Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
359/03.8PBCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANA CAROLINA CARDOSO
Descritores: PENA DE PRISÃO
PENA DE SUBSTITUIÇÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
PRESCRIÇÃO DA PENA
SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
CONTUMÁCIA
Data do Acordão: 03/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (INSTÂNCIA CENTRAL CRIMINAL DE CASTELO BRANCO – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 50.º A 54.º, 122.º, N.º 1, ALÍNEA D), 125.º, N.º 1, ALÍNEA B), E 126.º, N.º 1, ALÍNEA B), DO CP; ART. 97.º DO CEPMPL
Sumário: I – A pena de substituição da execução da pena, fruto da sua autonomia face à pena de prisão, prescreve no prazo de quatro anos, fixado na alínea d) do n.º 1 do artigo 122.º do CP.

II – A prescrição da pena principal só se coloca após o trânsito em julgado do despacho revogatório da pena de substituição referida, pois só a partir daí assume exequibilidade.

III – Até aquele momento, a prescrição a considerar é a da pena em execução, ou seja, a prevista nos artigos 50.º a 54.º do CP.

IV – A declaração de contumácia, figura prevista no revogado artigo 476.º do CPP e, actualmente, no artigo 97.º do CEPMPL, reporta-se apenas à pena de prisão e à medida de internamento, e não também às penas de substituição.

V – Deste modo, a contumácia, não podendo ser declarada com fundamento na mera não notificação do arguido do despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, não tem a virtualidade de suspender ou interromper, ao abrigo do disposto nos artigos 125.º, n.º 1, alínea b), e 126.º, n.º 1, alínea b), o prazo de prescrição dessa pena.

Decisão Texto Integral: Acórdão deliberado em conferência na 5ª seção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


1. Relatório

A. interpôs recurso da decisão proferida no processo comum n.º 359/03.8PBCVL, da Instância Central Criminal de Castelo Branco – J2, Comarca de Castelo Branco, que indeferiu a requerida declaração de prescrição da pena em que foi condenado.

1.1. Decisão recorrida (que se transcreve integralmente):

«Veio o arguido A. requerer que fosse declarada a prescrição da pena que lhe foi aplicada, uma vez que, segundo defende, o despacho que determinou a revogação da suspensão da execução da pena transitou em julgado em 8/08/2007, pelo que a pena prescreveu em 8//08/2017, ao abrigo do disposto na la. C) do n.º 1 do art.º 122º do CP. 

            O Ministério Público promoveu o indeferimento do aludido requerimento pois com os fundamentos que constam da promoção que antecede, entende que não ocorreu ainda a prescrição da pena.

            Cumpre, pois, decidir.

Compulsados os autos, verifica-se que, por acórdão transitado em julgado no dia 19 de Abril de 2004, o arguido A. foi condenado na pena única de três anos de prisão, por ter incorrido na prática de dois crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1, do Código Penal (cfr. fls. 249 a 257). 

Conforme resulta do teor do acórdão condenatório proferido nos presentes autos, a pena de prisão aplicada ao arguido A. ficou suspensa na sua execução, pelo período de cinco anos, com sujeição a regime de prova e à obrigação de o arguido demonstrar o pagamento das indemnizações devidas aos ofendidos. 

            Acontece, porém, que, por despacho proferido a fls. 929 dos presentes autos datado de 9.02.2007, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido A., tendo sido determinado o cumprimento da pena única de três anos de prisão em que foi condenado. 

Não tendo o arguido sido notificado do teor do despacho a que se aludiu, foi o mesmo declarado contumaz, por despacho proferido a 23 de setembro de 2008 (cfr. fls. 975).  

Acresce ainda que nenhum dos despachos mencionados foi impugnado pelo Ministério Público ou pelo arguido A., o que significa que os mesmos transitaram em julgado.

            Tendo tais despachos transitado em julgado, tal significa que o prazo de prescrição da pena (que era de substituição e passou a ser de prisão) é de 10 anos nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 122º do Cód Penal.

Ora, tendo tal prazo sido interrompido em razão da declaração de contumácia (cf. al. c) do n.º 1 do art.º 121º do CP) temos que desde o dia 23.09.2008 ao dia 04.09.2019 o prazo não se contabiliza para efeitos de cômputo da prescrição da pena, conforme prevê a al. c) do n.º 1 do art.º 120º do mesmo Código.

Assim sendo, é ostensivo que o prazo de prescrição da pena ainda não decorreu, já que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo e mesmo ressalvado o tempo de suspensão ainda não decorreram 15 anos (cf. n.º 3 do art.º 126º do CP), ou seja, o prazo de prescrição desta pena (que são 10 anos como supra se referiu) acrescido de metade (isto, é, mais 5 anos).

