Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
684/10.1TBMGL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA
PENHORA
SUBSTITUIÇÃO
BENS
OPOSIÇÃO
BENS DE TERCEIRO
Data do Acordão: 11/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE MANGUALDE – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 834º, Nº 3, AL. A), 848º, Nº 2 E 863º-A DO CPC
Sumário: I – O disposto no artº 848º, nº 2 do CPC não habilita o executado a ilidir a presunção aí estabelecida antes de ser efectuada a penhora dos bens em causa.

II – A substituição que o artº 834º, nº 3, al. a) do CPC prevê possa ser requerida pelo executado ao agente de execução, além de estar condicionada à não oposição do exequente, reporta-se a bens já penhorados, não valendo para obstar à penhora de determinados bens em detrimento de outros que o executado apresente e que igualmente assegurem os fins da execução.

III – Ao executado não é lícito deduzir oposição à penhora com base na circunstância de os bens penhorados pertencerem a terceiro, pois esse fundamento não se ajusta àqueles que o artº 863º-A do CPC prevê poderem alicerçar uma oposição.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório:

A) – 1) - BANCO A..., S.A.,” intentou, em 2010, no Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde, contra B.... e C..., acção executiva para pagamento de quantia certa, fundada em livranças por estes avalizadas, com vista à cobrança coerciva da quantia de € 169.031,90 e juros vincendos.

No requerimento inicial executivo nomeou logo à penhora, para além de vários imóveis, “todos os bens móveis que se encontrem na residência dos executados e que se mostrem suficientes para satisfazer a quantia exequenda”.

Prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, vieram os executados, invocando o disposto nos artºs 821, nºs 1 e 2 e 822, alíneas c) e f), do CPC, requerer que fosse proferido despacho determinando ao agente de execução que não procedesse à penhora dos bens móveis que se encontram na sua residência.

Para o efeito, alegaram, em síntese, que:

- A casa onde residiam, bem como o mobiliário que constituía o respectivo recheio, não lhes pertencia, sendo propriedade de D..., a quem haviam sido vendidos no dia 12/02/2010, utilizando eles, executados, essa casa e o referido mobiliário, na qualidade de comodatários, por força de contrato firmado também nesse dia 12/02/2010;

- Para além de tais bens móveis, que, face ao que expunham, pertenciam a terceiro que não respondia pela dívida exequenda, só existiam, nessa residência, bens insusceptíveis de apreensão, uns por serem de diminuto valor, outros por constituírem objectos pessoais ou por serem imprescindíveis à economia doméstica.

- Foram nomeados à penhora imóveis a eles pertencentes e cujo valor é suficiente para o pagamento da quantia exequenda.

2) - Notificada do requerimento dos executados, a Exequente nada veio dizer nos autos.

3) - Sobre o referido requerimento recaiu o despacho de 06/05/2011 (1145831), com o seguinte teor: «Ref.ª 267052 – Atento o teor dos documentos juntos pelos executados e a não oposição do exequente, defere-se o requerido determinando-se que o agente de execução não proceda à penhora dos bens móveis existentes na residência dos executados, sita na ....».

4) - Inconformada com tal despacho, veio a Exequente apresentar requerimento de interposição de recurso de apelação, sobre o qual recaiu despacho admitindo o recurso e mandando-o subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.

B) No final da sua alegação recursória a Apelante ofereceu as seguintes conclusões:

[…]

C) As questões:
Em face do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 685-Aº, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, n.º 2., “ex vi” do art.º 713, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586[2]).

E a questão a solucionar consiste em saber se o requerimento dos executados, para que se determinasse que o agente de execução não procedesse à penhora dos bens móveis que se encontram na sua residência, podia ter sido deferido.

II - Fundamentação:

A) O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados em I - A) supra.

B) - Conforme salientou o STJ, no Acórdão de 11/11/2003 (Revista n.º 03A3021): “As conclusões são um resumo, uma síntese do que se expôs nas alegações.».

“Preposições sintéticas”, “um resumo”, “uma síntese do que se expôs nas alegações” eis algo que, no caso “sub judice”, salvo o devido respeito, não podem consubstanciar as 34 conclusões da Alegação de recurso da Apelante, circunstância esta que se deixa assinalada.

Mas, isto dito, importa reconhecer que o despacho recorrido, não revelando, o fundamento de direito em que se alicerça – e os executados haviam apelado a vários – propicia que a Exequente alargue a sua crítica à refutação de todos os fundamentos invocados no requerimento que o despacho impugnado deferiu.

Há que convir, que, se, na sequência da notificação desse requerimento, a Exequente tivesse municiado o Tribunal “a quo” com a panóplia de argumentos que apresenta na alegação de recurso, o despacho ora recorrido, porventura, teria ido noutro sentido.

Mas a Exequente estava no seu pleno direito de não responder ao requerimento dos executados e, consequentemente, de não ser prejudicada por essa sua posição.

O despacho recorrido, para escorar o decidido, resume a sua fundamentação a uma genérica remissão ao “teor dos documentos juntos pelos executados”, e à referência à não oposição da Exequente, o que, salvo o devido respeito, não chega para o alicerçar.

