Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
7/08.0GBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: LENOCÍNIO SIMPLES
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
UNIDADE DE CRIMES
PLURALIDADE DE CRIMES
LENOCÍNIO AGRAVADO
AUXÍLIO À IMIGRAÇÃO ILEGAL
Data do Acordão: 11/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (INSTÂNCIA CENTRAL DE CASTELO BRANCO, SECÇÃO CRIMINAL, J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ART. 30.º E 169.º, DO CP; ART. 183.º, N.º 2, DA LEI N.º 23/2007, DE 04-06 (ALTERADA PELAS LEIS N.ºS 29/2012, DE 09-08, E 63/2015, DE 30-06)
Sumário: I - A diferença específica entre o lenocínio simples (artigo 169.º, n.º 1, do CP) e o lenocínio agravado (artigo 169.º, n.º 2, do mesmo diploma) radica na natureza do relacionamento entre quem explora e quem se prostitui, isto é, na existência ou não da corrupção da livre determinação sexual: havendo livre determinação sexual de quem se prostitui, o lenocínio é simples; não havendo essa liberdade, o lenocínio é agravado.

II - O tipo de lenocínio simples tutela uma determinada concepção de vida inconciliável com a aceitação do exercício profissional ou com intenção lucrativa do fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição.

III - Resultando do acervo factológico provado uma intensa e única resolução criminosa do arguido visando a obtenção de lucro com a prostituição, mesmo sendo dez as vítimas, ocorre tão só um único crime de lenocínio simples.

IV - Ao preenchimento do tipo legal de auxílio à emigração ilegal previsto no n.º 2 do artigo 183.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, basta a permissão - com intenção lucrativa -, do agente de a(s) cidadã(s) estrangeira(s) trabalhar(em) em estabelecimento comercial seu, na actividade de alterne e prostituição, porquanto, por essa via, obtém rendimentos e, em simultâneo, surge facilitada a permanência daquelas em território nacional.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


I – RELATÓRIO


1. No processo comum com intervenção do tribunal colectivo registado sob o n.º 7/08.0GBCTB, a correr termos no Tribunal da Comarca de Castelo Branco, Instância Central, Secção Criminal, realizado o julgamento, foi proferido em 13-02-2015 o acórdão de fls. 2649 a 2711, de cujo dispositivo consta o seguinte:


«Em conformidade com tudo o que fica exposto, este Tribunal Colectivo:

4.1- Absolve A... e B... da prática, em co-autoria, de um crime de auxílio à imigração ilegal p. e p. e p. pelo art. 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4-7, actualmente com a redacção da Lei nº 29/2012, de 9 de Agosto, pelo qual vinham acusados/pronunciados.

4.2- Absolve A... e C... da prática de um crime de branqueamento p. e p. pelo art. 368º- A, nºs 1 e 2 do Código Penal, pelo qual vinham acusados/pronunciados.

4.3- Condena A... e B... pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de 4 (quatro) crimes de lenocínio p. e p. pelo art. 169º,  nº 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, para cada um dos crimes.

4.4- Condena A... e B... , em cúmulo jurídico das penas aplicadas em 4.3, na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova.

            4.5- Condena A... e B... no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s, para cada um dos arguidos.

***

Não tendo a arguida C... praticado qualquer crime, deve ser-lhe restituído o veículo automóvel apreendido, de matrícula (...); as quantias económicas que a arguida C... detém na sua conta do banco K... pertencem-lhe por direito, não sendo apreendidas ou declaradas perdidas a favor do Estado; em suma, de tudo aquilo que figura em nome da arguida C... apenas serão declaradas perdidas as quantias económicas da conta da XY... nº (...) , já que a arguida apenas figura nesta conta com o seu nome, sendo aquela movimentada pelo seu filho, o arguido A... .

            Quanto às quantias económicas apreendidas nos autos aos arguidos A... (e/ou B... ), entende este tribunal colectivo que se trata de produto do crime, declarando-se tais quantias económicas apreendidas nos autos perdidas a favor do Estado; não se mostrando possível distinguir os proventos do lenocínio e da actividade de alterne e dado que ambas estavam interligadas, uma fomentando a outra, declara-se perdido a favor do estado a totalidade das quantias económicas apreendidas ao arguido A... (e/ou B... ), o que se determina ao abrigo do disposto nos art.os 109 e 111 do C.Penal.

***

Após trânsito:

Remeta boletins à DSIC.

Comunique à DGRS, a fim de ser elaborado plano de reinserção social adequado aos arguidos A... e B... .

***

Deposite-se o presente acórdão (cfr. artigos 373º, n.º 2, e 372º, n.º 5, ambos do CPP), tendo presente o determinado aquando da leitura do mesmo (cfr. acta de audiência).”

2. Inconformados, o MP e os arguidos A... e B... interpuseram recurso deste acórdão, extraindo das respectivas motivações, as seguintes conclusões:

2.1 Conclusões do recurso interposto pelo MP:

“1.O Acórdão recorrido apresenta uma contradição entre a fundamentação e a decisão, uma vez que

2.               Condenou os arguidos A... e B... pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de quatro crimes de lenocínio quando os deveria ter condenado pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de 14 crimes de lenocínio, p. e p. nos termos dos artigos 30.º n.ºs 1 e 3 e 169° n.º 1, ambos do CPenal.

3.    Já que deu como provado a forma como os cartões encontrados no estabelecimento eram utilizados e o fim a que se destinavam.

4.    O Acórdão recorrido fez errada apreciação da prova uma vez que;

5.   Absolveu os arguidos A... e B... da prática, em co-autoria de um crime de auxílio à emigração ilegal,

6.    Quando, os mesmos, face aos depoimentos das testemunhas inquiridas para memória futura a que acresce a prova indirecta produzida em julgamento, não valorada, deveriam ter sido condenados pela prática, em co-autoria, de um crime de auxílio à emigração ilegal, p. e p. nos termos do artigo 183.º n.º 2 da Lei n.º 23/2007 de 04.07, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 29/2012 de 09.08.

7.   Já que sabiam que tinham como funcionárias cidadãs ilegais.

8.    O Acórdão recorrido fez errada apreciação da prova, uma vez que

9.   Absolveu o arguido A... e B... da prática de um crime de branqueamento de capitais p. e p. nos termos do artigo 368° A do CPenal,

10.Uma     vez que os absolveu da prática de um crime de auxílio à emigração ilegal;

11.Quando     o mesmo deveria ter sido condenado por tais factos face à prova produzida (direta e indireta).

12.Uma     vez que colocou em circulação dinheiro da atividade de lenocínio.

13.O   acórdão recorrido fez errada apreciação da prova, uma vez que

14. Absolveu a arguida C... de prática de um crime de branqueamento,

15.  Quando a mesma deveria ter sido condenada face à prova produzida em julgamento e face à direta e indireta, nos termos do artigo 368° A, n°s 1 e 2 do CPenal.

16. O Acórdão recorrido violou os artigos, 30.º n.º 1 e 3, 169° n.º 1, 368.º A, n.ºs 1 e 2, ambos do CPenal, artigo 182.º n.º 2 da Lei n.º 23/2007 de 04.07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 29/2012 de 09.08, artigos 410° n°s 1 e 2 alíneas b) e c) do CPPenal.

Termos em que o Acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que:

- condene o arguido A... pela prática em co-autoria, de 14 crimes de lenocínio p. e p. nos termos dos artigos 30° n°s 1 e 3 e 169° n° 1 do CPenal, e de um crime de auxílio à imigração ilegal p. e p. nos termos do artigo 183° n° 2 da Lei n° 23/2007 de 04.07 com a nova redação que lhe foi dada pela Lei n° 29/2012 de 09.08, e em autoria material, pela prática de um crime de branqueamento p. e p. nos termos do artigo 368° n° 1 do Cpenal;

- condene a arguida B... , pela prática em co-autoria, de 14 crimes de lenocínio p. e p. nos termos dos artigos 30° n°s 1 e 3 e 169° n.º 1 do CPenal, e de um crime de auxílio à imigração ilegal p. e p. nos termos do artigo 183° n.º 2 da Lei n.º 23/2007 de 04.07 com a nova redação que lhe foi dada pela Lei n° 29/2012 de 09.08;

- condene a arguida C... , em autoria material, pela prática de um crime de branqueamento p. e p. nos termos do artigo 368° A n°s 1 e 2 do CPenal.

Mas Vossas Excelências, como sempre farão a costumada

JUSTIÇA!

2.2 Conclusões do recurso interposto pelos arguidos A... e B... :

“1ª O lenocínio visa proteger bens jurídicos transpersonalistas de étimo moralista por via do direito penal, isto equivale a dizer tutelar o interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto.

2ª O crime de lenocínio previsto no art. 169º nº 1 do CP é um crime de actividade que se concretiza, apenas, mediante uma única resolução: o crime é, com intenção de obter lucro, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício de prostituição por outra ou outras pessoas.

3º É irrelevante o número de mulheres que exerceram a prostituição no bar dos recorrentes para determinar o número de crimes de lenocínio simples, devendo os recorrentes ser punidos, apenas, por um crime de lenocínio simples.

4º Os recorrentes consideram que só poderiam ter sido condenados nos autos por um crime de lenocínio simples, punido com uma pena de prisão de um ano e seis meses, suspensa na sua execução atentos os motivos invocados na douta sentença recorrida em sede de fundamentação da suspensão da pena para os quais se remete e se dão por reproduzidos.

5ª Os meritíssimos juízes “a quo” declararam perdidas as favor do estado as quantias apreendidas no quarto junto à entrada ascendendo ao montante de 34900€.

Resulta claro que mais de metade do dinheiro apreendido provinha da actividade do alterne.

A declarar-se a perda de todo o dinheiro é injusto e ofende o preceituado no art.109º nº 1 do CP.

6ª A perda de instrumentos e produtos do crime regulada no artigo 109.º, n.º 1, do Código Penal, não é uma pena, mesmo acessória, tendo uma finalidade meramente preventiva.

7ª O dinheiro não é um objecto que se mostre especialmente vocacionado para a prática de lenocínio, não existindo nos autos elementos que permitam considerar existente um perigo de utilização para a prática de outros crimes por parte dos recorrentes.

Portanto, considera-se que não poderá subsistir a declaração de perda das quantias apreendidas aos recorrentes.

Caso tal não seja entendido, pelo menos, metade das quantias apreendidas deverão ser devolvidas aos recorrentes, uma vez que a actividade de alterne que gerou, pelo menos, metade dos lucros, não é actividade criminosa.

Nestes termos, requer a V.Exªs se dignem considerar procedente e provado o presente recurso, e em consequência absolver-se os recorrentes da prática de quatro crimes de lenocínio, condenando-os num crime de lenocínio simples (art.169º nº 1 do CP), com uma pena máxima de prisão de um ano e seis meses, suspensa na sua execução; e ainda ordenar-se a restituição das quantias apreendidas aos recorrentes.”

3. Respostas aos recursos - conclusões:

3.1 Resposta do MP ao recurso dos arguidos A... e B... :

“1. O crime de Lenocínio, é um crime eminentemente pessoal;

2. pelo que os recorrentes não podem ser punidos pela prática do mesmo, na sua forma continuada,

3. uma vez que as vítimas são plúrimas.

4. Provado que está que as quantias apreendidas aos recorrentes são fruto das atividades desenvolvidas no estabelecimento comercial propriedade e que aqueles exploravam;

5. e que se encontram indissociáveis/interligadas e que no seu conjunto vão fomentar as mesmas atividades “comerciais”

6. teriam, forçosamente, que ser declaradas perdidas a favor do Estado.

7. O acórdão recorrido ao condenar os ora recorrentes na prática de actos integradores de um crime de lenocínio, em concurso, e em declarar perdidos a favor do Estado as quantias aos mesmos apreendidas, não violou o disposto nos artigos 169.º n.º 1, 109.º e 111.º, todos do CPenal.

Termos em que deve ser negado provimento ao recurso e, nesta parte, manter-se o acórdão recorrido.

Mas VOSSAS EXECELÊNCIAS, como sempre, farão a costumada

JUSTIÇA!”

3.2 Resposta dos arguidos C... , A... e B... ao recurso do MP

1ª O crime de lenocínio previsto no art. 169º nº 1 do CP é um crime de actividade que se concretiza apenas mediante uma única resolução: o crime é, com intenção de obter lucro, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício de prostituição por outra ou outras pessoas. Pelo que, há um só crime independentemente do número de prostitutas cuja actividade era fomentada.

O crime de lenocínio simples visa proteger o interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto.

2ª Deve ser considerado provado que na linha diversos era apontado o acto sexual da funcionária e que nesta expressão estava contido: shows de dança; table dance, strip-tease; zona privada.

Chegando-se a tal conclusão ouvindo os excertos dos depoimentos acima referidos de Dr. U... , L... , e M... .

3ª A interpretação que o MP pretende dar ao art.169º nº 1 do CP quanto ao bem jurídico protegido é inconstitucional, considera o recorrente que bem jurídico protegido pela norma ser a dignidade da pessoa no modo de explicitação comunitária da sua liberdade e autodeterminação sexual.

Os recorridos consideram pelo contrário que o bem jurídico protegido é o interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto, sendo esta a tese que tem permitido ao Tribunal Constitucional suportar a constitucionalidade do crime de lenocínio. (cfr. ac 144/2004 do TC)

A não ser assim, isto é o bem protegido ser a liberdade e autodeterminação sexual estaria necessariamente o art.169º nº 1 do CP ferido de inconstitucionalidade por violação dos arts.41º (liberdade de consciência) e 47º (liberdade de profissão), ambos da CRP, conjugados cm o art.18º nº 2 da CRP, conflituando e restringindo o direito à liberdade de consciência, bem como o direito de livre escolha de profissão, quer das prostitutas quer dos comerciantes.

4ª Dispõe o art.412º nº 3 e 4 do CPP que quando se impugne a matéria de facto se indicam-se os pontos de facto incorrectamente julgados, as concretas razões de discordância, especificando as provas que imponham decisão diversa da recorrida.

Não tendo sido especificadamente impugnados os factos não deve ser admitido e apreciado o recurso no tocante a esta questão.

O que ocorreu quando da impugnação efectuada pelo MP quanto ao crime de auxílio é emigração ilegal e ao crime de branqueamento de capitais.

5ªA intenção dos arguidos ao explorar aquele género de estabelecimento sempre seria o lucro e para alcançar tal objectivo não necessitava de saber se as mulheres estavam ou não em situação irregular, já que o importante era ter mulheres que atraíssem os clientes, não importando a nacionalidade daquelas, pois poderiam ser Portuguesas, Francesas, Brasileiras, israelistas, etc.

Na verdade, as condições dadas a todas as mulheres eram iguais para todas não relevando o facto de estarem ou não sem situação regular.

Sublinhe-se que os arguidos não angariavam as mulheres eram elas quem se lhes apresentavam, sendo estas livres de ir embora tal como chegaram, não existindo qualquer dependência económica da qual se pode concluir que com o serviço aí prestado tal contribuiria para a sua permanência em território nacional.

Na verdade, as ditas mulheres durante o dia tinham outras profissões, tais como a L... e M... .

Em suma, deve manter-se a absolvição dos arguidos quanto ao crime de auxílio à emigração ilegal, pela não verificação do elemento subjectivo do tipo de crime.

6ª Não se pode considerar decisivo o facto de a arguida C... cozinhar e as refeições por elaconfecionadas serem, também, consumidas pelas mulheres brasileiras. Não podendo decorrer daí a conclusão que esta sabia o que elas faziam no Bar pela noite dentro, designadamente que aí se prostituíam e /ou alternavam.

7ª “O branqueamento de capitais é todo prestidigitaçãoum truque de magia para a criação de riqueza. É, possivelmente, o mais próximo que alguém já chegou da alquimia” (Jeffrey Robinson – os branqueadores de dinheiro).

Não seria com tais pequenas quantias que os arguidos estariam a fazer “alquimia”.

O simples depósito de dinheiro numa conta bancária não integra a previsão do crime de branqueamento, por não se provar um plano finalisticamente dirigido (teoria realização plano, Klaus Roxin) a ocultar ou dissimular a origem dos bens e dinheiro, sendo facilmente reconstituíveis os movimentos financeiros.

A arguida C... desconhecia o que se passava no interior do Bar dos filhos, e os que as mulheres aí faziam, pois nunca lá entrou, se elas se prostituíam ou se só alternavam, tal nem sequer por si foi concebido.

O crime de branqueamento de capitais carece de um plano entre os arguidos dirigido à ocultação da origem ilícita do dinheiro, porém tal não está comprovado nos autos, tal como no tango são necessários dois para que o mesmo seja dançado.

Assim, deve manter-se a absolvição da arguida conforme decidido na 1ª instância.

