Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
70/11.6GCSEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
FACTOS
DISCUSSÃO
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Data do Acordão: 04/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (INSTÂNCIA CENTRAL CRIMINAL - J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 374.º, N.º 2, E 379.º, N.º 2, DO CPP
Sumário: I - Padece da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. a), derivada da inobservância do disposto no artigo 379.º, n.º 2, ambas as normas referidas do CPP, a sentença que não descreve, como provados ou não provados, os factos decorrentes da discussão da causa em audiência de julgamento.
II - A referência a tais factos na motivação da decisão final não pode considerar-se como suficiente, porquanto os motivos de convicção do julgador se destinam a justificar porque decidiu o tribunal em determinado sentido, o que pressupõe a fixação e descrição prévia da dita factualidade.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

No processo comum colectivo 70/11.6GCSEI do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Seia, após realização de audiência de julgamento com documentação da prova oral, foi proferido acórdão em 9 de Julho de 2014 com o seguinte dispositivo:

Em face do exposto decidem os Juízes constituídos em Tribunal Coletivo do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Seia:


I.

Homologar a desistência de queixa formulada pela sociedade «A..., Lda» pelo denunciado crime de burla, julgando consequentemente extinta a responsabilidade criminal do arguido B..., relativamente ao indicado crime, nos termos do disposto nos artigos 49º, nos 1 e 3, 51º, nº 3, do Código de Processo Penal, 116º, nº 2, e 217º, nº 3, do Código Penal.

II.

Absolver o arguido B... da prática de um crime de burla qualificada.

III.

Condenar o arguido B... , pela prática de:

i. Um crime de falsificação ou contrafação de documento p. e p. pelo artigo 256º, nos 1, alínea c), e 3, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

ii. Um crime de falsificação ou contrafação de documento p. e p. pelo artigo 256º, nos 1, alínea c), e 3, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

iii. Um crime de abuso de confiança p. e p. pelo artigo 205º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.


IV.

Operando o cúmulo jurídico das penas, nos termos do disposto nos artigos 30º e 77º do Código Penal, condenar o arguido B... na pena única de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão.

Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido B... , extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:

O acórdão  recorrido  equimozou  o  sentido  profundo  da  coerência,  apreensibilidade, operacionalidade  e  justeza  dos  meios  e  das  soluções  de  que  a  actividade  interpretativa deve  servir-se  para  encontrar  a  justa  e  correcta  resolução  do  caso  concreto.

E atento  o  manadeiro  fáctico  e  probatório  carreado  aos  autos,  impunha-se  uma  decisão diversa,  no  sentido  da  absolvição  do  arguido.

A  convicção  do  julgador  há-de  formar-se,  após,  uma  ponderação  serena  de  todos  os meios  de  prova  produzidos,  guiado  sempre,  por  padrões  de  probabilidade,  num processo  lógico-dedutivo  de  montagem  do  mosaico  fáctico,  perspectivado  pelas  regras da  experiência  comum.

Andou,  mal  o  Tribunal  "a  quo"  ao  dar  como  provados  os  factos  descritos  nos  Pontos  1, 2,  6,  8,  11,  12,  22  e  23  do  acórdão  recorrido,  que  estão,  incorrectamente,  julgados, impondo-se  decisão  diversa,  atenta  a  prova  documental,  pericial  existente  nos  autos, bem  como,  o  depoimento  testemunhal  de:

• G...,  gravado  no  sistema  digital  do  Tribunal,  à passagem  entre  as  15  horas  e  31  minutos  e  as  15  horas  e  51  minutos,  e  de D... ,  gravado  no  sistema  digital  do  Tribunal,  à  passagem entre  as  15  horas  e  51  minutos  e  as  15  horas  e  57  minutos;

•  Declarações  do  arguido  gravadas  no  sistema  integrado  digital  da  aplicação informática  do  Tribunal.

Ressaltam  várias  contradições  na  decisão  sobre  a  matéria  de  facto,  que  enegrecem  o juízo  condenatório  gizado  pelo  Tribunal  "a  quo",  nomeadamente:

•  entre  o  vertido  nos  pontos  6  e  7  dos  factos  provados  no  Acórdão,  com  o  ponto  3 dos  factos  não  provados;

•  entre  o  vertido  nos  pontos  12.  e  23.  dos  factos  provados  no  acórdão  e  o  ponto  4. dos  factos  não  provados;

•  entre  o  vertido  nos  pontos  7.  e  13.  dos  factos  provados  no  acórdão,  e  o  ponto  5. dos  factos  não  provados;

•  entre  o  vertido  no  ponto  22.  dos  factos  provados  no  acórdão,  e  o  ponto  6.  Dos factos  não  provados.

O  Tribunal  "a  quo"  bordou  uma  motivação  para  respaldar  a  sua  decisão,  numa  retórica, manifestamente,  insuficiente,  que  não  cumpre  os  mínimos  de  consagração constitucional,  do  universal  dever  de  fundamentação.

O  juiz  deve  indicar  os  motivos  e  as  provas  que  sustentaram  a  prova  que  confirmou  a hipótese  acusatória,  mas  também,  os  motivos  que  levaram  a  excluir  as  hipóteses antagónicas  e  a  julgar  não  atendíveis  as  provas  contrárias  invocadas  na  sustentação da  hipótese  não  admitida.

No  caso  sub  judice,  perfila-se  vítrea  a  falta  de  fundamentação  do  acórdão,  maxime, neste  segmento  do  contraditório,  ficando  o  arguido  privado  de  conhecer  o  percurso cognitivo  traçado  pelo  Sr.  Juiz  para  desconsiderar  a  sua  tese.

É aliás, paradigmático disto mesmo, o segmento do acórdão em que desconsiderou as declarações  do  próprio  arguido,  com  a  invocação  (infeliz)  do  seu  passado  constante  do registo  criminal.

O  acórdão  omite,  quase  em  absoluto,  as  circunstâncias  concretas  em  que  os  cheques aportaram  à  esfera  jurídica  do  arguido,  e  a  que  título  foram  os  mesmos  preenchidos.

10ª

A  personalidade  do  agente  só  pode  relevar  para  efeitos  de  dosimetria  da  pena,  o  que deixa  bem  claro,  que  o  Tribunal  na  apreciação  crítica  da  prova,  deixou-se  enovelar  com preconceitos  bebidos  no  extenso  registo  criminal  do  arguido.

11ª

O acórdão,  ora,  posto  em  crise,  padece  de  Nulidade  prevista  no  artigo  379°,  n.º  1, alínea  a)  do  CPP,  que  para  os  devidos  efeitos  aqui,  expressamente,  se  invoca,  e  que  é de  conhecimento  oficioso.

12ª

A  falta  de  fundamentação,  consubstancia,  igualmente,  uma  violação  clara  da  Lei Fundamental,  por  equimose  dos  artigos  20°,  32°,  n.º 1,  e  205°  todos  da  CRP, prefigurando  a  interpretação  do  artigo  374°  do  CPP  no  sentido  de  não  incluir-se  na estrutura  da  fundamentação  da  sentença  toda  a  dimensão  contraditória  da  hipótese apresentada  pela  Defesa  e  valoração  crítica  de  todos  os  meios  de  prova  não  atendidos na  decisão,  bem  como,  a  falta  de  narração  crítica  dos  factos  não  provados,  claramente inconstitucional  por  violação  dos  preditos  normativos,  imanentes  dos  princípios  da garantia  da  tutela  jurisdicional  efectiva,  desenvolvido  nas  garantias  de  defesa,  onde  se inclui  o  direito  ao  recurso  nas  garantias  do  processo  criminal.

13ª

Não  existem  elementos  probatórios  suficientes  para  a  decisão.  É  manifesta  a  ausência de  prova,  e  uma  evidente  e  insanável  contradição  entre  os  depoimentos  das testemunhas,  que  aliás,  nenhuma  delas  contribuiu  para  a  composição  do  mosaico fáctico

14ª

O  que  realmente  interessava  saber,  o  Tribunal  não  logrou  apurar,  e  que  eram  as circunstâncias  concretas  que  fizeram  ingressar  os  cheques  na  esfera  jurídica  do arguido,  não  sabendo,  pois,  o  Tribunal,  se  foi  de  forma  legítima,  ou  não.

15ª

O  acórdão  recorrido  é,  pois,  violador  do  princípio  do  in  dúbio  pro  reo.  Para  que  o agente  seja  condenado,  é  necessário  aferir  da  sua  culpabilidade,  e  esta  tem  de  basear-se  em  factos  concretos  e  efectivamente  provados,  sem  qualquer  espécie  de  dúvida  e para  além  de  qualquer  dúvida.

16ª

A  composição  do  mosaico  fáctico  que  sustentou  a  condenação  criminal  do  arguido, operou-se,  não  com  respeito  à  razoabilidade,  lógica,  regras  da  experiência  comum,  e estrita  legalidade,  mas  na  convicção  pessoal  do  Julgador,  que  diante  do  vazio probatório,  foi  construída  com  palpites,  deduções.  emoções,  ostracizando  o  princípio informador  do  nosso  processo  penal,  do  in  dubío  pro  reo.

17ª

No  caso  em  apreço,  torna-se  evidente  a  violação  de  tal  princípio  in  dúbio  pró  reo,  e consequentemente  do  princípio  da  presunção  de  inocência,  tornando  a  decisão condenatória  nula,  o  que  para  os  devidos  efeitos  aqui  expressamente  se  invoca.

18ª

A violação  do  princípio  em  apreço  do  in  dúbio  pró  reo  consubstancia  uma  afronta  do texto  constitucional  e  artigo  6°,  n.º 2  da  Convenção  Europeia  dos  Direitos  do  Homem, quando  interpretado  no  sentido  oferecido  por  esta  sentença,  que  o  non  liquet  em matéria  probatória  desfavorece  o  arguido  e  que  a  violação  do  princípio  do  in  dúbio  pro reo  só  se  coloca  quando  o  juiz  da  causa  confrontado  com  a  dúvida  insanável  decide contra  o  arguido,  por  configurar  violação  do  artigo  32°,  n.ºs  1  e  2  da  CRP,  e  emanação do  princípio  da  presunção  de  inocência,  cuja  inconstitucionalidade  aqui  se  invoca  para os  devidos  efeitos  legais.

20ª

Não  estão  preenchidos,  in  casu,  os  requisitos  do  Tatbestand  do  crime  de  falsificação  de documento,  não  tendo  o  Tribunal  "a  quo"  logrado  apurar  factualidade  suficiente  para integrar  in  totum  o  tipo  legal  de  crime  imputado  ao  arguido.

21ª

No  que  tange  ao  crime  de  abuso  de  confiança,  é  apodíctica,  in  casu,  a  ausência  dos seus  elementos  tipificadores.

Desde  logo,  e  é  uma  justificação  radicular,  o  Ministério  Público  não  logrou  carrear aos autos,  e  muito  menos  produzir  em  Audiência  de  Julgamento,  qualquer  resquício  de prova  material  que  preenchesse  o  conceito  de  apropriação  ilegítima.

