ser, assim, o factor principal a atender. […] Na avaliação da premência da necessidade da casa deve o tribunal ter em conta, em primeiro lugar, justamente estes dois elementos, que mais expressivamente a revelam […].»[5]

Por outro lado, «compete ao cônjuge que pretende que lhe seja atribuída a casa de morada de família alegar e provar que necessita mais que o outro da referida casa, sendo que a necessidade da habitação é uma necessidade actual e concreta (e não eventual ou futura), a apurar segundo a apreciação global das circunstâncias particulares de cada caso. A norma do artigo 1793º do Código Civil tem como objectivo fundamental proteger o ex-cônjuge mais atingido pelo divórcio quanto à estabilidade da habitação familiar.»[6]

 O que tudo serve para dizer que no caso vertente não resulta de todo a premência da necessidade por parte do Requerente de lhe ser atribuído o direito ao arrendamento ajuizado…

Assim como não resulta uma necessidade atual e concreta em dispor dessa casa em termos de direito ao arrendamento, se não lhe está vedada a sua fruição enquanto bem integrante da comunhão do ex-casal…

Dito de outra forma: a solução definitiva para a questão habitacional de Requerente e Requerida pode e deve vir a resultar da partilha do património comum, tendo em conta que o cônjuge a quem aquela casa não seja adjudicada, terá as suas tornas em dinheiro, que lhe permitirão solucionar a questão por outra via.

Na verdade, deve ser a venda ou partilha a solucionar esta questão, sendo certo que após o divórcio qualquer dos cônjuges pode exigir a partilha, isto é, não se revela imperativo nem justificado, em termos de necessidade/imprescindibilidade, face aos dados de facto do caso vertente, o estabelecimento de uma relação arrendatícia a favor de um qualquer dos cônjuges em detrimento do outro.

O que significa inapelavelmente a improcedência do recurso interposto pelo requerente/recorrente, sem necessidade de maiores considerações.

                                                                       *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – O art. 1793º, nº1 do C.Civil fixa os critérios a que se deve atender para determinar qual dos cônjuges poderá continuar a habitar a casa, sendo que se entende que esses critérios ali enumerados de forma expressa são os mais importantes, por isso mesmo sendo expressamente indicados, sendo eles dois, a saber, (i) as necessidades de cada um dos cônjuges, e (ii) o interesse dos filhos do casal.

II –Nessa medida, apenas haverá que recorrer a outros critérios, em caso de dúvida ou de situação de igualdade entre ambos os cônjuges com o recurso àqueles, podendo alinhar-se entre estes critérios suplementares os que definem e caracterizam de forma mais ampla, como “razões atendíveis”, o quadro vivencial de cada um dos ex-cônjuges, com relevância para aquilatar relativamente a cada um deles a premência dessa necessidade, agora num sentido mais amplo.

III – Sendo certo que a necessidade da habitação é uma necessidade atual e concreta (e não eventual ou futura), a apurar segundo a apreciação global das circunstâncias particulares de cada caso.

IV – Sucede que enquanto incidente processual (apenso) da ação de divórcio, o processo de jurisdição voluntária do art. 990º do n.C.P.Civil está concebido para regular a situação em que, desavindos os cônjuges, se torne impossível ou insuportável a estes ou a algum deles continuarem a viver ambos na antiga casa de morada da família.

V – Falha este pressuposto básico no caso vertente, na medida em que resulta dos dados processuais que o Requerente tem estado a partilhar a casa em referência com a Requerida, isto é, apesar de eles terem deixado de formar um casal, tal não tem impedido que ambos tivessem continuado a partilhar aquele espaço.

VI – Isto é, no caso vertente não resulta de todo a premência da necessidade por parte do Requerente de lhe ser atribuído o direito ao arrendamento ajuizado, assim como não resulta uma necessidade atual e concreta em dispor dessa casa em termos de direito ao arrendamento, se não lhe está vedada a sua fruição enquanto bem integrante da comunhão do ex-casal.

VII – Neste quadro, a solução definitiva para a questão habitacional de Requerente e Requerida pode e deve vir a resultar da partilha do património comum, sem prejuízo da venda daquela casa de morada de família.

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

            Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso interposto pelo requerente/recorrente, confirmando-se o sentido da decisão recorrida.

Custas do recurso pelo requerente/recorrente.

                                                                       *

              Coimbra, 13 de Novembro de 2018 

Luís Cravo ( Relator )

Fernando Monteiro

António Carvalho Martins

s)


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carvalho Martins
 
[2] Entende-se que não é o interesse dos filhos tout court que é erigido por lei como critério para atribuição da casa de morada da família, pois é aos filhos menores que a lei dedica a sua protecção – cf., sobre a questão, o acórdão do S.T.J. de 11.12.2001, no proc. nº 01A3852, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[3] Assim por PEREIRA COELHO, in RLJ, Coimbra Editora, n.º 122, Ano 1989 – 1990, págs. 137, 138, 207 e 208.
[4] Assim no acórdão do T. Rel. do Porto de 26/05/2015, no proc. nº 5523/13.9TBVNG-B.P1, e bem assim no acórdão do T. Rel. de Coimbra de 28/06/2016, no proc. nº 677/13.7TBACB.C1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt, sendo de referir que no último destes foi precisamente Relator o aqui Exmo. Desembargador 2º Adjunto. 
[5] Assim por PEREIRA COELHO, in “Revista de Legislação e de Jurisprudência”, Coimbra Editora, n.º 122, Ano 1989 -1990, a págs. 137, 138, 207 e 208.
[6] Citámos agora o acórdão do T. Rel. de Lisboa, de 16-04-2015, no proc. nº 399-09.3TMLSB-A.L1-6, acessível in www.dgsi.pt/jtrl.