Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
37724/19.0YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: INJUNÇÃO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Data do Acordão: 11/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO LOCAL CÍVEL DAS CALDAS DA RAINHA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DEC. LEI Nº 269/98, DE 01/09.
Sumário: I – Não admitir a utilização da injunção e do procedimento que acima se descreveu, decorrente da apresentação de Oposição, a contratos que suscitem questões de resolução mais complexas, consubstancia entendimento que, salvo o devido respeito, é destituído de fundamento que o conforte, quer, designadamente, por via de interpretação corretiva/restritiva, quer, por maioria de razão, mediante interpretação ab-rogativa, das normas legais citadas, alcançando, sem o apoio de elementos interpretativos idóneos a tal, um sentido normativo que se aparta de forma extrema do arquétipo que a literalidade das apontadas normas e a conjugação destas últimas definem.

II - A conclusão que do exposto extraímos é, pois, a de que a possível maior complexidade das questões suscitadas do seguimento da Oposição à injunção não leva a que se possa entender verificar-se erro na forma de processo, ou uma exceção dilatória inominada, que estribem uma absolvição do Réu da Instância.

III - Respeitando o requerimento de injunção “sub judice” à exigência de obrigação pecuniária decorrente de contrato de valor inferior a €15.000, pois que aquilo que a Requerente, empreiteira, exigiu foi o pagamento do remanescente do preço de contrato de empreitada firmado com o Requerido/dono da obra, de valor inferior a €5.000,00, improcede a invocada exceção dilatória inominada e o putativo erro na forma do processo.

Decisão Texto Integral:






Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra(1):
I - A) - 1) - F..., SA”, com sede em ..., apresentou, em 11-04-2019, requerimento de injunção contra “P...”, com domicilio na Rua ..., com vista à condenação deste no pagamento da quantia global de 11.720,44 € (acrescida de juros vincendos), quantia esta composta por 11.505,05€ relativos ao capital em dívida, 113,39€ de juros de mora vencidos e 102,00€ de taxa de justiça paga.
Quanto à proveniência do montante de capital peticionado referiu que tendo prestado ao Requerido serviços que consistiram no fornecimento e montagem de caixilharia em alumínio para a moradia deste e para o jardim de inverno junto à mesma, serviços esses cujo preço ascendeu ao montante global de 13.418,45 €, o Requerido só  lhe pagou o valor de 1.913,40€, aquando da adjudicação da obra, estando em dívida com o remanescente do preço, não obstante a obra estar concluída e o requerido ter recebido, sem reclamar das mesmas, as facturas que foram emitidas para o pagamento desse remanescente.
2) - O Requerido deduziu oposição alegando, em síntese, que não pondo em causa a existência do contrato enunciado no pedido de injunção, contestava a exigência do pagamento do preço, pois que a ‘obra foi executada com defeitos e fora das condições acordadas pelas partes’.
3) - Em resultado da oposição, os autos vieram a ser remetidos ao Juízo Local Cível das Caldas da Rainha, onde, mediante convite, o Requerido ofereceu contestação aperfeiçoada, vindo a Requerente a apresentar articulado para exercício do contraditório.
4) - A Requerente veio a reduzir o pedido para 9.591,65€, sendo que a divergência entre essa importância e a peticionada inicialmente foi considerada como resultante de um lapso material, pelo que, por despacho proferido para a acta da sessão de 21/9/2020 da audiência final, ordenou-se a rectificação do pedido para o referido montante de 9.591,65€.
5) - A audiência final teve mais uma sessão, que decorreu com produção de prova e alegações, tendo as partes declarado não se oporem a que a decisão fosse proferida por escrito.
B) - «[…] Em 13/6/2021 veio a ser proferida sentença que, julgando a ação procedente:
- Condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de €9.591,65 (nove mil quinhentos e noventa e um euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescida de juros vencidos no montante de €1.170,35.
- Condenou ambas as partes a suportar as custas, na proporção de 17% pela Autora e 83% pelo Réu.
O valor da causa foi fixado em €11.618,44.