Nestes termos, requer a V.Exªs se dignem considerar improcedente e não provado o presente recurso, e em consequência manter-se o douto acórdão proferido em primeira instância, sem prejuízo do recurso interposto pelos arguidos A... e B... .”


4. Os recursos interpostos foram admitidos, para este Tribunal da Relação de Coimbra, por despacho constante de fls. 2741.

5. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu o seguinte parecer:

“(…)

4. Quanto ao recurso do Ministério Público, dir-se-á que se nos afigura ter razão nas diversas questões suscitadas quanto à apreciação da matéria de facto efectuada pelo tribunal recorrido, bem assim quanto à apreciação da matéria de direito.

4.1 Quanto à primeira questão, seguindo o entendimento do douto acórdão recorrido quanto ao bem jurídico protegido pelo art. 169.º, n.º 1 do C. P. que o Ministério Público também aceita, haverá que ter em conta a motivação do Ministério Público neste aspecto quando pede a condenação por 14 crimes de lenocínio.

Mas, antes de mais, reafirmar-se-á o nosso apoio à tese perfilhada, sem ignorar a divisão da jurisprudência sobre a matéria no que respeita à definição do bem jurídico em causa que tem como efeito a opção pela subsunção à prática de um só crime de lenocínio, independentemente do número de mulheres que sejam exploradas em termos económicos no exercício da prostituição pelos arguidos, ou pela prática de tantos crimes quantas as mulheres que sejam exploradas pelos arguidos.

Existe controvérsia jurisprudencial e doutrinal, embora arrisquemos afirmar que a opção jurisprudencial pela condenação pela prática de um só crime surgiu posteriormente, alterando orientação anterior.

E, curiosamente tem-se mantido quando foi introduzido o n.º 3 no art. 30.º do C. P. para tentar acabar com a controvérsia sobre a matéria pois que já havia quem defendesse mesmo face à anterior redacção do art. 30.º (sem o actual n.º 3), que quando estavam em causa bens de natureza eminentemente pessoal, deveria ser excluída a possibilidade de unificação sob a forma de crime continuado e que, por isso, não era defensável que se punisse com um só crime. “Resulta da própria natureza das coisas, indiscutível e formulada pela doutrina(neste sentido Maia Gonçalves, CPP anotado edição de 1999, pág. 155 em anotação ao art. 30.º)

Ora, estaremos todos de acordo que, quando se trata de bens iminentemente pessoais, em termos doutrinais e de alguma jurisprudência anteriormente e agora face ao preceituado no art. 30.º, n.º 3 do C. P. que não estaremos perante um só crime ou perante a figura do crime continuado, quer quando a vítima é a mesma, quer quando se trata de várias vítimas do mesmo crime da mesma ocasião.

Porém, a questão colocada nos autos deriva de outro aspecto que tem a ver com a definição do bem jurídico protegido pela norma penal do crime de lenocínio.

A jurisprudência que entende tratar-se de um só crime, conforme bem explicita - em ambas as teses - o acórdão da Relação do Porto de 13-2-2008, relatado pela Dr.a Élia São Pedro, in www.dgsi.pt, concluindo este pela tese que não defendemos, situa a questão no facto de considerar que no crime de lenocínio não se protege a dignidade da pessoa humana, que não tem a ver com a liberdade de determinação sexual e, por isso, não se trata da protecção de bens eminentemente pessoais.

Mais, faz a distinção no mesmo tipo legal de crime, uma distinção entre o n.º 1 - Lenocínio simples - e o n.º 2 - Lenocínio agravado, para afirmar que nos mesmos números do mesmo artigo estão em causa bens jurídicos diferentes, reafirmando que no primeiro não se protege a livre determinação sexual e no segundo protege-se essa liberdade.

Ora, devemos dizer que a apontada alteração jurisprudencial se deu com a mesma redacção do tipo legal de crime, no que é essencial para a presente discussão.

Neste sentido e contrariamente ao que vem sendo afirmado e decidido, importa anotar as consequências da integração do elemento sistemático do Código Penal, como elemento da interpretação da lei.

Assim, o art. 169.º do C. P. (anterior 170.º) faz parte do capítulo V que tem por título “Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual” e da Secção I que tem por título “Dos crimes contra a liberdade sexual. ”

A ser deste modo, como aliás, se vem mantendo ao longo de várias e sucessivas alterações legislativas ao código penal, permaneceu intocada a referida sistematização do Código e fica contrariado o argumento jurisprudencial de que o crime de lenocínio, mesmo na modalidade do n.º 1 - lenocínio simples - nada teria a ver com a liberdade de determinação sexual da vítima. Tem a ver com a liberdade de determinação, porque o próprio legislador o afirma.

Com efeito, os crimes designados contra a autodeterminação sexual constituem a secção II do mesmo capítulo V e a partir do art. 171.º do C. P. protegem as normas os bens jurídicos de que são vítimas menores e crianças.

Para ir concluindo nesta parte, por dizer que nos parece dever defender-se o entendimento doutrinal e jurisprudencial de que no crime lenocínio nas suas várias modalidades se protegem bens iminentemente pessoais, que têm a ver com a dignidade humana e com a liberdade sexual, no caminho que o próprio código penal aponta.

E, nesta medida, comete tantos crimes de lenocínio quantas as mulheres vítimas da exploração sexual por parte de um arguido.

4.1.1 Nesta linha de argumentação e em concordância com a motivação do Ministério Público, designadamente, quanto à contradição insanável entre a motivação e decisão de facto, foram mais as situações concretas de mulheres encontradas, através da prova, como estando a ser exploradas pelos arguidos.

Assim sendo, de acordo com a motivação do Ministério Público e mantendo a orientação do douto acórdão recorrido deverá considerar-se provado que foram vítimas da prática do crime também as indicadas, concretamente no ponto 34, al. b) da matéria provada, com as consequências supra referidas.

4.2 Quanto ao pedido de condenação dos arguidos A... e B... pela prática do crime de auxílio à emigração ilegal, acompanhamos de igual modo a posição do Ministério Público.

Atenta a matéria já dada como provada e tendo como referência a prova indicada pelo Ministério Público na sua motivação de recurso revela-se um conjunto de elementos de prova produzidos em audiência que não foram objecto de apreciação crítica da prova, quer no sentido de a admitir quer no sentido de a excluir de forma motivada.

Deste modo e dada a pertinência da prova indicada e da sua relevância, nos parece que deveria ter sido dado como provado que os arguidos sabiam perfeitamente que estavam a explorar a actividade sexual de mulheres estrangeiras de nacionalidade brasileira que se encontravam no país em situação ilegal.

E, em consequência serem dados como provados os factos indicados como não provados nos pontos n°s 6 e 7, bem assim os pontos n.ºs 10 e 11 da matéria não provada.

Donde se extrai como consequência, com base na matéria já provada (cfr. designadamente, os pontos 26,27,28, e 30) e nos apontados factos a provar, a condenação dos arguido pela prática do apontado crime, usando como jurisprudência neste sentido o acórdão da Relação do Porto de 11-09-2013, citado pelos próprios arguidos no seu recurso, a fls. 2733, na medida em que considera que comete o crime de auxílio à emigração ilegal, o arguido que “permite” no seu estabelecimento cidadãs estrangeiras a “trabalhar” na actividade de alterne e prostituição, auferindo rendimentos para o seu sustento ao mesmo tempo que lhes facilita a permanência em Portugal.

4.3 Quanto ao crime de branqueamento de capitais distingue a recorrente duas situações.

A do arguido A... em que defende que, em face da matéria provada, deveria o mesmo ser condenado pela prática deste crime. Apenas se acrescentando que, em face da factualidade já dada como provada, deveria por consequência à luz das regras da experiência comum ser dado como provado o elemento subjectivo da infracção indicado no ponto n.° 13 da matéria não provada.

Assim se concordando com a alegação e pedido de condenação do arguido pela prática do referido crime.

De igual modo se acompanha a solicitada alteração da matéria de facto com referência à arguida C... em face das provas indicadas, na medida em que a decisão recorrida considera que a mesma não conhecia bem as actividades delituosas do filho, como, aliás, até se prova a sua colaboração com trabalho seu no referido estabelecimento.

Tudo para concluir que, em concordância com o recurso do Ministério Público, este nos parece dever ser julgado procedente.

5. Quanto ao recurso conjunto dos arguidos A... e B... :

5.1 Dir-se-á que em relação ao pedido de condenação pela prática de um só crime de lenocínio em lugar da condenação pela prática de 4 crimes de lenocínio, acompanhando a resposta do Ministério Público, em tese apenas se referirá que se dá por reproduzida a nossa posição supra indicada no ponto n.º 4.1 a propósito desta mesma questão, nada mais se afigurando necessário acrescentar.

5.2 Quanto à declaração de perdimento a favor do Estado das quantias apreendidas também nos parece que não merece censura a declaração de perdimento em face da matéria provada, mostrando-se justificado o perdimento porque consideradas as quantias relacionadas com as actividades delituosas dos arguidos A... e B... e como resultado dessas mesmas actividades, atento o que dispõe o art. 111.o do C. P.

Deverá, assim, ser julgado improcedente o recurso dos arguidos.

*

Nestes termos, acompanhando o Ministério Público na Ia instância, somos de parecer que o recurso deverá proceder e, quanto ao recurso dos arguidos deverá ser julgado improcedente.”

*

6. Responderam os arguidos C... , A... e B... :

Quanto ao parecer dado relativamente ao recurso dos arguidos A... e B...

Sem prejuízo do já alegado no recurso pelo arguido, dir-se-á,

O art.169º nº 1 do Código Penal protege um bem jurídico, de natureza constitucional, que é a dignidade da pessoa humana, constitutiva de um dos princípios fundamentais da República Portuguesa, conforme artigo 1.º da Constituição da República, assumindo-se como uma dimensão de tutela jurídico-penal da garantia da dignidade humana, constitucionalmente consagrada e, protegida constitucionalmente pelo artigo 26.º/2 da Constituição, aqui na vertente da dignidade, ínsita à auto-expressividade sexual co-determinando tal inciso, axiológico-normativamente, a expressividade comunitária do modo de exercício do direito à liberdade e autodeterminação sexual, ou dito de outro modo, vinculando esse exercício de autodeterminação sexual, com projecção e relevância ético-sociais, à dignidade da pessoa, de forma a que esta não constitua mera mercadoria, mero instrumento de prestação sexual, ainda que com o consentimento da vítima, explorada profissionalmente ou com intenção lucrativa por outrem.

A propósito dos interesses jurídicos tutelados pela norma, tem-se entendido:

O STJ no Acórdão de 7 de Novembro de 1990, in BMJ 401.º/205, que, “através do crime de lenocínio não é a prostituta que a lei quer proteger mas o interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto”;

No mesmo sentido já havia decidido este Tribunal da Relação de Coimbra, no seu Acórdão de 12 de Junho de 1985.

O Tribunal da Relação do Porto, em aresto de 18 de Junho de 1991, que, “o interesse jurídico protegido pelos artigos 215.º e 216.º C Penal de 1982, versão original, não é de natureza eminentemente pessoal, mas social, no sentido da protecção dos valores ético-sociais da sexualidade, na comunidade”;

O Acórdão do STJ de 26 de Fevereiro de 1986, que, “o bem jurídico é o da liberdade individual, no aspecto sexual”.

O Acórdão do mesmo Tribunal de 19 de Março de 1991, no processo 41.428-3.ª, que “no crime de lenocínio se visa a punição dos actos que põem em causa, de forma relevante, os valores da comunidade e de concepções ético-sociais dominantes, devendo abranger sobretudo os actos que visam facilitar, explorar ou comercializar a entrega de mulheres.”

Dilucidando a verdadeira natureza do ilícito em causa, ainda referimos o recente Acórdão do STJ, de 21 de Outubro de 2009.

Face ao exposto, consideram os recorrentes que a sua condenação no crime de Lenocínio só pode ser por um único crime e não pelos que foram condenados pelo tribunal “a quo”, uma vez que através do crime de lenocínio não é a prostituta que a lei quer proteger mas o interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto (neste sentido tb. Ac. Rc de 12-04-2011 in www.dgsi.pt).

Quanto ao parecer dado relativamente ao recurso do MºPº

O supra exposto aplica-se necessariamente à tese defendida pela acusação no seu recurso quanto ao lenocínio, pelo que se reitera o seu teor.

Quanto às demais matérias objecto de recurso, dir-se-á sem prejuízo do já alegado em sede de contra-alegações:

O tribunal, teve sempre presente os princípios e regras legais sobre os meios de prova admissíveis, modos de obtenção e força probatória legalmente conferida, formou a sua convicção de forma livre e à luz das regras da experiência – artº. 127º, do CPP -, tendo em conta que tais regras não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes, se reconduziu, fundadamente, nas provas produzidas, sem esquecer, no entanto, que os critérios da experiência comum e a lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica se bastam com a descoberta da verdade material e não exigem a busca da verdade ontológica, transcendental, porventura inalcançável, nem uma livre e ilimitada especulação projectada para hipótese segundo o gosto e capacidade de cada ser pensante, jurista ou não.

Assim, os recorridos afirmam que o recurso e o parecer do MºPº se firma em impressões subjectivas, intuições e convicções pessoais sem qualquer base fáctica segura que as suporte o que não admissível e desaconselhável.

Assim, deve o douto acórdão manter-se inalterado na parte em que absolveu os arguidos.”

7. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

*


II - FUNDAMENTAÇÃO


1. O acórdão recorrido configura a
factualidade provada e não provada da forma seguinte (transcrição):

“- Da acusação/pronúncia:

A sociedade “ W..., Ldª”, desde o ano de 2000 e pelo menos até ao ano de 2010, foi proprietária do estabelecimento comercial denominado “ Y... Bar”- também conhecido pelo nome de “ W... II”-,sito na (...) , sendo inicialmente composto por um restaurante, café e pub-bar.

Em Junho de 2004, a referida sociedade cedeu a exploração daquele espaço ao arguido A... , mediante a renda mensal de € 750,00, tendo o arguido, como empresário em nome individual e em conjugação de esforços e execução de prévio acordo com a arguida B... , ao tempo sua companheira, transformado tal estabelecimento num bar onde, pelo menos desde o início do ano de 2005 e até ao dia 3 de Maio de 2009, foi exercida a actividade de alterne e prostituição, sob a directa orientação dos arguidos.

E por forma a ali ser desenvolvida a actividade de alterne e prostituição, os arguidos A... e B... realizaram obras de reconversão do espaço, tendo encerrado a parte do estabelecimento que servia de restaurante, aumentando a área do bar.

Assim, após as referidas obras, o bar passou a ser constituído por duas salas ligadas entre si por uma porta de vidro e com um balcão corrido que acompanhava ambas as salas, sendo que uma dessas salas funcionava como “reservado” e para aceder à mesma os clientes tinham que pagar um “copo” a uma das funcionárias do bar, sendo ali permitido algum contacto físico entre estas e os clientes.

Por seu turno, a sala principal tinha ligação a um corredor, no qual existiam três “privados” e uma porta falsa.

O referido estabelecimento dispunha ainda de uma área interior, utilizada como armazém, na qual existia uma porta de acesso ao pátio exterior do bar, um escritório pessoal dos arguidos, uma divisão utilizada para as funcionárias do bar trocarem de roupa, duas casas- de- banho, uma cozinha que apenas funcionava para a confecção de refeições para os funcionários do bar, bem como uma porta de acesso ao pátio exterior situado nas traseiras do estabelecimento.

E nessas traseiras do estabelecimento, para além de existir um armazém que servia de garagem e arrumos, existiam outras instalações que serviam de habitação aos arguidos e ainda cinco quartos utilizados pelos arguidos para fornecer alojamento a algumas das referidas cidadãs.

Acresce que para o desenvolvimento da referida actividade de prostituição os arguidos criaram nesse pátio exterior existente nas traseiras do aludido estabelecimento (numa área anteriormente referenciada como armazém/garagem) quatro quartos.

Nesses quartos não existiam quaisquer objectos pessoais, sendo utilizados para a prática de actos sexuais entre as mulheres que ali trabalhavam, cidadãs estrangeiras, e os clientes.

10º

Cada dois quartos partilhavam uma casa-de-banho comum e no corredor comum desses quartos existia um armário onde os arguidos colocavam embalagens de lençóis descartáveis para serem utilizados nas camas.

11º

O bar funcionava todos os dias desde as 22H00, com excepção dos domingos em que funcionava a partir das 16H00, e, não obstante possuir apenas alvará de utilização apenas até às 02H00, funcionava até que não houvesse clientes.

12º

No estabelecimento trabalhavam diariamente número indeterminado de mulheres, sendo que era costume circularem pelo bar para aí desenvolverem a actividade de alterne e prostituição.