22ª

Não  basta  invocar,  de  forma  displicente,  que  o  veículo  não  foi  entregue  no  prazo contratualmente  fixado,  para  imputar  responsabilidade  criminal  ao  arguido.  É  preciso demonstrar,  em  concreto,  de  forma  expressa,  explícita  e  circunstanciada,  factos  reais que  consubstanciem  quaisquer  actos  de  inversão  do  domínio  sobre  a  coisa.,  e  que  foi completamente  postergado  no  acórdão  condenatório.

23ª

Na  tarefa  de  achar  a  pena  do  concurso,  o  Tribunal  postergou,  em  absoluto,  o  dever  de fundamentação,  não  expondo  as  razões  porque  fixou  a  pena  naquela  dosimetria.

24ª

A  concreta  e  específica  fundamentação  das  razões  justificativas  de  todas  as  opções que  o  tribunal  efectuou  no  âmbito  do  processo  de  decisão,  mesmo  que  de  uma  forma concisa,  tem  que  constar  expressamente  na  fundamentação.  Uma  decisão parcialmente  fundamentada  tem  de  ser  entendida  como  não  fundamentada,  na  certeza de  que  não  existe  meia  fundamentação,  conforme  explanou  o  Aresto  do  TC  de 17/04/97.

25ª

Inelutavelmente,  o  acórdão  padece  de  Nulidade  prevista  no  artigo  379°,  n.º  1,  alínea  a) do  CPP,  que  para  os  devidos  efeitos  aqui,  expressamente,  se  invoca.

26ª

A  falta  de  fundamentação,  consubstancia,  igualmente,  uma  violação  clara  da  Lei Fundamental,  por  equimose  dos  artigos  20°,  32°,  n.º 1,  e  205°  todos  da  CRP, prefigurando  a  interpretação  do  artigo  374°  do  CPP  no  sentido  de  não  incluir-se  na estrutura  da  fundamentação  da  sentença  toda  a  dimensão  contraditória  da  hipótese apresentada  pela  Defesa  e  valoração  crítica  de  todos  os  meios  de  prova  não  atendidos na  decisão,  bem  como,  a  falta  de  narração  crítica  dos  factos  não  provados,  claramente inconstitucional  por  violação  dos  preditos  normativos,  imanentes  dos  princípios  da garantia  da  tutela  jurisdicional  efectiva,  desenvolvido  nas  garantias  de  defesa,  onde  se inclui  o  direito  ao  recurso  nas  garantias  do  processo  criminal.

27ª

A  pena  aplicada  de  prisão  efectiva  por 4  anos  e  9  meses,  ofende  os  mais  elementares princípios  da  razoabilidade,  proporcionalidade,  cotejados  com  a  culpa  imputada  ao arguido  (declarada  diminuta  no  acórdão  condenatório)  e  as  necessidades  e  fins  das penas.

Por  ser,  manifestamente,  exagerada,  a  pena  concretamente  aplicada  viola  em  si mesmo  o  princípio  da  culpa  e  não  satisfaz  o  sentimento  de  Justiça.

28ª

O  Tribunal  "a  quo"  decidiu  por  uma  pena  privativa  da  liberdade,  sem  no  entanto, apresentar  fundamentação  sólida,  consistente,  adequada  e  razoável  para  dar cumprimento  ao  desiderato  plasmado  no  artigo  70°  do  CP.

29ª

Jamais se  poderá  sustentar,  in  casu,  a  aplicação  da  pena  de  prisão,  em  detrimento  de pena  não  privativa  da  liberdade,  invocando  necessidades  de  prevenção  geral  e  de reprovação  para  cercear  a  liberdade  do  arguido.

Como  é  bem  sabido,  as  penas  primacialmente  retributivas  ou  preventivas-gerais  são inconstitucionais.

30ª

Nas  eloquentes  palavras  de  Maria  Fernanda  Palma,  ln  "Direito  Constitucional  Penal", pp.  126  e  127  "a  fundamentação  da  medida  da  pena  em  razões  preventivas,  que instrumentalizem  o  condenado  à  paz  social,  contraria  a  essencial  dignidade  da pessoa  humana  e  a  exigência  da  adequação  e  proporcionalidade  das  restrições de  direitos  fundamentais"  (artigos  1°  e  18°,  n.º 2  da  CRP),  cuja  inconstitucionalidade, desde  já  se  invoca  para  os  devidos  legais.

31ª

O  Tribunal  "a  quo"  não  podia  considerar  o  relatório  social,  porque,  simplesmente,  é PROIBIDA,  a  utilização  do  relatório  social  como  meio  probatório  para  a  imputação penal,  ou  para  a  dosimetria  da  pena,  sem  previamente  este  ter  sido  lido  e  examinado em  Audiência,  submetendo-o  ao  crivo  elementar  do  contraditório,  na  execução constitucional  do  direito  à  defesa  de  qualquer  arguido,  pois  aquele  não  foi  lido,  nem examinado  em  Audiência.

32ª

A  inconstitucionalidade  que  esta  pretensão  encerra  é  flagrante,  por  violação  do  artigo 13º  (princípio  da  igualdade  de  armas),  20°  e  32°  todos  da  CRP,  que  expressamente aqui  se  invoca  para  os  devidos  efeitos  legais.

Como  tal,  não  poderia  nunca  o  Tribunal  "a  quo"  considerar  o  relatório  social  para agravar  a  pena  aplicada  ao  arguido,  rectius,  extraindo  dali  um  juízo  de  prognose desfavorável,  para  recusar  a  suspensão  da  execução  da  pena  de  prisão.

33ª

Violou,  assim,  o  acórdão  em  análise  o  plasmado  nos  artigos  355°;  365°,  n.º  3;  374°, n.º 2;  379°,  n.º 1,  alínea  a)  e  410°,  n.º 2,  alíneas  a),  b)  e  c)  todos  do  CPP;  Os  artigos  256° e  205°  ambos  do  CP  e  os  artigos  20°;  32°,  n.?  1  e  2  e  205°  todos  da  CRP  e  ainda  o artigo  6°,  n.º 2  da  Convenção  Europeia  dos  Direitos  do  Homem.

TERMOS  EM  QUE,

Nos  mais  de  Direito  e  sempre  com  o  mui douto  suprimento  de  V.  Ex.ªs  deve  dar-se provimento  ao  presente  recurso  e  ipso  facto:

a)  Revogar-se o acórdão recorrido, considerando-se  como  não  provados  os Factos  indicados  na  conclusão  quarta  desta motivação  recursória,  e  consequentemente absolver-se  o  arguido  dos  crimes  por  que  foi condenado.

b)  Não  se  entendendo,  assim,  deverá  Revogar-se  a  decisão  recorrida  para  que,  face  à posição  a  assumir  por  esse  Alto  Tribunal,  se profira  nova  Decisão  em  conformidade.

Assim,  decidindo,  farão  V.Ex.ªs  a costumada  e  recta JUSTIÇA

Requer:  O  arguido  Requer  realização  de  Audiência,  pretendendo  ver  debatidos  os pontos  6  a  187  da  sua  Motivação  Recursória,  nos  termos  do  artigo  411°,  n.º  5  do  CPP.

O recurso foi objecto de despacho de admissão.

Notificado, o Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso interposto, concluindo o seguinte:

1ª-  Face  à  matéria  de  facto  dada  com  provada,  não  merece  qualquer  reparo  a  decisão  ora  em  recurso;

2ª-  Adere-se,  integral  e  plenamente  à  decisão  ora  em  recurso,  quer  no  que  toca  aos  argumentos  fácticos  quer  de  ius  nela  explanados,  a  qual,  na  nossa  opinião,  não  merece  qualquer  reparo,  encontrando-se  exemplarmente  trabalhada  e  fundamentada;

3ª-  O  arguido  praticou  os  crimes  por  que  foi  condenado  pelo  que  se  tem,  para  nós,  isenta  de  reparos  e  juridicamente  inatacável  a  sua  condenação;

4ª-  Nos  termos  sobreditos,  não  existe  na  decisão  ora  posta  em  crise,  o  vício  plasmado  na  alínea  a)  do  nº  2  do  artº  410°,  relativamente  aos  pontos  1.,  2.;  6.,  7.,  17.  e  22.;  8.  e  11.  da  matéria  de  facto  provada;

5ª-  Reforçando  o  seu  entendimento,  nos  depoimentos,  gravados,  das  testemunhas  G...   e  D... ,  deveria  o  arguido,  aqui  recorrente,  ter  dado  cumprimento  ao  plasmado  no  nº  3  do  artº  412º;

6ª  -Não  se  verifica,  atento  o  supra  exposto,  violação  do  vertido  na  alínea  b)  do  nº  2  do  artº  410º  e  no  que  concerne  aos  pontos  6.  e  7.,  dos  factos  provados  com  o  ponto  3.  dos  factos  não  provados;  pontos  12.  e  23.  dos  factos  provados  relativamente  ao  ponto  4.  dos  factos  não  provados;  pontos  7.  e  13.  dos  factos  provados,  relativamente  ao  ponto  5.  dos  factos  não  provados;  ponto  22.  dos  factos  provados,  relativamente  ao  ponto  6.  dos  factos  não  provados;

7ª-  Não  foram  incorrectamente  julgados  os  pontos  1.,  2.,  6.,  8.,  11.,  12.,  22.,  23.,  ou  quaisquer  outros,  pois  que  quer  a  prova  documental  quer,  "maxime",  testemunhal  impunham  a  decisão  que  ficou  plasmada  na  decisão  ora  em  crise;

8ª-  A  decisão  ora  posta  em  crise  não  peca  da  nulidade  consagrada  na  alínea  a)  do  nº  1  do  artº  379º;

9ª-  O  facto  do  acórdão  ter  omitido  as  circunstâncias  em  que  os  cheques  aportaram  às  mãos  do  arguido,  aqui  recorrente,  não  bastam,  por  si  só,  para  alcançar  decisão  diferente  da  que  ficou  consagrada;

10ª-  Não  se  descortina,  na  decisão  ora  em  crise,  a  necessidade  de  lançar  mão  do  princípio  do  "in  dubio  pro  reo"  e,  consequentemente,  pela  sua  omissão,  a  ocorrência  do  vício  a  que  alude  a  al.  e)  do  nº  2  do  artº  410º;

11ª-  Na  dosimetria  da  pena  principal  e  na  da  pena  de  concurso  foram  devidamente  tidos  em  conta,  os  critérios  legais  consagrados  nos  artºs  40º  e  71  º,  ambos  do  CPenal;

12ª-  Não  deve,  assim,  ser  revogada  a  decisão  ora  posta  em  crise,  "maxime"  pelos  factos  contantes  do  ponto  4º  das  conclusões  do  recurso  a  que  ora  se  responde;

13ª-  Nem  proferir-se  outra  decisão  que  não  passe  pela  manutenção  do  acórdão  de  primeira  instância.

