Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
528/12.0TBCLD-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: INSOLVÊNCIA
INSOLVÊNCIA CULPOSA
INDEMNIZAÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
RECURSO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
Data do Acordão: 06/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - ALCOBAÇA - INST. CENTRAL - 2ª SEC.COMÉRCIO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 186, 189 CIRE, LEI Nº 16/2012 DE 20/4, ART. 640 CPC
Sumário: 1. O não cumprimento pelo Recorrente do disposto na al. b) do n.º 1 e al. a) do n.º 2 do art.º 640 do C.P.C. ao não referir os concretos meios probatórios que constam do processo e que impõem decisão diferente com referência a cada um dos factos que pretende ver reparados ou aditados, não indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda, determina a rejeição do recurso no que à impugnação da matéria de facto respeita.

2. O art.º 189 n.º 2 al. b) e e) e nº 4 do CIRE estatuem sobre os efeitos a atribuir a quem seja afectado pela qualificação da insolvência como culposa. Só podem por isso aplicar-se a situações em que os factos que a determinam tiveram lugar após 30 de Maio de 2012, data a partir da qual tais normas entraram em vigor, de acordo com o disposto no artº 12.º n.º 1 e n.º 2 do C.Civil.

3. Na qualificação da insolvência como culposa, o prejuízo para os credores pode resultar não só de novas dívidas contraídas pelo devedor, mas também de um comportamento dirigido à diminuição da actividade da insolvente que se reflecte na diminuição da capacidade do devedor em obter proventos de forma a poder solver os seus débitos, o que acontece, nomeadamente, com a transferência da actividade para outra empresa concorrente.

4. A inibição mínima de 2 anos para o exercício do comércio deve ter lugar quando o grau de culpa é menor e a máximo de 10 anos para um grau de culpa máximo. Numa situação de culpa grave não é adequado situar a inibição para o exercício do comércio no mínimo legal.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

No processo de insolvência que corre termos relativamente à Sociedade L (…), Ldª, veio a Credora e Presidente da Comissão de Credores R (…) CRL requerer a qualificação da insolvência como culposa, em virtude da prática de actos de dissipação do património por parte do seu gerente, nos três anos anteriores ao processo de insolvência, não tendo também sido cumprido o dever de apresentação à insolvência, com prejuízo para os credores.

O Sr. Administrador da Insolvência começou por emitir parecer no sentido de se considerar a insolvência fortuita.

O Ministério Público solicitou a realização de diligências com vista à obtenção de elementos que o habilitassem a tomar posição, o que foi deferido

Em face dos elementos trazidos ao processo, o Sr. Administrador da Insolvência alterou o seu parecer, pronunciando-se no sentido da insolvência ser qualificada como culposa, devendo C (…) ser atingido pela qualificação da insolvência como culposa.

O Ministério Público emitiu parecer no mesmo sentido.

C (…), sócio gerente da insolvente, veio requerer que a insolvência seja considerada como fortuita.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal adequado.

Foi proferida sentença que decidiu no sentido de qualificar a insolvência como culposa e julgar afectado pela qualificação de insolvência o sócio gerente da insolvente C (…) declarar a inibição do mesmo para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de seis anos, mais condenando o mesmo a indemnizar os credores, no valor que vier a ser apurado em liquidação de sentença, nos termos do artº 189 nº 4 do CIRE.

Não se conformando com tal decisão vem C (…)interpor recurso de apelação da mesma, requerendo a sua alteração, apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões:

(…)

Não foram apresentadas contra-alegações.

II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas suas conclusões - artº 635 nº 4 e artº 639 nº 1 a 3 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- artº 608 nº 2 in fine.

- da impugnação da matéria de facto, quer quanto à sua reparação, quer quanto ao seu aditamento;

- da aplicação da lei no tempo;

- da qualificação da insolvência da insolvência como culposa e medida da inibição;

III. Fundamentação de Facto

Foram os seguintes os factos considerados provados na decisão da 1ª instância:

a) “R (…), CRL”, cooperativa de responsabilidade limitada, pessoa colectiva n.º (...) , com sede na Rua (...) Vila Nova de Famalicão, requereu a insolvência de “L (…) em 28 de Fevereiro de 2012. (Cfr. petição inicial dos autos principais).

b) Por sentença proferida em 4 de Abril de 2012 foi decretada a insolvência da “L (…) sociedade por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Caldas da Rainha, pessoa colectiva nº (...) , com sede na Rua (...) Caldas da Rainha. (Cfr. autos principais).

c) O objecto social da insolvente era a produção de manteiga, queijo, leite em pó, condensado e outros produtos lácteos comestíveis, comércio e retalho e por grosso de produtos alimentares. (cfr. certidão de fls. 64 verso a 68).

d) Desde a constituição da “L (..) que os seus únicos sócios e gerentes de direito foram C (…) e L (…) os quais já foram casados entre si até 16/06/2010. (cfr. certidão de fls. 64 verso a 68).