13º

Com efeito, no aludido estabelecimento, nas condições descritas e sob as orientações dos arguidos A... e B... , as mulheres referidas, maioritariamente cidadãs estrangeiras, faziam companhia aos clientes que se encontravam dentro do espaço do bar e aliciavam tais clientes ao pagamento de bebidas, vulgo “cocktails” ou “copos”, bem como aliciavam os mesmos à prática de acto sexuais nos mencionados quartos anexos ao bar.

14º

Os clientes pagavam pelos aludidos ”copos” montantes que variavam entre os € 15,00 e os € 30,00, sendo que o preço era no mínimo € 15,00, sendo que se pagassem um “copo” no valor de e 25,00 poderiam acompanhar as mulheres para o mencionado reservado e as mulheres que ali trabalhavam ganhavam metade dos valores referidos e o remanescente revertia para os arguidos, existindo idêntica percentagem nas situações em que o cliente pagava à mulher uma garrafa de champanhe com os valores de € 75,00 ou € 100,00.

15º

Os clientes praticavam actos sexuais com as referidas mulheres nos aludidos quartos anexos ao bar pagavam, por trinta minutos, o montante variável entre € 45,00 e € 50,00, sendo que a mulher em causa ganhava, respectivamente, € 30, 00 ou € 35,00 e o remanescente revertia para os arguidos.

16º

Nas ocasiões em que o cliente desejava sair daquele local para a prática de actos sexuais noutro local, o mesmo pagava o montante de € 250,00 pela prática de tais actos, sendo que € 200,00 revertiam para a mulher e € 50,00 para os arguidos.

17º

Para efeitos de organização da actividade ali desenvolvida, designadamente para controlo dos consumos de bebidas realizados e actos sexuais praticados, os arguidos utilizavam cartões de consumo, os quais eram distribuídos aos clientes pelo porteiro e, por seu turno, os arguidos forneciam tais cartões às mulheres que ali praticavam a actividade de alterne e prostituição com os respectivos nomes manuscritos, processando o registo nos referidos cartões da seguinte forma:

- nos cartões de consumo que eram entregues aos clientes à entrada do bar eram apontados os consumos efectuados pelos clientes no bar, assim como as bebidas pagas às mulheres que aí trabalhavam, sendo o preço o supra referido, bem como eram aí apontados, na linha de “diversos”, os actos sexuais praticados, sendo registado o valor a pagar pelos mesmos com os preços supra mencionados;

- por seu turno, nos cartões das mulheres eram registadas as bebidas pagas pelos clientes, bem como os pagamentos dos actos sexuais, os quais eram apontados na linha de “ diversos”.

18º

Assim, uma vez aliciado o cliente para a prática do acto sexual nos termos referidos e depois do cliente e a mulher em causa acordarem no valor em concreto a pagar para a consumação de tal actos, dirigiam-se ambos ao balcão do bar onde entregavam a um dos arguidos os respectivos cartões.

19º

Nessa altura, os arguidos cobravam o montante a pagar e, assim, o cliente procedia ao pagamento de todos os consumos registados no seu cartão, bem como ao pagamento do acto sexual,

20º

Enquanto o cartão da mulher era guardado no balcão e era entregue uma chave de acesso aos quartos para a prática do acto sexual e a arguida B... apontava num bloco A5, que se encontrava junto à caixa registadora, os valores pagos e a funcionária que realizava o acto sexual - cfr. fls. 2 do Apenso A5.

21º

Após tal pagamento pelo cliente, a mulher e o cliente saíam do edifício do bar para o pátio exterior localizado nos termos supra descritos, dirigindo-se para os quartos anexos onde consumavam o acto sexual.

22º

Tais quartos apenas tinham o referido uso, sendo que para tal efeito era utilizado um lençol descartável, o qual era recolhido num armário existente no hall de entrada dos quartos e que era adquirido e ali colocado pelos arguidos, sendo que o preservativo eventualmente utilizado no acto sexual era da responsabilidade das mulheres.

23º

Após a consumação do acto sexual, a mulher em causa voltava ao bar e entregava a chave do quarto utilizado aos arguidos, recebendo o respectivo cartão.

24º

Ambos os arguidos orientavam assim a actividade de alterne e prostituição que se desenvolvia no referido no período mencionado, sendo que para tal efeito tanto o arguido A... como a arguida B... durante o período de funcionamento do estabelecimento costumavam estar no bar, atrás do balcão, a servir bebidas, a entregar as chaves de acesso aos quartos, a apontar os consumos nos respectivos cartões e a receber os pagamentos nos termos descritos.

25º

E, no final de cada noite de trabalho, os arguidos faziam a caixa e pagavam às mulheres que ali trabalhavam nos moldes descritos, sendo que algumas delas apenas recebiam à semana ou de quinze em quinze dias.

26º

Desta forma, no referido período, os arguidos admitiram a trabalhar para tal efeito no aludido estabelecimento várias mulheres de nacionalidade estrangeira, designadamente brasileira, sendo que para o recrutamento de tais mulheres, os arguidos utilizavam o sistema do “passa palavra” entre as próprias cidadãs estrangeiras e nomeadamente ali se encontravam com tal finalidade e por tempo variável: G... , H... , I... e J... ( L... ,  M... também ali trabalhavam, mas apenas desenvolviam a actividade de alterne).

27º

Porém, as referidas mulheres de nacionalidade brasileira entraram em Portugal sem visto de trabalho, usando da faculdade dada aos cidadãos de nacionalidade brasileira de entrar em Portugal por um período de noventa dias com o objectivo de fazer turismo ou seja ao abrigo do acordo de supressão de vistos para estadas de turismo que não excedam três meses, quando lhes era exigido o visto de trabalho pois o propósito da sua vinda para Portugal era o de trabalharem, sendo certo ainda que algumas dessas mulheres já se encontravam em Portugal por período superior.

28º

Os arguidos propiciavam as mulheres forma de sustento, ao dar-lhes condições para a prática de alterne e de prostituição; nos quartos existiam sistemas de alertas, e no interior do bar havia uma parede falsa

29º

Nenhuma das referidas mulheres teve qualquer contrato de trabalho escrito com os arguidos A... e B... .

30º

De resto, os arguidos A... e B... no primeiro dia de trabalho de novas funcionárias no referido estabelecimento, instruíam as mesmas sobre o modo de funcionamento do bar, nomeadamente o alterne e a prostituição, horários, percentagens e procedimentos a tomar em caso de fiscalização ao bar por qualquer entidade policial

31º

Acresce que os arguidos A... e B... , e de forma a garantir a presença diária de um elevado número de funcionárias, impunham àquelas que trabalhavam diariamente no bar, um mecanismo de “multas”, caso fizessem mais do que uma folga numa semana e, desse modo, a funcionária tinha de entregar aos arguidos o valor de € 50,00, que servia de caução, sendo que caso a mulher não faltasse nos quinzes dias seguintes, esse dinheiro ser-lhe-ia devolvido.

32º

A algumas das referidas mulheres os arguidos A... e B... chegavam a propiciar domicílio, sendo que relativamente a outras era o próprio arguido A... , depois de ter sido despedido um dos funcionários, que conduzia a viatura de marca Renault, modelo Trafic, de cor branca, matrícula (...) - registado desde 20 de Março de 2008 em nome da arguida C... (cfr. fls. 149) - recolhendo as mulheres, em regra, em Castelo Branco e as transportava para o bar, efectuando o trajecto inverso no final da noite - cfr relatórios de vigilância de fls. 115 a 122.

33º

Os arguidos A... e B... orientavam, assim, a actividade de tal estabelecimento, preparando-o para nele designadamente se praticar prostituição remunerada, admitindo as mulheres em causa e procurando atrair clientes para o efeito.

34º

De tal forma que no dia 3 de Maio de 2009, na sequência de cumprimento de mandado judicial para o efeito, foi apreendido nas instalações do referido estabelecimento Bar “ Y...” e anexo, diverso material relativo à mencionada actividade, conforme autos de busca e apreensão de fls. 455 a 457- cfr. Apenso A a A6- e 462 a 463- cfr Apenso B-, cujo teor aqui se dá por reproduzido, designadamente:

- na zona dos quartos anexos ao bar, onde eram consumados os actos sexuais entre as cidadãs estrangeiras funcionárias do bar, e os clientes: cinquenta e três lençóis descartáveis que se encontravam num armário existente no corredor comum de acesso a tais quartos - cfr Apenso A-; um lençol descartável e um preservativo usado e respectiva embalagem num dos quartos (2) e um lençol descartável usado e um preservativo usado e respectiva embalagem noutro quarto - cfr. Apenso A1;

- no bar:

a) no escritório: trinta e sete talões de fecho de caixa, seis notas de pagamento referentes à aquisição de tabaco, quatro listagens de operações de multibanco da XY... referentes tais operações Multibanco por fecho do TPA Nº (...), em nome do arguido A... , tendo sido cobrados pagamentos a clientes, no período compreendido entre 2 de Julho de 2005 e 31 de Julho de 2005, o montante global de € 2935,00 e, no período ente 1 de Novembro de 2005 a 30 de Novembro de 2005, o valor total de € 1685,00- cfr Apenso A2-;

b) no balcão do bar da área dos provados:

• setecentos e sessenta e oito (768) talões de Multibanco - cfr Apenso A3 - fls. 1 a 98-, sendo tais talões referentes a pagamentos efectuados através dos dois terminais de Multibanco (TPA) nºs (...) e (...), apreendidos, e cobrados aos clientes para os efeitos referidos, nos seguintes valores totais mensais relativo ao ano de 2009: Janeiro - € 7136,30 (só de um terminal); Fevereiro - €4304,30 + 10.701,00=€15.005,30; Março -€7695,45 + € 7077,00=14.772,45; Abril - €14.098,00+€ 5599,90= €19.697,90; Maio (com movimentos até ao dia 2)- € 460,00+€668,50= € 1.128,50

• cento e quarenta e nove talões de fecho e abertura de multibanco, quatro rolos da caixa registadora, cento e oitenta e quatro (184) cartões de consumo referentes a dívidas de clientes - cfr Apenso A4- sendo que quanto a estes últimos (fls. 22 a 52):

- os cartões utilizados para apontar as bebidas pagas pelos clientes às funcionárias, bem como os actos sexuais praticados entre as mesmas e os clientes, eram identificados com os nomes manuscritos das respectivas funcionárias, designadamente: CCC..., DDD..., EEE..., H... , GG... , FFF..., OO ..., GGG..., HHH..., III..., JJJ..., QQ..., LLL..., RR..., SS..., TT..., UU..., MMM..., NNN..., OOO..., PPP..., QQQ..., RRR..., SSS..., TTT... e UUU...;

- tais cartões utilizados para apontar os consumos dos clientes eram numerados, sem ser possível identificar uma sequência cronológica;

- na linha de “diversos”era apontado o acto sexual da funcionária com o cliente, sendo que no cartão da funcionária era apontado a realização de um acto sexual ou da percentagem a auferir pela funcionária (sublinhado a vermelho) e nos cartões dos clientes era apontado o valor a pagar pelo acto sexual (sublinhado)

- sendo os valores cobrados pelas bebidas €10 whisky velho, € 5 whisky novo; € 50 Gr. Whisky novo, € 5cerveja, €5 sumos, € 15 cocktails, € 25 cocktails, € 30 cocktails especial, € 40 mini champanhe, € 75 Champanhe;

c) no balcão do bar da bôite-

- uma lista de preços(afixada na parede)- cfr Apenso A5 fls. 1 - onde consta que todas as bebidas têm o valor de € 5,00, com excepção de whisky velho que apresenta o valor de € 10,00;

- um bloco de notas sem capa, contendo indicações manuscritas referentes a nomes e quantias numéricas(cfr Apenso A5fls 2) onde os arguidos registavam as bebidas pagas pelos clientes às funcionários no valor de € 15 e € 25, bem como os actos sexuais praticados entre os clientes e as funcionárias para melhor controlo para efeitos de pagamento das respectivas percentagens de € 35,00 às funcionárias no final de cada dia ,

- um bloco de notas de capa amarela 8(cfr Apenso A5 fls. 3), contendo indicações manuscritas referentes a nomes e quantias monetárias relativas a dívidas para com os funcionários com diversas funções no bar, designadamente segurança, porteiro, músido/Dj; ,

- vinte um (21) recibos de caixa datados entre 3 de Abril a 2 de maio de 2009 (cfr Apenso A5fls 4 a 6),

- vinte e um (21) cartões de consumo das funcionárias, com os respectivos nomes manuscritos (cfr Apenso A5 fls. 7 a 10), designadamente CCC.... H... , GG... , OO ..., PP..., QQ..., RR..., SS..., TT..., UU..., VV..., XX..., HH... , ZZ..., AAA..., UU... 2 e BBB..., sendo tais cartões utilizados para apontar as bebidas pagas pelos clientes, bem como os actos sexuais praticados entre as mesmas e os clientes e na linha de “diversos”era apontado o acto sexual da funcionária, sendo manuscrito o valor da percentagem a auferir pela funcionária e o número de actos sexuais praticados(sublinhado) ,

- três talões de multibanco,

- um rolo da caixa registadora,

- quantia monetária existente na caixa registadora consistindo em 5 notas de € 5,00, 19 notas de € 10,00, 35 notas de e 20,00, 4 notas de e 50,00 e 1 nota de €100,00, ascendendo o total ao montante de € 1215,00

d) junto ao porteiro/segurança - cfr. Apenso A5 (fls12 a 21) : cinquenta e seis cartões de consumo de clientes, em que na linha de “diversos” era apontado o acto sexual do cliente com a funcionária, sendo manuscrito o valor a pagar pelo acto sexual(sublinhado) e com os valores cobrados das bebidas € 5 whisky novo, € 60 Gr. Whisky Velho, € 5 cerveja, € 5 sumos, € 15 cocktails, €25 cocktails;

- no anexo ao bar - cfr. Apenso B:

a) (fls1) no quarto arrecadação:

seis cartões de consumo da funcionária com o nome “ AR....”, onde eram apontadas as bebidas pagas pelos clientes à funcionária, bem como os actos sexuais praticados com os clientes e na linha de “diversos” era apontado o acto sexual da funcionária com o cliente, sendo o registo por cada acto sexual, recebendo a funcionária € 30,00;

b ) no quarto junto à entrada:

- (fls4) caderneta do banco XY... referente à conta bancária nº (...) pertencente ao arguido A... e à sua mãe C... e a que estava associado o terminal de multibanco (TPA) (...) , relativa ao período compreendido 16 de Outubro a 22 de janeiro de 2008

- a quantia monetária que se encontrava em cima do armário, consistente em 464 notas de € 50,00, 67 notas de € 100,00, 10 notas de 200,00 e 6 notas de € 500,00, ascendendo ao montante global de € 34.900,00;

35º

Nessa mesma ocasião, foram surpreendidas nos referidos quartos anexos ao “ Y... Bar - Night Club” a manter relações sexuais duas cidadãs brasileiras encontrando-se a utilizar para o efeito os objectos apreendidos no Apenso A 1

36º

No âmbito da actividade assim desenvolvida os arguidos A... e B... no período compreendido entre o dia 19 de Outubro de 2007 a 22 de Janeiro de 2008 cobraram a clientes, através do terminal TPA nº (...) a quantia de € 34.002,36 e foram efectuados levantamentos ou emitidos cheques da conta da XY... nº (...) no valor total de € 34.274,14 - cfr. fls. 4 de Apenso B e fls. 14 e 15 de Apenso A2

37º

Actuaram os arguidos A... e B... , de forma reiterada e em comunhão de esforços e execução de prévio acordo, fomentando, favorecendo e facilitando o exercício de relações sexuais, a troco de dinheiro, contratando aquelas mulheres também para tal efeito, com o propósito concretizado de obter lucros à custa da exploração da prostituição.

38º

O arguido A... , fez vários depósitos em numerário, na conta nº (...) da XY... titulada pela sua mãe, arguida C... e pelo arguido, designadamente:

- no montante de € 200, 00 no dia 10 de Janeiro de 2006- cfr. fls. 16 de Apenso A2;

- no montante de € 907,50 no dia 22 de Janeiro de 2008- cfr fls. 2 de Apenso B;

39º

Na sequência de cumprimento de mandados de busca à residência da arguida C... , sita na (...), foi apreendido:

• documento de extracto de instrumentos financeiros da XY... datado de 6 de Fevereiro de 2009 em nome da arguida C... referente ao produto Caixa Seguro Valorização no valor de € 6 796,41 relativa à conta supra mencionada - cfr. fls. 8 de Apenso C;

• extracto bancário do banco K...em nome da arguida C... , datado de 31-3-2009- cfr. fls. 5 de apenso C, sendo que tal arguida, tendo como ganhos mensais uma pensão no valor de € 200, 00 e um vencimento de cerca de € 500,00, em Junho de 2004 tinha uma aplicação financeira de € 18.132,19 (cfr. fls. 710) e em Março de 2009 a mesma aumentou para € 36.500,00;

40º

Actuaram os arguidos A... e B... de modo livre e voluntário, sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei.