A referência ao “teor dos documentos juntos”, desacompanhada de qualquer outra indicação daquilo que se entende deles resultar e da revelação do motivo que, em face disso, leva a que o tribunal defira a pretensão dos executados, não é, salvo o devido respeito, fundamentação alguma.

Por outro lado, como abaixo se explicitará, não constituí, no caso, qualquer mais-valia para a fundamentação do aludido despacho a referência que nele se faz à falta de oposição da Exequente, mesmo que se entenda que, tacitamente, se aderiu à fundamentação do requerimento que se deferiu (cfr. artº 158º, nº 2, do CPC).

Como é sabido, no domínio da nossa lei civil substantiva, a regra é, em dissonância com o antigo brocardo “qui tacet consentire videtur[3], a de que o silêncio só tem valor declarativo – v.g., o de aceitação - caso esse sentido lhe seja conferido por lei, uso ou convenção (art. 218.º do CC).

No plano processual, tirando os casos específicos em que as normas lhe atribuem relevância, a falta de pronúncia da parte quanto a um requerimento da contraparte, não pode ser valorada como aceitação tácita quanto ao que aí é requerido.

Assim, essa falta de pronúncia não pode equivaler, na ausência de norma expressa nesse sentido, ao efeito cominatório de ver deferida a pretensão constante do requerimento da contraparte, pelo que o despacho que decida essa pretensão, pode indeferi-la e deve, em qualquer caso, ser fundamentado.

No caso havia duas posições divergentes que se colocavam ao Tribunal “a quo”: A posição dos executados, no sentido de que não fossem penhorados os referidos bens móveis; A da Exequente, plasmada no requerimento inicial executivo em que pediu a penhora de tais bens.

Daí que cumprisse à Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, fundamentar o deferimento do requerimento dos executados em algo mais do que na simples invocação do “teor dos documentos juntos…” e no mero comportamento omissivo da Exequente.

Mas será que, embora sem a fundamentação necessária, a decisão impugnada se revela, afinal, acertada? A resposta afigura-nos inequivocamente negativa.

Vejamos.

Nomeando, o exequente, à penhora - sem identificação individualizada que permita logo concluir pela sua absoluta ou total impenhorabilidade - os bens móveis pertencentes ao executado que se encontrem na respectiva residência, deve entender-se que a penhora requerida se restringe aos bens relativamente aos quais ela é legalmente possível, com exclusão, portanto, daqueles cuja impenhorabilidade absoluta está consagrada na lei, (v.g., nas diversas do artº 822º do CPC), não carecendo o agente de execução, como parece manifesto, de qualquer determinação judicial para se abster de penhorar os bens que, concretamente, constate assumirem essa natureza.

A penhora é efectuada pelo agente de execução pela ordem preferencial que se consagra no artº 834º, nº 1, do CPC, não relevando a ordem pela qual o exequente indicou bens à penhora.

Por outro lado, se bem que a penhora se deva limitar aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução (821º, nº 3, do CPC), dispõe o nº 2 do referido artº 834º, que “Ainda que não se adeqúe, por excesso, ao montante do crédito exequendo, é admissível a penhora de bens imóveis ou do estabelecimento comercial, quando a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses.”.

A substituição que, no artº 834º, nº 3, a), do CPC, se prevê possa ser requerida pelo executado ao agente de execução, além de estar condicionada à não oposição do exequente, reporta-se a bens já penhorados, não valendo, pois, para obstar à penhora de determinados bens, em detrimento de outros que o executado apresente e que igualmente assegurem os fins da execução.

Isto exposto, cumpre dizer que não cabe a este Tribunal, como não caberia ao Tribunal “a quo”, emitir uma pronúncia quanto à concreta suficiência do valor dos bens imóveis para satisfazer a dívida exequenda, nem cumpre aferir do bem fundado do alegado pelos executados quanto à propriedade dos móveis que dizem pertencer a terceiro.

Na realidade, uma tal pronúncia não seria adequada, já que pressupunha que os executados podiam, legitimamente, formular o pedido que viram ser deferido pelo despacho ora impugnado. Acontece que os executados não podiam, legitimamente, formular esse pedido de exclusão da penhora dos bens móveis em causa.

Vejamos.

Ao executado não é lícito deduzir oposição à penhora com base na circunstância de os bens penhorados pertencerem a terceiro, pois esse fundamento não se ajusta àqueles que o artº 863º-A, do CPC, prevê poderem alicerçar uma tal oposição.