e) A gerência de facto da “L(…)” foi sempre exercida por C (…). (Este facto resulta das Declarações de IRC da “LL (…)” referentes aos anos de 2008, 2009, 2011, 2012 e 2013, juntas a fls. 54-57, 58-61, 62-67, 68-72 e 73-77 dos autos, onde apenas o NIF de C (…) consta no campo reservado à identificação do representante legal da empresa e resulta ainda dos balancetes juntos a fls. 103-150 e das declarações do TOC (…) onde consta que apenas C (…)recebia remuneração da “L(…)”)

f) Em 04 Fevereiro de 2010 a sócia e gerente de direito, L (…) renunciou à gerência e comunicou-a por escrito à L (…), com efeitos a partir de 12 de Fevereiro de 2010. (cfr. documentos de fls. 84 e 85).

g) O sócio e gerente C (…) assinaram o aviso de recepção da comunicação enviada pela sócia L (…). (Cfr. fls. 85).

h) O sócio e gerente C (…) não diligenciou pelo registo da renúncia à gerência de L (…).

i) Em 04/10/2011, L (…) requereu a realização de inquérito judicial à “L (…)”, “a fim de se averiguar: a) da situação económica e financeira da sociedade; b) do cumprimento das regras contabilísticas; c) do pagamento dos impostos devidos à Administração Fiscal e das contribuições à Segurança Social; d) a que título a sociedade “(…) Lda.” utiliza as instalações, equipamentos e viaturas da “L(…)” em proveito próprio e quais as contrapartidas recebidas pela “L(…)” por tais utilizações”. (cfr. fls. 70-79, certidão extraída dos autos n.º 2522/11.9TBCLD do 1.º Juízo deste Tribunal).

j) O processo de inquérito judicial à “(…) correu termos no 1º Juízo deste Tribunal sob o nº 2522/11.9TBCLD. ”. (cfr. fls. 70-79)

k) No âmbito do inquérito judicial à “L(…)”, C (…)declarou que as dívidas a fornecedores da “L (…)” eram em 2008 de 599.452,18 €, em 2009 de 561.589,57 €, em 2010 de 427.729,51 € e em 2011 de 411.921,19 € (Cfr. fls. 96 e 97)

l) Após a citação do requerimento de declaração da insolvência da “L(…)”, esta, em 12/03/2012, juntou:

- uma relação de credores, da qual constam dívidas no total de 493.517,16 €;

- uma relação de devedores, da qual constam créditos no total de 20.263,52 €

(cfr. fls. 53-56 dos autos principais).

m) Na sequência do processo de insolvência da “L(…)” foram reclamados créditos no valor total de 589.612,35 €, a que acrescem os respectivos juros. Tais créditos venceram-se entre 01/07/2006 e Maio de 2012. (cfr. fls. 187-188).

n) O crédito mais elevado é de 144.961,79 € (a que acrescem juros), venceu em 20 de Julho de 2009, e, foi reclamado pela “R (…)CRL” (cfr. fls. 187-188).

o) O valor do imobilizado da “L (…)” ascende a cerca de 1 milhão de euros. (cfr. balancetes analíticos da “L(…)” referentes aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011, juntos a fls. 35-73)

p) O valor global dos bens apreendidos, em duas ocasiões distintas, pelo Sr. Administrador da Insolvência é muito inferior a 1 milhão de euros. (cfr. Apenso de Apreensão de Bens).

q) Em 24/06/2009 foi constituída a sociedade “(…)Lda.”. (cfr. certidão comercial junta a fls. 226-230).

r) A sociedade “(…)” tem sede na Rua (...) , em Caldas da Rainha e tem instalações na Quinta (...) , em Alfeizerão (cfr. certidão comercial junta a fls. 226-230).

s) O objecto social da “(…)” é a “Produção de derivados do leite, frescos ou conservados e comércio de produtos alimentares”. (cfr. certidão comercial junta a fls. 226-230).

t) Desde a constituição da sociedade “(…)” que os seus únicos sócios são (…). (cfr. certidão comercial junta a fls. 226-230).

u) (…) vive em união de facto com C (…), (Cfr. fls. --- acta de tendo esta recusado depor devido à ligação marital com C (…))

v) Entre a data da constituição da sociedade “(…)” e 15/10/2011, C (…) foi gerente de direito da mesma, sendo que após essa data a gerência de direito passou a ser dos sócios (…).(cfr. certidão comercial junta a fls. 226-230).

w) Foi feito constar do registo comercial que a cessação de funções de C (…) teve como causa a sua destituição, sendo que a mesma só veio a ser registada em 09/03/2012. (cfr. certidão comercial junta a fls. 226-230).

x) As instalações utilizadas pela “(…)” são as mesmas que eram utilizadas pela “L(…)”. (Cfr. fls. 203-204).

y) As instalações antes utilizadas pela “L(…)” e actualmente utilizadas pela “(…)” são propriedade de C (…) e L (…).

z) C (…), sem a autorização de L (…), celebrou em 01 de Novembro de 2011 um contrato de arrendamento para comércio do imóvel em questão com o “(…)”, pelo prazo de 5 anos e pela renda mensal de 500€. (cfr. documento junto a fls. 604 no que tange à celebração do contrato).