14ª-  Inexistem,  por  isso,  na  decisão  ora  em  recurso  os  apontados  vícios  do  artº  410º  nº  2  e  379°  nº  1-a);

15ª-  Os  factos  reais  em  que  a  decisão  se  ancorou  para  decidir  pela  condenação  do  arguido  pelo  crime  de  abuso  de  confiança,  não  passam,  de  facto  pela  indicação  de  que  o  veículo  não  foi  entregue  na  data  aprazada.  Vão  para  além  deste:  revisão  quilométrica  e  prova  testemunhal  que  invalida  a  tese  do  arguido,  aqui  recorrente;

16ª-  Existe  fundamentação  de  facto  e  de  direito  bastante  quer  para  a  dosimetria  da  pena  de  prisão  quer  para  a  pena  de  concurso  de  crimes,  encontrada  na  decisão;

17ª-  As  finalidades  das  penas  só  serão  alcançadas  se  for  mantida  a  decisão  recursiva,  porque  justa  e  proporcional  quer  à  culpa  quer  às  necessidades  de  prevenção  geral  e  "maxime"  especial  que  o  caso  em  apreço  requer;

18ª-  Razão  porque  também  se  julga,  necessária  e  proporcional  a  pena  de  prisão  encontrada  e  bem  assim  justo  o  "quantum"  da  pena  de  prisão  aplicada  ao  arguido;

19ª-  Não  se  crê  que  a  decisão  ora  em  crise  tenha  feito  a  deficiente  interpretação  e  aplicação  do  que  dispõe  o  artº  370º,  nas  eloquentes  palavras  do  recurso  a  que  ora  se  responde,  mormente  do  seu  nº  3,  não  se  vislumbrando  que  tal  documento  tenha  servido  para  o  final  aludido  de  agravação  da  pena  ao  arguido;

20ª-  A  decisão  não  violou  quaisquer  princípios  legais  contidos  na  CRC,  CPenal,  CPPenal,  CEDT  ou  quaisquer  outros  diplomas  legais.

Termos  em  que,

Deve  ser  mantido,  nos  seus  precisos  termos,  o  acórdão,  ora  em  recurso,  como  é  de JUSTIÇA  E  DIREITO,

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo dever ser negado provimento ao recurso.

 Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo ocorrido réplica.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar audiência porque requerida pelo recorrente, cumprindo apreciar e decidir.


***

            II. Fundamentos da Decisão Recorrida

O acórdão recorrido contém os seguintes fundamentos de facto:

Discutida a causa, o Tribunal Coletivo julga provados os seguintes factos:

1. Em data e circunstâncias não concretamente apuradas, o arguido logrou apoderar-se, contra a vontade dos seus legítimos titulares, dos impressos de cheque nos (...) e (...) , por preencher, referentes à conta nº (...) , do «Banco I... , S.A.», titulada pela sociedade « H... , S.A.».

2. O arguido decidiu então utilizar esses mesmos impressos de cheques para se apropriar, contra a vontade da sociedade « H... , S.A.», de dinheiro ou para entregar como meio de pagamento para adquirir bens para uso pessoal, por débito da conta titulada por aquela sociedade, bem como para utilizar como meio de garantia em contratos a celebrar.

3. Assim, no dia 17 de agosto de 2011, cerca das 14 horas, o arguido, acompanhado por um outro indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, dirigiu-se à filial da sociedade « J... , S.A.», sita na Rua (...) , em Tourais, com o objetivo de celebrar um contrato de aluguer.

4. Na concretização de tal objetivo, o arguido celebrou, através de um dos funcionários da referida sociedade, de nome G... , um contrato de aluguer tendo por objeto o veículo de marca e modelo Renault Kangoo, cor branca, com a matrícula BJ (...) , propriedade da sociedade «J..., S.A.».

5. Contrato nos termos do qual a referida sociedade cedeu ao arguido o gozo e utilização temporária do referido veículo, até às 15 horas do dia 24 de agosto de 2011, obrigando-se este a devolvê-lo nesta data.

6. Aquando da celebração do referido contrato, o arguido preencheu, com o seu próprio punho, o impresso de cheque nº (...) , apondo nele, no local destinado à assinatura do sacador, uma assinatura como sendo a do respetivo titular da conta, tendo inscrito, por extenso e em numerário, a quantia de € 922,50, preenchendo ainda os espaços referentes à data e local de emissão, entregando-o depois ao referido funcionário juntamente com a quantia de € 220,00 em numerário, sendo esta quantia para pagamento do aluguer e o cheque para garantia do pagamento de danos que a viatura viesse a apresentar aquando da sua entrega.

7. G... , ao ver o cheque, acreditou que o mesmo tinha sido validamente emitido e que tinha sido assinado pelo titular da conta a que respeitava, motivo pelo qual o recebeu como garantia, tendo a viatura supra referida sido entregue ao arguido nesse mesmo dia, o qual a levou consigo.

8. Findo o prazo estabelecido no contrato de aluguer (24 de agosto de 2011), e não obstante as várias solicitações por parte da sociedade « J... , S.A.», o arguido não entregou a viatura supra referida, passando a utilizá-la como se fosse coisa sua.

9. A viatura viria a ser recuperada, em 28 de outubro de 2011, pela Polícia de Segurança Pública de Póvoa de Santa Iria.

10. O arguido agiu livre e conscientemente, conhecendo todas as cláusulas do contrato de aluguer que havia celebrado, bem sabendo que a viatura em causa era propriedade da « J... , S.A.» e que a mesma lhe tinha sido entregue apenas a título precário/temporário, em razão do contrato de aluguer que havia celebrado.

11. Não obstante tal conhecimento, o arguido quis agir como agiu, decidindo fazer sua a viatura supra referida, bem sabendo que a mesma não lhe pertencia e que estava contratualmente obrigado a entregá-la à referida sociedade até às 15 horas do dia 24 de agosto de 2011.

12. O arguido atuou com a intenção de obter uma vantagem patrimonial para si, a que sabia não ter direito, não obstante saber que lesava patrimonialmente a sociedade ofendida.

13. G... recebeu o cheque entregue pelo arguido, por ter acreditado que o mesmo tinha sido assinado por aquele enquanto legal representante da sociedade titular da conta a que respeitava, o que não correspondia à verdade.

14. Com tal conduta, o arguido sabia ainda que estava a abalar a fé pública e a credibilidade geralmente associadas à emissão e pagamento por meio de cheques.

15. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

16. De igual forma, no dia 17 de agosto de 2011, pelas 15 horas, o arguido dirigiu-se ao Posto de Abastecimento de Combustíveis (...) , sito em Pinhanços, área desta comarca, propriedade da sociedade « A... , Lda», tendo abastecido o veículo automóvel de matrícula BJ (...) , propriedade « J... , S.A.», com 44 litros de gasóleo.

17. De seguida, o arguido dirigiu-se à caixa para efetuar o pagamento do combustível, tendo preenchido, com o seu próprio punho, o impresso de cheque com o nº (...) , apondo nele, no local destinado à assinatura do sacador, uma assinatura como sendo a do respetivo titular da conta, tendo inscrito, por extenso e em numerário, a quantia de € 62,04, preenchendo ainda os espaços referentes à data e local de emissão, entregando-o depois ao funcionário D... .

18. Este aceitou o cheque como forma de pagamento do combustível apenas porque o arguido revelou não dispor de outro meio de pagamento.

19. Apresentado a pagamento no «Finibanco», em 19 de agosto de 2011, o referido cheque viria a ser devolvido à sociedade ofendida com a menção de “dec. rev. extravio”.

20. Até à presente data o arguido não reparou nem indemnizou, total ou parcialmente, a sociedade ofendida, mantendo-se esta lesada patrimonialmente no montante de € 62,04.

21. Ao atuar da forma descrita, o arguido B... agiu com o propósito de ludibriar D... .

22. Para o efeito, o arguido decidiu inscrever no cheque uma assinatura, de forma a fazer crer ao referido funcionário que a mesma pertencia ao legal representante da sociedade titular da conta a que respeitava e que era legítimo possuidor do cheque e, desse modo, obter os bens que o mesmo se destinava a pagar.

23. O arguido atuou sempre com a intenção de obter uma vantagem patrimonial para si, a que sabia não ter direito, bem sabendo que lesava patrimonialmente a sociedade ofendida pelo valor titulado no cheque.

24. Com tal conduta, o arguido sabia ainda que estava a abalar a fé pública e a credibilidade geralmente associadas à emissão e pagamento por meio de cheques.

25. O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

26. O arguido nasceu em (...) , localidade em que permaneceu até aos 12/13 anos de idade.

27. É o 4º elemento de uma fratria de 9, sendo filho do primeiro de dois casamentos do pai, tendo a sua mãe falecido quando o arguido tinha 6 anos de idade.

28. Juntamente com outros três irmãos, o arguido foi institucionalizado, dados dos hábitos alcoólicos e problemas de saúde do pai e a incapacidade deste para assegurar os cuidados necessários aos filhos.

29. Após completar o 4º ano de escolaridade, o arguido retomou o agregado familiar do pai, que já havia constituído nova situação familiar.

30. Com 14 anos de idade, o arguido passou a viver sozinho, deslocando-se entre o Porto, Guimarães e Fátima, chegando a ser apoiado pelo «Corpo Nacional de Escutas».

31. Foi preso pela primeira vez em 1987, condenado na pena de 18 meses, beneficiando de liberdade condicional em março de 1988, passando a trabalhar, por conta própria, como vendedor de material eletrónico e integrando o agregado familiar de uma irmã já casada.

32. Já em liberdade definitiva fixou residência na Batalha, onde casou e de cujo casamento nasceu o filho, atualmente com 19 anos.

33. Foi novamente preso em 1993, interrompendo o cumprimento da pena, entre 1999 e 2001, por evasão.

34. Libertado condicionalmente fixou residência, de 2008 a 2011, na Jardoeira e depois na Batalha, já divorciado, sendo acompanhado pelos Serviços de Reinserção Social até 8 de setembro de 2009.

35. Em meio prisional, encontrando-se atualmente no Estabelecimento Prisional de (...) , o arguido mantém comportamento ajustado às normas institucionais e recebe visitas do filho, a pedido do arguido.