Pelo que, se indefere ao requerido.   

  Notifique.»

1.2.Recurso do arguido (conclusões que se transcrevem integralmente):

“1- Em 5/11/2003, pelo cometimento de dois crimes de roubo, foi o arguido condenado por acórdão de 24/3 2004, transitado em julgado em 19/4/ 2004, na pena única de três anos de prisão, suspensa pelo período de 5 anos;

2-Por despacho de 9/2/2007 (fls 929) foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão, determinando-se o cumprimento da pena única de três anos de prisão em que foi condenado.

3-Em 23/9/ 2008 foi o arguido declarado contumaz.;

4- Em 16/8/2019 o ora condenado apresentou-se em juízo, prestou novo TIR e foi notificado do despacho de   9/2/2007;

5- Por despacho de 4/9/2019 foi declarada a caducidade da contumácia;

6- O despacho de 13/9/2019 considerou que o despacho de 9/2/2007 de revogação da suspensão da pena já transitou em julgado e que o prazo de prescrição da pena ainda não tinha decorrido, por considerar que a declaração de contumácia suspendeu a contagem do prazo de prescrição.

7- Contudo se o douto despacho de revogação da suspensão da execução da pena de 23/9/ 2008 transitou em julgado, como o despacho de   3/9/2019 considerou, então o despacho de declaração de contumácia não tem qualquer fundamento uma vez que o despacho de revogação da pena já tinha transitado em julgado, não havendo qualquer necessidade de contacto com o condenado e por isso o despacho de declaração de contumácia deve ser revogado.

8- Uma vez que o despacho de revogação da suspensão da execução da pena transitou em julgado, como aliás considera o despacho de 13/9/2019, considerando que não houve causa de suspensão ou de interrupção da prescrição em virtude da anulação da declaração de contumácia, a execução da pena prescreve em 10 anos nos termos do art. 122º nº1 al. c) do CP, pelo que já prescreveu em 13/08/2017, o que se requer que seja declarado.

9- Caso assim não se entenda (pontos 6 a 8), então deve   considerar-se que o despacho de revogação da suspensão da pena de prisão de 9/2/2007 não transitou em julgado, por nulidade insanável do mesmo, por falta de audiência prévia do arguido e por   não se encontrarem reunidos os pressupostos da revogação da pena de suspensão à data.

10- Na verdade, nesse caso, haverá que considerar que o despacho de revogação da suspensão da pena não poderia ter sido proferido sem a audiência prévia do arguido.

11- O despacho de revogação da suspensão da pena de 9/2/2007 (fls 929) deve ser declarado nulo e sem nenhum efeito, precisamente pela falta de audiência prévia do condenado, que nem sequer foi notificado para o efeito por via postal simples como deveria ter sido, mas, não o foi, por erro ou lapso do Tribunal quanto a essa omissão, falta que não pode prejudicar o condenado nas suas garantias de defesa.

12- A declaração de nulidade de tal despacho implica por principio a nulidade de todo o processado posterior, nomeadamente a declaração de contumácia proferida em 23/9/2008.

13- Tal nulidade deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento e acarreta a invalidade do despacho (art. 122º do CPP).

14- Por outro lado tal declaração de nulidade inutiliza os efeitos da decisão de revogação da suspensão ficando assim prejudicada a apreciação da questão de saber se se verificam os pressupostos de que depende a revogação da suspensão da execução da pena.

15- No entanto, caso assim não se entenda (pontos 9 a 14) por outro lado sempre haveria que apreciar se foram ou não cumpridos os pressupostos essenciais para que devesse ser proferido o despacho de revogação da suspensão da pena, ou seja, se, no caso vertente, estão ou não preenchidos os requisitos substanciais de que a lei (art. 56º nº1 al. c) do C. Penal) faz depender a revogação da suspensão da execução da pena.

16- Para apreciar e decidir a revogação da suspensão de uma pena de prisão o Tribunal deve averiguar se as finalidades da suspensão se encontram ou não comprometidas, o que pressupõe necessariamente a indagação dos motivos que levaram ao incumprimento das obrigações impostas na sentença.

17- O incidente tendente a apreciação de eventual revogação da suspensão da execução tem de obedecer aos princípios gerais que presidem ao processo penal e não existe qualquer presunção de culpa do arguido na omissão de cumprimento dos deveres a que ficou subordinada a suspensão de execução.

18- Torna-se evidente que não foram cumpridos os pressupostos essenciais para que pudesse ser proferido o despacho de revogação da suspensão da pena.