aa) Em 20 de Maio de 2013, C (…), sem a autorização de L (…) celebrou com o “(…)” um aditamento ao referido contrato de arrendamento, pelo qual alterou o prazo de arrendamento para 22 anos e a renda, a qual passou para 700€. (Cfr. documento junto aos autos a fls. 605-606 no que tange ao aditamento).

bb) A “(…)” utiliza a marca "Queijos do Oeste" nos rótulos dos seus produtos, divulgando os seus serviços com veículos onde consta a marca "Queijos do Oeste" e o logotipo da “L(…)”.

cc) A “(…)” labora nas instalações onde a insolvente laborava e publicita-as como suas.

dd) Actualmente, encontram-se registados em nome da sociedade insolvente sete veículos - (...) OB (em estado de sucata), (...) EU, (...) OL (em estado de sucata), (...) CR (encontrado sem as chapas de matrícula apostas), (...) PU (em estado de sucata), FX (...) e (...) LD (em estado de sucata), todos eles apreendidos em 06 de Abril de 2012. (cfr. doc. de fls. 167 e Auto de Arrolamento e Apreensão de Bens de fls. 2-3 do Apenso A).

ee) Actualmente encontram-se registados em nome da sociedade “(..).” seis veículos ( (...) FE, (...) -EM, (...) CV, RL (...) CV, (...) CVOL e (...) CVCQ. (cfr. doc. de fls. 168)

ff) O veículo com a matrícula (...) FE foi apreendido pelo Sr. Administrador da Insolvência em 11 de Abril de 2012, e, não obstante tal, veio a mesmo a ser registado, em 09 de Maio de 2012, como sendo propriedade da sociedade “(…), Lda.”. (cfr. doc. de fls. 169).

gg) O veículo com a matrícula (...) -EM foi registado em 09 de Julho de 2009 como sendo propriedade da sociedade “(…)”, sendo que até essa data (e desde 24/03/1997) tal veículo tinha sido propriedade da sociedade insolvente (cfr. docs. de fls. 170 e 171); O veículo com a matrícula RL (...) CV foi registado em 09 de Julho de 2009 como sendo propriedade da sociedade “(…)”, sendo que até essa data (e desde 29/05/1991) tal veículo tinha sido propriedade da sociedade insolvente. (cfr. docs. de fls. 172 e 173);

hh) O veículo com a matrícula (...) CVOL foi registado em 09 de Julho de 2009 como sendo propriedade da sociedade “(…)”, não obstante o mesmo ter sido alvo de uma penhora registada em 08/05/2007 e efectuada no âmbito do processo n.º 3334/06.7TBTVD DO 3.º Juízo de Torres Vedras, em que a sociedade insolvente figura como “sujeito passivo” dessa penhora. (cfr. docs. de fls. 174-175).

ii) O veículo com a matrícula (...) CVCQ foi registado em 09 de Julho de 2009 como sendo propriedade da sociedade “(…)”, sendo que até essa data (e desde 28/10/1993) tal veículo tinha sido propriedade da sociedade insolvente. (cfr. docs. de fls. 176-177).

jj) Com excepção do cliente (…), todos os clientes da sociedade “ (…) que efectuam compras superiores a 25.000€ anuais foram previamente clientes da “L (…) concretamente:

- “P (…), S.A.” com instalações na Quinta (...) , em Palmela

- C (…)de Tentúgal

- “D (…), Lda.” com instalações em (...) , em Alcobaça

- “D (…), Lda.” com instalações em (...) , na Marinha Grande

- “S (…), Lda.” com instalações no (...) , em Óbidos (Cfr. fls. 416 e 491; 415-417, e, 492 e 493)

kk) Na sua maior parte, os fornecedores da (…) tinham sido os fornecedores da “L (…).

ll) (…) actual sócio gerente do “(…)” constou no extracto de declarações de remuneração entregue por Internet como trabalhador da “L(…)” até ao mês de Outubro de 2011 (Cfr. fls. 808).

mm) (…) constam no extracto de declarações de remuneração entregue por Internet como trabalhadores da L(…) até ao mês de Outubro de 2011 (Cfr. fls. 808).

nn) (…) constam no extracto de declarações de remuneração entregue por Internet como trabalhadores da sociedade “(…)” em Novembro de 2011 (Cfr. fls. 785).