36. O arguido apresenta as seguintes condenações:

i. Processo Correcional nº 283/85 do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Guimarães, por sentença de 31 de julho de 1986, por crime de emissão de cheque sem provisão, em pena de multa perfazendo PTE 36 000$00, declarada perdoada ao abrigo da Lei nº 16/86, de 11 de junho;

ii. Processo Correcional nº 584/86 do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Faro, por sentença de 12 de novembro de 1986, por crime de emissão de cheque sem provisão, na forma continuada, na pena de 4 meses de prisão, declarada perdoada ao abrigo da Lei nº 16/86, de 11 de junho;

iii. Processo Correcional nº 133/86 do 3º Juízo Correcional do Porto, por sentença de 28 de novembro de 1986, por dois crimes de emissão de cheque sem provisão, na pena única de 6 meses de prisão substituída por 180 dias de multa à taxa diária de PTE 300$00, tendo sido declarada perdoada a pena alternativa de 4 meses de prisão, ao abrigo da Lei nº 16/86, de 11 de junho;

iv. Processo de Querela nº 399/86 do 1º Juízo Correcional do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, por acórdão de 27 de março de 1987, por crime de furto, na pena de 18 meses de prisão, que cumpriu, tendo sido libertado definitivamente por decisão de 3 de abril de 1989;

v. Processo Comum Singular nº 552/91 do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Braga, por sentença de 9 de julho de 1992, por crime de burla cometido a 20 de setembro de 1990, na pena de 1 ano de prisão, declarada perdoada ao abrigo da Lei nº 23/91, de 4 de julho;

vi. Processo Comum Singular nº 12440/91.2TDLSB do 2º Juízo Correcional de Lisboa, por sentença de 14 de maio de 1993, por crime de emissão de cheque sem provisão cometido a 27 de março de 1991, na pena de 14 meses de prisão, sendo declarado perdoado 1 ano de prisão, ao abrigo da Lei nº 23/91, de 4 de julho;

vii. Processo Comum Coletivo nº 18/93 do 1º Juízo do Tribunal de Círculo de Leiria, por acórdão de 15 de julho de 1993, por crime de burla agravada, na pena de 15 meses de prisão, sendo declarado perdoado 1 ano de prisão, sob condição resolutiva, ao abrigo da Lei nº 15/94, de 11 de maio;

viii. Processo Comum Singular nº 164/92 do 1º Juízo Correcional do Porto, por sentença de 2 de novembro de 1993, por crime de emissão de cheque sem provisão cometido a 19 de março de 1991, na pena de 3 meses de prisão, declarada perdoada ao abrigo da Lei nº 23/91, de 4 de julho;

ix. Processo Comum Singular nº 85/92 do 4º Juízo Criminal de Braga, por sentença de 25 de janeiro de 1994, por crime de emissão de cheque sem provisão cometido a 10 de abril de 1991, na pena de 16 meses de prisão, sendo declarado perdoado 1 ano de prisão, ao abrigo da Lei nº 23/91, de 4 de julho;

x. Processo Comum Singular nº 312/92 do 3º Juízo Criminal de Cascais, por sentença de 10 de fevereiro de 1994, por crime de burla cometido a 19 de dezembro de 1989, na pena de 13 meses de prisão, sendo declarado perdoado 1 ano de prisão, ao abrigo da Lei nº 23/91, de 4 de julho;

xi. Processo Comum Coletivo nº 153/92 Tribunal de Círculo de Beja, por acórdão de 4 de março de 1994, por crimes de burla agravada e de falsificação de documento, na pena única de 3 anos e 8 meses de prisão e de 30 dias de multa à taxa diária de PTE 500$00;

xii. Processo Comum Singular nº 301/93 do Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho, por sentença de 16 de março de 1994, por crime de burla cometido a 21 de maio de 1991, na pena de 1 ano de prisão;

xiii. Processo Comum Singular nº 183/90 do 2º Juízo Criminal de Oliveira de Azeméis, por sentença de 13 de abril de 1994, por crime de burla cometido a 15 de setembro de 1989, na pena de 12 dias de multa à taxa diária de PTE 500$00, tendo sido declarado perdoado o remanescente de 6 dias de multa que faltava cumprir, bem como a pena de prisão alternativa;

xiv. Processo Comum Coletivo nº 3/94 do Tribunal Judicial de Monção, por acórdão de 19 de abril de 1994, por crime de burla cometido em 1992, na pena de 9 meses de prisão, declarada perdoada ao abrigo da Lei nº 15/94, de 11 de maio;

xv. Processo Comum Coletivo nº 4605/93.6JDLSB da 1ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão de 28 de abril de 1994, por crime de burla agravada cometido em 1992, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, sendo condenado, em cúmulo jurídico com o processo nº 18/93, na pena única de 1 ano e 10 meses de prisão, sendo declarado perdoado 1 ano de prisão ao abrigo da Lei nº 15/94, de 11 de maio. Ainda em cúmulo jurídico com o processo nº 312/92, foi condenado na pena única de 1 ano e 11 meses de prisão, sendo declarado perdoado 1 ano de prisão ao abrigo da Lei nº 15/94, de 11 de maio;

xvi. Processo Comum Coletivo nº 198/94 do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Aveiro, por acórdão de 14 de novembro de 1994, por crime de burla agravada cometido em novembro de 1990, na pena de 10 meses de prisão, declarada perdoada, sob condição resolutiva, ao abrigo da Lei nº 15/94, de 11 de maio;

xvii. Processo Comum Singular nº 912/94 do 4º Juízo Criminal de Braga, por acórdão de 21 de novembro de 1994, por crime de emissão de cheque sem provisão cometido a 19 de abril de 1991, na pena de 20 meses de prisão;

xviii. Processo Comum Coletivo nº 73/94 do 3º Juízo do Tribunal de Círculo de Coimbra, por acórdão de 7 de dezembro de 1994, por crime de burla agravada cometido em 1991, na pena de 7 anos de prisão;

xix. Processo Comum Singular nº 817/93 do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Almada, por sentença de 23 de janeiro de 1995, por crime de emissão de cheque sem provisão cometido a 30 de outubro de 1991, na pena de 15 meses de prisão;

xx. Processo Comum Coletivo nº 1051/94 do Tribunal de Círculo de Vila do Conde, por acórdão de 9 de fevereiro de 1995, por crime de burla agravada cometido a 29 de outubro de 1992, na pena de 15 meses de prisão;

xxi. Processo Comum Singular nº 1304/93 do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Matosinhos, por sentença de 14 de março de 1995, por crime de emissão de cheque sem provisão cometido a 1 de fevereiro de 1991, na pena de 150 dias de prisão, declarada perdoada ao abrigo da Lei nº 23/91, de 4 de julho;

xxii. Processo Comum Singular nº 18/92 do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, por sentença de 27 de maio de 1995, por crime de emissão de cheque sem provisão cometido a 23 de janeiro de 1991, na pena de 30 dias de prisão, declarada perdoada ao abrigo da Lei nº 15/94, de 11 de maio;

xxiii. Processo Comum Singular nº 28419/91.9TDLSB do 3º Juízo Criminal de Lisboa, por sentença de 13 de julho de 1995, por crime de emissão de cheque sem provisão cometido a 19 de dezembro de 1990, na pena de 9 meses de prisão;

xxiv. Processo Comum Singular nº 21/94 do 1º Juízo Criminal do Porto, por sentença de 13 de novembro de 1995, crime de emissão de cheque sem provisão cometido a 17 de dezembro de 1990, na pena de 75 dias de multa à taxa diária de PTE 300$00;

xxv. Processo Comum Singular nº 379/94 do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, por sentença de 15 de novembro de 1995, por crime de burla cometido a 29 de outubro de 1992, na pena de 2 meses de prisão, declarada perdoada, sob condição resolutiva, ao abrigo da Lei nº 15/94, de 11 de maio;

xxvi. Processo Comum Singular nº 29852/91.1TDLSB do 1º Juízo Criminal de Lisboa, por sentença de 15 de dezembro de 1995, por crime de emissão de cheque sem provisão cometido a 2 de janeiro de 1991, na pena de 5 meses de prisão, declarada perdoada ao abrigo da Lei nº 23/91, de 4 de julho;

xxvii. No Processo Comum Coletivo nº 14/96.3TCLSB (283/96) da 7ª Vara Criminal de Lisboa foi operado o cúmulo jurídico de penas, sendo condenado numa primeira pena única de 4 anos de prisão e de 75 dias de multa à taxa diária de PTE 500$00, sendo declarado perdoado 1 ano de prisão e metade da pena de multa, ao abrigo da Lei nº 23/91, de 4 de julho, e numa segunda pena única, incluindo o remanescente daquela primeira, de 12 anos de prisão e de 67 dias de multa à taxa diária de PTE 500$00, sendo declarado perdoado 1 ano e 6 meses de prisão e a totalidade da pena de multa, bem como a pena de prisão alternativa, ao abrigo da Lei nº 15/94, de 11 de maio, sendo ainda declarado perdoado 1 ano e 6 meses de prisão, sob condição resolutiva, ao abrigo da Lei nº 29/99, de 12 de maio, tendo este perdão sido declarado resolvido por despacho transitado em julgado a 19 de novembro de 2002;

xxviii. Processo Comum Singular nº 2/01.0TBSEI do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Seia, por sentença transitada em julgado a 8 de abril de 2002, por crime de emissão de cheque sem provisão cometido a 26 de setembro de 2000, na pena de 9 meses de prisão;

xxix. Processo Comum Singular nº 84/99.2TACTX do 1º Juízo do Tribunal Judicial do Cartaxo, por sentença transitada em julgado a 19 de dezembro de 2002, por crime de evasão cometido a 26 de fevereiro de 1999, na pena de 1 ano de prisão, declarada perdoada, sob condição resolutiva, ao abrigo da Lei nº 29/99, de 12 de maio. Em posterior cúmulo jurídico, o arguido foi condenado, por decisão transitada em julgado a 12 de dezembro de 2003, na pena única de 1 ano e 4 meses de prisão;

xxx. Processo Comum Coletivo nº 510/99.0TACHV do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves, por acórdão transitado em julgado a 24 de fevereiro de 2003, por crimes de burla e de falsificação de documento, cometidos a 26 de julho de 1999, na pena única de 1 ano de prisão;

xxxi. Processo Comum Coletivo nº 15266/00.8TDPRT do 3º Juízo Criminal de Matosinhos, por acórdão transitado em julgado a 28 de fevereiro de 2003, por crime de burla cometido a 30 de julho de 2000, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 3,00, convertida em 100 dias de prisão, por despacho transitado em julgado a 9 de julho de 2003;

xxxii. Processo Comum Singular nº 16510/00.7TDLSB do Tribunal Judicial de Cuba, por sentença transitada em julgado a 5 de maio de 2003, por crime de burla, na forma continuada, cometido a 22 de março de 2000, na pena de 4 meses de prisão;

xxxiii. Processo Comum Singular nº 1929/01.4TAGMR do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, por sentença transitada em julgado a 29 de outubro de 2003, por crime de emissão de cheque sem provisão cometido a 22 de outubro de 2000, na pena de 8 meses de prisão. Em posterior cúmulo jurídico, o arguido foi condenado na pena única de 2 anos e 10 meses de prisão, por decisão transitada em julgado a 21 de outubro de 2004;

xxxiv. Processo Comum Singular nº 128/00.7JAGRD do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, por sentença transitada em julgado a 31 de outubro de 2003, por crime de burla cometido a 13 de abril de 2000, na pena de 7 meses de prisão;

xxxv. Processo Comum Coletivo nº 19/00.1TAVLG do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, por acórdão transitado em julgado a 15 de março de 2004, por crime de falsificação de documento cometido a 26 de junho de 1999, na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão;

xxxvi. Processo Comum Coletivo nº 164/01.6GBOAZ do 1º Juízo Criminal de Oliveira de Azeméis, por acórdão transitado em julgado a 24 de junho de 2004, por crimes de burla qualificada e de falsificação agravada de documento, cometidos a 26 de março de 2001, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão;

xxxvii. Processo Comum Coletivo nº 324/99.8GCBNV do 2º Juízo de Competência Criminal de Vila Franca de Xira, por acórdão transitado em julgado a 25 de fevereiro de 2005, por crimes de falsificação de documento e de burla, cometidos a 24 de agosto de 1999, nas penas parcelares respetivas de 1 ano de prisão e de 6 meses de prisão, sendo condenado na pena única de 1 ano e 2 meses de prisão. Em posterior cúmulo jurídico, o arguido foi condenado na pena única de 5 anos 9 meses e 100 dias de prisão, tendo sido libertado condicionalmente a 22 de outubro de 2008, com efeitos até 6 de julho de 2011;

xxxviii. Processo Comum Singular nº 1859/10.9PBBRG do 1º Juízo Criminal de Braga, por sentença transitada em julgado a 18 de dezembro de 2013, por crime de abuso de confiança cometido a 5 de julho de 2010, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;

xxxix. Processo Comum Coletivo nº 119/11.2PBTMR do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Tomar, por acórdão transitado em julgado a 1 de julho de 2013, por crime de burla qualificada cometido a 4 de abril de 2011, na pena de 20 meses de prisão.