- Da discussão da causa e dos autos, com relevo para a decisão de mérito:

1- Constam dos relatórios sociais relativos aos arguidos os seguintes factos:

A... descende de um contexto familiar de baixo estrato social e económico em que os pais trabalhavam como assalariados rurais em quintas e propriedades agrícolas. O arguido tem uma irmã mais velha.

O pai faleceu vítima de acidente de trabalho quando o arguido contava 5 anos de idade, tendo o seu processo de desenvolvimento sido assegurado posteriormente pela figura materna.

O arguido realizou o percurso escolar em (...), tendo concluído o 10.º ano da escolaridade.

Posteriormente ingressou num curso de formação profissional de técnico de electrónica no IEFP de Castelo Branco. Não completou esta formação, tendo por vontade própria, abandonado a vida escolar e optado por ingressar no mundo laboral.

Aos 19 anos começou a trabalhar numa serralharia, actividade que exerceu aproximadamente durante quatro anos. Mais tarde decidiu começar a trabalhar por conta própria na exploração de um bar, estendendo depois esta actividade para outras relacionadas com a diversão na vida nocturna e a prática de alterne.

Aos 24 anos iniciou um relacionamento afectivo com B... , co-arguida no presente processo, tendo em conjunto de esforços com a mesma procedido à exploração da actividade acima mencionada. Este relacionamento veio a terminar em período coincidente com a presente situação jurídico-penal. Desta relação descende uma filha, D..., com 6 anos. A menor frequenta o infantário em (...) e vive com o pai, beneficiando da colaboração e apoio diário da avó paterna.

O arguido veio posteriormente a ter uma outra filha de outro relacionamento, a qual vive com a mãe na zona de (...) – Fundão.

O arguido iniciou o relacionamento actual há cerca de dois anos.

A... não manteve contactos anteriores ao actual processo com o sistema de justiça.

A... vive com a companheira actual e a filha. A companheira, VVV..., tem 26 anos, é de nacionalidade romena, está desempregada e vai colaborando com o companheiro na actividade que este exerce actualmente como comerciante de artigos para cafés e bares. A companheira encontra-se grávida, encontrando-se em avançado estado de gestação. A filha do arguido, com 6 anos, frequenta o infantário em (...) e beneficia da colaboração e apoio diário da avó paterna, passando bastante tempo na sua companhia.

O arguido reside em habitação cedida pela mãe, na qual efectuaram obras de recuperação e melhoramentos, com boas condições de habitabilidade, localizada em (...).

A... trabalha por conta própria como comerciante de artigos para máquinas de diversão em cafés e bares, tendo constituído uma empresa em nome individual. Apresenta receitas mensais variáveis que dependem do volume da actividade realizada, mas que o arguido considera satisfazerem de forma condigna as necessidades de manutenção do agregado familiar.

O arguido apresenta as suas rotinas ocupadas com as funções laborais.

Não tem horários rígidos para cumprir, gerindo a sua actividade de acordo com as necessidades solicitadas.

Refere não ter actividades estruturadas para ocupação dos tempos livres, optando por os ocupar a descansar e no convívio familiar.

Junto dos OPC locais não nos foram emitidas opiniões desfavoráveis acerca do arguido, constituindo o presente processo o seu único contacto com o sistema de justiça.

No meio o arguido tem adoptado um comportamento isento de conflitos.

O arguido é primário.

*

B... descende de um contexto familiar económica e socialmente desfavorecido. Os pais separaram-se há vários anos, na fase da adolescência da arguida, tendo esta continuado a viver junto do pai. Deixou de manter contactos com a mãe, devido a alegados desentendimentos e conflitos entre ambas que culminaram na respectiva ruptura relacional. A arguida tem dois irmãos com quem mantém relacionamento.

B... realizou o percurso escolar em Castelo Branco, tendo concluído o 8.º ano da escolaridade. Posteriormente ingressou num curso de formação profissional de costura que não completou por falta de motivação em relação ao mesmo.

Aos 18 anos iniciou um relacionamento com F... , de quem tem um filho, com a idade actual de 11 anos, relacionamento que mais tarde entrou em ruptura.

Aos 24 anos estabeleceu nova relação afectiva com A... , co-arguido no presente processo, de quem tem uma filha que reside com o pai. O casal está separado há cerca de dois anos, tendo a arguido na altura regressado à casa paterna.

Ao nível da inserção laboral a arguida trabalhou inicialmente numa empresa de telecomunicações, actividade que manteve aproximadamente três anos, tendo depois trabalhado na área da restauração.

Durante a vigência da relação afectiva com A... ocupou-se nas actividades de funcionamento do bar e noutras relacionadas com a organização de referido espaço, actividade que abandonou com a ruptura da relação.

B... não manteve contactos anteriores ao actual processo com o sistema de justiça.

B... vive com o pai e o filho. O pai com 60 anos de idade trabalha na (...) como cantoneiro. O filho, N..., frequenta o 6.º ano da escolaridade na Escola (...) .

O agregado reside em habitação propriedade do progenitor da arguida, de construção modesta, localizada num bairro periférico da cidade, cuja via rodoviária se encontra ainda em terra batida. O interior da habitação denota fraco investimento ao nível dos cuidados de manutenção.

A arguida trabalha actualmente em pequenos biscates na área das telecomunicações e na venda de porta a porta. Apresenta baixos rendimentos e em quantias irregulares, dependendo do volume de contratos que vai efectuando.

O pai da arguida aufere um vencimento de cerca de 670,00 euros mensais, estando parte deste valor penhorado para pagamento de dívidas, facto que aliado aos fracos rendimentos de B... contribui para uma precária condição económica do agregado.

A arguida mantém um relacionamento sem conflitos com o pai, gerindo com este as receitas auferidas e a manutenção familiar, existindo entre ambos uma base de entendimento e apoio.

A arguida não apresenta rotinas estruturadas, dependendo das actividades eventuais que surgem e do ritmo das mesmas. Não tem horários rígidos para cumprir gerindo o seu tempo de acordo com as necessidades solicitadas.

B... não tem actividades estruturadas para ocupação dos tempos livres, optando por se dedicar ao convívio familiar.

Junto dos OPC locais não nos foram emitidas opiniões desfavoráveis acerca da arguida. No meio existe uma opinião neutra sobre a mesma.

A arguida é primária.

*

C... é viúva e vive só. Tem uma neta com 6 anos, filha de A... que permanece bastante tempo na sua companhia, colaborando a arguida nos cuidados quotidianos a proporcionar à neta, em comunhão de esforços com o pai da mesma.

A arguida reside em habitação própria, tipo moradia, na qual habita há vários anos, com boas condições de habitabilidade, localizada em (...).

C... é operária fabril na fábrica (...) em (...). Aufere um vencimento de, aproximadamente, 530,00 euros mensais e beneficia da pensão de viuvez em cerca de 175,00 euros, valores estes que correspondem às suas receitas mensais. A arguida vai, pontualmente, realizando algumas horas de trabalhos domésticos e cultivando uma horta para consumo próprio, aspectos que contribuem para reforçar positivamente o orçamento doméstico.

A arguida apresenta as suas rotinas ocupadas com as funções laborais, as lides domésticas e os cuidados que disponibiliza à neta. Possui pouco tempo livre que afirma ocupar em trabalhos manuais e a bordar.

No meio e junto dos OPC locais existe uma opinião favorável acerca da arguida.

A arguida é primária

***

- Da contestação de A... :

O arguido encontra-se empregado, é pessoa trabalhadora, sendo responsável pelo sustento do seu agregado familiar.

- Da contestação de B... :

A arguida encontra-se empregada, é pessoa trabalhadora, sendo responsável pelo sustento do seu agregado familiar.

- Da contestação de C... :

1- Consta da acusação que a conta nº (...) da XY... encontra-se titulada pelos arguidos, C... e A... .

2- Trata de uma conta bancária utilizada, exclusivamente, pelo arguido A... , sendo a sua mãe (arguida C... ) totalmente alheia aos movimentos nela ocorridos a créditos e a débito desde 2004 até à presente data.

3- A arguida desconhece por completo a proveniência e as quantias que aí foram depositadas e levantadas, quer em numerário, cheque, transferência bancária e outras.

4-Quanto aos instrumentos financeiros existentes junto da XY..., em nome da arguida, C... , foram constituídos em 26/02/2002 no montante de 7500€, em data muito anterior à do início da exploração do bar por parte do filho da arguida C... .

5- Quanto às aplicações financeiras junto do K..., conta nº (...) , as mesmas resultam das poupanças de toda uma vida de trabalho da D. C... .

6-  Todas as quantias depositadas desde a abertura da conta bancária até à presente data resultam do salário da arguida, que em 2009 era de 505,56€/mês;

Uma pensão de 204,36€/mês;

Uma pensão paga por vale correio no valor de 103,70€/mês;

Serviços de limpeza, conservação e guarda de imóveis para a família AF... no valor de 400/mês;

Serviços de restauração em casamentos----- 200 € por semana (quando se verificam).

7- A arguida é viúva, pessoa poupada, que não tem gastos a não ser quanto à luz, água e gás, que ascendem mensalmente no máximo a cerca de 100/mês.

8- A arguida não é pessoa de luxos e extravagâncias, não é pessoa de trajar roupas vistosas, vestindo de modo simples e barato, pelo que todos os seus rendimentos eram aforrados nas várias contas, e em numerário em casa que possui para fazer face ao futuro e ao da sua família.

9- A arguida cozinhava, por vezes, no café do seu filho, pelo que as refeições principais tomava-as aí ou levava para casa a comida.

10- O veículo automóvel com a matrícula (...) foi adquirido pela arguida para transportar a sua família para a sua terra de origem em Alijó, não tendo de depender de veículos emprestados por terceiros.

11- Como a sua família é numerosa (arguida, dois filhos, dois netos, companheira do filho) só um veículo de grandes dimensões os pode transportar a todos e à sua equipagem e ainda daí regressar com os frutos da terra (batatas, cebolas, couves, azeitona, etc).

12- A arguida emprestou o veículo ao seu filho, quando este lho pedia pontualmente, nada tendo a ver com a actividade deste.

13- A arguida trabalha desde criança, contribuindo para o sustento do agregado familiar; é reconhecida no meio onde vive como pessoa séria, trabalhadora e honesta.

***

2.2. FACTOS NÃO PROVADOS

- Da acusação/pronúncia:

1- Os arguidos A... e B... eram casados um com o outro.

2- Os arguidos realizaram obras de reconversão do espaço (Bar Y...), por forma a ali ser desenvolvida unicamente a actividade de alterne e prostituição, funcionando o espaço do café apenas “como fachada”;

3- A partir das 02H00 fechavam o portão exterior do estabelecimento e só abriam para permitir a entrada ou saída de clientes, designadamente cada vez que se aproximava um cliente do portão exterior, um dos seguranças saía do bar, abria o portão e fechava-o de seguida, após a entrada da viatura.

4- No estabelecimento trabalhavam diariamente cerca de nove mulheres, sendo que era costume circularem pelo bar entre dez a dezassete mulheres, em função do dia de semana, para aí desenvolverem a actividade de alterne e prostituição.

5- Entre as cidadãs estrangeiras a trabalhar no estabelecimento encontravam-se GG... , HH... , II... , JJ... , LL... , MM... e NN... .

6- Os arguidos não obstante terem conhecimento que as referidas mulheres entraram e permaneceram ilegalmente em Portugal porquanto não eram detentores de visto adequado à finalidade da sua estada, ou seja de visto de trabalho, nem de autorização de permanência ou de residência, admitiram-nas a trabalhar nessas condições, não diligenciando de qualquer forma pela legalização das mesmas.

7- Os arguidos criaram dentro do estabelecimento referido mecanismos e formas de as cidadãs ilegais se furtarem ao controlo documental, designadamente:

- sistemas de alerta existentes nos quartos mencionados;

- bem como a existência da referida parede falsa no interior do bar que servia para as cidadãs estrangeiras em situação ilegal em Portugal, se esconderem em caso de fiscalização ao bar;

- relativamente aos quais as mulheres assim que ali começavam a trabalhar eram alertadas e instruídas pelos arguidos A... e B... .

8- Por outro lado, os arguidos A... e B... impunham respeito e regras sobre as mulheres que ali trabalhavam, e não revelando estes, quer por comentários, quer por atitudes, qualquer respeito pela dignidade de tais mulheres.

9- No dia 03.05.2009 GG... e HH... , foram surpreendidas nos referidos quartos anexos ao “ Y... Bar - Night Club” a manter relações sexuais, encontrando-se a utilizar para o efeito os objectos apreendidos no Apenso A 1

10- Os arguidos A... e B... ao actuarem de forma reiterada e em comunhão de esforços e execução de prévio acordo, fomentando, favorecendo e facilitando o exercício de relações sexuais, a troco de dinheiro, contratando aquelas mulheres também para tal efeito, com o propósito concretizado de obter lucros à custa da exploração da prostituição, fizeram-no indiferentes à degradação moral e física daí decorrente para tais mulheres, aproveitando-se do facto de elas se encontrarem em situação irregular em Portugal.

11- Sabiam igualmente os arguidos A... e B... que, com a sua conduta, favoreciam, fomentavam e facilitavam, com intenção lucrativa, a entrada e permanência irregular de cidadãs estrangeiras em Portugal, sabendo ainda que não podiam utilizar mão-de-obra estrangeira, como o fizeram, sem estar habilitada com autorização de residência, de permanência ou de visto de trabalho.

12- O arguido A... , no âmbito da referida actividade, fez vários depósitos em numerário, na conta nº (...) da XY... titulada pela sua mãe, arguida C... e pelo arguido, designadamente:

- no montante de € 200, 00 no dia 10 de Janeiro de 2006- cfr. fls 16 deApenso A2;

- no montante de € 907,50 no dia 22 de Janeiro de 2008- cfrfls 2 de Apenso B;

13- Os arguidos A... e C... , actuaram de comum acordo e em conjugação de esforços, cientes da origem ilícita dos proveitos obtidos com a actividade desenvolvida no referido bar e com o propósito de encobrir a sua real proveniência e dissimular tais proveitos económicos, por forma a evitar que tais quantias em dinheiro fossem relacionadas com as actividades a que se dedicavam, quer introduzindo tais quantias no sistema bancário mediante depósito nas referidas contas, quer convertendo em outros bens, designadamente no mencionado veículo automóvel de matrícula (...).

- Da contestação da arguida C... :

A arguida desconhecia por completo o que se passava no interior do Y... Bar e qual o negócio do filho.

A arguida auferia rendimentos prediais e agrícolas (Inga), cerca de 200€. “

*
2. O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

“Para formar a sua convicção sobre a matéria de facto provada, o tribunal baseou-se na análise crítica da prova produzida e valorada em audiência e constante dos autos.

            A arguida C... prestou declarações, pronunciando-se quanto à sua actividade profissional e percurso de vida; fê-lo em termos muito simples, mostrando-se bastante credível, até porque a prova produzida em audiência acompanhou e secundou aquilo que a arguida nos transmitiu; em suma, flui dos autos que a vida da arguida foi um longo percurso feito à custa de trabalho muito duro, quer na fábrica, quer em casas particulares, quer até no campo, criando os filhos sozinha desde que muito nova ficou viúva – veja-se o teor do esclarecedor relatório social; acresce que nenhuma das testemunhas da acusação, em bom rigor, apontou algo à arguida C... , em termos de autoria concreta de algum dos factos da acusação/pronúncia; e as testemunhas de defesa, todas elas, mais não fizeram do que enaltecer e destacar o percurso feito com trabalho e sacrifícios por parte da arguida; a postura da arguida em audiência e aquilo que transparece dos autos e da prova aponta para alguém que foi amealhando ao longo dos dias e dos anos, sendo pouco credível que apenas movimentasse os dinheiros e fizesse os depósitos que a arguida efectivamente fez, se tivesse algo a ver com os factos dos autos e beneficiasse dos proventos de tal actividade; na realidade, tudo aponta no sentido de que a arguida não teve qualquer intervenção nos factos da acusação/pronúncia, não praticou os factos que lhe eram imputados, e o dinheiro e aplicações que levou a efeito serão o fruto do muito trabalho honesto, lícito, que foi desenvolvendo ao longo da sua vida e que ainda hoje leva a cabo.

            Os demais arguidos usaram do direito a não prestar declarações sobre o objecto do processo, sendo certo que de tal silêncio nada pode inferir-se, em sentido favorável ou desfavorável aos mesmos.