oo) Conforme Declarações de IRC a “(…)” em 2010 teve 18.380,30€ de lucro; em 2011 teve 23.634,86€ de lucro; e, em 2012 teve 84.259,53€ de lucro. (Cfr. fls. 607 a 649)

pp) Conforme as Declarações Periódicas de IVA a “L(…)” em Abril de 2010, regista vendas no valor de 82.724,46€ (a que acresce IVA); em Maio de 2010, regista vendas no valor de 72.202,84€ (a que acresce IVA); em Junho de 2010, regista vendas no valor de 73.684,82€ (a que acresce IVA); em Julho de 2010, regista vendas no valor de 58.665,75€ (a que acresce IVA); em Agosto de 2010, regista vendas no valor de 8.549,73€ (a que acresce IVA); em Setembro de 2010, regista vendas no valor de 5.625,09€ (a que acresce IVA); em Outubro de 2010, regista vendas no valor de 5.759,83€ (a que acresce IVA); em Novembro de 2010, regista vendas no valor de 5.385,28€ (a que acresce IVA); em Dezembro de 2010, regista vendas no valor de 8.204,17€ (a que acresce IVA); em Janeiro de 2011, regista vendas no valor de 4.695,01€ (a que acresce IVA); em Fevereiro de 2011, regista vendas no valor de 4.506,81€ (a que acresce IVA); em Março de 2011, regista vendas no valor de 15.315,59€ (a que acresce IVA); em Abril de 2011, regista vendas no valor de 4.515,51€ (a que acresce IVA); em Maio de 2011, regista vendas no valor de 5.044€ (a que acresce IVA); em Junho de 2011, regista vendas no valor de 4.219€ (a que acresce IVA); em Julho de 2011, regista vendas no valor de 4.626,04 € (a que acresce IVA); em Agosto de 2011, regista vendas no valor de 4.628,65€ (a que acresce IVA); em Setembro de 2011, regista vendas no valor de 3.241,05€ (a que acresce IVA); em Outubro de 2011, regista vendas no valor de 3.069,86€ (a que acresce IVA); em Dezembro de 2011, regista vendas no valor de 2.830,52€ (a que acresce IVA). (fls. 419-466).

qq) No 1.º trimestre de 2012 a “L(…)” regista vendas no valor de 3.724,53€ (a que acresce IVA).

rr) Conforme Declarações de IRC da “L(…)” esta em 2007 teve um volume de negócios no montante de 879.865,90 €; em 2008 teve um volume de negócios no montante de 1.011.167,53 €; em 2010 teve um volume de negócios no montante de 564.127,02 €; e, em 2011 teve um volume de negócios no montante de 49.628,48 €. (Cfr. fls. 467 a 490).

- da impugnação da matéria de facto, quer quanto à sua reparação, quer quanto ao seu aditamento

Vem o Recorrente dizer que a matéria de facto não merece particular censura, embora mereça reparos, solicitando também que sejam aditados os factos que elenca, por terem sido, segundo refere: “testemunhados por todos os trabalhadores que foram ouvidos em julgamento”.

Pretendendo a alteração da matéria de facto, constata-se que o Recorrente não dá minimamente cumprimento ao ónus que lhe é imposto pelo artº 640 do C.P.C.

O artº 662 do C.P.C. com a epígrafe “modificabilidade da decisão de facto” dispõe, no seu nº 1 que: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

Por seu turno, o artº 640 impõe um ónus a cargo do Recorrente que impugne a decisão de facto, estabelecendo o seguinte:

“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Acrescenta o nº 2 deste artigo, que no caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: “a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.”

Verifica-se, contudo, que o Recorrente no recurso que apresenta, embora dando cumprimento ao disposto no artº 640 nº 1 al. a) do CPC, indicando os concretos pontos de facto que merecem reparos e identificando aqueles que, no seu entender, devem ser aditados, já não dá cumprimento às exigências previstas na al. b) do nº 1 e no nº 2 do artigo mencionado, o que constitui um obstáculo à reapreciação da matéria de facto e implica, nos termos da norma mencionada, a imediata rejeição do recurso, no que à alteração da matéria de facto se refere.

Senão vejamos.

O artº 640 nº 1 do C.P.C. ao impor a necessidade do Recorrente indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, bem como os concretos meios probatórios que determinam decisão diversa, traduz uma opção do legislador que não admite o recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto, mas apenas a possibilidade de revisão de factos individualizados, relativamente aos quais a parte manifesta e concretiza a sua discordância.

Diz-nos Abrantes Geraldes, in. Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 126, a propósito da impugnação da matéria de facto que: “em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.” Acrescenta a pág. 129: “Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”

Ora, o que se verifica, é que o Recorrente pondo em causa a matéria de facto selecionada como provada pelo tribunal a quo, indica os diversos pontos de facto que merecem reparos e que devem ser aditados, mas depois não concretiza, quanto a cada um deles, os meios probatórios constantes do processo que impõem decisão diversa, já que invoca de forma genérica os depoimentos dos trabalhadores ouvidos em julgamento, que nem sequer são identificados de per si.

Não é feita pelo Recorrente qualquer correspondência de elementos probatórios documentais ou testemunhais, que nem sequer são individualizados, de forma a fundamentar a conclusão por ele pretendida, em cumprimento do disposto no artº 640 nº 1 al. b) do C.P.C. e muito menos são indicadas as passagens da gravação em que se funda, com referência a cada facto, com é previsto no nº 2 al. a) de tal artigo.

Conclui-se por isso, que o Recorrente se limita a fazer um pedido de alteração da matéria de facto de forma não concretizada e fundamentada, nos termos legalmente exigidos. Só o cumprimento das regras, pelo Recorrente que impugne a matéria de facto, permite ao tribunal avaliar as discordâncias apresentadas em concreto e alterar a matéria de facto em conformidade.