3.2.

Não se provaram outros factos, nomeadamente:

1. O veículo de matrícula BJ (...) tinha o valor de cerca de € 7 500,00.

2. Ao atuar da forma descrita, o arguido agiu ainda com o propósito de ludibriar G... .

3. Para o efeito, o arguido decidiu inscrever no cheque uma assinatura, de forma a fazer crer ao referido funcionário que a mesma pertencia ao legal representante da sociedade titular da conta a que respeitava e que era legítimo possuidor do cheque, levando-o, desse modo, a celebrar o contrato de aluguer supra referido e a entregar-lhe a viatura a que o mesmo diz respeito, o que conseguiu, bem sabendo que a mesma não lhe pertencia e que atuava contra a vontade da sociedade ofendida.

4. Também nesse caso, o arguido atuou com a intenção de obter uma vantagem patrimonial para si, a que sabia não ter direito, não obstante saber que lesava patrimonialmente a sociedade ofendida.

5. A viatura foi entregue ao arguido porque G... ter recebido o cheque acreditando que o mesmo tinha sido assinado pelo legal representante da sociedade titular da conta a que respeitava.

6. D... , ao ver o cheque, acreditou que o mesmo tinha sido assinado pelo arguido enquanto legal representante da sociedade titular da conta a que respeitava, motivo pelo qual o aceitou como forma de pagamento do combustível.

4.

Ao nível do julgamento da matéria de facto, este Tribunal Coletivo teve, de imediato, em atenção o depoimento do arguido, na medida em que este delineou a matéria de facto controversa.

Assim, o arguido admitiu ter alugado a viatura, bem como ter sido quem a abasteceu na ocasião relatada na acusação.

Porém, o mesmo afirmou que ambos os cheques lhe foram entregues por um indivíduo, que identificou como F... , dizendo que este se intitulava administrador da sociedade « H... », tendo sido este quem assinou ambos os cheques, assim os entregando ao arguido, que os preencheu.

Relativamente ao aluguer do veículo, o arguido referiu ainda que, atingido o prazo para a sua entrega, telefonou a G... , funcionário da « J... , S.A.», a solicitar a extensão do prazo do aluguer por mais 8 dias, tendo igualmente telefonado, findo esse prazo, dizendo que faria chegar o veículo nessa semana. Esclareceu que se ausentou para o estrangeiro, em setembro de 2011 – apenas regressando em outubro ou novembro –, tendo pedido ao dito F... que entregasse o veículo, o que verificou, no regresso, não ter sucedido. Mais disse que o veículo foi apreendido na altura em que pretendia entregá-lo.

Deste depoimento ressalta que as questões a resolver, numa primeira fase, residiam na autoria das assinaturas dos cheques e no apuramento da existência de uma eventual justificação para a não entrega atempada do veículo. Da decisão sobre essas questões derivava, em consequência, a decisão quanto à intencionalidade da ação do arguido, sem embargo da questão a suscitar a propósito dos elementos do crime de burla.

Ora, quanto à autoria das assinaturas apostas nos cheques, do exame pericial, cujo relatório consta a fls. 313 a 318, nada se pode inferir, por não ser conclusivo. Por outro lado, apesar da tentativa empreendida pelo Tribunal Coletivo, não foi possível notificar o identificado F... , desconhecendo-se mesmo se tal pessoa efetivamente existe.

Para esclarecimento da questão restava assim a prova testemunhal.

G... afirmou que o arguido surgiu com uma outra pessoa, que permaneceu num Fiat Punto, verificando que vinham em conjunto porque este veículo saiu logo que o arguido saiu com a viatura alugada.

Se é certo que este elemento suscita a possibilidade de a versão do arguido corresponder à realidade, verifica-se, porém, que, segundo a testemunha, em momento algum, o arguido foi falar com a pessoa que se manteve no Fiat Punto, tendo sido o arguido a retirar o cheque de uma pasta, a preenchê-lo e a assiná-lo.

Também D... , funcionário no posto de abastecimento de combustíveis explorado pela « A... , Lda», afirmou que o arguido entregou um cartão Multibanco para pagamento do combustível mas o terminal apresentou a indicação de “não autorizado”, tendo então o arguido dito que só podia pagar por cheque. A testemunha abordou o sócio-gerente C..., que, não vendo outros meios de pagamento, autorizou o seu funcionário a receber o cheque (depoimento confirmado pelo próprio C... ). Na sequência, segundo D... , o arguido preencheu, assinou e entregou o cheque.

Há uma contradição direta entre os depoimentos das indicadas testemunhas e as declarações prestadas pelo arguido e, apesar do interesse direto deste na decisão da causa, não há razão para, em qualquer caso, retirar credibilidade ao arguido, conferindo-a às testemunhas.

Porém, no caso vertente, há razões suficientes para que o Tribunal Coletivo julgue provada a versão das testemunhas, em detrimento da versão do arguido.

Na verdade, a contradição estende-se à (in)existência de razões que justifiquem o atraso do arguido em entregar o veículo.

Assim, G... negou que o arguido o tivesse contactado a solicitar qualquer extensão do prazo do aluguer e a transmitir que iria entregar o veículo em determinada altura.

Certo é que a versão do arguido, nesse ponto, revela-se despida de sentido quando analisada à luz das regras da experiência e juízos de normalidade.

Efetivamente, como ressalta do teor do documento de fls. 10 e foi confirmado pelo arguido e por G... , o arguido logo pagou, em numerário, a quantia de € 220,00 para liquidação do contrato de aluguer, isto é, o arguido pagou o preço antes de lhe ser entregue o veículo.

O pré-pagamento surge como meio de defesa da sociedade que aluga o veículo, que, no mínimo, recebe o preço devido pelo período do aluguer, sendo de notar, como melhor se salientará infra, que o cheque servia apenas de garantia pela eventual ocorrência de danos na viatura.

Nestes termos, um eventual prolongamento do prazo do contrato pressupunha o pré-pagamento desse período suplementar, não sendo plausível que a sociedade anuísse ao prolongamento do prazo sem receber o correspondente preço. Tanto mais que, como afirmou G... , este não conhecia o arguido antes de o mesmo se apresentar a alugar a viatura, inexistindo, por isso, uma relação de confiança que justificasse que a sociedade autorizasse aquele prolongamento de prazo sem pré-pagamento do preço.

É ainda menos crível que a sociedade autorizasse o arguido a entregar o veículo “nessa semana”, visto que o contrato de aluguer tinha sido celebrado, não apenas com identificação da data de entrega, como ainda com menção à hora em que a mesma teria de ser feita. O que significa que a entrega numa qualquer outra data implicaria o pagamento do preço correspondente aos dias extra em que o arguido mantivesse o veículo.

Importa sublinhar que o arguido, logo no início do seu depoimento, adiantou a justificação sobre a emissão dos cheques, dizendo que lhe foram entregues por F... . Pelo contrário, a versão apresentada pelo arguido sobre a não entrega do veículo surgiu só na parte final do seu depoimento, quando confrontado com as dúvidas que foram opostas às suas declarações.

Assim, a este Tribunal Coletivo afigura-se que o arguido se apresentou em Tribunal com uma versão já pensada sobre a posse e entrega dos cheques, apelando à figura de um indivíduo incontactável, pretendendo assim lançar uma cortina de fumo que dificultasse a perceção da realidade, uma vez que o Tribunal não teria a possibilidade de verificar diretamente se a versão do arguido correspondia à realidade. Porém, provavelmente por não ter ponderado adequadamente todas as nuances do caso, o arguido teve de ir acrescentando elementos à sua versão sobre a entrega do veículo, o que, tendo sido pensado na hora, não lhe permitiu arranjar uma versão que não fosse contraditada.

Não deixaremos de sublinhar que, repetindo o que foi dito ao arguido em Tribunal, o Tribunal Coletivo não julga com base no certificado de registo criminal do arguido, fazendo-o em consonância com a prova. O que não significa que o Tribunal Coletivo deva fechar os olhos ao passado do arguido, fingindo que os factos praticados não espelham a personalidade do respetivo autor.

Ora, o arguido manifesta uma tendência praticamente incontrolável para burlar, o que envolve o uso da mentira, em termos quase compulsivos, no quadro de uma “postura megalómana”, estando carecido de “eventual acompanhamento médico/psiquiátrico”, como é afirmado no relatório social de fls. 356 e 357 do volume II.

Não temos, por isso, dúvidas em afirmar a credibilidade da versão das testemunhas em detrimento da versão do arguido, razão pela qual o Tribunal Coletivo julgou provada a acusação nessa parte.

O mesmo sucede com a intenção do arguido em se apropriar do veículo.

Mais uma vez, o arguido fez apelo à figura de F... , dizendo que lhe pediu para entregar o veículo.

Porém, não só a sua versão sobre o prolongamento do prazo do aluguer não é credível, como o facto de ter estado ausente do país de 6 de setembro a 6 de outubro de 2011, como se pode verificar pelo respetivo passaporte, não o desculpa por não ter feito a entrega.

Na verdade, o veículo foi apreendido a 28 de outubro de 2011, quando o arguido já estava em Portugal há 22 dias, tendo, por isso, imenso tempo para entregar a viatura, caso o pretendesse fazer. Aliás, é significativo da intenção do arguido que, segundo G... , além de o veículo, quando recuperado, apresentar mais 30 000 km, ter a revisão periódica feita, o que denota a intenção de o continuar a utilizar.

Ao nível dos factos provados, o Tribunal Coletivo atendeu ainda ao documento de fls. 22 do apenso (registo automóvel do veículo de matrícula BJ (...) ), aos documentos bancários de fls. 57, 60 e 256 a 259, ao termo de entrega de fls. 190 e aos cheques de fls. 319 e 320.

E... referiu que a sociedade « H... , S.A.» fechou portas em julho de 2004, deixando de ter acesso a todos os documentos, incluindo cheques. Só em 2011 começou a ser contactado devido à emissão de cheques da sociedade.