            De todo o modo, a prova produzida em audiência e constante dos autos, quer testemunhal, quer documental, não deixa margem para dúvidas quanto aos factos atinentes ao crime de lenocínio, imputados aos arguidos A... e B... : estes praticaram os factos em causa, eram eles que dirigiam e levavam a cabo o negócio do bar Y..., onde se praticava alterne e prostituição, beneficiando os arguidos de uma percentagem dos proventos que as mulheres, na sua maioria brasileiras, auferiam no exercício de tal actividade – em regra, lucravam 50% do valor das bebidas e € 15 dos € 50 que as mulheres cobravam por cada relação sexual com a duração de ½ hora; há inúmeros testemunhos e profusa prova documental que permite confirmar a referida factualidade - depoimentos das raparigas que ali trabalhavam e que prestaram depoimento, cartões apreendidos nas buscas, onde estão inscritos valores das bebidas, sendo o valor das relações sexuais apontado no íten “diversos”, toda a documentação bancária que confirma pagamentos, dinheiro apreendido no local, entre outros documentos apreendidos nas buscas e dos quais a acusação/pronúncia dá referência bastante.

Foi relevante o teor dos autos de inquirição para memória futura de I... , de G... e de H... , todas elas confirmando que trabalharam no Bar Y..., que este era dirigido pelos arguidos A... e B... , e que aquelas ali desenvolveram a actividade de alterne e de prostituição, recebendo aqueles a percentagem de lucros de tal actividade, a que já se fez referência; para além destas 3 mulheres, foi ainda possível colher o depoimento de J... , a qual também confirmou que, além da actividade de alterne, também se prostituía no Y..., com o inerente proveito económico para os arguidos A... e B... ; embora esta última testemunha tenha saído em litígio com os arguidos, ainda assim o seu depoimento mereceu credibilidade, não só pelo registo e modo como foi prestado, mas sobretudo porque não se afasta do contexto que as outras testemunhas e a prova documental dos autos permite corroborar; nestes termos, a prova produzida permitiu confirmar a identidade de 4 das mulheres que, em concreto, exerceram a actividade de prostituição no Bar Y..., da qual os arguidos retiravam proventos económicos nos moldes já assinalados; não terão sido só 4, muitas outras terão existido - diz-nos a regra da experiência comum; mas a prova concreta apenas permitiu identificar estas quatro mulheres como tendo exercido a prostituição no Y..., no período temporal objecto dos presentes autos;

Já as testemunhas L... (em Portugal desde 2004, no Y... desde 2007) e M... , (em Portugal desde 2000, esteve 4 meses no Y..., até este fechar), aludem, tão somente, ao exercício do alterne no Y..., identificando como patrões os arguidos A... e B... ;

Desfilaram como testemunhas apreciável número, que se assumiram como clientes do Y..., uns apenas ocasionais, ali passando para beber um copo, outros clientes mais rotineiros, conhecedores de que também no local se exercia prostituição, sendo inquestionável que os arguidos A... e B... eram referenciados como quem estava atrás do balcão, a quem pagavam, os patrões da casa – cfr. depoimentos de O... , (esteve no bar a beber um copo e teve sexo num dos quartos com uma das meninas) P... (confirmou que trabalhava lá arguido e “esposa”), Q... (pagava ao balcão), R... (refere ter estado ali uma vez e ter pago a bebida que consumiu ao arguido A... ), S... (pagou ao balcão), T... (pagava ao Sr. A... ), U... , cliente habitual, referindo ir 2 vezes por semana ao Y..., sendo confrontado com o doc. a fls. 35 do apenso 4 (Dr. U... ), V... , X... , o qual trabalhava no Y..., servia às mesas, confirmando os preços da bebidas (em moldes semelhantes ao que está inscrito nos talões), Z... , AA... , BB... , CC... , DD... , EE... , FF... (o qual admitiu que tomava bebidas e tinha relações, pagando ao balcão);

As demais testemunhas da acusação pronunciaram-se quanto às diligências levadas a cabo no Bar Y... (vigilâncias, buscas), descrevendo o que casa um tinha conhecimento:

- XXX..., era o coordenador da investigação criminal da Direcção Regional do Centro do SEF, participando nas buscas da madrugada de 3 de Maio; referenciou que eram detectadas mulheres estrangeiras no exercício do alterne e da prostituição, umas em situação legal, outras ilegal; aludiu aos mecanismos de aviso, luzes nos quartos; refere que a vigilância viu o arguido A... a transportar mulheres; aludiu ao croquis do local, descreveu pormenores, como seja a verificação da existência de armário com lençóis, aquando das buscas; referiu-se aos cartões de consumo apreendidos nessa ocasião; admitiu, revelando sentido de isenção, que as mulheres contactavam outras mulheres (angariação) para trabalhar no local;

ZZZ..., Inspector Adjunto do SEF, participou, também, nas buscas de maio de 2009; referiu que nos anexos havia lençóis descartáveis e preservativos utilizados e por utilizar; referiu 4 quartos, 2 a ser utilizados e confirmou sistema luminoso, controlado a partir do bar, que informaria quem estava no quarto;

- AB..., major da GNR, elaborou o relatório de operações, a fls. 49/56, descrevendo acção levada a cabo na noite de 25/26 de Setembro de 2008; confirmou-se que 4 cidadãs brasileiras que estavam no bar encontravam-se em situação irregular; confirmou-se a existência de uma parede falsa;

- AC..., cabo da GNR, elaborou o auto de notícia fls. 32/33, confirmou expediente de fls. 32/35 - autos de notícia, de apreensão, de exame directo e de entrega;

- AD..., do SEF, elaborou o relatório de pesquisa, fls. 13/19, conheceu os arguidos das operações de vigilância em que participou – não participou na busca, apoiou a parte operacional;

As testemunhas indicadas pela defesa produziram, essencialmente, depoimentos abonatórios da pessoa dos arguidos, sobretudo da arguida C... , com o é o caso do Padre AE...;

AF..., descreveu o percurso profissional de C... , enalteceu as suas qualidades de trabalho, definindo-a como uma pessoa de confiança, ao ponto de esta tomar conta da casa da família AF..., por indicação da mãe da testemunha;

AG...e AH... elogiaram, também, as qualidades de trabalho da arguida C... ;

AI..., funcionária da XY... de (...), referiu que nunca viu a D. C... ali fazer depósitos, tais movimentos eram sempre feitos pelo Sr A... ou a D B... ; no doc. a fls. 2047 (declaração da XY...) é feita alusão a um instrumento financeiro, constituído em 26.02.2002, pelo prazo de 8 anos, com o valor de € 7.500 (logo, em data muito anterior aos factos sub-judice), sendo que em 2010 a arguida C... teria feito um levantamento do mesmo;

AJ... e AL... produziram depoimentos abonatórios;

E... descreveu o trabalho de sua mãe, a arguida C... .

AM... produziu depoimento absolutamente inócuo, nada sabendo de relevante.

AN..., comerciante de automóveis, produziu depoimento abonatório relativamente ao arguido;

AO..., serralheiro, referiu que o arguido A... trabalhou 4 anos para si;

AP..., que trabalhou no Y..., referiu que servia às mesas, confirmando as percentagens de 50-50, para a casa e para as meninas que ali trabalhavam, no que se refere às bebidas;

AQ..., feirante, cliente do Y..., aludiu aos preços das bebidas, referindo que uma garrafa de espumante tinha o preço de 75 e 100 €.

Os depoimentos, no essencial, revelaram-se dignos de crédito, descrevendo as testemunhas os factos de que tomaram conhecimento.

Os testemunhos, mormente os da acusação, foram conjugados com a prova documental dos autos (fls. 396 a 417; auto de busca e apreensão de fls. 455 a 457; auto de busca e apreensão de fls. 462 a 463; auto de apreensão de fls. 471, 473; inventário de fls 458 a 460; fotografias de fls. 53 a 56, 506 a 512 e 514 a 518; fls. 513 (selos colocados); relatórios de vigilância de fls. 115 a 122, 233 a 236-A, 519 e 520; apensos A, A2, A3, A4, A5, A6, B, C, D – nos termos devidamente discriminados a fls. 966 a 1024 e termo de apensação a fls 1264 vº e análise de apensos de fls. 966 a 1024; CD de fls. 387; auto de inspecção ao local e fotografias de fls. 1209 a 1216; fls. 149 (print registo da carrinha (...), fls. 710 (extracto da conta de C... em 2004); fls. 396 a 417 (expediente do SEF relativo a cidadãs estrangeiras); fls. 20 a 24 e 52 a 56 (documentos fotográficos do local dos factos).

Foi igualmente relevante a prova pericial - auto de exame e avaliação de fls. 1265/1266 (auto de exame e avaliação de objectos) e auto de exame de fls. 1242(auto de exame da soqueira, matéria factual arquivada, quanto aos arguidos).

Também a análise dos Relatórios Sociais elaborados pela DGRSP, às condições e história de vida dos arguidos serviu para firmar a convicção do Tribunal, na forma como elencou a factualidade que emergiu como provada – aqui sendo tais relatórios conjugados com os depoimentos das testemunhas indicadas pela defesa.

Os c.r.c. a fls. 1830 e 1831 atestam a ausência de antecedentes criminais por parte as arguidas, constando do c.r.c. a fls. 1845-1846, quanto ao arguido A... , a condenação deste pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, reportando-se os factos a Outubro de 2005 e mostrando-se já extinta a pena então aplicada (2 meses de prisão substituída por multa).”

*
2. Apreciando

2. 1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Assim, atenta a conformação das conclusões formuladas, importa conhecer das seguintes questões, organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência:


Recurso interposto pelo MP

- Impugnação da matéria de factos - pretende sejam dados como provados os factos indicados como não provados nos pontos n°s 6 e 7, 10 e 11.

- contradição entre a fundamentação e a decisão;

- crime de lenocínio - bem jurídico protegido - qualificação jurídica dos factos;

- errada apreciação da prova  - relativamente aos factos que integram os elementos típicos do crime de auxilio à emigração ilegal e ao crime de branqueamento.


Recurso interposto pelos arguidos A... e B...


-qualificação jurídica dos factos - bem jurídico protegido no crime de lenocínio;

- enquadramento dos factos num único crime de lenocínio; a punir com pena de um ano e seis meses de prisão suspensa na sua execução:

- erro na declaração de perda da quantia apreendida; ou, a subsistir a declaração de perda, redução da quantia apreendida para metade.


2.2. Recurso interposto pelo MP

2.2.1.Da impugnação da matéria de facto

De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 410.º, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.

Em qualquer das referidas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos estranhos àquela para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.


Os vícios do artigo 410.º, n.º 2 são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei.

Neste caso, o objecto da apreciação é apenas a peça processual recorrida.
Há contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão, quando se verifica uma incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão. Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou de forma a excluírem-se mutuamente[Simas Santos, Recursos..., 5ª ed. pág. 63 e 64.].

Porém, os vícios do artigo 410.º, n.º 2 não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questão do âmbito da livre apreciação da prova, princípio ínsito no citado normativo.
Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos.
Como resulta quer da motivação, quer das conclusões do recurso, é manifesto que o recorrente confunde o âmbito dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, com o recurso versando a matéria de facto, isto é, com o chamado erro de julgamento.
Apenas assim se compreende que o recorrente invoque o apontado vício como corolário da sua apreciação da prova produzida, confundindo, pois, vícios da decisão judicial com o erro de julgamento.
Trata-se, na verdade, de opções processuais distintas, reclamando tratamento diferenciado.
A divergência entre o que na sentença se deu como provado e aquilo que deveria ter sido dado como provado traduz erro de julgamento da matéria de facto, sindicável pelo tribunal superior se tiver havido documentação da prova produzida em audiência e o recorrente interessado na respectiva impugnação observar, em sede de recurso, o que dispõe o artigo 412.º.
A arguição deste vício nos termos legalmente previstos desencadeia a reapreciação da matéria de facto à luz da prova produzida em audiência e pode conduzir à alteração da factualidade provada.

Já a arguição dos vícios previstos no artigo 410.º pressupõe que estes resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, portanto, sem recurso à reapreciação da prova produzida em audiência, não permitindo sindicar a matéria de facto nos termos amplos em que o consente a invocação de erro de julgamento mediante impugnação da matéria de facto provada, e conduzirá, normalmente, ao reenvio do processo para novo julgamento, total ou parcial.


De qualquer modo, diga-se, o recorrente impugnou também a matéria de facto, pretendendo que no facto provado n.º 26 se incluam as mulheres em cujos cartões na rubrica “diversos” existe o apontamento da percentagem paga pelos serviços de sexo.

E com razão.

Em rigor, na busca efectuada foram apreendidos no balcão do bar da área dos privados:

(...)

- vinte e um (21) cartões de consumo das funcionárias, com os respectivos nomes manuscritos (cfr Apenso A5 fls. 7 a 10), designadamente CCC..., H... , GG... , OO ..., PP..., QQ..., RR..., SS..., TT..., UU..., VV..., XX..., HH... , ZZ..., AAA..., UU... 2 e BBB..., sendo tais cartões utilizados para apontar as bebidas pagas pelos clientes, bem como os actos sexuais praticados entre as mesmas e os clientes e na linha de diversos era apontado o acto sexual da funcionária “ - fls. 2660.

Ora, analisados os referidos cartões cor de rosa, - constantes de fls. 7 a 10 do Apenso A 5 - verifica-se que 10 deles, 1 na página 7( XX...), 5 na página 8( AAA..., HH... , QQ..., UU... e OO ...), 2 na página 9( CCC... e BBB...) e 2 na página 10 ( TT... e SS...) têm anotações da prática de actos sexuais.

Com efeito, de toda a prova produzida resulta que apenas pelo pagamento dos actos sexuais a mulher recebe 35 euros. Em nenhum pagamento do alterne, dos “shows” e dos “domicílios” a percentagem correspondia aquele valor.

Assim sendo, por uma questão de rigor na valoração da prova, os factos provados devem reflectir a factualidade apurada, registando que eram pelo menos 10 as mulheres que à data ali se dedicavam à prostituição (sendo que as 4 mencionadas no ponto 26 utilizavam nomes artísticos incluídos nos ditos cartões cor de rosa).

Em conformidade altera-se a redacção do ponto 26 dos factos provados nos seguintes termos:

“26º

Desta forma, no referido período, os arguidos admitiram a trabalhar para tal efeito no aludido estabelecimento várias mulheres de nacionalidade estrangeira, designadamente brasileira, sendo que para o recrutamento de tais mulheres, os arguidos utilizavam o sistema do “passa palavra” entre as próprias cidadãs estrangeiras e nomeadamente ali se encontravam com tal finalidade e por tempo variável: G... , H... , I... e J... ( L... , M... também ali trabalhavam, mas apenas desenvolviam a actividade de alterne) e ainda as mulheres conhecidas pelos nomes de XX..., AAA..., HH... , UU..., CCC... e BBB....”

Questão diferente - a tratar aquando do enquadramento jurídico - é saber se o número de crimes cometidos depende do número de mulheres que se ali se prostituíam.

*

2.2.2 Do vício da contradição entre a fundamentação e a decisão

Resta assinalar que não obstante o colmatado erro na valoração da prova, do texto do acórdão recorrido, por si só ou conjugado com os ditames da experiência comum, não resultava a verificação do apontado vício posto que daquele não decorre que os factos considerados como provados - a consentir a opção decisória do tribunal a quo - estivessem em contradição com a motivação, pela simples razão de que o texto não menciona de forma individualizada quais os cartões com apontamentos de serviços sexuais.

Improcede, pois, a invocação do referido vício.

*
2.2.3Pretende também o MP que os pontos n°s 6 e 7, 10 e 11 da matéria de facto não provada transitem para a matéria de facto provada.

É notório e manifesto que os factos provados nºs 3, 5, 13, 28, 29 e 30, conjugados com as regras da experiência impõem o resultado probatório almejado pelo MP.

Com efeito, os arguidos A... e B... realizaram obras de reconversão no “ Y... - Bar” para que, no seu interior, fosse desenvolvida a actividade de alterne e prostituição - ponto 3 dos factos provados.

Assim, encerraram a parte do estabelecimento que servia de restaurante, aumentando a área do bar, que passou a ser constituído por duas salas e criaram no pátio exterior existente nas traseiras do aludido estabelecimento (numa área anteriormente referenciada como armazém/garagem) quatro quartos”, para a prática da prostituição.

Por outro lado, resultou provado que os arguidos admitiram a trabalhar para tal efeito no aludido estabelecimento várias mulheres de nacionalidade estrangeira, designadamente brasileira, para cujo recrutamento utilizavam o sistema do “passa palavra” entre as próprias cidadãs estrangeiras.