Em face do exposto, já se vê que o Recorrente, não deu cumprimento ao disposto na al. b) do nº 1 e al. a) do nº 2 do artº 640 do C.P.C. ao não referir os concretos meios probatórios que constam do processo e que impõem decisão diferente com referência a cada um dos factos que pretende ver reparados ou aditados, não indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda, com referência a cada facto, incumprimento que determina a rejeição do recurso no que à impugnação da matéria de facto respeita, de acordo com o que dispõem essa mesma norma, o que se determina.

IV. Razões de Direito

- da aplicação da lei no tempo

Alega o Recorrente que a decisão sob recurso não se podia ter estribado no artº 189 do CIRE, na redacção que lhe foi dada pela Lei 16/2012 de 20 de Abril e condenado o mesmo nos termos das al. b) e e) do n.º 2 e n.º 4 de tal artigo, uma vez que os factos que são imputados ao Recorrente tiveram lugar antes da entrada em vigor de tais normas. Conclui que apenas podia ter sido aplicado o artº 189 do CIRE na redacção anterior do Decreto-Lei 53/2004 de 18 de Março, frisando também que, na anterior redacção, foi declarada inconstitucional a al. b) do nº 2 do artº 189 que, por essa razão também não pode ser aplicada.

Importa então, em primeiro lugar, saber se, ao caso concreto, se pode aplicar o artº 189 do CIRE, que se refere à sentença de qualificação, na sua actual redacção, dada pela Lei 16/2012 de 20 de Abril, tal como fez a sentença sob recurso, ou se há que ter em conta a anterior redacção, vigente à data da prática dos factos pelo Recorrente.

Vejamos as alterações que foram introduzidas ao artº 189 do CIRE pela Lei 16/2012, de 20 de Abril.

A redacção anterior era a seguinte:

“1- A sentença qualifica a insolvência como culposa ou como fortuita.

2- Na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve: a) Identificar as pessoas afectadas pela qualificação;

b) Decretar a inabilitação das pessoas afectadas por um período de 2 a 10 anos;

c) Declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública o cooperativa;

d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição de bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.

            3- A inibição para o exercício do comércio tal como a inabilitação são oficiosamente registadas na Conservatória do Registo Civil, e bem assim, quando a pessoa afectada fosse comerciante em nome individual na conservatória do registo comercial, com base em certidão da sentença remetida pela secretaria.”

O artº 189 do CIRE foi alterado pela Lei 16/2012 de 20 de Abril, nos seguintes termos:

“1 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

2 — Na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve:

a) Identificar as pessoas, nomeadamente administradores, de direito ou de facto, técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas, afetadas pela qualificação, fixando, sendo o caso, o respetivo grau de culpa;

b) Decretar a inibição das pessoas afetadas para administrarem patrimónios de terceiros, por um período de 2 a 10 anos;

c) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

d) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

e) Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afetados.

3 — A inibição para o exercício do comércio tal como a inibição para a administração de patrimónios alheios são oficiosamente registadas na conservatória do registo civil, e bem assim, quando a pessoa afetada for comerciante em nome individual, na conservatória do registo comercial, com base em comunicação eletrónica ou telemática da secretaria, acompanhada de extrato da sentença.

4 — Ao aplicar o disposto na alínea e) do n.º 2, o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença.”

A Lei 16/2012 de 20 de Abril, entrou em vigor 30 dias após a sua publicação, de acordo com o disposto no seu art.º 6º, ou seja, a 30 de Maio de 2012.

No caso, a insolvência da L (…) Ldª foi decretada por sentença de 4 de Abril de 2012, sendo que os factos imputados ao Recorrente como susceptíveis de integrar os pressupostos da insolvência culposa são anteriores à data da entrada em vigor da alteração ao artº 189 do CIRE, introduzida pelo diploma referido, reportando-se, essencialmente a factos localizados no tempo nos anos de 2009 a 2011.

A al. e) do n.º 2 e o n.º 4 do art.º 189 do CIRE, que se referem à condenação das pessoas afetadas pela qualificação a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente, constituem uma inovação introduzida pela Lei 16/2012, que não tinha correspondência na lei anterior; já a actual redacção da al. b) prevê a inibição das pessoas afectadas para administrar património de terceiros, enquanto a redacção anterior consagrava a inabilitação das pessoas afectadas pela qualificação.

A propósito da aplicação das leis no tempo, dispõe o artº 12 do C.Civil, nos seguintes termos:

“1.A lei só dispõe para futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.

2.Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”

O art.º 189 n.º 2 al. b) e e) e n.º 4 do CIRE que se reportam à situação da inibição das pessoas afectadas pela qualificação para administrarem património de terceiros e à sua condenação a indemnizar os credores do insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, ainda que consagradas num artigo com a epígrafe “sentença de qualificação”, não podem ser qualificadas como normas de caracter adjectivo ou processual, antes se assumindo como normas de caracter substantivo. 

