Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4931/10.1TBLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: ARRESTO
BEM COMUM
INDEFERIMENTO
CONVOLAÇÃO
ARROLAMENTO
Data do Acordão: 03/22/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA – 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 392º, Nº 3, 406º, Nº 1 E 427º DO CPC
Sumário: I – O artº 406º, nº 1, do CPC, ao remeter para a perda da garantia patrimonial, circunscreve a dimensão do crédito à categoria daqueles que são provenientes das fontes de obrigações e que podem ser objecto de acção judicial dessa natureza civil (artº 383º, nº 1, CPC).

II – Um bem comum (do requerente e da requerida), enquanto não for realizada a sua divisão, tem um regime unitário que não se confunde com a simples justaposição de duas propriedades distintas (isto é, ter um bem em comunhão ou em compropriedade não é ser proprietário em concreto de uma parte concreta do bem mas sim ter o estatuto que decorre dessa comunhão ou compropriedade e que só termina quando a comunhão ou a compropriedade se desfaz).

III – Pelo que não pode ser decretado o arresto de um bem comum requerido por um dos seus comproprietários contra o outro.

IV – Porém, nos termos do artº 392º, nº 3 do CPC, o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida, o que significa que pode oficiosamente convolar o procedimento pedido para aquele que, de acordo com as alegações do requerente, seja o indicado, desde que os factos alegados possibilitem essa convolação.

V – O arrolamento especial previsto no artº 427º do CPC é o procedimento cautelar aplicável aos bens comuns do casal como preliminar ou incidente da acção de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens.

Decisão Texto Integral:                    Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Relatório

No Tribunal Judicial de Leiria, A..., com residência na ..., propôs contra B..., residente na ..., providência cautelar de Arresto alegando que casou catolicamente na Igreja Paroquial de Memória, sem convenção antenupcial, com a requerida; o casal tem 3 filhos e desde o mês de Julho de 2010 o requerente e o seu filho mais velho, foram viver para casa dos seus pais encontrando-se acção de divórcio pendente.

O requerente ficou a saber que a requerida, no dia 11 de Agosto de 2009 se dirigiu ao Banco C..., Agencia de ... e sem dar ao requerente conhecimento ou qualquer explicação pediu o resgate de uma poupança em fundos de tesouraria, no montante de 15.060,16 €, existente na conta pertencente a ambos com nº ... e transferiu o dinheiro para a conta nº ...do mesmo Banco C... em seu nome.

Tem o requerente conhecimento que este dinheiro está em depósito a prazo e que o referido depósito a prazo se vence em finais de 2010, sendo provável que na data do vencimento a requerida transfira o dinheiro para outro lado ficando o requerente privado do seu dinheiro que amealhou durante uma vida de trabalho.

Da requerida não lhe são conhecidos bens.

Conclui pedindo o arresto da quantia acima identificada, bem como a apensação dos presentes, aos autos de divórcio, processo nº 4931/10.1 TBLRA, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Leira.

Após regularização da intervenção da advogada estagiária subscritora do requerimento nos autos foi proferida decisão na qual se indeferiu “ (…) liminarmente, por manifesta improcedência, a providência requerida, nos termos do disposto nos art. 234º, nº4, b) e 234º-A, nº1 do CPC.”.

Inconformado com esta decisão dela interpôs recurso o requerente concluindo que:

[…]

… …

Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil), nem criar decisões sobre matéria nova, a questão suscitada na Apelação é a de saber se a providência cautelar solicitada devia ter prosseguimento e não ter sido indeferida liminarmente como o tribunal recorrido o entendeu.

Observando os termos do problema trazido a recurso verificamos que o Tribunal de primeira instância, perante a solicitação de uma providência cautelar de arresto, entendeu que esta não podia seguir os seus termos, uma vez que o requerente não havia alegado, desde logo, o primeiro pressuposto exigido para o decretamento e que era a existência da forte probabilidade da existência de um crédito sobre a requerida.

Mais se argumentou que, “(…) sendo o regime de bens do casamento das partes o da comunhão de adquiridos (…) e sendo alegado que o montante da poupança em fundos de tesouraria levantado pela requerida de conta conjunta de requerente e da requerida e depositado em conta desta é fruto de "uma vida de trabalho" do requerente, não se dizendo que seja anterior ao casamento, tal montante é bem comum do casal - art. 1724º, al. a) do Cód. Civil. Assim, tal dinheiro faz parte do património comum do casal, também integrado por outros bens, como resulta das relações de bens apresentadas pelas partes no processo de divórcio no âmbito do incidente relativo à relação de bens comuns, do qual os cônjuges "participam por metade no activo e no passivo" - art. 1730º, nº1 do Cód. Civil. Não é, pois, o dinheiro em causa bem próprio do requerente, como parece ser o seu entendimento e, consequentemente, não resulta do alegado que seja credor da requerida em tal montante. Igualmente se nos afigura que enquanto subsiste a comunhão de bens (cfr. art. 1978º, nº1 do Cód. Civil) não se verificam os elementos do crime de furto, p. e p. pelo art. 203º e 204º do Cód. Penal (cfr. neste sentido Ac. R.P de 16/03/2005, proc. 0414177, in www.dgs.pt., e jurisprudência do STJ, no mesmo citada; Ac. RL, de 17/02/1999, proc. 0037903, in www.dgsi.pt).”.

