Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ANA CAROLINA CARDOSO | ||
Descritores: | PENA DE PRISÃO PENA DE SUBSTITUIÇÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO PRESCRIÇÃO DA PENA SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO CONTUMÁCIA | ||
Data do Acordão: | 03/18/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | CASTELO BRANCO (INSTÂNCIA CENTRAL CRIMINAL DE CASTELO BRANCO – J2) | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 50.º A 54.º, 122.º, N.º 1, ALÍNEA D), 125.º, N.º 1, ALÍNEA B), E 126.º, N.º 1, ALÍNEA B), DO CP; ART. 97.º DO CEPMPL | ||
Sumário: | I – A pena de substituição da execução da pena, fruto da sua autonomia face à pena de prisão, prescreve no prazo de quatro anos, fixado na alínea d) do n.º 1 do artigo 122.º do CP. II – A prescrição da pena principal só se coloca após o trânsito em julgado do despacho revogatório da pena de substituição referida, pois só a partir daí assume exequibilidade. III – Até aquele momento, a prescrição a considerar é a da pena em execução, ou seja, a prevista nos artigos 50.º a 54.º do CP. IV – A declaração de contumácia, figura prevista no revogado artigo 476.º do CPP e, actualmente, no artigo 97.º do CEPMPL, reporta-se apenas à pena de prisão e à medida de internamento, e não também às penas de substituição. V – Deste modo, a contumácia, não podendo ser declarada com fundamento na mera não notificação do arguido do despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, não tem a virtualidade de suspender ou interromper, ao abrigo do disposto nos artigos 125.º, n.º 1, alínea b), e 126.º, n.º 1, alínea b), o prazo de prescrição dessa pena. | ||
Decisão Texto Integral: | Acórdão deliberado em conferência na 5ª seção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
«Veio o arguido A. requerer que fosse declarada a prescrição da pena que lhe foi aplicada, uma vez que, segundo defende, o despacho que determinou a revogação da suspensão da execução da pena transitou em julgado em 8/08/2007, pelo que a pena prescreveu em 8//08/2017, ao abrigo do disposto na la. C) do n.º 1 do art.º 122º do CP. O Ministério Público promoveu o indeferimento do aludido requerimento pois com os fundamentos que constam da promoção que antecede, entende que não ocorreu ainda a prescrição da pena. Cumpre, pois, decidir. Compulsados os autos, verifica-se que, por acórdão transitado em julgado no dia 19 de Abril de 2004, o arguido A. foi condenado na pena única de três anos de prisão, por ter incorrido na prática de dois crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1, do Código Penal (cfr. fls. 249 a 257). Conforme resulta do teor do acórdão condenatório proferido nos presentes autos, a pena de prisão aplicada ao arguido A. ficou suspensa na sua execução, pelo período de cinco anos, com sujeição a regime de prova e à obrigação de o arguido demonstrar o pagamento das indemnizações devidas aos ofendidos. Acontece, porém, que, por despacho proferido a fls. 929 dos presentes autos datado de 9.02.2007, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido A., tendo sido determinado o cumprimento da pena única de três anos de prisão em que foi condenado. Não tendo o arguido sido notificado do teor do despacho a que se aludiu, foi o mesmo declarado contumaz, por despacho proferido a 23 de setembro de 2008 (cfr. fls. 975). Acresce ainda que nenhum dos despachos mencionados foi impugnado pelo Ministério Público ou pelo arguido A., o que significa que os mesmos transitaram em julgado. Tendo tais despachos transitado em julgado, tal significa que o prazo de prescrição da pena (que era de substituição e passou a ser de prisão) é de 10 anos nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 122º do Cód Penal. Ora, tendo tal prazo sido interrompido em razão da declaração de contumácia (cf. al. c) do n.º 1 do art.º 121º do CP) temos que desde o dia 23.09.2008 ao dia 04.09.2019 o prazo não se contabiliza para efeitos de cômputo da prescrição da pena, conforme prevê a al. c) do n.º 1 do art.º 120º do mesmo Código. Assim sendo, é ostensivo que o prazo de prescrição da pena ainda não decorreu, já que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo e mesmo ressalvado o tempo de suspensão ainda não decorreram 15 anos (cf. n.º 3 do art.