Não lhes tendo sido fixada eficácia rectroactiva pelo diploma que as introduziu e em cumprimento do disposto no art.º 12 do C.Civil, impõe-se a sua aplicação apenas para futuro, em conformidade com o princípio geral de que a lei só dispõe para futuro, expressa no n.º 1 deste artigo, entendendo-se que a situação em presença se integra especificamente na previsão da 1ª parte do seu n.º 2, por estar em causa uma situação em que a lei dispõe sobre os efeitos de determinados factos, aí se prevendo que, em caso de dúvida, só visa os factos novos.

O art.º 189 n.º 2 al. b) e e) e nº 4 estatuem sobre os efeitos a atribuir a quem seja afectado pela qualificação da insolvência como culposa (inibição para administrar patrimónios de terceiros e condenação a indemnizar os credores) só podem por isso aplicar-se a situações em que os factos que a determinam tiveram lugar após 30 de Maio de 2012, data a partir da qual tais normas entraram em vigor.

Importa ainda referir que, não poderá considerar-se a redacção da al. b) do n.º 2 do art.º 189 do CIRE na sua redacção anterior à Lei 16/2012, vigente à data da prática dos factos pelo Recorrente, que previa que fosse decretada a inabilitação da pessoa afectada com a qualificação, na medida em que tal norma foi declarada inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 564/07 de 13/11/2007, não tendo aliás vindo a transitar para a actual redacção do artº 189 do CIRE.

Assim, não é admissível a aplicação do artº 189 n.º 2 al. b) e e) e nº 4 do CIRE na redacção que lhes foi dada pela Lei 16/2012 de 20 de Abril, por estarem em causa actos praticados pelo Recorrente antes da entrada em vigor de tais normas, na medida em que tal constituiria uma aplicação retroactiva da lei, o que determina a revogação da decisão na parte em que a tais condenações se refere. É forçoso concluir que à data da prática dos factos pelo Recorrente tais normas não existiam, sendo que também não lhes foi conferida eficácia retroactiva, dando-se razão ao Recorrente quando contesta a sua aplicação pela sentença recorrida.

- da qualificação da insolvência como culposa e medida da inibição

Alega o Recorrente que o seu comportamento ao permitir que a sociedade (…), Ldª tomasse a posição da L (…) Ldª não prejudicou os credores, pois o passivo da L (…) já vinha de 2008; refere que o seu comportamento não é grave e que não foi a causa da insolvência.

Sublinha-se, a este respeito, que o Recorrente não vem indicar qual foi, em concreto, qual a norma jurídica violada pelo tribunal a quo, quando considerou a insolvência culposa.

O incidente da qualificação da insolvência constitui uma responsabilização do insolvente, do devedor ou dos administradores da pessoa colectiva, perante o arrastar de uma situação de degradação da empresa, sem que haja uma iniciativa de definir a sua situação, com prejuízo para os credores.

A noção de insolvência culposa vem prevista no artº 186 do CIRE que, no seu nº 1 dispõe: “A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.”

O nº 2 prevê, nas suas diversas alíneas, os comportamentos que, a verificarem-se, permitem dizer que se considera sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular, tratando-se de presunções inilidíveis.

Por seu turno, o n.º 3 consagra uma presunção de culpa grave quando constatadas as situações previstas nas suas alíneas, que são o incumprimento, por parte do devedor:

a) de requerer a declaração de insolvência,

b) da obrigação de elaborar as suas contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.

Finalmente, o n.º 4 determina a aplicação das previsões dos n.º 2 e 3, com as necessárias adaptações, à actuação de pessoa singular insolvente e seus administradores, onde a isso não se opuser a diversidade das situações; acrescentando o n.º 5 uma excepção para os casos em que a pessoa singular insolvente não está obrigada a apresentar-se à insolvência.

O art.º 3 n.º 1 do CIRE prevê que é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.

De ponderar ainda, com interesse para esta questão, o disposto no art.º 18 do CIRE que, sob a epígrafe “Dever de apresentação à insolvência” estabelece, no seu n.º 1, que o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no art.º 3º n.º 1, ou à data em que devesse conhecê-la.

Só estão desobrigados de se apresentar à insolvência, verificadas tais circunstâncias, as pessoas singulares que não sejam titulares de empresas na data em que incorram em situação de insolvência. Ora, desde já se refere que esta situação excepcional não se verifica em relação ao Recorrente.

É pacífico que para a qualificação da insolvência como culposa se exige ainda a prova do nexo de causalidade entre a actuação presumida e a situação de insolvência prevista no n.º 1 do art.º 186 do CIRE- vd. neste sentido, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/07/2009 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/04/2009, in. www.dgsi.pt

Assim, e de acordo com a previsão do n.º 1 do art.º 186 do CIRE, é necessária a verificação de três requisitos para que possa concluir-se que a insolvência é culposa:

- que tenha havido comportamentos que tenham criado ou agravado a situação de insolvência;

- que tal conduta seja dolosa, ou pelo menos que haja culpa grave;

- que tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo.