19- Deve por isso decidir-se revogar por ser inválido o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro, se assim for entendido, que ordene as diligências pertinentes e necessárias com vista  à averiguação sobre a sua situação económica posterior ao trânsito em julgado da sua condenação e da sua evolução ao longo do tempo transcorrido, providenciando-se pela sua audição presencial, nos termos do nº2 do art.495º do CPP e depois, seja proferida nova decisão em conformidade com os elementos obtidos sobre a revogação ou não da suspensão da execução da pena.

20- Nesse caso deve considerar-se que de qualquer modo decorridos que estão 16 anos desde a data do crime, sem cometimento de qualquer outro crime, ou necessidade de qualquer medida de ressocialização, não se justifica já o cumprimento da pena de prisão.”

1.3. Na resposta ao recurso apresentada, o Ministério Público pugnou pela improcedência da pretensão do arguido.


1.4. No parecer do Ministério Público nesta Relação, conclui-se pela manutenção da decisão recorrida.

2. Conhecimento do recurso

Encontra-se o objeto do recurso limitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente. São as conclusões da motivação que delimitam o âmbito do recurso, pelo que se ficam aquém, a parte da motivação que não consta das conclusões não é considerada, e se forem além também não são consideradas, porque a motivação das mesmas é inexistente (v. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, 2015, págs. 335-336).
O objeto do presente recurso resume-se às seguintes questões:
a) Prescrição da pena; e, subsidiariamente,
b) Nulidade do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão.

Conhecendo,

Com relevo para a decisão, temos o seguinte historial de atos processuais:


1. Por acórdão proferido a 5.11.2003, transitado em julgado a 19.4.2004, o arguido foi condenado, pela prática de dois crimes de roubo, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, sujeita às seguintes regras de conduta:
- Indemnizar, em 30 dias, os ofendidos B. e C., entregando-lhes, respetivamente, as quantias de € 50 e € 30;
- Demonstrar nos autos, até ao termo do prazo que foi concedido para o mesmo efeito no processo comum coletivo n.º 126/03.9GBCVL, o pagamento de 1/6 das quantias aí definidas, e cuja totalidade eram a (…) a quantia de € 200, a (…) a quantia de € 200, a (…) a quantia de € 300, ao (…) a quantia de € 550, a (…) a quantia de € 570, e a (…) a quantia de € 1.100;
- Sujeitar-se a regime de prova, que assentará num plano individual de readaptação social, executado com vigilância e apoio, pelos serviços de reinserção social, durante o tempo de duração da suspensão.
2. Por despacho proferido a 9.2.2007, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão, e determinado o seu cumprimento, com os seguintes fundamentos:
Compulsados os autos temos que os arguidos se ausentaram para parte incerta, não se tendo sujeitado ao regime de prova imposto, pese embora as inúmeras diligências efetuadas pelo IRS e pelas polícias.
O Mº Pº promove que lhes seja revogada a suspensão da execução da pena em que foram condenados, em face da indiferença demonstrada pelos arguidos para com a Administração da Justiça.
Em face de todo o exposto, concorda-se inteiramente com a promoção do M.ª P.º, decidindo-se, por isso, pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que foram condenados, ao abrigo do disposto no art. 56º/1/a) do C. Penal.
3. Foi notificada deste despacho a Exma. Defensora do arguido, e tentada a sua notificação através de entidade policial, em cujo mandado para notificação lavrou, a 28.2.2007, a seguinte informação: “não reside na morada indicada, desconhecendo-se o seu paradeiro…”.
4. Foram efetuadas diligências com vista a apurar o paradeiro do arguido, sem sucesso, tendo sido notificado editalmente para se apresentar, sob pena de ser declarado contumaz.
5. Por despacho de 23.9.2008, foi o arguido declarado contumaz, despacho este notificado à Exma. Defensora Oficiosa do arguido por carta de 14.10.2008, e ao arguido editalmente.
6. O arguido apresentou-se em juízo no dia 16.8.2019, tendo nessa data sido notificado da decisão proferida a 9.2.2007, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão.
7. O arguido arguiu a prescrição da pena de prisão por requerimento de 10.9.2019, sobre o qual incidiu o despacho ora recorrido, de 13.9.2019.
8. O presente recurso foi interposto a 30.9.2019.


A) Da prescrição da pena

O recorrente foi condenado na pena principal de 3 anos de prisão, pena essa que foi substituída pela pena de suspensão da execução daquela pena de prisão, sujeita a condições.