As condições pessoais resultaram provadas do teor do certificado de registo criminal de fls. 371 a 386 e ao já referido relatório social.

Não se provou o valor do veículo, atenta a ausência de prova credível nesse sentido, nomeadamente a avaliação do mesmo, estando em causa um veículo que, à data do aluguer, apresentava já mais de 130 000 km (fls. 10).

Por outro lado, apesar do passado do arguido, a sua conduta aquando da celebração do contrato de aluguer suscita algumas reservas quanto à sua intencionalidade.

Na verdade, o arguido pagou a quantia de € 220,00 devida pelo aluguer, tendo fornecido elementos de identificação corretos, chegando a fornecer o cartão de cidadão e a carta de condução para serem fotocopiadas.

Acresce que o arguido emitiu e entregou o cheque unicamente como garantia para eventuais danos no veículo, não como caução ou garantia de entrega da viatura.

Admite-se, por isso, que, aquando do aluguer, o arguido não pretendesse apropriar-se do veículo e causar prejuízo à sociedade « J... , S.A.», intentando apenas utilizá-lo temporariamente, eventualmente durante o período de aluguer, tendo sido a posteriori que o arguido decidiu apropriar-se da viatura.

Também não se provou que G... tenha entregado a viatura ao arguido por ter acreditado que o arguido era titular da sociedade « H... , S.A.», dado que aquela ação foi determinada por outro fator, designadamente o pagamento do preço. Sem esse pagamento, a emissão do cheque, para garantir a eventual reparação do veículo, seria insuficiente para a entrega do veículo.

Do mesmo modo, também D... aceitou o cheque, não por ter acreditado que o arguido era o legal representante da sociedade titular da conta – antes pelo contrário, a desconfiança foi evidente –, tendo aceitado o cheque somente por não ter vislumbrado diferente meio de pagamento.

O acórdão recorrido contém os seguintes fundamentos de direito:

5.1.

O arguido responde pela prática de dois crimes de falsificação ou contrafação de documento.

De acordo com o artigo 256º, nos 1 e 3, do Código Penal:

“1 – Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:

a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;

b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;

c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;

d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;

e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou

f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito;

é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

3 – Se os factos referidos no nº 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267º, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias”.

O artigo 256º do Código Penal prevê diversos tipos de falsificação: a material, a intelectual e o uso, sendo que, desde a alteração empreendida pela Lei nº 59/2007, de 4 de setembro, se prevê ainda o facilitar e a detenção de documento falsificado ou contrafeito.

A falsificação material verifica-se quando o documento é total ou parcialmente forjado ou quando se alteram elementos constantes de um documento já existente; já a falsificação intelectual surge quando o documento não reproduz com verdade aquilo que se destina a comprovar (Maia Gonçalves, in Código Penal Português, 8ª ed., p. 820).

Na asserção do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28/06/20042:

 “VI – À falsificação material, corresponde toda a alteração total ou parcial dos termos já existentes em determinado documento: o agente imita ou altera algo que está feito segundo uma forma pré-determinada, fazendo-o com a preocupação de criar a aparência de o documento é genuíno ou autêntico. Nestes casos o documento deixa de ser genuíno ou autêntico por haver sido quebrada a normal coincidência entre a autoria real e a autoria aparente. VII – A falsificação intelectual ou falsidade integra, por seu turno, as hipóteses em conteúdo do documento diverge da declaração emitida ou em que a declaração feita é de facto falso. Nesta situação, o que se verifica é uma desarmonia entre a declaração efetuada e a declaração documentada ou uma narração e/ou descrição de factos falsos, sendo, por isso, em qualquer dos casos, inverídico o conteúdo do documento. VIII – Daí se segue que a falta de genuinidade que tipicamente corresponde à falsificação material existirá quer quando o documento é elaborado por pessoa diversa daquela de que aparentemente provém, quer quando, apesar de redigido pelo autor real, sofre posteriores modificações que o tornam falso; inversamente será “inverdadeiro” – e, por isso, ideologicamente falso –, quando, apesar de genuíno nos termos indicados, contenha declarações mentirosas, ou a narração e/ou descrição de factos falsos”.

No que toca à falsidade intelectual importa referir que esta só será punida caso se trate de um facto juridicamente relevante, ou seja, um facto suscetível de produzir algum dano público ou privado (neste sentido, Vincenzo Manzini, in Trattato di Diritto Penale Italiano, vol. VI, pp. 725-726).

O abuso da assinatura de outra pessoa surge quando o conteúdo do documento “pode ser verídico (na verdade, a declaração integrada não sofreu qualquer modificação nem foi adulterada, por exemplo, aquando da sua inserção no escrito) no entanto, o documento não é autêntico, a declaração não foi proferida pela pessoa que o escrito aparenta. Por isso se considera que nestes casos o documento é exato, embora inautêntico” (Helena Moniz, in Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, p. 683).

O bem jurídico protegido consiste no interesse coletivo da segurança do tráfico jurídico e, em especial, no tráfico dos meios de prova.

Por outro lado, o crime de falsificação de documentos consuma-se com o simples ato de falsificar, já que basta a atuação do agente pôr em perigo o bem jurídico protegido.

Além disso, trata-se de um crime tipicamente doloso, em que além do dolo genérico se exige um dolo específico que surge na forma da exigência de uma particular intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado, ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo.

No presente caso provou-se que, em duas ocasiões, o arguido preencheu, assinou e entregou dois cheques pertencentes à sociedade « H... , S.A.», agindo como se fosse o legal representante dessa sociedade.

Sendo a declaração exata, a ordem de pagamento incorporada no cheque, todavia, verifica-se uma fraude na identificação de quem emitiu a declaração.

Por outro lado, não só o arguido agiu com intenção de obter um benefício ilegítimo, ganhando acesso a bens que, de outro modo, não lhe seriam entregues – ainda que, no primeiro caso, o veículo só tenha sido entregue devido ao pagamento do preço do aluguer em conjunto com a emissão e entrega do cheque –, como atuou sabendo que estava a abalar a fé pública e a credibilidade geralmente associadas à emissão e pagamento por meio de cheques.

Em qualquer caso, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Mostram-se assim verificados os imputados ilícitos criminais, nos termos do disposto no artigo 256º, nº 1, alínea c), do Código Penal.

Estando em causa cheques, a conduta do arguido enquadra-se no âmbito da previsão do nº 3 do artigo 256º do Código Penal, procedendo, por isso, a acusação nesta parte.

5.2.

De acordo com o artigo 205º, nº 1, do Código Penal:

“1 – Quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

2 – A tentativa é punível.

3 – O procedimento criminal depende de queixa.

4 – Se a coisa referida no nº 1 for:

a) De valor elevado, o agente é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias;

b) De valor consideravelmente elevado, o agente é punido com pena de prisão de um a oito anos.

5 – Se o agente tiver recebido a coisa em depósito imposto por lei em razão de ofício, emprego ou profissão, ou na qualidade de tutor, curador ou depositário judicial, é punido com pena de prisão de um a oito anos”.

Objeto da ação é coisa móvel alheia, excluindo-se os créditos e outros direitos, mas incluindo o dinheiro.

Exige-se que a coisa tenha sido entregue ao agente por título não translativo da propriedade, o que significa, por um lado, que, contrariamente ao que sucede ao nível do crime de furto, a coisa deva estar na detenção ou posse do agente quando se verifica a apropriação e, por outro, que o ato de entrega e de recebimento não poderá consubstanciar uma transferência da propriedade da coisa.

A apropriação, que se traduz na inversão do título da posse ou da detenção, será ilegítima quando acarrete uma contradição com o ordenamento jurídico geral da propriedade, designadamente quando o agente não detém em relação ao desapropriado uma pretensão civil válida, vencida e incondicional.

Finalmente, ao nível do elemento subjetivo, sendo exigível o dolo, este poderá assumir qualquer uma das suas formas (conforme Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, 1999, pp. 97-107).

Ao arguido foi entregue um veículo automóvel, no âmbito de contrato de aluguer, isto é, com a obrigação por parte do arguido de pagar o preço e restituir a coisa, findo o prazo do contrato (artigo 1022º do Código Civil).

Sucede que, decorrido o prazo do aluguer, o arguido, em vez de restituir o veículo, manteve-o na sua posse sem entregar qualquer correspetivo, passando a utilizá-lo como coisa sua.

Verificou-se assim uma inversão do título da posse, agindo o arguido livre e conscientemente, bem sabendo que a viatura em causa era propriedade da « J... , S.A.» e que a mesma lhe tinha sido entregue apenas a título precário/temporário, em razão do contrato de aluguer que havia celebrado. Não obstante tal conhecimento, o arguido quis agir como agiu, decidindo fazer sua a viatura supra referida, bem sabendo que a mesma não lhe pertencia e que estava contratualmente obrigado a entregá-la à referida sociedade até às 15 horas do dia 24 de agosto de 2011, atuando com a intenção de obter uma vantagem patrimonial para si, a que sabia não ter direito, não obstante saber que lesava patrimonialmente a sociedade ofendida.

Resultam assim demonstrados os elementos típicos do crime de abuso de confiança.

Já no que tange à agravação, não se provou que o veículo tivesse o valor de € 7 500,00, não se tendo apurado outro valor.

Na ausência dessa prova, que incumbia à acusação, admitindo-se qualquer valor, mesmo inferior a € 5 100,00 – sendo esse o “valor elevado” nos termos do disposto no artigo 202º, alínea a), do Código Penal –, o arguido deverá ser condenado pela prática de um crime de abuso de confiança punido nos termos do nº 1 do artigo 205º do Código Penal.

5.3.

Dispõe o artigo 217º, nº 1, do Código Penal:

“1 – Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de atos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

A burla constitui assim um crime de dano que só se consuma com a ocorrência de um prejuízo efetivo no património do sujeito passivo da infração ou no património de terceiro.

É, além disso, um crime material ou de resultado, na medida em que o ilícito se consuma com a saída das coisas ou dos valores da esfera de disponibilidade fáctica do sujeito passivo ou da vítima.

Refira-se ainda que, embora se exija no âmbito do elemento subjetivo que o agente atue com a intenção de obter, para si ou para outrem, um enriquecimento ilegítimo, a consumação do crime não depende da concretização dessa intenção, bastando que ao nível do tipo objetivo se observe o empobrecimento ou dano da vítima.

No que concerne à noção de património relevante para a apreciação da verificação deste ilícito, Almeida Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, pp. 282-283, sustenta um conceito jurídico-penal, construído na base de uma casuística que tende a circunscrever as posições merecedoras de tutela à luz da teleologia própria do direito criminal.

O ponto de partida para esta posição reside na conceção económico-jurídica do património, que o reconduz ao conjunto de todas as situações e posições com valor económico detidas por uma pessoa e protegidas pela ordem jurídica ou pelo menos cujo exercício não é desaprovado por essa mesma ordem jurídica. Na definição de S / S / Cramer (§ 263 82), o património comporta a globalidade dos bens (numa aceção ampla) economicamente valiosos, que um indivíduo detém com a aquiescência do ordenamento jurídico (conforme Almeida Costa, in ob. cit., p. 279).