Acresce que no estabelecimento comercial existiam mecanismos de alerta que permitiam detectar a chegada de forças de segurança, nomeadamente um sistema de luzes, accionado por baixo do balcão que ligava focos luminosos nos quartos — conforme se observa nas fotos de fls. 511 e 1214.

O que aliás foi descrito por testemunhas a que o Tribunal “a quo” concedeu credibilidade, como sejam:

- ZZZ..., AB... , G... e H... , XXX... do SEF e AB..., da GNR.

Inclusive aludem a uma parede falsa onde as cidadãs ilegais eram escondidas - sessão de 18.11.2014, gravada no suporte digital 20141118105043_146577_2870663 de 04m50s a 05ml8s.

O que está comprovado pela fotografia de fls. 1216 que o tribunal a quo considerou como prova válida.

De notar que essas cidadãs, entre as quais as ilegais, eram angariadas para trabalharem no estabelecimento e transportadas num veículo conduzido pelo arguido A... - sessão de 18.112014 gravada no suporte digital 20141118105043_146577_2870663 de 05m40s a 06m08s e de 06m20s a 06m40s.

A testemunha G... (declarações para memória futura) esclareceu expressamente que os sinais luminosos eram para avisar da chegada da polícia porque aí estavam a trabalhar, tal como ela “ilegais”. Com efeito, perguntada disse “era para avisar de algum perigo” à pergunta “perigo de quê?”respondeu “ Sei lá, polícia né!? Às vezes tinha mulheres ilegais…”

Acresce ainda que a testemunha H... disse que trabalhou no Y..., primeiro durante 1 ano e 8 meses e depois mais 1 ano, e que os quartos onde as “meninas moravam” tinham luzes sinalizando a chegada da polícia e que os arguidos A... e B... sabiam que estava ilegal no país porque lhes disse.

É pois óbvio que os arguidos A... e B... sabiam que tinham a trabalhar cidadãs em situação ilegal, tanto que tiveram a preocupação de montar um esquema que permitisse iludir a polícia.

E tal como refere o MP “Sabiam-no mas não se importaram com esse facto.”

Em conformidade, eliminam-se os factos não provados 6, 7, 10 e 11, e aditam-se aos factos provados, os seguintes factos:

- Os arguidos não obstante terem conhecimento que as referidas mulheres entraram e permaneceram ilegalmente em Portugal porquanto não eram detentores de visto adequado à finalidade da sua estada, ou seja de visto de trabalho, nem de autorização de permanência ou de residência, admitiram-nas a trabalhar nessas condições, não diligenciando de qualquer forma pela legalização das mesmas.

- Os arguidos criaram dentro do estabelecimento referido mecanismos e formas de as cidadãs ilegais se furtarem ao controlo documental, designadamente:

- sistemas de alerta existentes nos quartos mencionados;

- bem como a existência da referida parede falsa no interior do bar que servia para as cidadãs estrangeiras em situação ilegal em Portugal, se esconderem em caso de fiscalização ao bar;

- relativamente aos quais as mulheres assim que ali começavam a trabalhar eram alertadas e instruídas pelos arguidos A... e B... .

- Os arguidos A... e B... ao actuarem de forma reiterada e em comunhão de esforços e execução de prévio acordo, fomentando, favorecendo e facilitando o exercício de relações sexuais, a troco de dinheiro, contratando aquelas mulheres também para tal efeito, com o propósito concretizado de obter lucros à custa da exploração da prostituição, fizeram-no indiferentes à degradação moral e física daí decorrente para tais mulheres, aproveitando-se do facto de elas se encontrarem em situação irregular em Portugal.

- Sabiam igualmente os arguidos A... e B... que, com a sua conduta, favoreciam, fomentavam e facilitavam, com intenção lucrativa, a entrada e permanência irregular de cidadãs estrangeiras em Portugal, sabendo ainda que não podiam utilizar mão-de-obra estrangeira, como o fizeram, sem estar habilitada com autorização de residência, de permanência ou de visto de trabalho.

2.2.4Pretende, por fim, o MP que segundo as regras da experiência a arguida C... , mãe do arguido A... não podia deixar de conhecer a actividade profissional do filho, o seu modo de vida, e bem assim que tipo de cidadãs o mesmo contratava - nacionais, estrangeiras, legais, ilegais.

Certamente com o objectivo de que tais factos constassem dos factos provados.

Contudo, sem razão.

É certo que da prova produzida resulta que a mãe do arguido se deslocava durante o dia para confeccionar o almoço para si e família e para os funcionários do bar.

Ninguém refere que ali se deslocasse no período nocturno.

Ora, para além da prostituição, o Y... tinha serviço de bar, alterne e “shows”, actividades que não são ilícitas.

É provável que a C... soubesse do alterne, mas segundo as regras da experiência, conjugadas com a personalidade da C... descrita pelas testemunhas e constatada pelo tribunal a quo, e com o meio social em que se inseria, já não é crível que o filho não lhe escondesse a actividade de prostituição.

Sabido que a C... , era uma cidadã cumpridora das leis e extremamente trabalhadora, muito dedicada aos filhos, que auxiliava no que podia, percebe-se que o tribunal a quo não tenha relevado o facto de no estabelecimento comercial, ter sido encontrado um terminal multibanco adstrito a uma conta da arguida.

Improcede pois neste segmento o recurso do MP.

2.2.5. Da qualificação jurídica dos factos.

- Crime de lenocínio

Entende o recorrente MP que deverá considerar-se a prática em co-autoria de 14 crimes de lenocínio (cfr termo das conclusões).

A decisão recorrida condenou os arguidos A... e B... , pela prática, em co-autoria material, de tantos crimes de lenocínio quantas as vítimas, ou seja, 4 crimes de lenocínio simples previstos e punidos pelo artigo 169.º, n.º 1 do Código Penal.

Como decorre do despacho exarado em acta de audiência, o tribunal a quo entendeu que o ilícito em causa configura pessoal, estando inserido no capítulo dos crimes contra a liberdade sexual, pelo que o número de crimes se determina pelo número de ofendidas.

Logo, no caso concreto, entendeu preenchidos quatro crimes (e não um crime como na acusação/pronúncia) do art. 169º, nº 1, do C.Penal, tendo presente a factualidade dada como provada.

Ao contrário os arguidos defendem no seu recurso a condenação por um só crime de lenocínio simples por entenderem que o legislador, ao punir todo e qualquer aproveitamento do lucro obtido à custa da prostituição de outros, pune essencialmente uma actividade, uma profissão e não uma corrupção da vontade livre. E por outro lado, porque o crime de lenocínio previsto no art. 169º nº 1 do CP é um crime de actividade que se concretiza apenas mediante uma única resolução, há um só crime independentemente do número de prostitutas cuja actividade era fomentada.

De acordo com o disposto no artigo 30.º do Código Penal, o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

Embora a lei não o refira expressamente, para se concluir pela existência de concurso efectivo, torna-se necessário, além de aferir da pluralidade de tipos violados ou da violação plúrima do mesmo tipo, recorrer ao critério da pluralidade de juízos de censura, traduzido por uma pluralidade de resoluções autónomas.

A realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir:

- Um só crime, se tiver persistido o mesmo desígnio, a mesma resolução criminosa isto é, se o dolo inicial se mantiver ao longo de todas as condutas;

- Um crime continuado se, existindo uma pluralidade de resoluções criminosas, elas se mantiverem dentro de uma «linha psicológica continuada» (cfr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal, Sumários e Notas das Lições, 1975/76, 127) ou seja, aglutinadas por factores externos que conduzem o agente à repetição da conduta;

- Um concurso de crimes, quando não ocorra nenhuma das anteriores situações.

A multiplicidade de vezes de preenchimento do tipo objectivo do crime conduz, em regra, à multiplicidade de crimes da respectiva natureza (artigo 30.º, n.º 1do Código Penal), mas tal multiplicidade deixa de ter tal efeito, não só nos casos em que se deva configurar um crime continuado (artigo 30.º, n.º 2 do Código Penal), como naqueles em que a unidade de resolução – tipo subjectivo do crime – e a inexistência de violação de bens jurídicos eminentemente pessoais, aliados à continuidade temporal das condutas, fazem com que a multiplicidade formal de violações do tipo criminal deva ser tratada como correspondente à comissão de um só crime.

Se se tratar de uma decisão assumida, deliberada, pensada uma única vez, e a partir de tal decisão não houver qualquer necessidade de renovar o processo de motivação, realiza-se um único tipo legal de crime - unidade jurídica de acção conforme designaçãoJescheck.

Uma unidade jurídica de acção que pressupõe que as condutas parcelares respondam a um só desígnio criminoso (unidade subjectiva) e realizem um único tipo legal de crime (unidade objectiva).

Volvendo ao crime de lenocínio.

Como é sabido, os elementos constitutivos do tipo objectivo do crime de lenocínio previsto no artº 169ºCP são:

- o fomento, o favorecimento ou a facilitação do exercício por outra pessoa de prostituição;

- a prática pelo agente de tais condutas profissionalmente ou com intenção lucrativa.

Sendo o elemento do tipo subjectivo:

- O dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto, abrangendo todos os elementos do tipo objectivo.

2.- Crime que será agravado, quando:

- O agente use para o seu cometimento violência ou ameaça grave [n.º 2, al. a)];

- O agente o cometa aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima [n.º 2, al. d)].

No caso presente, tendo os arguidos A... e B... fomentado - tomado a iniciativa e mantido - de forma habitual, ou seja, profissionalmente, e com intenção lucrativa o exercício da prostituição pelas cidadãs que se mostram referidas nos factos provados, preenchido está o tipo objectivo do crime de lenocínio.

E preenchido está igualmente o tipo subjectivo quando se prova que os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, dirigindo e coordenando a actividade conjuntamente, cientes de que fomentavam a prostituição e com o propósito de obter proventos económicos.

Importa então decidir se a conduta criminosa dos arguidos constitui uma pluralidade de crimes de lenocínio ou se constitui um único crime.

Com efeito, “A unidade de tipo legal preenchido não importa definitivamente a unidade da conduta que o preenche; pois sendo vários os juízos de censura, outras tantas vezes esse mesmo tipo legal se toma aplicável e deverá, por conseguinte, considerar-se existente uma pluralidade de crimes - Eduardo Correia.

Se entendermos que o bem jurídico protegido é de natureza eminentemente pessoal, o número de crimes coincide com o número de vítimas ( art. 30.º, n.º 3, do CP).

Recorda o Prof. Figueiredo Dias que bens eminentemente pessoais são os do título 1 da Parte especial do CP - ( FD 2007;1029) - entre eles, a vida humana, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual, a honra, a reserva da vida privada…”

P.P. Albuquerque ( Com CP, pág 464) entende que o bem jurídico protegido pela incriminação é a liberdade sexual da pessoa que se dedica à prostituição.

Também no acórdão da Relação de Coimbra de 12-04-2011 - que contém um resumo da evolução histórica do tipo legal - salienta-se que “ de um ponto de vista literal e sistemático, o crime do art. 169.º do CP não pode deixar de ser considerado um crime contra a liberdade.

O bem jurídico protegido com a incriminação do Lenocínio é a liberdade sexual individual da prostituta e a sua dignidade pessoal; tais bens, como bens eminentemente pessoais que são, levam a que se verifique um concurso efetivo de crimes sempre que existir uma pluralidade de vítimas” - Ac. TRP de 28-03-2012.

O ac. da Rel. de Coimbra de 10-07-2013 ( relator Des. Fernando Chaves) procedendo a uma diferente sistematização na interpretação do preceito, esclarece:

“O bem jurídico protegido no tipo legal de crime de lenocínio simples não é a liberdade de expressão sexual da pessoa mas uma certa ideia de «defesa do sentimento geral de pudor e de moralidade» que não é encarada hoje como função do direito penal e, de qualquer modo, não presidiu ao novo enquadramento dos «crimes contra a liberdade sexual» no título mais vasto dos crimes contra as pessoas e como uma forma que assumem os atentados contra a liberdade([12]).

No n.º 1 do artigo 169.º não se tutela, após as reformas de 1998 e 2007, a liberdade sexual de alguém – único fundamento para a punição dos crimes contra a liberdade sexual, onde apenas deve estar em causa a liberdade e a autodeterminação de uma pessoa concreta e não qualquer opção moral sobre a vida sexual que cada um quer ter – nomeadamente de quem pratica a prostituição.
O que é tutelado no n.º 1 do citado preceito, como bem jurídico, é uma determinada concepção de vida que não se compadece com a aceitação do exercício profissional ou com intenção lucrativa do fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição.

A reforma de 2007 retirou do n.º 1 do tipo a referência à prática de actos sexuais de relevo, sendo, por isso, mais claro que é apenas a facilitação à prostituição como actividade que é objecto de censura penal.

A alteração introduzida em 2007 parece reforçar a opinião de que é a prostituição o alvo único do tipo de crime, não sendo, por isso, muito nítida a natureza do bem jurídico que se pretende proteger, nomeadamente no seu n.º 1([13]).

De acordo com a actual redacção do preceito tal crime existe ainda que aquele que pratica a prostituição o faça livremente, sem quaisquer constrangimentos.

Se a prostituta ou o prostituto, de maior idade e no perfeito estado das suas faculdades, pretende exercer a prostituição, o favorecimento que outro fizer dessa actividade, com intuito lucrativo, não tem a ver com a sua liberdade de determinação sexual.

Daí que a actual redacção do artigo 169.º, n.º 1 do Código Penal, ao delimitar o tipo, recortando-o apenas em função da acção de fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição, com intenção lucrativa, eliminando a exigência da exploração de uma situação de abandono ou de necessidade económica, assim como a referência à prática de actos sexuais de relevo, não esteja a querer punir a ingerência na formação da vontade de quem se prostitui mas apenas o aproveitamento que alguém faz de uma prática que, apesar de não ser punida criminalmente, não é reconhecida como plenamente lícita.

Ao punir todo e qualquer aproveitamento do lucro obtido à custa da prostituição de outros, o legislador pune essencialmente uma actividade, uma profissão e não uma corrupção da vontade livre([14]).

A diferença específica entre o lenocínio simples (artigo 169.º, n.º 1) e o lenocínio agravado (artigo 169.º, n.º 2) radica na natureza do relacionamento entre quem explora e quem se prostituiu, isto é, na existência ou não da corrupção da livre determinação sexual: havendo livre determinação sexual de quem se prostitui, o lenocínio é simples; não havendo essa liberdade, o lenocínio é agravado.”

Considerando que “ a ratio do direito penal, como último instrumento para proteger bens jurídicos e sobretudo as situações justificadas à luz da Constituição da República Portuguesa como passíveis de serem criminalizadas só o podem ser se compatíveis com o princípio da ultima ratio e sobretudo da proporcionalidade e necessidade estabelecido no artigo 18º nº 2 da Constituição. Ainda mais se se entender que a ordem jurídica comunitária, através de decisões do próprio Tribunal de Justiça das Comunidades, estabelece que a prostituição é «uma actividade de prestação de serviços remunerada e abrangida pelo conceito de actividade económica não assalariada e actividade não assalariada» - cf. Proc. C-268/99 de 20-11-2001.” - Ac. Rel. Coimbra de 30 de Junho de 2010 (relator Des. Mouraz Lopes), impõe-se aceitar que após as reformas de 1998 e 2007, no n.º 1 do artigo 169º, é tutelado como bem jurídico, uma determinada concepção de vida inconciliável com a aceitação do exercício profissional ou com intenção lucrativa do fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição.

A circunstância de o crime tutelar bem jurídico de natureza não pessoal, facilita a compreensão da conduta criminosa como um único crime.

O que resulta da factualidade provada é uma intensa resolução criminosa dos arguidos quanto ao seu propósito de lucrarem com a prostituição - isto é, um dolo inicial persistente mas único do desenvolvimento de uma actividade criminosa -, cobrindo todo o período em que foram prestados tais serviços, no âmbito de uma estrutura criada para o efeito (obras de remodelação, com quartos especificamente criados para a prática da prostituição).

Na verdade, e como resulta dos pontos dos factos provados, 1 a 25, 30 e 33 depois de terem dotado o espaço de condições para a prostituição, os arguidos exploraram a referida actividade de forma permanente e lucrativa, pelo menos desde o início do ano de 2005 e até ao dia 3 de Maio de 2009. Em suma, os arguidos formularam e concretizaram o propósito de, actuando de comum acordo e em conjugação de esforços, se aproveitarem do ganho de mulheres que se dedicavam à prostituição através da exploração do estabelecimento comercial denominado “ Y...”, fazendo-o independentemente do número de mulheres que ali exercessem essa actividade e do tempo em que durasse essa exploração.