º 126º do CP), ou seja, o prazo de prescrição desta pena (que são 10 anos como supra se referiu) acrescido de metade (isto, é, mais 5 anos). Pelo que, se indefere ao requerido. Notifique.» “1- Em 5/11/2003, pelo cometimento de dois crimes de roubo, foi o arguido condenado por acórdão de 24/3 2004, transitado em julgado em 19/4/ 2004, na pena única de três anos de prisão, suspensa pelo período de 5 anos; 2-Por despacho de 9/2/2007 (fls 929) foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão, determinando-se o cumprimento da pena única de três anos de prisão em que foi condenado. 3-Em 23/9/ 2008 foi o arguido declarado contumaz.; 4- Em 16/8/2019 o ora condenado apresentou-se em juízo, prestou novo TIR e foi notificado do despacho de 9/2/2007; 5- Por despacho de 4/9/2019 foi declarada a caducidade da contumácia; 6- O despacho de 13/9/2019 considerou que o despacho de 9/2/2007 de revogação da suspensão da pena já transitou em julgado e que o prazo de prescrição da pena ainda não tinha decorrido, por considerar que a declaração de contumácia suspendeu a contagem do prazo de prescrição. 7- Contudo se o douto despacho de revogação da suspensão da execução da pena de 23/9/ 2008 transitou em julgado, como o despacho de 3/9/2019 considerou, então o despacho de declaração de contumácia não tem qualquer fundamento uma vez que o despacho de revogação da pena já tinha transitado em julgado, não havendo qualquer necessidade de contacto com o condenado e por isso o despacho de declaração de contumácia deve ser revogado. 8- Uma vez que o despacho de revogação da suspensão da execução da pena transitou em julgado, como aliás considera o despacho de 13/9/2019, considerando que não houve causa de suspensão ou de interrupção da prescrição em virtude da anulação da declaração de contumácia, a execução da pena prescreve em 10 anos nos termos do art. 122º nº1 al. c) do CP, pelo que já prescreveu em 13/08/2017, o que se requer que seja declarado. 9- Caso assim não se entenda (pontos 6 a 8), então deve considerar-se que o despacho de revogação da suspensão da pena de prisão de 9/2/2007 não transitou em julgado, por nulidade insanável do mesmo, por falta de audiência prévia do arguido e por não se encontrarem reunidos os pressupostos da revogação da pena de suspensão à data. 10- Na verdade, nesse caso, haverá que considerar que o despacho de revogação da suspensão da pena não poderia ter sido proferido sem a audiência prévia do arguido. 11- O despacho de revogação da suspensão da pena de 9/2/2007 (fls 929) deve ser declarado nulo e sem nenhum efeito, precisamente pela falta de audiência prévia do condenado, que nem sequer foi notificado para o efeito por via postal simples como deveria ter sido, mas, não o foi, por erro ou lapso do Tribunal quanto a essa omissão, falta que não pode prejudicar o condenado nas suas garantias de defesa. 12- A declaração de nulidade de tal despacho implica por principio a nulidade de todo o processado posterior, nomeadamente a declaração de contumácia proferida em 23/9/2008. 13- Tal nulidade deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento e acarreta a invalidade do despacho (art. 122º do CPP). 14- Por outro lado tal declaração de nulidade inutiliza os efeitos da decisão de revogação da suspensão ficando assim prejudicada a apreciação da questão de saber se se verificam os pressupostos de que depende a revogação da suspensão da execução da pena. 15- No entanto, caso assim não se entenda (pontos 9 a 14) por outro lado sempre haveria que apreciar se foram ou não cumpridos os pressupostos essenciais para que devesse ser proferido o despacho de revogação da suspensão da pena, ou seja, se, no caso vertente, estão ou não preenchidos os requisitos substanciais de que a lei (art. 56º nº1 al. c) do C. Penal) faz depender a revogação da suspensão da execução da pena. 16- Para apreciar e decidir a revogação da suspensão de uma pena de prisão o Tribunal deve averiguar se as finalidades da suspensão se encontram ou não comprometidas, o que pressupõe necessariamente a indagação dos motivos que levaram ao incumprimento das obrigações impostas na sentença. 