Desta conceção de património resultam igualmente as noções de dano e de enriquecimento pressupostas pelo artigo 217º, nº 1, do Código Penal, sendo aquele visto como uma diminuição do valor económico por referência à posição em que o lesado se encontraria se o agente não houvesse realizado a sua conduta e o enriquecimento, por inerência, residirá num aumento daquele valor económico.

No que à conduta típica diz respeito, Almeida Costa, in ob. cit., p. 293, considera que a lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência de uma particular forma de comportamento, conferindo-lhe assim o carácter de delito de execução vinculada.

Essa particular forma de comportamento traduz-se “na utilização de um meio enganoso tendente a induzir outra pessoa num erro que, por seu turno, a leva a praticar atos de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios.

Para que se esteja em face de um crime de burla, não basta, porém, o simples emprego de um meio enganoso: torna-se necessário que ele consubstancie a causa efetiva da situação de erro em que se encontra o indivíduo. De outra parte, também não se mostra suficiente a simples verificação do estado de erro: requer-se, ainda, que nesse engano resida a causa da prática, pelo burlado, dos atos de que decorrem os prejuízos patrimoniais”.

Exige-se, portanto, um duplo nexo de imputação objetiva: primeiro, entre a conduta enganosa do agente e a prática pelo burlado de atos tendentes a uma diminuição do património, próprio ou alheio; segundo, entre estes atos e a efetiva ocorrência de um prejuízo patrimonial.

O tipo legal em análise impõe a verificação de um especial requisito: a astúcia.

Do domínio deste conceito exclui-se a simples alteração da verdade dos factos, sob pena de o advérbio “astuciosamente” aparecer como redundante em face da necessidade de ocorrência de um erro ou engano. Antes parece que a utilização de um tal conceito pressupõe uma “mentira qualificada”, suficiente para induzir em erro o sujeito passivo a quem se dirige, mas apenas através de uma manipulação de circunstâncias, sem que, todavia, se exija um processo elaborado.

Em última análise haverá que determinar a integração de certa conduta na previsão do artigo 217º do Código Penal casuisticamente, tendo em conta o facto de o crime em análise pressupor a “colaboração” da vítima.

Está unicamente em causa o imputado crime de burla qualificada a respeito do veículo automóvel que foi objeto de aluguer.

Sucede não se haver provado que o arguido atuasse com intenção de ludibriar a sociedade « J... , S.A.», não se tendo provado ainda que o arguido tivesse atuado com a intenção de obter uma vantagem patrimonial para si, a que sabia não ter direito, não obstante saber que lesava patrimonialmente a sociedade ofendida.

Por outro lado, não se provou ainda que tivesse sido a atuação do arguido, ao subscrever e assinar o cheque, a determinar a prática do ato pelo funcionário da dita sociedade.

Na verdade, ficou por provar que o arguido, logo aquando da celebração do contrato de aluguer, pretendesse apoderar-se do veículo, fazendo-o seu, em detrimento do direito e legítimos interesses da proprietária da viatura, provando-se apenas que a intenção de apoderar-se da viatura surgiu num momento em que o arguido já o tinha na sua posse.

Também não se provou que a prática do ato determinante da lesão patrimonial resultasse da atuação do arguido, ou seja, que, no caso, se verifique o primeiro nexo de imputação objetiva.

É certo que a emissão e entrega do cheque foi uma das condições para a celebração do contrato. Porém, desacompanhada do pagamento do preço, não haveria lugar a esse contrato.

Nesse quadro, só se poderia afirmar o preenchimento dos elementos típicos do crime de burla caso se pudesse concluir que o pagamento do preço constituiu um dos passos para a consumação do crime, assumindo o arguido que a apropriação do veículo – que seria o fim último da sua atuação – “custaria” o preço do aluguer.

Contudo, não se provou que o arguido tivesse atuado nesses termos, de modo que falece a acusação pelo crime de burla qualificada.

6.1.

O artigo 70º do Código Penal confere prevalência às penas não privativas de liberdade perante as penas privativas de liberdade, quando aquelas realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Atenta a persistência do arguido na prática de crimes contra o património e de crimes de falsificação e contrafação de documento, ponderando ainda os restantes antecedentes criminais do arguido, é manifesta a necessidade de aplicação de penas detentivas, pois, mesmo estas não têm sido suficientes para afastar o arguido do cometimento de crimes.

6.2.

A determinação da medida da pena obedece ao comando do artigo 71º do Código Penal, que define os critérios que devem orientar o julgador, nomeadamente a culpa do agente e as exigências de prevenção, ponderando para o efeito todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.

Do elenco de factos apurados relevam para estes efeitos:

– A intensidade da resolução criminosa do arguido, revelada pela pluralidade de atos delituosos;

– Os inúmeros antecedentes criminais do arguido, que revelam estar em causa uma verdadeira carreira criminosa, sendo de duvidar que o arguido consiga manter uma conduta conforme ao Direito;

– A ausência de suporte familiar no presente e para o futuro, considerando que a única pessoa que vem visitando o arguido é o seu filho, sem, contudo, se manifestar um investimento afetivo da parte de ambos no relacionamento, sendo de notar que o arguido, apesar de desejar as visitas do filho, verbaliza a intenção de, uma vez em liberdade, logo se ausentar para o Brasil, alegadamente para constituir um agregado familiar;

– A ausência de um juízo crítico por parte do arguido em relação à sua conduta;

– O facto de o prejuízo causado à « J... , S.A.» se limitar ao não recebimento do preço devido pelo uso do veículo para além do período contratual, uma vez que não se apurou que o veículo apresentasse danos;

– O reduzido valor do prejuízo causado à « A... , Lda»;

– As dificuldades no processo de desenvolvimento do arguido na infância, que levaram à sua institucionalização;

– O comportamento prisional adequado que vem mantendo.

Existe um equilíbrio quantitativo entre as circunstâncias que depõem a favor do arguido e aquelas que contra ele depõem, o que não é positivo para aquele, uma vez que, em regra, as primeiras tendem a surgir em número superior às últimas.

Porém, é manifesta a prevalência qualitativa das circunstâncias que depõem contra o arguido, considerando o fator absolutamente desequilibrador que reside no passado do arguido vertido nos respetivos antecedentes criminais.

Esse elemento assume um peso decisivo por revelar a imagem de um indivíduo que, há muito – se puder afirmar-se que alguma vez teve, considerando que a primeira condenação foi proferida quando o arguido tinha 17 anos de idade –, abandonou um percurso de vida ajustado às exigências de vivência em comunidade, manifestando um absoluto desrespeito pelos interesses dos restantes cidadãos, utilizados como simples instrumentos dos objetivos do arguido.

Nesse contexto, as penas a aplicar não poderão deixar de se situar sensivelmente ao nível da metade das molduras legais das penas, que, no caso dos crimes de falsificação ou contrafação de documento, são de prisão de 6 meses a 5 anos, e, no caso do crime de abuso de confiança, vai até 3 anos de prisão.

Assim, este Tribunal Coletivo julga ajustadas as penas de 2 anos e 6 meses de prisão por cada um dos crimes de falsificação ou contrafação de documento, e de 1 anos e 6 meses de prisão pelo crime de abuso de confiança.

6.3.

Dada a pluralidade de crimes efetivamente cometidos pelo arguido encontram-se preenchidos os pressupostos do concurso real de crimes (artigo 30º, nº 1, do Código Penal), razão pela qual se impõe a realização de cúmulo jurídico das penas, como resulta do disposto no artigo 77º, nº 1, do Código Penal, segundo o qual:

“1 – Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

O mínimo da pena única corresponde à mais elevada das penas parcelares (2 anos e 6 meses de prisão), sendo o máximo correspondente à soma das penas parcelares (6 anos e 6 meses de prisão), como dispõe o nº 2 do artigo 77º do Código Penal.

Como já se sublinhou, aos 17 anos de idade, o arguido sofreu a primeira condenação e foi acumulando outras ao longo dos anos, sendo os hiatos no percurso criminoso devidos à reclusão do arguido.

Ainda assim, o arguido evadiu-se do Estabelecimento Prisional e logo cometeu novos crimes.

Deste modo, ainda que os crimes ora em apreciação não se revistam de especial gravidade, pelo contrário, a personalidade manifestada na sua prática em nada abona a favor do arguido, constituindo mais uns episódios da propensão criminosa do arguido.

Exige-se, por isso, uma punição exemplar, que, de algum modo, até porque o arguido está já na casa dos 40, o determine a uma mudança de atitude.

Assim, este Tribunal Coletivo julga ajustada a pena única de 4 anos e 9 meses de prisão.

6.4.

A pena de prisão tem caráter de ultima ratio, só devendo ser aplicada se constituir a única pena suscetível de conferir proteção aos bens jurídicos e assegurar a reinserção social do agente.

Como concretização destes princípios, o legislador consagrou um elenco de penas de substituição graduado em conformidade com a maior ou menor gravidade da pena concretamente determinada.

Assim, além das formas de execução da pena de prisão, previstas nos artigos 44º a 46º do Código Penal, e não cuidando neste momento da pena de admoestação, substitutiva da pena de multa, o legislador consagrou a possibilidade de substituição da pena de prisão por pena de multa, quando aquela não exceder o período de um ano (artigo 43º, nº 1, do Código Penal); a possibilidade de substituição da pena de prisão não superior a 2 anos pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58º, nº 1, do Código Penal); e a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão não superior a 5 anos (artigo 50º, nº 1, do Código Penal).

Ponto é que, em qualquer destes casos, o cumprimento da pena de prisão não seja exigido para reposição dos bens jurídicos violados pelo agente e como forma de prevenir o cometimento de novos crimes.

No presente caso, atenta a pena única concretamente determinada, só é possível suspender a execução da pena de prisão.

Considerando o que já se expôs supra, é manifesta a insuficiência e inadequação de qualquer pena substitutiva, uma vez que, como já se referiu, até as penas de prisão efetivas não têm constituído sanção suficiente para obstar ao cometimento de novos crimes pelo arguido.

Na verdade, tendo o arguido sofrido uma primeira condenação a 31 de julho de 1985, quando ainda não tinha completado os 18 anos de idade, por crime de emissão de cheque sem provisão, sofrendo mais 3 condenações ainda nos anos de 1986 e 1987.

Cumpriu uma pena de prisão, sendo libertado a 3 de abril de 1989, passando a acumular a prática de ilícitos criminais, com particular intensidade nos primeiros anos da década de 90 do século passado.

Esse percurso só foi interrompido quando o arguido foi preso, em 1993, vindo entretanto a cumprir a pena única determinada no Processo Comum Coletivo nº 14/96.3TCLSB (12 anos de prisão).