 

Do requerimento da providência resulta tão simplesmente que o requerente alegou ter uma conta bancária com a requerida, com quem ainda se encontra casado; que nessa conta bancária existia uma poupança de fundos de tesouraria que a requerida transferiu, sem conhecimento ou autorização do requerente, para uma conta sua, dizendo-se ainda que esse dinheiro foi amealhado por si durante uma vida de trabalho e que a requerida, com esse seu comportamento, lho furtou.

Porém, o requerente, confrontado com a fundamentação da decisão que lhe indeferiu liminarmente a providência, que considerou que não estava alegada a existência de qualquer crédito daquele sobre a requerida e que aquele montante referido deveria considerar-se bem comum do casal, veio nas alegações de recurso aceitar essa qualificação de bem comum mas protestando que, relativamente á metade desse montante que lhe cabe, deveria entender-se que existiu furto e que, por isso, se encontrava satisfeita a alegação da existência de um crédito.

Ora, usando da contenção argumentativa que a simplicidade do caso recomenda, somos de entender que o requerente efectivamente não alegou a existência de qualquer crédito sobre a requerida, nem assinalou a fonte obrigacional de onde esse crédito pudesse ter resultado como é exigência do art.406 nº1 do CPC, sendo insuficiente que argumente que a requerida transferiu, sob a forma de “furto”, para uma conta apenas sua uma determinada importância que estava numa conta do casal movimentável por ambos.

Veja-se que o art. 406 nº1 citado, ao remeter para a perda da garantia patrimonial circunscreve a dimensão do crédito à categoria daqueles que são provenientes das fontes de obrigações, e que podem ser objecto de acção judicial dessa natureza civil, ao disciplinar que as providências cautelares têm como pressuposto o serem dependência de uma acção civil – art. 383 nº1 CPC.

Assim sendo, é de desconsiderar o protesto da recorrente trazido ao recurso quando sustenta que tudo o que disse no seu requerimento vale quanto a metade do valor da poupança de tesouraria movimentado pela requerida pois que, aceitando ser esta um bem comum, metade lhe pertence.

É evidente que o requerente não levou em consideração que um bem comum, enquanto não seja realizada a sua divisão, tem um regime unitário que não se confunde com a simples justaposição de duas propriedade distintas. Isto é, ter um bem em comunhão (ou em compropriedade) não é ser proprietário em concreto de uma parte concreta do bem mas sim ter o estatuto que decorre dessa comunhão ou compropriedade (vd. Arts. 1403 e ss do CCivil) e que só termina quando a comunhão ou a compropriedade se desfaz.

Nesta conformidade é manifesto e pacífico que a providência cautelar solicitada pelo requerente nunca poderia seguir os seus termos como Arresto precisamente por, dois factos alegados, mesmo a virem a ser provados, nunca poder resultar concluída a existência de um crédito do requerente sobre a requerida.

Cremos no entanto que esta certificação da bondade da lógica decisória do tribunal recorrido não resolve de vez o mérito do recurso.

É que, nos termos do art. 392 nº3 do CPC, “o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida” o que significa que pode oficiosamente convolar o procedimento pedido para aquele que, de acordo com as alegações do requerimento, seja o indicado desde que, obviamente, os factos alegados possibilitem a convolação, ou seja, desde que a alegação contenha todos os requisitos da providência cautelar adequada a obter a finalidade pretendida pelo requerente.

No caso em decisão, a finalidade perseguida pelo requerente é a de obstar a que o montante daquele fundo poupança tesouraria que se encontrava na conta pertencente a ambos os cônjuges e que ele aceita ser um bem comum do casal, fique na disponibilidade da requerida.

Ora, fazendo uma leitura do art. 427 do CPC obtemos a conclusão de que o arrolamento especial aí referido, aplicável aos bens comuns do casal como preliminar ou incidente da acção de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens, é precisamente o indicado a satisfazer a pretensão do requerente, sendo que os factos por ele alegados permitem a convolação já que neles estão inscritos todos os requisitos necessários ao decretamento dessa providência, sem esquecer que nestes casos se prescinde da alegação e prova do fundado receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens.

Acrescente-se, por último, que a circunstância de o requerente construir o seu requerimento inicial com referência a um receio que reporta a Dezembro de 2010 não desvitaliza a providência solicitada (em termos de inutilidade) uma vez que a não declaração por ele mesmo da falta de interesse no procedimento, em virtude da consumação dos seus receios e de ineficácia do que havia solicitado, mantém actual esse seu pedido.    

Em resumo, pelas razões indicadas deve o procedimento cautelar solicitado pelo requerente seguir os seus termos como arrolamento na previsão do art. 427 do CPC com as consequências legais.

… …

Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a Apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida ordenando-se o prosseguimento dos autos como providência cautelar de arrolamento prevista no art. 427 do CPCivil.

Sem custas


Manuel Capelo (Relator)
Jacinto Meca
Falcão de Magalhães