Nesta situação, em que actuam de comum acordo e em conjugação de esforços, em execução de um único plano previamente delineado, embora haja posteriormente uma execução plúrima de actos no desenvolvimento do desígnio formulado, temos por adquirida uma sequência temporal unitária e a realização de uma mesma conduta, podendo, perante tal quadro, afirmar-se uma continuidade de acção já que os actos se encadearam numa sequência lógica e sem qualquer hiato temporal.

A tal continuidade corresponde, à face de um juízo baseado nas normas de experiência de vida, uma unidade de resolução volitiva, ou seja, numa compreensão global do ilícito praticado, um único crime.

Concluímos portanto que os arguidos A... e B... , constituíram-se co-autores materiais de um único crime de lenocínio simples pp pelo art 169º, nº 1, do CP, não obstante a inserção sistemática do tipo legal, a demandar alteração, no pressuposto da declaração de constitucionalidade do art 169º, nº 1, do CP- Ac s TC nºs144/2004, 303/2004, 396/2007, este com interessante voto de vencido da Cons. Maria João Antunes, que em parte se transcreve”

“A Lei nº 65/98 alterou a estrutura típica do crime de Lenocínio, previsto no artigo 170º do Código Penal, eliminando a exigência típica da “exploração duma situação de abandono ou necessidade”, ao arrepio de uma evolução legislativa, em matéria de crimes sexuais, que se inscreve num paradigma de intervenção mínima do direito penal, o ramo do direito que afecta, mais directamente, o direito à liberdade (artigo 27º, nºs 1 e 2, da CRP). Num paradigma em que a intervenção é apenas a necessária para a tutela de bens jurídicos (não da moral), que não obtêm protecção suficiente e adequada através de outros meios de política social.

Com eliminação daquela exigência típica, o legislador incrimina comportamentos para além dos que ofendem o bem jurídico da liberdade sexual, relativamente aos quais não pode ser afirmada a necessidade de restrição do direito à liberdade, enquanto direito necessariamente implicado na punição (artigos 18º, nº 2, e 27º, nºs 1 e 2, da CRP).

Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 211/95 (Diário da República, II Série, de 24 de Junho de 1995) “o que justifica a inclusão de certas situações no direito penal é a subordinação a uma lógica de estrita necessidade das restrições de direitos e interesses que decorrem da aplicação de penas públicas (artigo 18º, nº 2, da Constituição). E é também ainda a censurabilidade imanente de certas condutas, isto é, prévia à normativação jurídica, que as torna aptas a um juízo de censura pessoal.

Em suma, é, desde logo, a exigência de dignidade punitiva prévia das condutas, enquanto expressão de uma elevada gravidade ética e merecimento de culpa (artigo 1º da Constituição, do qual decorre a protecção da essencial dignidade da pessoa humana), que se exprime no princípio constitucional da necessidade das penas (e não só da subsidiariedade do direito penal e da máxima restrição das penas que pressupõem apenas, em sentido estrito, a ineficácia de outro meio jurídico” (cf., ainda, no sentido de o artigo 18º, nº 2, ser critério para aferir da legitimidade constitucional das incriminações, os Acórdãos nºs 634/93, 650/93, Diário da República, II Série, de 31 de Março de 1994, e 958/96, Diário da República, II Série, de 19 de Dezembro de 1996).”.
Na sequência da reforma operada em 2007, a decisão sumária nº 57/2010 e o acórdão 141/2010 do Tribunal Constitucional vieram a considerar de manter a constante jurisprudência constitucional sobre a matéria.

Nos termos da Decisão Sumária nº 57/2010, decidiu-se “Não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 169º, n.º 1, do Código Penal, na redacção conferida pela Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro” alicerçada no seguinte argumento:

“A circunstância de a jurisprudência supra mencionada ter sido proferida a propósito do (então) artigo 170º, n.º 1, do Código Penal não invalida a sua aplicação à norma agora extraída do artigo 169º, n.º 1, do Código Penal (na redacção da Lei n.º 59/2007), na medida em que a interpretação desta última norma – tal como vertida na decisão alvo de recurso – corresponde, no seu sentido normativo – à que já resultava da versão anteriormente vigente. A menção, pela decisão recorrida, da eliminação legislativa da referência aos “actos sexuais de relevo” não afecta, de modo algum, a identidade daquelas normas, na medida em que – neste caso concreto – não se curava de saber se a arguida era responsável por fomentar, favorecer ou facilitar a prática de “actos sexuais de relevo”, mas antes de actos qualificáveis como “prostituição”.

Em suma, mantém-se a jurisprudência deste Tribunal, no sentido de que a incriminação do lenocínio, mesmo nos casos em que se verifique plena liberdade na formação da vontade do/a prostituto/a, não é inconstitucional, por visar proteger bens jurídicos fundamentais que encontram consagração na Constituição Portuguesa” - apud, Rel. Évora, 20 de Janeiro de 2011, relator Des João Gomes de Sousa.

Prosseguindo e reportando-nos ao caso subjudice, para dissipar dúvidas, cumpre notar que não se trata de um crime continuado - as condições foram criadas pelos arguidos - mas de um só crime de execução sucessiva, a punir em conformidade.

Repare-se que Figueiredo Dias aponta a necessidade de se prestar atenção ao facto de que «o tipo de ilícito, o verdadeiro portador da ilicitude material, é sempre formado pelo tipo objectivo e pelo tipo subjectivo de ilícito».

A ponderar ainda que “…o tipo objectivo tem sempre como seus elementos constitutivos o autor, a con­duta e o bem jurídico, só da conjugação destes elementos – e também da sua ligação ao tipo subjectivo de ilícito – resultando o sentido jurídico­-social da ilicitude material do facto que o tipo abrange. O que vale por dizer que todos estes elementos parece deverem ser tidos em conta e valorados – e não apenas em si mesmos, mas ainda no sentido que da sua consideração global resulta – na determinação da unidade ou pluralidade de tipos violados.».

O bem jurídico assume na questão da tipicidade um relevo primacial e insubstituível mas deve recorrer-se aos restantes elementos típicos numa perspectiva de consideração global do sentido social do com­portamento que integra o tipo.

… «o “crime” por cuja unidade ou pluralidade se pergunta é o facto punível e, por conseguinte, uma violação de bens jurídico-penais que integra um tipo legal ao caso efectivamente aplicável. A essência de uma tal violação não reside pois nem por um lado na mera “acção”, nem por outro na norma ou no tipo legal que integra aquela acção: “reside no substrato de vida dotado de um sentido negativo de valor jurídico penal, reside (…) no ilícito típico: é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal que decide, em definitivo, da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta acepção, de crimes»- Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, págs. 986 a 989.

Assim, com a prática dos pertinentes factos acima descritos, os arguidos A... e B... constituíram-se co-autores de um só crime de lenocínio previsto e punido pelo artigo 169.º, n.º 1 do Código Penal.

Em face do exposto, a qualificação jurídica efectuada na decisão recorrida deve ser alterada.

Improcede pois neste segmento o recurso interposto pelo MP.

Se a actividade da compra e venda de actividades sexuais, desde que efectuada de forma totalmente livre por quem o quer fazer, é aceite pela ordem jurídica naturalmente que tem que ser desenvolvida em algum local, que não passa necessária obrigatoriamente pela própria habitação de quem exerce essa actividade.

Deve poder ser concretizada em espaços disponíveis no próprio mercado ou seja em estabelecimentos de hotelaria ou similares ou cuja disponibilidade possa ser objecto de qualquer contratualização entre quem exerce a actividade de compra e venda de actos sexuais e quem disponibiliza esse espaço. Tudo para que uma actividade livremente exercida possa desenvolver-se sem que se torne degradante e mesmo humilhante para quem a executa.

2.2.6. Da qualificação jurídica dos factos.

- Crime de auxílio à imigração clandestina

Do elenco dos factos provados resulta que a materialidade fáctica apurada se mostra suficiente para a sua subsunção ao crime de auxílio à imigração ilegal.

Dispõe o art 183º da Lei n.º 23/2007 de 4 de Julho Dec Lei sob a epígrafe “Auxílio à imigração ilegal”:( redacção em vigor à data dos factos)

1 — Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada ou o trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional é punido com pena de prisão até 3 anos.

2 — Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada, a permanência ou o trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional, com intenção lucrativa, é punido com pena de prisão de 1 a 4 anos.

Em conformidade, constituem elementos típicos do crime de auxílio à emigração ilegal nos termos do nº 2 do artigo 183º:

- o favorecimento ou o facilitar da entrada, da permanência ou do trânsito ilegal;

- De cidadão estrangeiro;

- Em território nacional;

- Agindo o agente com intenção lucrativa.

Além desses pressupostos, o agente deverá ter necessariamente conhecimento da situação ilegal e da nacionalidade do sujeito que entra ou transita no território nacional, devendo o agente ter ainda conhecimento que se trata de território nacional.

"Considera-se ilegal a entrada de cidadãos estrangeiros em território português em violação do disposto nos artigos 6°, 9° e 10° e nos nºs 1 e 2 do artigo 32° (artigo 181º, nº 1, da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho).

Assim, será ilegal a entrada de cidadão estrangeiro em território nacional se feita por local distinto dos postos de fronteira qualificados para esse efeito durante as respectivas horas de funcionamento, bem como a entrada de cidadão estrangeiro que não esteja munido de documento de viagem válido - ressalvadas as legais excepções - e de visto válido, e ainda a entrada daquele a quem a mesma tenha sido recusada.

Finalmente, considera-se ilegal o trânsito de cidadãos estrangeiros em território português quando estes, estando apenas de passagem, não tenham garantida a sua admissão no país de destino.

O tipo legal contém duas diferenças marcantes em relação ao tipo previsto no nº 1 do artigo 183º da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, constituindo uma delas uma restrição do tipo e a outra um seu alargamento.

Efectivamente, no nº 1 o favorecimento ou o facilitar da permanência de cidadão ilegal em território nacional não é punido, sendo o tipo legal mais restritivo nessa parte. Mas, por outro lado, o nº 1 não exige que o agente tenha intenção lucrativa, o que implica um alargamento do tipo.

Estas diferenças estão interligadas e auxiliam na delimitação do tipo legal.

Na verdade, se o auxílio à permanência ilegal fosse punível sem a existência de intenção lucrativa do agente, as condutas de mero auxílio humanitário seriam puníveis (por exemplo, a conduta do cidadão nacional que recebe em sua casa e fornece uma refeição ao cidadão estrangeiro em situação ilegal no país), o que seria manifestamente injusto e injustificado.

Daí a restrição operada no tipo legal do artigo 183º, nº 1, da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho.

Já se justifica plenamente a criminalização da conduta daquele que auxilia o cidadão estrangeiro em situação ilegal a permanecer em Portugal nessa situação visando obter um lucro com essa conduta. Lucro obviamente incompatível com razões humanitárias que justifiquem a não criminalização da conduta.

Os arguidos respondem apenas pelo auxílio à permanência ilegal de cidadãs estrangeiras, conforme resulta da conformação do elemento subjectivo.

Assim, a prática pelo agente de actos que, por qualquer forma, constituam um auxílio à permanência constitui crime de auxílio à emigração ilegal desde que o agente actue com intenção lucrativa, mesmo que se trate de actos da vida normal, isto é, actos que estejam despidos de intrínseca ilicitude (empregar o cidadão estrangeiro em situação ilegal; transportá-lo ao local de trabalho, assim lhe permitindo exercer uma profissão; fornecer-lhe alojamento, etc.).

Ora, no caso vertente provou-se que os arguidos A... e B... , sabendo que algumas das mulheres, se encontravam em situação ilegal, colocaram-nas a prestar serviço sexual, proporcionando-lhes a possibilidade de angariarem rendimentos, para além daqueles que os próprios arguidos recebiam, e assim facilitando a permanência em Portugal das mulheres que estavam em situação ilegal. Acresce que os arguidos agiram com intenção lucrativa, beneficiando economicamente com a actividade exercida pelas mulheres em situação ilegal.

Inexistem, por isso, dúvidas quanto ao preenchimento dos elementos típicos do crime de auxílio à imigração ilegal p. e p. pelo nº 2 do artigo 183º da Lei nº 23/2007 de 4/7.

Aliás, conforme Ac. do TRP, de 11.09.2013, in www.dgsi.pt, relator Ernesto Nascimento, citado no Parecer do MP, o tipo legal basta-se com a permissão - lucrativa - das cidadãs estrangeiras “trabalharem” no estabelecimento comercial do arguido na actividade de alterne e prostituição, auferindo desse modo rendimentos para o seu sustento ao mesmo tempo que lhes facilita a permanência no país – cfr. sumário do referido Acórdão, que se transcreve:

“Comete um único crime de auxílio à imigração ilegal o arguido que permite que várias cidadãs estrangeiras “trabalhem” no seu estabelecimento comercial na actividade de alterne e prostituição, auferindo desse modo rendimentos para o seu sustento ao mesmo tempo que lhes facilita a permanência no país”.

Sobre a evolução do núcleo do crime em questão “auxílio à imigração ilegal” cfr. ac. Rel. Coimbra de 11-10-2006, relator Des. Belmiro Andrade.

Perfectibilizados, assim, seja o tipo objectivo seja o tipo subjectivo do crime previsto no artigo, não pode deixar de concluir-se que os arguidos A... e B... se constituíram co-autores materiais do referido crime.

E, como tal, devem ser punidos devendo ter-se em conta que a moldura penal abstracta para o crime de auxílio à imigração ilegal é de pena de prisão até 3 anos, nº 1 do art. 183 da Lei nº 23/07 de 04.07, e no seu nº 2, com pena de prisão de um a quatro anos. A Lei n.º 29/2012, de 09/08, veio dar nova redacção ao nº 2 do art. 183º, passando a pena de prisão de um a cinco anos. Ora, a redacção do art. 183, aplicável nos autos é a redacção dada pela Lei nº 23/07 de 04.07, por ser o regime mais favorável, de acordo com o estabelecido no nº 2 do C.Penal, e não a actual redacção, dada pela Lei 29/2012.

Procede assim neste segmento o recurso do MP.

2.2.7.
Da qualificação jurídica dos factos.

- Crime de branqueamento p. e p. pelo art. 368º- A, nºs 1 e 2 do Código Penal;

Entende o MP que face aos factos provado pelo Tribunal “a quo”, os bens provenientes do crime de lenocínio (dinheiro) foram depositados em contas bancárias tituladas pelo arguido A... e por sua mãe, entrando assim nos circuitos bancários (“reciclagem de vantagens”) na medida em que serão utilizados “ pelas entidades financeiras junto das quais o agente do crime-base os deposita, sendo direccionados para as mais diversas atividades económicas, gerando de imediato rendimentos ao agente do crime - base, que irá receber, maxime sob a forma de juros, correspondentes á remuneração do respectivo capital, assim aumentando o seu próprio poder económico”.

Acrescenta que a conta que a arguida C... abriu em nome do filho, era por este movimentada e utilizada; tais movimentos nunca poderiam ser do desconhecimento da arguida.

Não é credível que não fosse do seu conhecimento que um terminal multibanco adstrito à mesma estivesse a ser utilizado no bar do Y... de cuja existência ela tinha conhecimento, onde os seus clientes faziam, para essa conta, directamente, pagamentos.

Conclui que os mencionados arguidos devem ser condenados como autores do crime de branqueamento

Vejamos.

O tipo de crime de branqueamento do artigo 368.º-A, n.º 2, do Código Penal prevê e pune quem, além do mais, converter vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, entendendo-se que constituem vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, dos factos ilícitos típicos, assim como os bens que com eles se obtenham.

O tipo subjectivo, - dolo específico - exige que o agente proceda com o fim de dissimular a origem ilícita das referidas vantagens ou de evitar que o autor ou participante das infracções subjacentes seja criminalmente perseguido ou submetido a reacção criminal.

O bem jurídico protegido pela incriminação é a realização da justiça, na sua particular vertente da perseguição e do confisco pelos tribunais dos proventos da actividade criminosa - Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pág. 867

E esclarece que o tipo objectivo consiste nas seguintes acções: (1) converter, (2) transferir, (3) auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, (4) ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos.

Relativamente ao tipo subjectivo do crime de branqueamento previsto no n.º 2, adverte que inclui um elemento subjectivo adicional: a intenção de dissimular a origem ilícita da vantagem ou a intenção de evitar que o autor ou participante das infracções previstas no n.º 1 seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal.

Acresce que - tanto no nº 1 como no nº 2 do tipo legal, “o agente não tem de conhecer o concreto facto típico ilícito que esteve na origem da vantagem, nem o local onde foi praticado nem os seus autores (nº 4). É suficiente que o agente saiba que a vantagem provém de um crime pertencente ao elenco do nº 1, e que esse conhecimento seja contemporâneo ao momento da realização da operação.” -PP Albuquerque - Com CP pág 869.

Retomando o caso subjudice.