Tais fundamentos apresentam como denominador comum a exigência de terem de se reportar a bens do executado, como resulta do corpo do nº 1 do artº 863º-A, pelo que, concretamente, o fundamento previsto na alínea a) desse nº 1 pressupõe que os bens cuja penhora se sustenta ser inadmissível, pertençam ao executado, não servindo ao caso em que tal inadmissibilidade advém da circunstância de a penhora ter incidido sobre bens de terceiro não demandado.[4]

Acontece, porém, que o ora observado não tem utilidade directa no presente caso, pois que, na realidade, não tendo sido feita a penhora, o requerimento dos executados não constituiu uma verdadeira oposição, nos termos do artº 863º-A, mas antes um pedido de restrição da penhora que havia sido requerida pela Exequente, co-envolvendo, afinal, um implícito pedido de indeferimento do requerimento inicial executivo, no que concerne à penhora dos bens móveis que aí foram indicados para o efeito.[5]

Importa considerar, todavia, que o executado, pode, não obstante os bens móveis cuja penhora haja sido efectuada pertençam a terceiro, ter interesse válido - v.g., enquanto legítimo detentor dos mesmos-, em demonstrar nos autos essa realidade.

Contrapondo a norma do actual artº 848º, nº 2, do CPC, com a do artº 832º do CPC, na redacção do DL nº 180/96, de 25 de Setembro, constata-se que, não obstante haver marcadas diferenças entre o regime estabelecido em cada um destes preceitos, alguma semelhança se encontra, ainda assim, entre ambos, pois qualquer um deles trata da invocação incidental da propriedade de terceiro sobre os bens em causa.

Todavia, para além de outras diferenças, enquanto neste artº 842, nº 2, não se refere a quem é legítimo ilidir a presunção que nele se estabelece, no aludido art.º 832º conferia-se, expressamente, ao “executado, ou alguém em seu nome” a legitimidade para declarar que os bens visados pela diligência de penhora pertenciam a terceiro e, assim, em face das averiguações logo efectuadas, obstar à penhora, caso dúvida não restasse ao funcionário encarregue da mesma quanto à alegada titularidade dos bens.

Afigura-se, contudo, que esta falta de referência ao executado que se nota no artº 842, nº 2, não tem o significado de lhe excluir a possibilidade de ilidir a presunção aí estabelecida, mas antes, de alargar essa possibilidade, por via desse meio expedido previsto no preceito, ao terceiro que alegue ser proprietário dos bens.[6]

Efectivamente, não podendo, o executado, com o fundamento de que os bens em causa pertencem a terceiro, lançar mão da oposição à penhora, e reservada que está, ao terceiro (ou ao conjugue do executado que assuma essa posição), a dedução de oposição mediante embargos (artºs 351 e 359º, nº 1, do CPC), afigura-se-nos ser de aceitar que ao executado, em tais condições, até porque é o onerado com a presunção aí estabelecida, seja lícito fazer a prova inequívoca do direito de terceiro, que se alude no nº 2 do artº 848º, do CPC, ilidindo, assim, tal presunção. Todavia, como resulta claro da letra da lei, é condição “sine qua non” da possibilidade de ilidir tal presunção, estabelecida nesse artº 848º nº 2, que a penhora tenha sido efectuada.

Ora, se assim é, importa concluir que a verificação do circunstancialismo previsto no artº 848º nº 2, do CPC, não habilita o executado, ao invés do que poderia suceder à luz do pretérito artº 832º, a obstar que seja efectuada a penhora, pelo que, se isso requerer, terá de ver essa pretensão indeferida.

Do exposto resulta que o requerimento dos executados sobre o qual recaiu o despacho recorrido deveria ter sido indeferido, sendo, pois, de julgar procedente a apelação e de revogar tal despacho.

Sumário: O disposto no artº848º nº 2, do CPC, não habilita o executado a ilidir a presunção aí estabelecida antes de ser efectuada a penhora dos bens em causa.

III - Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente e, revogando o despacho recorrido, indeferir o requerimento dos executados.

Custas pelos Apelados.


Luís José Falcão de Magalhães (Relator)

Sílvia Maria Pereira Pires

Henrique Ataíde Rosa Antunes



[1] Código este aplicável com as alterações introduzidas pelo DL nº 226/2008, entrado em vigor em 31/03/2009 (artºs  22º, nº 1 e 23º).
[2] Consultáveis na “Internet, através do endereço http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, tal como todos os Acórdãos do STJ ou os respectivos sumários que adiante se citarem sem referência de publicação.
[3] MOTA PINTO, Carlos Alberto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1976, pág. 338.
[4] Cfr. Acórdão da Relação de Évora de 12/Fevereiro/2008 (Apelação nº 3124/07-3), consultável em “http://www.dgsi.pt/jtre.nsf?OpenDatabase”.
[5] Referindo não ser viável uma “oposição preventiva”, cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 19/05/2005, (Agravo nº 0532609), onde se escreveu: «Os fundamentos da oposição têm como pressuposto a efectivação da penhora: «Sendo penhorados bens pertencentes ao executado...», assim começa o corpo do preceito. Assim, sem penhora não há possibilidade de oposição, que não faria sentido. Não é viável oposição preventiva.» (Acórdão consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase”).
[6] Admitindo que o incidente previsto no artº848º nº 2 possa ser suscitado pelo terceiro que se arroga titular dos bens, cfr. Lopes do Rêgo, “in” Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, 2ª edição, 2004, pág. 80, nota III.