17- O incidente tendente a apreciação de eventual revogação da suspensão da execução tem de obedecer aos princípios gerais que presidem ao processo penal e não existe qualquer presunção de culpa do arguido na omissão de cumprimento dos deveres a que ficou subordinada a suspensão de execução. 18- Torna-se evidente que não foram cumpridos os pressupostos essenciais para que pudesse ser proferido o despacho de revogação da suspensão da pena. 19- Deve por isso decidir-se revogar por ser inválido o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro, se assim for entendido, que ordene as diligências pertinentes e necessárias com vista à averiguação sobre a sua situação económica posterior ao trânsito em julgado da sua condenação e da sua evolução ao longo do tempo transcorrido, providenciando-se pela sua audição presencial, nos termos do nº2 do art.495º do CPP e depois, seja proferida nova decisão em conformidade com os elementos obtidos sobre a revogação ou não da suspensão da execução da pena. 20- Nesse caso deve considerar-se que de qualquer modo decorridos que estão 16 anos desde a data do crime, sem cometimento de qualquer outro crime, ou necessidade de qualquer medida de ressocialização, não se justifica já o cumprimento da pena de prisão.”
Conhecendo, Com relevo para a decisão, temos o seguinte historial de atos processuais:
O recorrente foi condenado na pena principal de 3 anos de prisão, pena essa que foi substituída pela pena de suspensão da execução daquela pena de prisão, sujeita a condições. Ora, o art. 50º, n.º 1, do Código Penal (versão em vigor à data da condenação), estabelecia o seguinte: “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” – finalidades da punição que, nos termos do art. 40º do Código Penal, são a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. A suspensão da execução da pena de prisão constitui, assim, uma autêntica pena autónoma, sendo em regra a sua medida concreta determinada de forma autónoma, sem que exista uma correspondência automática com a pena principal (cf. arts. 50º, n.º 5, 45º, n.º 1, 46º, n.º 1, e 60º do Código Penal). Assim, a suspensão da pena de prisão “não é um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, é uma pena autónoma com o seu próprio campo de aplicação, determinado na lei, um conteúdo político-criminal próprio e regime individualizado, os quais apresentam razoável complexidade e diversidade, podendo a suspensão da pena assumir várias modalidades” (cf. Ac. da Relação de Évora de 10.7.2007, no proc. 912/07-1, bem como Eduardo Correia, nas Atas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do BMJ, nomeadamente as 17ª e 22ª sessões, de 22.2 e 10.3.1964, e Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 90). Apenas a revogação da suspensão da execução da pena de prisão determinará o cumprimento da pena principal (de prisão) fixada na sentença. Esta consideração da autonomia da pena de substituição é essencial para a determinação dos prazos de prescrição das penas. O art. 122º, n.º 1, do Código Penal estabelece como prazo de prescrição da pena de prisão igual ou superior a 2 anos, e inferior a 5 anos, em 10 anos; e, nos restantes casos, o prazo de prescrição das penas encontra-se fixado em 4 anos – cf. alíneas c) e d) do preceito referido. Decorre daqui que a pena principal aplicada ao recorrente prescreve em 10 anos, mas a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, fruto da sua autonomia face à pena de prisão, prescreve em 4 anos. O art. 125º do Código Penal, que prevê os casos de suspensão da prescrição, estabelece o seguinte: “1. A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: 2.Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição. 3.A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade”.
Procedendo, ainda que por distinta fundamentação, o recurso interposto, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas, designadamente a invocada nulidade do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão (que, como se disse, transitou em julgado a 2.10.2019). * Nos termos expostos, na procedência do recurso, acordam os Juízes da Seção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em revogar o despacho recorrido, e declarar extinta, pelo decurso do prazo prescricional, a pena de substituição imposta ao recorrente. Sem tributação.
Coimbra, 18 de Março de 2020
Ana Carolina Cardoso (relatora)
João Novais (adjunto) |