Ora, o art. 50º, n.º 1, do Código Penal (versão em vigor à data da condenação), estabelecia o seguinte: “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” – finalidades da punição que, nos termos do art. 40º do Código Penal, são a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

A suspensão da execução da pena de prisão constitui, assim, uma autêntica pena autónoma, sendo em regra a sua medida concreta determinada de forma autónoma, sem que exista uma correspondência automática com a pena principal (cf. arts. 50º, n.º 5, 45º, n.º 1, 46º, n.º 1, e 60º do Código Penal). Assim, a suspensão da pena de prisão “não é um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, é uma pena autónoma com o seu próprio campo de aplicação, determinado na lei, um conteúdo político-criminal próprio e regime individualizado, os quais apresentam razoável complexidade e diversidade, podendo a suspensão da pena assumir várias modalidades” (cf. Ac. da Relação de Évora de 10.7.2007, no proc. 912/07-1, bem como Eduardo Correia, nas Atas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do BMJ, nomeadamente as 17ª e 22ª sessões, de 22.2 e 10.3.1964, e Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 90).

Apenas a revogação da suspensão da execução da pena de prisão determinará o cumprimento da pena principal (de prisão) fixada na sentença.

Esta consideração da autonomia da pena de substituição é essencial para a determinação dos prazos de prescrição das penas. O art. 122º, n.º 1, do Código Penal estabelece como prazo de prescrição da pena de prisão igual ou superior a 2 anos, e inferior a 5 anos, em 10 anos; e, nos restantes casos, o prazo de prescrição das penas encontra-se fixado em 4 anos – cf. alíneas c) e d) do preceito referido.

Decorre daqui que a pena principal aplicada ao recorrente prescreve em 10 anos, mas a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, fruto da sua autonomia face à pena de prisão, prescreve em 4 anos.

O art. 125º do Código Penal, que prevê os casos de suspensão da prescrição, estabelece o seguinte:

1. A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;
b) Vigorar a declaração de contumácia;
c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou
d) Perdurar a dilação do pagamento da multa.
2.A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa de suspensão”.

O art. 126º, por sua vez, sobre a interrupção da prescrição, determina:
1.A prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se:
a) Com a sua execução; ou
b) Com a declaração de contumácia.

2.Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.

3.A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade”.

Face aos momentos processuais ocorridos no caso concreto, temos que a pena de substituição foi revogada em 9.2.2007, tendo o recorrente sido declarado contumaz em 23.9.2008.
Porém, a decisão que revogou a pena substitutiva não foi notificada ao recorrente em data anterior à sua declaração de contumácia, nomeadamente por carta depositada na morada constante do TIR, tendo antes sido tentada a notificação do arguido por contacto pessoal a efetuar pela entidade policial, com certidão negativa (fls. 934-937).
A notificação do arguido recorrente veio a suceder em 16.9.2019.
Aqui chegados, importa considerar o seguinte:
A prescrição da pena principal aplicada só se coloca após o trânsito em julgado do despacho que revogar a pena de substituição, nos termos do art. 56º do Código Penal – pois só nessa altura se pode considerar a sua verdadeira exequibilidade.
Até lá, a prescrição a considerar é a da pena em execução, a saber, a pena substitutiva de suspensão da execução da pena de prisão.
Ora, o prazo de prescrição da pena de substituição, de 4 anos, não iniciou o seu curso enquanto a pena se encontrou em execução – a saber, até 9.2.2007, data em que se considerou a pena incumprida. E mesmo que se considerasse que, por não ter sido notificado ao arguido, o despacho proferido não teve a virtualidade de iniciar o decurso do prazo de prescrição da pena substitutiva, ter-se-ia de considerar o termo do prazo de suspensão da execução da pena de prisão, que ocorreria a 19.4.2009 (5 anos após o trânsito em julgado da decisão condenatória).
O que agora importa apurar é se a declaração de contumácia do arguido/recorrente, decretada por despacho de 23.9.2008, suspendeu e interrompeu o decurso de tal prazo, para os efeitos dos arts. 125º, n.º 1, al. b), e 126º, n.º 1, al. b).
A resposta tem de ser negativa.
É que importa distinguir a contumácia declarada com fundamento na não notificação do arguido do despacho que designa data para julgamento, nos termos do art. 335º do Código de Processo Penal, e a contumácia declarada ao abrigo do art. 476º do Código de Processo Penal então em vigor (correspondente ao atual art. 97º, n.º 2, do Código de Execução de Penas e de Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12.10), que estabelecia: “Ao condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de uma pena de prisão ou de uma medida de internamento, é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 335º, 336º e 337º…”.
Por outro lado, o prazo de prescrição da pena principal, após ser determinado o seu cumprimento posteriormente à revogação da pena de substituição, conta-se do trânsito em julgado da decisão que revoga a pena de suspensão da execução da pena de prisão (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 3ª ed., págs. 487-488, e jurisprudência aí citada).
No caso dos autos, o despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão transitou em julgado a 2 de outubro de 2019 (cf. art. 411º, n.º 1, do Código de Processo Penal). Se o arguido não havia sido notificado da decisão que determinou o cumprimento da pena de prisão, como se poderia concluir que o mesmo se eximiu dolosamente à execução da mesma, pressuposto da declaração de contumácia?
Em suma, não havia fundamento nos autos para que o recorrente fosse declarado contumaz, por se não verificarem os respetivos pressupostos.
Certo é que o prazo de prescrição da pena principal de prisão aplicada ao recorrente só começou a correr a 3 de outubro de 2019, após o trânsito em julgado do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão (pena de substituição) – cf. Acs. desta Relação de 4.6.2008, no proc. 63/96.1TBVLF.C1, da Relação de Lisboa de 26.10.2010, no proc. 25/93.0TBSNT-A.L1-5. Até essa data, a prescrição que corria era a da pena de substituição aplicada ao recorrente.
Acresce que a declaração de contumácia ao abrigo das normas citadas se reporta apenas à pena de prisão e à medida de internamento, não sendo aplicável à pena de substituição – pelo que não é causa de suspensão ou interrupção da prescrição da pena de substituição (cf. Ac. da relação de Lisboa de 13.11.2018, no proc. 715/01.6PTFUN.L3-5, em www.dgsi.pt).