II – a) - Desta sentença apelou o Réu que, a finalizar a sua alegação de recurso, apresentou as seguintes “conclusões”:
«[…] 25 - Não se concorda com a decisão recorrida, uma vez que estamos perante a existência de erro na forma do processo, ou mesmo de uma exceção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância.
26 – É bem perceptível que Requerente e Requerido não se encontram em litigio sobre a mera obrigação pecuniária de pagamento, que podéssemos considerar como simples, estamos mesmo na discussão do incumprimento contratual acordado.
27 – Para além de terem sido enumerados vários defeitos de obra, bem como a falta de cumprimento da mesma no prazo acordado.
28 - O Recorrente anexou aos presentes autos meio de prova que permitem aferir que a obra não foi aceite por este, que enviou, vários e-mails a argumentar quanto aos defeitos e à falta de conclusão das obras.
29 - Tais defeitos, a um homem médio colocado na situação de existirem defeitos no trabalho efetuado, não o quer  pagar.
30 - Portanto, os defeitos vieram a ser conhecidos pela Requerente em sede de oposição à injunção e contestação após distribuição.
31 - Conclui-se que o procedimento Injuntivo não é o adequado e aplicável a esta situações em concreto, que se pretende exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de empreitada, onde é seguro afirmar-se que comporta complexidade, não apenas uma obrigação simples e tão só de pagamento.
32 – O recurso ao processo injuntivo deve ser marcado pela sua simplicidade e celeridade, para efeito de uma cobrança simples de dívidas, com vista a que não sejam os Tribunais cheios com ações, que se digam de pequenas cobranças de dívida.
33 – Ao credor deve ser proporcionada uma forma célere de poder ter um título executivo, conforme decorre do Decreto Lei nº 404/93, com a reforma deste Diploma Legal, revogado pelo Decreto Lei 269/98, de 01.9, que veio a alargar o regime da injunção às obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal da 1ª instância.
34 – O Decreto Lei nº 32/2003, de 17.02, alargou a aplicação do regime da injunção também às situações de atraso de pagamento em transações comerciais, as definidas como transacões entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, que deem origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração.
35 - Já o Decreto Lei n.º 107/2005, de 01.7, permitiu a aplicação do regime da injunção às obrigações pecuniárias emergentes de  contratos de valor não superior à alçada da Relação.
36 – Mais tarde o Decreto Lei n.º 303/2007, de 24.8, reduziu para 15.000,00 Euros o valor que se admite a aplicação de injunção às obrigações pecuniárias emergentes de contratos.
37 – Já o Decreto Lei n.º 62/2013, de 10.5, que veio a revogar o Decreto Lei n.º 32/2003, veio a permitir para metade do valor da alçada da Relação, com vista o pagamento em transações comerciais que determinam a posterior aplicação do processo comum.
38 – Sucede que ao caso o pedido que foi formulado pela Requerente não se coaduna com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual Injuntivas, uma vez que não foi esse o alcance do legislador, pelo instituto da simplificação.
É necessário exaltar o Douto Acordão da Relação de Lisboa de 21/04/2016, onde se pode ler que: “o processo simplificado que o legislador teve em vista com a criação do regime especial da injunção, com vista a facultar ao credor de forma célere a obtenção de um título executivo, em acções que normalmente se revestem de grande simplicidade, não é adequado a decidir litígios decorrentes de contratos que revestem alguma complexidade….”
39 – Ao procedermos à análise do processo injuntivo em causa, bem como do exercício do contraditório pelo Recorrente, resulta evidenciado que nos encontramos perante um incumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de um contrato de empreitada descrito.
40 – De facto, o litígio que temos em discussão é o de um contrato de empreitada, que se discute no que se refere ao seu não cumprimento ou conclusão por parte da empreiteira, Requerente, pela não eliminação de defeitos, os quais importa apreciar no que à relação contratual respeita, da qual resulta um verdadeiro complexo normativo, quer de direitos e deveres para o Requerente e para o Requerido, pois que se verifica uma grande divergência entre ambas as partes.
41 – Neste sentido, a controvérsia em discussão nos presentes autos não pode ser adequada a um processo simplificado.