Ainda assim, o arguido evadiu-se do Estabelecimento Prisional em 26 de fevereiro de 1999 e logo recomeçou a prática de crimes, designadamente os factos pelos quais foi condenado no Processo Comum Coletivo nº 510/99.0TACHV – cometidos a 26 de julho de 1999 –, no Processo Comum Coletivo nº 19/00.1TAVLG – cometidos a 26 de junho de 1999 – e no Processo Comum Coletivo nº 324/99.8GCBNV – cometidos a 24 de agosto de 1999 –, além de outros praticados já neste século.

Também nessa altura, a carreira criminosa do arguido foi interrompida pela sua reclusão.

Libertado condicionalmente a 22 de outubro de 2008, ainda no período de liberdade condicional, o arguido cometeu os crimes pelos quais foi condenado no Processo Comum Singular nº 1859/10.9PBBRG e no Processo Comum Coletivo nº 119/11.2PBTMR.

O cumprimento da pena de prisão destes autos, eventualmente com outras penas a aplicar ao arguido, levará a nova interrupção na carreira do arguido, que aparenta querer retomar as condutas criminosas, sendo esta já a terceira condenação após a sua libertação condicional.

Perante este historial, não se justificam outras considerações para fundamentar o cumprimento da pena de prisão.


***

III. Apreciação do Recurso

Como é sabido, o âmbito do recurso afere-se e delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1 e nº 2 do Código de Processo Penal).

Vistas as conclusões do recurso interposto, as questões suscitadas e que importa apreciar são as seguintes por ordem lógica de precedência:

- Se ocorre valoração proibida de relatório social por não ter sido lido e examinado em audiência;

- Se o acórdão proferido é nulo por insuficiência da sua fundamentação de facto;

- Se ocorre erro de julgamento da matéria de facto, com violação do princípio in dubio pro reo, devendo o arguido ser absolvido;

- Se o acórdão recorrido padece dos vícios do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal;

 - Se os factos provados não são susceptíveis de integrar os crimes de falsificação e de abuso de confiança por que foi condenado o arguido;

- Se a pena aplicada é excessiva ofendendo os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da culpa;

- Se a pena única deve ser suspensa.

Apreciando:

Alega o recorrente que o Tribunal não podia sustentar a sua decisão no relatório social porque proibida a sua utilização como meio de prova para imputação penal e para a dosimetria da pena sem previamente ter sido lido e examinado em audiência, suscitando, pois, tema de uso de meio de prova proibido/nulidade de prova.

O questionado relatório social foi junto ao processo antes da realização da audiência de julgamento, em 18.3.2014, foi ordenada a sua notificação em 21.3.2014 e efectuada tal notificação ao Defensor do arguido por carta expedida em 24.3.2014.

O disposto no artigo 355º, nº 1 do Código de Processo Penal não contém qualquer impedimento a que relatório social seja valorado como meio de prova.

Com efeito, esse normativo com a epígrafe “Proibição de valoração de provas” dispõe no seu nº 1 «que não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência».

Contudo, o seu nº 2 preceitua que «ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida nos termos dos artigos seguintes».

Do disposto nos artigos seguintes não resulta qualquer proibição de leitura em audiência do relatório social ou de outra prova não oral produzida antes da audiência de julgamento (artigos 356º e 357º).

Da conjugação destas normas resulta que é permitida, mas não obrigatória, a leitura de documentos ou de outros meios de prova não orais constantes dos autos e que, independentemente dessa leitura, tais provas têm valor em julgamento, nomeadamente para formação da convicção do tribunal. Esta tem sido, aliás, a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. entre outros o Acórdão proferido no processo 03P23606 de 19.3.2003 publicado em www.dgsi.pt/jstj).

E bem se compreende que seja essa a interpretação efectuada porque, tratando-se de meio de prova constante do processo em momento anterior à audiência e a que os sujeitos processuais têm acesso, nada obsta a que sobre eles seja exercido o contraditório antes ou no decurso do julgamento. A disposição terá o seu campo de aplicação em relação a prova junta aos autos após o encerramento da audiência e que, portanto, não foi sujeita ao contraditório ou a autos cuja leitura não seja permitida em audiência.

Não tem, pois, qualquer sentido afirmar que a falta de exame do conteúdo do relatório social em audiência, quando já antes constava do processo e era do conhecimento dos sujeitos processuais viola o princípio do contraditório, porque as partes tiveram oportunidade de se inteirar do seu conteúdo e de organizar a sua defesa em função desse conhecimento, como não estiverem inibidas de suscitar em audiência de julgamento o confronto do conteúdo probatório em questão e de o contraditar através de outros meios de prova.

O artigo 370º, nº nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal preceituando que o relatório social só pode ser lido a requerimento do arguido e que é aplicável o disposto no artigo 355º do mesmo diploma, ou seja, só é permitida a sua valoração se for lido em audiência, apenas se refere ao relatório social cuja realização seja ordenada no decurso da audiência de julgamento (previsão do nº 1 do artigo) e não ao relatório social que seja realizado antes da audiência de julgamento (neste sentido veja-se Paulo Pinto de Albuquerque em Comentário do Código de Processo Penal, em anotação ao citado artigo).

Estipulando o artigo 125º do Código de Processo Penal que são admissíveis as provas não proibidas por lei e admitindo a lei, no caso, a valoração do meio de prova em causa independentemente do seu exame formal em audiência, nada obstava a que o Tribunal a quo valorasse o conteúdo do relatório social, não podendo ter acolhimento a pretensão em causa.

            O recorrente alega que “o Tribunal "a  quo"  bordou  uma  motivação  para  respaldar  a  sua  decisão,  numa  retórica, manifestamente,  insuficiente,  que  não  cumpre  os  mínimos  de  consagração constitucional,  do  universal  dever  de  fundamentação.  O  juiz  deve  indicar  os  motivos  e  as  provas  que  sustentaram  a  prova  que  confirmou  a hipótese  acusatória,  mas  também,  os  motivos  que  levaram  a  excluir  as  hipóteses antagónicas  e  a  julgar  não  atendíveis  as  provas  contrárias  invocadas  na  sustentação da  hipótese  não  admitida. No  caso  sub  judice,  perfila-se  vítrea  a  falta  de  fundamentação  do  acórdão,  maxime, neste  segmento  do  contraditório,  ficando  o  arguido  privado  de  conhecer  o  percurso cognitivo  traçado  pelo  Sr.  Juiz  para  desconsiderar  a  sua  tese. É aliás, paradigmático disto mesmo, o segmento do acórdão em que desconsiderou as declarações  do  próprio  arguido,  com  a  invocação  (infeliz)  do  seu  passado  constante  do registo  criminal. O  acórdão  omite,  quase  em  absoluto,  as  circunstâncias  concretas  em  que  os  cheques aportaram  à  esfera  jurídica  do  arguido,  e  a  que  título  foram  os  mesmos  preenchidos. A  personalidade  do  agente  só  pode  relevar  para  efeitos  de  dosimetria  da  pena,  o  que deixa  bem  claro,  que  o  Tribunal  na  apreciação  crítica  da  prova,  deixou-se  enovelar  com preconceitos  bebidos  no  extenso  registo  criminal  do  arguido. O acórdão,  ora,  posto  em  crise,  padece  de  nulidade  prevista  no  artigo  379°,  n.º  1, alínea  a)  do  CPP.”

            Deste trecho das conclusões do recurso parece resultar que o vício de insuficiência da fundamentação de facto alegado se restringiria à motivação da convicção do Tribunal a quo. Mas da motivação resulta com toda a clareza que o recorrente se refere à falta de descrição dos factos não provados pertinentes para a decisão da causa e resultantes da respectiva discussão (especialmente do artigo 105º da motivação).

O artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal, versando sobre os requisitos da sentença, preceitua que "ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal" O invocado artigo 379º, nº 1, alínea a) comina de nula a sentença que não observe os referidos requisitos de fundamentação.

Do disposto no artigo 368º, nº 2 do Código de Processo Penal resulta com toda a clareza que o tribunal na decisão de facto deve especificar os factos alegados pela acusação e pela defesa e bem assim os que resultarem da discussão da causa relevantes para a decisão e são esses factos que deve enumerar como provados e não provados.

Da própria decisão recorrida resulta que a discussão em audiência de julgamento não se restringiu à versão da acusação e à sua simples negação, tendo o arguido oralmente alegado um conjunto de factos com relevância para a decisão a proferir que são aflorados na motivação da convicção para rejeitar credibilidade à versão do arguido, mas não se encontram no elenco descritivo dos factos como não provados, como impõe o disposto no artigo 374º, nº 2 em conjugação com o artigo 368º, nº 2 do Código de Processo Penal.

A referência a tais factos na motivação não pode considerar-se como suficiente porque justamente a motivação da convicção se destina a justificar porque decidiu o tribunal no sentido em que decidiu, o que pressupõe a fixação e descrição prévia dos factos que foram objecto de decisão (cfr. o artigo do actualmente Conselheiro Sérgio Poças, Da Sentença Penal – Fundamentação de Facto, na Revista Julgar, nº 3 e o Acórdão desta Relação de 18.1.2012, relatado pelo Desembargador Paulo Guerra, publicado em www.dgsi.pt).

Não elencando a decisão recorrida os factos que resultaram da discussão da causa relevantes para a decisão, enferma efectivamente da nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea a) derivada da inobservância do disposto no artigo 374º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal.

No mais que vem alegado, compulsado o teor da motivação constante da sentença recorrida, verificamos que o tribunal enuncia os meios de prova que serviram para fundamentar a sua convicção, mormente a positiva, mencionando resumidamente o seu teor, como efectua a sua análise crítica, especificando porque razão atribuiu credibilidade aos depoimentos das testemunhas e não credibilizou as declarações do arguido, sendo várias as referências nesse sentido que em muito extravasam a referência aos antecedentes criminais do arguido, nem se compreendendo mesmo como o recorrente se detém nesse aspecto, quando todo o processo de convicção passa pelo depoimento de testemunhas que, como revela a motivação declararam, para além do mais, que os cheques foram preenchidos e assinados pelo arguido na sua presença, encontrando também eco na motivação a explicação detalhada da convicção alcançada quanto ao outro aspecto da não entrega do veículo objecto de aluguer. E efectua tal análise de modo claramente perceptível e que é perfeitamente idónea a transmitir os motivos de haver decidido como decidiu.

Não obstante, a nulidade de que noutro aspecto padece a decisão recorrida importará que também nessa parte seja refeita a motivação de facto com adaptação e adequação aos novos factos que devem ser descritos no local prévio e próprio da decisão.

Nos termos do artigo 122º do Código de Processo Penal a sanação da apontada nulidade importa a prolação de novo acórdão pelo tribunal colectivo que proferiu o ora anulado, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas.


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            IV. Decisão

Nestes termos acordam em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido, declarando nulo o acórdão recorrido por falta de descrição dos factos relevantes para a decisão resultantes da discussão da causa, devendo ser proferido novo acórdão que supra o apontado vício.

Não há lugar a tributação em razão do recurso (cfr. artigo 513º, nº 1 do Código de Processo Penal).


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Coimbra, 22 de Abril de 2015

(Maria Pilar Pereira de Oliveira - relatora)

(José Eduardo Fernandes Martins - adjunto)