De acordo com o disposto no artº 487 nº 2 do C.Civil a culpa é apreciada, na falta de outro citério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.

Tal como nos diz o Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 9/10/2014, in. www.dgsi.pt : “A culpa do devedor ou dos seus administradores decorre de um juízo de censurabilidade, em cuja formulação devem ser consideradas as condições que justificam que lhes seja dirigida essa censura. A censurabilidade da conduta é uma apreciação de desvalor que resulta do reconhecimento de que o devedor, ou os seus administradores, nas circunstâncias concretas em que actuaram, sempre poderiam ter agido e ter conformado a sua conduta de molde a evitar a queda do primeiro na situação de insolvência ou agravamento do estado correspondente. A censurabilidade do comportamento do devedor ou dos seus administradores é um juízo feito pelo tribunal sobre a atitude ou motivação de um e de outros, segundo o que pode ser deduzido dos factos provados. O desvalor que fundamenta a ilicitude da conduta do devedor ou dos seus administradores encontra-se no resultado: a criação ou agravamento da situação de insolvência.”

Fazendo a ponte com os factos provados, estes revelam que a actividade da insolvente foi sendo progressivamente diminuída em benefício da actividade da sociedade concorrente (…), Ldª, entretanto constituída. Aliás, o próprio Recorrente nas alegações de recurso que apresenta admite que teve um comportamento no sentido de permitir que a sociedade (…)Ldª tomasse a posição da insolvente, concluindo porém que tal não prejudicou os credores.

O Recorrente enquanto gerente de direito e de facto da L (…) Ldª e vivendo em comunhão de facto com a sócia gerente da (…), Ldª permitiu que esta sociedade utilizasse as instalações e os meios de produção da insolvente, que usasse a marca “L (…) nos rótulos dos seus produtos, que divulgasse os serviços da (…) com veículos onde consta a marca “L(…)”, que publicitasse como suas as instalações onde a insolvente laborava, sendo os equipamentos, instalações e veículos pertencentes à insolvente ostensivamente usados pela empresa (…) como se seus tratassem. Além do mais, o Recorrente permitiu que os trabalhadores da insolvente exercessem actividade na (…), desde a sua constituição em 2009, até Outubro de 2011 continuando os encargos com pessoal a ser suportados pela insolvente.

Não se vê, em face destas circunstâncias, como é que o Recorrente refere que não prejudicou os credores, a partir do momento em que, desde 2009, a insolvente agravou necessariamente a sua situação financeira ao assumir despesas, designadamente com pessoal que, de facto trabalhava para outra empresa concorrente, tendo também, senão todos, pelo menos, parte dos seus bens afectos à actividade de uma empresa concorrente. Por outro lado, os factos revelam ainda, de acordo com as declarações do IVA, que a partir de 2010 a sociedade insolvente teve uma queda abrupta das vendas e que o seu volume de negócios caiu a pique, o que coincide com a constituição da sociedade (…), Ldª e não pode deixar de ter origem na conduta do Recorrente, seu gerente, no sentido de levar a que a sociedade (…), Ldª tomasse no mercado a posição da L (…), como o próprio Recorrente reconhece.

A actuação do Recorrente se não foi dolosa, foi pelo menos gravemente culposa, na medida em que não podia deixar de saber que, com tal conduta, de benefício de uma outra empresa concorrente e detrimento da insolvente, agravava a situações económica e financeira desta, prejudicando a situação dos credores. Por um lado, com a primeira a assumir encargos com pessoal, instalações, veículos, etc., que estavam a ser utilizados em benefício da segunda; por outro lado, ao diminuir a actividade da primeira a favor da segunda, levando, necessariamente, como se constata, a uma enorme quebra de vendas daquela.

A garantia dos credores é aferida pelo património do devedor. O prejuízo para estes pode resultar não só de novas dívidas contraídas pelo devedor, mas também de uma diminuição da capacidade do devedor em obter proventos de forma a poder solver os seus débitos e da dissipação dos seus bens. As dívidas podem ser as mesmas, mas se o património vai desaparecendo e a actividade geradora de rendimentos vai decrescendo, a capacidade para solver as dívidas vai diminuindo ou desaparece, como foi o caso e não deixa de ser imputável à conduta do Recorrente.

Em face do que fica exposto, resulta que a conduta do Recorrente foi causadora da situação de insolvência da empresa, que a dada altura se viu impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, não podendo deixar de se considerar a mesma gravemente culposa. O Recorrente embora constatando a falta de cumprimento das obrigações da insolvente de forma reiterada e sistemática, não requereu a declaração da sua insolvência, permitindo o aproveitamento do património da insolvente por empresa concorrente, assumindo despesas com recursos humanos e materiais, em benefício desta, e diminuindo a actividade da empresa insolvente também em proveito desta, contribuindo a pouco e pouco para o agravamento da situação de insolvência. Aliás, é a própria lei que o presume a existência de culpa grave neste caso, no corpo do nº 3 do artº 186 do CIRE. Competia por isso ao Recorrente ilidir a presunção de culpa ali prevista, o que não fez.