42 – Por conseguinte o uso da injunção não é a forma indevida, pelo que estamos perante uma verdadeira exceção dilatória inominada, a qual obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, tudo como se referem o n.º 2 do artigo 576.º e 577.º do C.P.C. ou eventual erro na forma de processo, que salvo modesto entendimento, poderá conduzir ao mesmo resultado.»
Terminou             assim:        «[…]         deverá         ser       revogada         a    
douta sentença    recorrida,  procedendo        por        provada   a                   exceção        dilatória inominada que condenou o Réu no pagamento à Autora, a qual  deverá obstar ao conhecimento do mérito da causa e dar lugar à absolvição da instância, tudo como se referem o n.º 2 do artigo 576.º e 577.º do C.P.C. vindo o Réu, consequentemente a ser absolvido. […]».
b) – A Apelada, na resposta que apresentou à alegação de recurso, pugnou pela improcedência deste e pela confirmação da sentença recorrida.
III - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho2, o objeto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma  legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se  veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se  que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”3 e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento dos litigantes, não está obrigado a apreciar.
Assim, o que cumpre solucionar no presente recurso - uma vez que o Recorrente não impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto e, ainda que assim não fosse de entender, sempre tal impugnação seria de rejeitar atenta a inexistência de cumprimento dos ónus impostos pelo artº 640º do NCPC - é saber se o Réu deve ser absolvido da Instância, por se dever entender que ocorre erro na forma de processo ou uma exceção dilatória inominada traduzida na utilização do procedimento de injunção respeitando a uma relação contratual cujas características leva a que se tenha como contrariado o intuito do legislador ao criar tal procedimento.
IV – 1) - Na sentença da 1.ª Instância, a decisão proferida quanto à matéria de facto foi a que ora se transcreve:
«Factos provados:
A) A Autora é uma sociedade anónima que se dedica à fabricação de caixilharia de alumínios, comercialização de caixilharias, comercialização e representação de portões, estores, divisórias e afins, prestação de serviços relacionados com as actividades mencionadas, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, construção civil;
B) No âmbito da sua atividade comercial a Autora foi contactada para o fornecimento e montagem de caixilharia em alumínio e um jardim de inverno, em alumínio, para a moradia sita na Rua ...;
C) A Autora e a Ré acordaram que o pagamento dos serviços seria feito em duas prestações, sendo 30% na adjudicação e 70% após a realização do trabalho, no valor global de €11.505;
D) No momento da adjudicação da obra de caixilharia, em 10/10/2018, foi emitida a fatura AD nº33 de 2018/10/12, no valor de €1.913,40, que o Réu pagou;
E) Em 10/1/2019 a Autora emitiu a fatura nº 3, no valor de €4.208,47, com vencimento na mesma data;
F) Em 10/1/2019 a Autora emitiu a fatura nº 4, no valor de €7.209,39, com vencimento na mesma data;
G) Em  25/2/2019  a  Autora  emitiu  a  fatura  nº 64,  no  valor   de
€267,18, com vencimento na mesma data;
H) As faturas foram remetidas ao Réu que as recebeu;
I) Na casa de banho foi acordado colocar uma janela oscilobatente, tendo a Autora colocado uma janela a abrir para um único lado;
J) A Autora deu conhecimento ao Réu da impossibilidade de colocar uma janela oscilobatente;
K) A janela não tinha dimensão para a colocação do modelo acordado do que a Autora deu conhecimento ao Réu;
L) O valor do mecanismo oscilobatente foi descontado na fatura;
M) Em data não apurada, R..., legal representante da Autora, deslocou-se à moradia do Réu para se inteirar das situações por aquele apontadas, o que não sucedeu por se terem incompatibilizado;
FACTOS NÃO PROVADOS:
1) Nos quartos a Autora não colocou silicone nas pedras das janelas, como devia;
2) A janela da casa de banho estava partida e a Autora cobriu com silicone a zona quebrada;
3) Na casa de banho apareceu um buraco na parede que foi preenchido com silicone pela Autora, que não cobriu com pintura;
4) No escritório existe uma falha de 3 cms entre a parede e a caixilharia dano a impressão de que a janela não é do tamanho certo;
5) As janelas da suite foram colocadas indevidamente, razão pela qual existem infiltrações na referida divisão;
6) Os azulejos da varanda e do escritório apresentam manchas de silicone causadas pela Autora;
7) Ao manobrarem o camião passaram por cima dos canteiros da entrada, destruindo os mesmos;
8) Na circunstância referida em M) foi entregue a R... um auto de medição onde estavam apontadas as incorreções;
Não se respondeu à demais factualidade alegada por se tratar de matéria conclusiva ou de direito.».