Provado que a arguida C... desconhecia por completo o que se passava no interior do Y... Bar e qual o negócio do filho.

Provado também que a conta nº (...) da XY... titulada pelos arguidos C... e A... era utilizada exclusivamente, por este, sendo a sua mãe (arguida C... ) totalmente alheia aos movimentos nela ocorridos a créditos e a débito desde 2004 até à presente data.

Está portanto fora de questão condená-la pelo crime de branqueamento, atento o supra exposto.

Relativamente ao arguido A... , incurso na prática do crime de lenocínio), importa considerar que resultou provada a abertura na XY... da conta bancária nº (...) pertencente ao arguido A... e à sua mãe C... e a que estava associado o terminal de multibanco (TPA) (...) , relativa ao período compreendido 16 de Outubro a 22 de janeiro de 2008. E que no âmbito da actividade assim desenvolvida os arguidos A... e B... no período compreendido entre o dia 19 de Outubro de 2007 a 22 de Janeiro de 2008 cobraram a clientes, através do terminal TPA nº (...) a quantia de € 34.002,36 e foram efectuados levantamentos ou emitidos cheques da conta da XY... nº (...) no valor total de € 34.274,14.-cfr. fls. 4 de Apenso B e fls. 14 e 15 de Apenso A2( facto provado nº 36).

Aliás, o tribunal a quo declarou perdidas as quantias económicas da conta da XY... nº (...) , “já que a arguida apenas figura nesta conta com o seu nome, sendo aquela movimentada pelo seu filho, o arguido A... .” Como é óbvio, o arguido A... utilizou o TPA nº (...) e aquela conta bancária com o objectivo manifesto de dissimular a verdadeira natureza e origem do dinheiro.

Consequentemente, e tal como se afirma no acórdão recorrido, “a simples conduta do agente de apenas depositar na sua conta bancária quantias monetárias provenientes do crime precedente por si cometido, pode integrar a prática do crime de branqueamento.”

Os factos provados integram pois a prática, pelo arguido A... de um crime de branqueamento p. e p. pelo artigo 368.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

Ao absolver o arguido desse ilícito, o tribunal violou, por erro de interpretação e omissão de aplicação, o referido normativo do Código Penal.

A ter em conta o facto do MP no recurso omitir pretensão punitiva quanto à arguida B... pelo crime de branqueamento.

2.3 - Da medida da pena

A propósito escreveu-se no acórdão recorrido:

“A aplicação de penas visa a protecção de bens e valores jurídicos e a reintegração do agente delituoso na sociedade (cfr. o artº 40º, nº 1 do C. Penal).

Há, assim, que procurar um ajustado equilíbrio entre as finalidades supra referidas, podendo uma prevalecer sobre a outra.

No caso concreto, mesmo considerando que os bens e os valores jurídicos protegidos e tutelados pelo artº 152º, do C. Penal, são valiosos, os mesmos podem ficar secundarizados por via de uma eventual supremacia do escopo da ressocialização.

Basta que, para isso, se demonstre que o agente pode ser reintegrado na sociedade.

Analisando o crime de Lenocínio, p. e p. pelo artº 169º nº 1, do C. Penal resulta que o mesmo é punível com pena de 6 meses a 5 anos.

O C. Penal Português consagra, como resulta do disposto nos seus art.os 40º e 71º, que a aplicação de uma sanção penal, concretamente de uma pena, tem como finalidades a protecção do bem jurídico, a prevenção geral e a prevenção especial.

A prevenção geral (positiva), reflecte-se, como defende o Ac. STJ de 30/11/2000, (ASSTJ, nº 45, pp. 89), na “utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos outros cidadãos, incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos”, enquanto que a prevenção especial visa, nas palavras do Professor Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, pp. 310), “evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na sociedade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos”, sendo que, a medida da pena há-de ser dada, como refere o mesmo Professor (in ob. cit., pp. 302), pela “medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto”.

A culpa funcionará sempre como limite máximo inultrapassável da pena, enquanto o limite mínimo, será aquela pena que, à luz das concretas circunstâncias, se mostre suportável à luz da necessidade de tutela dos bens jurídicos e da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada ou na reafirmação contrafáctica da norma.

Assim, concretizando os vectores enunciados, o nº 2 do artº 71º, do C. Penal enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias atendíveis que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor ou contra o agente.

Haverá, assim, que ponderar as circunstâncias que se seguem:

O grau de ilicitude do facto: A ilicitude é de grau elevado, porquanto a conduta típica revestiu uma forte gravidade, atento o tipo de actos e condutas desenvolvidas pelos arguidos A... e B... e o tempo durante o qual as mesmas se prolongaram.

O modo de execução e a gravidade das consequências: Embora o modo de execução do facto e a gravidade das suas consequências já tenham sido considerados aquando da subsunção dos factos ao tipo de ilícito, os factos imputados aos arguidos em causa revelam-se ainda gravosos, porquanto os mesmos com as suas condutas, fomentaram, favoreceram e facilitaram o exercício, por várias outras pessoas, da prostituição, obtendo lucros com essas condutas.

Condições pessoais do agente e situação económica: Ambos os arguidos trabalham, encontrando-se social e familiarmente inseridos, o que concorrerá em seu favor.

Conduta anterior aos factos: A arguida B... é primária e o arguido A... apenas fora condenado por um crime de exploração ilícita de jogo, crime de cariz totalmente diverso do dos autos, reportando-se os factos deste crime a Outubro de 2005 e mostrando-se já extinta a pena então aplicada (2 meses de prisão substituída por multa).

Conduta posterior aos factos: Concorre a favor dos arguidos o facto de os mesmos, depois da ocorrência das situações descritas supra, não mais terem praticado condutas idênticas, ambos trabalham e estão social e familiarmente inseridos.

Por outro lado, são fortes as necessidades de prevenção geral, uma vez que a prática deste tipo de crime tem vindo a ser cada vez mais recorrente, atentas as facilidades de locomoção de pessoas no espaço da União Europeia e, no caso de Portugal, os acordos bilaterais com o Brasil e com outros países de expressão portuguesa, sendo que, em muitos casos, existem casos de uma gravidade extrema e que atentam contra os mais elementares direitos de qualquer pessoa, representado um forte desrespeito pelo ser humano, especialmente pela mulher.

No que concerne à escolha da medida concreta da pena, deve referir-se que o sistema punitivo português tem como primeiro objectivo, um efeito pedagógico e ressocializador, sendo a pena detentiva ou privativa da liberdade encarada como a “ultima ratio”.

Assim, sempre que for possível optar por uma pena não privativa da liberdade, é essa que deverá ser aplicada, o que, de resto, está em harmonia com o disposto no artº 70º, do C. Penal.

No caso em apreço, verifica-se, antes de mais, que a moldura penal do ilícito em questão é apenas de prisão, não sendo o Tribunal colocado perante essa alternatividade.

Assim, atendendo a todas as considerações que vimos de tecer e sopesando todos os elementos que pesam contra e a favor dos arguidos A... e B... , o Tribunal considera que as condutas por si desenvolvidas se revestem de gravidade, tendo de levar-se em conta, também, a sua reiteração por um longo período temporal.”

Foram pois aplicados de forma correcta os critérios legais da escolha e medida da pena.

Resta assim, tendo em conta que é a primeira condenação por crime desta natureza manter a medida concreta da pena a aplicar ao arguido A... , atenta a moldura penal abstracta do crime de lenocínio que lhe vem imputado, em 1 ano e 6 meses de prisão, por justa e adequada às exigências punitivas. E condenar a arguida B... como co-autora de um crime de lenocínio p.p. art 169, nº 1, do CP na pena de um ano e quatro meses de prisão.

Perante os elementos de facto atinentes à culpabilidade, ao grau de ilicitude e às exigências de prevenção que se destacam na decisão recorrida, justifica-se a aplicação ao arguido A... da pena de 2 anos e 2 meses de prisão pela prática do crime de branqueamento.
E pela autoria de um crime de auxílio à imigração ilegal, ao arguido A... ,
a pena de 1 ano e 4 meses de prisão e à arguida B... a pena de 12 meses de prisão.

Os crimes ora em apreço estão entre si numa relação de concurso, razão pela qual se procederá à aplicação de uma pena única – art. 77.º, do cód. penal – tendo em conta os critérios legais, traduzidos na apreciação global dos factos e da personalidade dos arguidos neles reveladas.

Assim, reflectindo novamente, sobre a gravidade dos factos e o quanto revelam sobre as personalidades dos arguidos, afigura-se-nos equilibrado e equitativo fixar a pena única do arguido A... em 3 (três) anos de prisão e a pena única da arguida B... em um ano e oito meses de prisão. Sanções que não põem em causa a finalidade jurídico-criminal de restauração da validade das normas jurídicas violadas, e preservam o valor da reinserção dos arguidos na comunidade.

*

As considerações feitas pelo Colectivo quanto ao juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão não merecem censura, tanto mais que a arguida B... não tem antecedentes criminais e os antecedentes do arguido A... são limitados e ambos mostram ter uma personalidade perfeitamente recuperável.

Razões de prevenção especial justificam a substituição da pena de prisão, na medida em que essa substituição é ainda suportada comunitariamente.

Em conclusão: Em face do disposto no artigo 50.º, do cód. penal (na sua actual redacção), atendendo a que as penas únicas de prisão aplicadas a cada um dos arguidos não são superiores a cinco anos, mantém-se a ponderação feita pelo tribunal recorrido sobre no sentido da de suspensão da respectiva execução, porque se nos afigura ser possível fazer um juízo de prognose favorável e concluir que a simples censura dos factos e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidade da punição.

Procede parcialmente o recurso dos arguidos A... e B... uma vez que se altera a decisão da 1ª instância nos termos supra indicados.

2.4 - Erro na declaração de perda da quantia apreendida; ou redução da quantia apreendida para metade.

Dispõe o art 111.º do CP, sobre a epígrafe “Perda de vantagens”:

1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado.

2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.

3 - O disposto nos números anteriores aplica-se às coisas ou aos direitos obtidos mediante transacção ou troca com as coisas ou direitos directamente conseguidos por meio do facto ilícito típico.

4 - Se a recompensa, os direitos, coisas ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor.”

Ana Patrícia Cruz Duarte, na sua Dissertação de Mestrado em Direito Criminal sob a orientação do Professor Doutor José Manuel Damião da Cunha, sobre o “O Combate aos Lucros do Crime – O mecanismo da “perda alargada” constante da Lei n.º 5/2002 de 11 de Janeiro A inversão do ónus da prova nos termos do artigo 7.º e as suas implicações”, a propósito da perda clássica, escreve:

“Por um lado temos o regime da perda dos produtos e instrumentos do crime consagrados no artigo 109.º do CP, onde se verifica a tal perigosidade seja para a moral, ordem pública ou surgimento de novos crimes. Por outro a perda das vantagens provenientes do crime, consagrada no artigo 111.º do CP, que está isenta de qualquer ideia de perigosidade, no sentido de que não atentam contra a moral ou ordem pública, sendo o único perigo aqui presente o risco das vantagens serem reinvestidas no cometimento de novos ilícitos criminais.

À semelhança do referido a propósito do regime da perda de instrumentos e produtos do crime, também na perda de vantagens reinam hoje finalidades de prevenção. Trata-se igualmente de uma medida de natureza análoga à medida de segurança, que visar evitar o perigo da prática de novos crimes. Este artigo 111.º do CP comporta duas figuras distintas, as vantagens adquiridas pela prática do crime (constante do n.º 2) e as recompensas dadas ou prometidas aos agentes criminosos (constante do n.º1). Acompanhamos o pensamento de PEDRO CAEIRO que entende que, “de jure condito, as recompensas devem ser vistas como uma mera sub-espécie das vantagens (lato sensu), diferenciada das restantes pela existência de uma relação intersubjectiva entre o agente e um disponente, que serve de contexto à atribuição dos bens com o propósito de recompensar.”, propondo ainda a eliminação do n.º 1 do artigo 111.º do CP e respectiva formulação do n.º2.12 Para que as vantagens sejam declaradas perdidas, necessário é que tenha sido praticado um facto ilícito-típico, podendo mesmo operar em caso de falta de culpa do agente (o que não é naturalmente o caso da sub-espécie das recompensas, que exige a atuação dolosa). As vantagens podem ser compostas por coisas corpóreas ou incorpóreas e não têm que provir diretamente da prática do crime, podendo eventualmente ser declarada a perda do sucedâneo em valor quando não for possível a perda em espécie. Em regra só pode ser declarada contra os agentes do crime, devendo igualmente respeito ao princípio da proporcionalidade.”

Ponderando a aplicação dos arts 7º a 12º da lei 5/2002 de 11.1 que contempla o regime da perda de vantagens resultantes do branqueamento, qualquer reserva sustentável de ausência de perigo de reinvestimento da quantia apreendida na prática de novos ilícitos, com a eventual inaplicabilidade do art 111º do CP, seria ineficaz para evitar a declaração de perda da quantia em causa.

De todo o modo, entendemos como bastante que se verifique o risco de utilização criminosa para que, verificado o pressuposto formal ( prática de um facto ilícito criminal), seja declarada a perda da vantagem, como forma de prevenir o perigo da prática de crimes.

A Autora supra citada, afirma “… com segurança, que o mecanismo tradicional não se têm revelado uma arma capaz de combater os lucros do crime. Prova disso é a ideia geral da comunidade, de que certos crimes continuam a compensar. Novos desafios vão surgindo, a criminalidade económico-financeira vai-se reinventando e organizando-se através de estruturas quase impossíveis de desmantelar, criando novos meios que a tornam cada vez mais implacável, sendo em grande parte dos casos “insensível à pena de prisão”, razão pela qual se deve centrar esforços para o estabelecimento de regimes de perda mais eficazes. Só atacando o verdadeiro móbil da criminalidade reditícia, o lucro, é que o legislador conseguirá prevenir este tipo de crimes. Euclides Dâmaso Simões e José Luís F. Trindade realçam três objetivos que são visados pela perda: acentuar a prevenção geral e especial demonstrando que afinal o crime não rende benefícios; evitar o investimento de ganhos ilegais no cometimento de novos crimes (canalizando-os para indemnizações às vítimas e investimento na investigação); e ainda reduzir os riscos de concorrência desleal no mercado resultante da aplicação desses lucros ilícitos em determinados setores empresariais.”

Também João Correia e Hélio Rodrigues Aliás, alertam para que “a remoção dos incentivos económicos subjacentes à prática do crime, concretizada através do confisco das respectivas vantagens, constitui o único modo verdadeiramente eficaz de combater a actividade ilícita que visa o lucro. As finalidades preventivas que por esta via se alcançam, em conjugação com o quadro normativo vigente, impõem que se conclua de forma inequívoca que inexiste qualquer limite ao confisco motivado pela mera possibilidade de ser deduzido um pedido de indemnização civil.”

Todavia, ainda que o mecanismo clássico da perda de vantagens do crime não opere eficazmente, sempre haverá que o aplicar de forma rigorosa.

Termos em que, se mantém a declaração de perda das quantias apreendidas, sem qualquer redução, porque sustentada na norma do art 111º, nºs 2 e 3,do CP.

Improcede neste segmento o recurso dos arguidos.

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III Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento aos recursos. Consequentemente, decidem:

A) Eliminar dos factos não provados os pontos n°s 6 e 7, 10 e 11 da matéria de facto,  que transitam para a matéria de facto provada, nos termos assinalados em 2.2.1;

 B) Alterar a redacção do ponto 26 dos factos provados nos termos registados no ponto 2.2.3;

C) Condenar o arguido A... como co-autor de um crime de lenocínio p.p. art 169, nº 1, do CP na pena de um ano e seis meses de prisão;

D) Condenar o arguido A... como co-autor de um crime de auxílio à imigração ilegal p. e p. e p. pelo art. 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4-7, na pena de um ano e quatro meses de prisão;

E) Condenar o arguido A... como autor de um crime de branqueamento p. e p. pelo art. 368º- A, nºs 1 e 2 do Código Penal na pena de dois anos e dois meses de prisão;

F) Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas, condenar o arguido A... na pena única de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova.

G) Condenar a arguida B... como co-autora de um crime de lenocínio p.p. art 169º, nº 1, do CP na pena de um ano e quatro meses de prisão;

H) Condenar a arguida B... como co-autora de um crime de auxílio à imigração ilegal p. e p. e p. pelo art. 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4-7, na pena de um ano de prisão;

I) Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas, condenar a arguida B... na pena única de um ano e oito meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova.

J) Confirmar, quanto ao mais, a sentença recorrida.

Recurso sem tributação.

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Coimbra, 11 de Novembro de 2015

Processado por computador e revisto pela signatária (artigo 94º nº 2 CPP).

(Isabel Valongo - relatora)



(Jorge França - adjunto)