Os factos revelam que o seu comportamento, se não foi intencional, foi pelo menos grosseiramente negligente, tendo agido com leviandade ou descuido grave e censurável. A culpa do Recorrente não pode deixar de ser afirmada, pois que os mais elementares deveres lhes impunham que se comportasse de forma diferente quanto à gestão do património e actividade da insolvente, tendo com a sua conduta agravado a situação dos credores, o que permite a formulação de um juízo de censura, no mínimo de culpa grave.

Importa referir que, embora nas suas alegações o Recorrente invoque a circunstância de doença grave que o impediu de exercer a gerência e também que mesmo depois de 2009 pagou muito passivo aos credores da L(…), tais factos não encontram qualquer correspondência na matéria de facto provada.

A decisão recorrida não merece por isso censura quando formula um juízo de qualificação da insolvência como culposa por responsabilidade do Recorrente. 

Entende ainda o Recorrente que a medida da inibição para o exercício do comércio não deve ser superior a dois anos, sendo excessivamente penalizador atribuir-se 6 anos de inibição, como fez a sentença recorrida. Alega que o inquérito judicial que correu termos foi inconclusivo e que os bens da insolvente estão nas suas instalações e que o valor do imobilizado nunca foi de um milhão de euros.

O artº 189 nº 2 al. b) do CIRE prevê que o juiz, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, declare essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos.

A sentença recorrida ao fixar em 6 anos o período de inibição do Recorrente para o exercício do comércio situou precisamente no meio da previsão legal o período de inibição a aplicar.

Se tivermos em conta que a inibição mínima de 2 anos deve ter lugar quando o grau de culpa é menor e a máximo de 10 anos para um grau de culpa máximo, consideramos que, em face da culpa grave do Recorrente já evidenciada a propósito da avaliação da qualificação da insolvência, nunca seria adequado situar a inibição no mínimo legal como o mesmo pretende.

Importa referir mais uma vez que as circunstâncias que o Recorrente invoca a favor da sua pretensão não têm qualquer correspondência nos factos provados. É que, se é verdade que o inquérito judicial não foi conclusivo; por outro lado, não ficou provado que os bens da insolvente estão nas suas instalações, nem que o valor do imobilizado nunca foi de um milhão de euros- na verdade, se assim não era, cabia ao Recorrente enquanto sócio gerente proceder à rectificação de tal valor que foi apontado como certo em anos sucessivos.

O atitude do Recorrente foi grave, pois que os mais elementares deveres lhe impunham que se comportasse de forma diferente quanto à gestão do património e actividade da insolvente, tendo o mesmo com a sua conduta agravado a situação dos credores e determinado a insolvência da empresa, o que permite a formulação de um juízo de censura, no mínimo de culpa grave, que não se coaduna com uma diminuição do prazo de 6 anos de inibição para o exercício do comércio, por ele pretendida, mantendo-se por isso, nesta parte, a decisão recorrida.

V. Sumário:

1. O não cumprimento pelo Recorrente do disposto na al. b) do n.º 1 e al. a) do n.º 2 do art.º 640 do C.P.C. ao não referir os concretos meios probatórios que constam do processo e que impõem decisão diferente com referência a cada um dos factos que pretende ver reparados ou aditados, não indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda, determina a rejeição do recurso no que à impugnação da matéria de facto respeita.

2. O art.º 189 n.º 2 al. b) e e) e nº 4 do CIRE estatuem sobre os efeitos a atribuir a quem seja afectado pela qualificação da insolvência como culposa. Só podem por isso aplicar-se a situações em que os factos que a determinam tiveram lugar após 30 de Maio de 2012, data a partir da qual tais normas entraram em vigor, de acordo com o disposto no artº 12.º n.º 1 e n.º 2 do C.Civil.

3. Na qualificação da insolvência como culposa, o prejuízo para os credores pode resultar não só de novas dívidas contraídas pelo devedor, mas também de um comportamento dirigido à diminuição da actividade da insolvente que se reflecte na diminuição da capacidade do devedor em obter proventos de forma a poder solver os seus débitos, o que acontece, nomeadamente, com a transferência da actividade para outra empresa concorrente.

4. A inibição mínima de 2 anos para o exercício do comércio deve ter lugar quando o grau de culpa é menor e a máximo de 10 anos para um grau de culpa máximo. Numa situação de culpa grave não é adequado situar a inibição para o exercício do comércio no mínimo legal.

VI. Decisão:

Em face do exposto, julga-se o presente recurso parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida na parte em que determinou a inibição do Recorrente para administrar patrimónios de terceiros e condenou o mesmo a indemnizar os credores, nos termos do artº 189 nº 2 al. b) e e) e nº 4 do CIRE, mantendo-se a mesma no demais.

Custas pelo Recorrente na proporção do decaimento.

Notifique.

                                                           *

                                               Coimbra, 2 de Junho de 2015

                       

                                           Maria Inês Moura (relatora)

                                       Luís Cravo (1ºadjunto)
António Carvalho Martins (2º adjunto)