Ora, não operando a causa de suspensão e interrupção decorrentes da situação de contumácia, como se viu, conclui-se não se verificar qualquer causa de suspensão ou interrupção da prescrição da pena (autónoma) de suspensão de execução da pena de prisão.
Desta feita, quer se considere a data (9.2.2007) em que a mesma se considerou incumprida, para os efeitos do art. 126º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal (porquanto se encontrava até aí em execução), quer se considere a data (19.4.2009) final da sua execução (que, na ausência de despacho proferido ao abrigo do art. 57º, n.º 1, do Código Penal, se considera o final do prazo de suspensão decretado), terá sempre de se concluir ter decorrido o prazo de 4 anos estabelecido no art. 122º, n.º 1, al. d), do Código Penal, sem necessidade de recurso ao n.º 3 ao art. 126º do mesmo Código (cf. Acs. da Relação do Porto de 29.10.2014, no proc. 114/03.5PYPRT.P2, em www.csm.ecli.pt; da mesma Relação, de 8.11.2017, no proc. 337/03.7PAVCD-A.P1, em https://jurisprudencia.pt; e da Relação de Lisboa, de 22.1.2019, no proc. 29/11.3IDLSB-A.L1-5, em www.dgsi.pt).
Conclui-se, assim, que à data em que transitou em julgado o despacho que revogou a pena de substituição e determinou o cumprimento da pena de prisão principal, a pena de substituição se encontrava já prescrita – donde decorre a extinção, por prescrição, da pena autónoma imposta ao arguido/recorrente, independentemente de ainda se não encontrar prescrita a pena principal aplicada, por ter sido substituída na decisão condenatória.

Em suma:
· A pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão é uma pena autónoma da pena de prisão (principal), encontrando-se sujeita a um prazo prescricional igualmente autónomo do prazo de prescrição da pena de prisão substituída;
· A contumácia prevista no revogado art. 476º do Código de Processo Penal (atual art. 97º do CEPMPL) não pode ser declarada com fundamento na mera não notificação do arguido do despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão;
· Pelo que não tem a virtualidade de suspender ou interromper o decurso do prazo de prescrição da pena, nos termos dos arts. 125º, n.º 1, al. b), e 126º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal;
· O prazo de prescrição da pena de prisão (principal) só começa a correr com o trânsito em julgado da decisão que revogue a pena substitutiva e determine a execução da prisão;
· Não ocorrendo outras causas suspensivas ou interruptivas da prescrição, para além da sua execução, a pena (substitutiva) de suspensão da execução da pena de prisão prescreve decorrido o prazo de 4 anos a contar do fim do período da suspensão.

Procedendo, ainda que por distinta fundamentação, o recurso interposto, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas, designadamente a invocada nulidade do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão (que, como se disse, transitou em julgado a 2.10.2019).


*
3. Decisão

Nos termos expostos, na procedência do recurso, acordam os Juízes da Seção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em revogar o despacho recorrido, e declarar extinta, pelo decurso do prazo prescricional, a pena de substituição imposta ao recorrente.

Sem tributação.

Coimbra, 18 de Março de 2020

Ana Carolina Cardoso (relatora)

João Novais (adjunto)