2) – Invoca agora o Réu, pois que, quanto a isso esteve anteriormente silente, apelando para o dever de o Tribunal conhecer oficiosamente a referida exceção dilatória inominada, ou, numa outra qualificação, o erro na forma de processo.
E, para alcançar tal escopo, conforta-se no entendimento expendido no Acórdão da Relação de Lisboa de 21/04/2016 (respeita à Apelação nº 184887/14.1YIPRT.L1-8)4, mediante o qual “o processo simplificado que o legislador teve em vista com a criação do regime especial da injunção, com vista a facultar ao credor de forma célere a obtenção de um título executivo, em acções que normalmente se revestem de grande simplicidade, não é adequado a decidir litígios decorrentes de contratos que revestem alguma complexidade….”.
Ora, com o devido respeito, discordamos deste entendimento seguido no citado Acórdão e que, com uma ou outra alteração, veio a ser seguido noutros Acórdãos, v.g., dessa mesma Relação (cfr. Apelação nº 73674/18.4YIPRT.L1-2, de 24/04/2019 e Apelação nº 60038/19.1YIPRT.L1-6, de 14/05/2020).
Vejamos.
O artº 1º do DL n.º 269/98, de 01 de Setembro, aprovou o “…regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000”, consignando-se, no artº 7º do regime anexo a este diploma, que se considera “…injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.”.
Pretendendo-se “ab initio” - como sucedeu no caso presente -,  conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato de valor não superior a €15.000, estão reunidos os pressupostos necessários e suficientes para se lançar mão da injunção, seguindo-se, no caso de  ser deduzida Oposição, e seja qual for o contrato em causa e a complexidade das questões suscitadas pelos litigantes, após a distribuição prevista no artº 16º, nº 1, desse regime anexo ao DL n.º 269/98, os trâmites processuais estabelecidos no n.º 4 do artigo 1.º e nos artigos 3.º e 4.º desse regime anexo (com as necessárias adaptações), por força do disposto no artº 17º, nº 1, do mesmo, podendo o Juiz, ainda, nos termos do nº 3 deste último artigo, convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.
Diz-se no preâmbulo do DL n.º 269/98:
“É elevadíssimo o número de acções propostas para cumprimento de obrigações pecuniárias, sobretudo nos tribunais dos grandes centros urbanos.
Como ilustração, atente-se em que apenas nos tribunais de pequena instância cível de Lisboa deram entrada nos anos de 1995, 1996 e 1997 respetivamente 46760, 56667 e 88523 acções, quase todas com o referido objeto.
O artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, previu a possibilidade da criação de processos com tramitação própria no âmbito da competência daqueles tribunais.
É oportuno concretizar esse propósito, mas generalizando-o ao conjunto dos tribunais judiciais, pelo que se avança, no domínio do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que não excedam o valor da alçada dos tribunais de 1.ª instância, com medida legislativa que, baseada no modelo da acção sumaríssima, o simplifica, aliás em consonância com a normal simplicidade desse tipo de ações, em que é frequente a não oposição do demandado.” (o sublinhado é nosso).
Sabendo-se que, embora não possua força vinculativa, o preâmbulo do texto legal não deixa de constituir um elemento histórico importante na função de interpretar esse mesmo texto5, o próprio legislador do DL n.º 269/98, como resulta da transcrição que antecede, não deixou de admitir, no preâmbulo do diploma, a verificação de casos -, em algumas das situações em que é deduzida Oposição - em que o procedimento para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000, não apresenta a simplicidade que normalmente o caracterizaria.
E seria estranho que, pretendendo circunscrever a injunção e a tramitação que se lhe segue havendo oposição, apenas a casos em que as  questões  suscitadas  nos  contratos  em  causa  não  afrontassem a simplicidade e a celeridade do procedimento, o legislador, nas  diversas modificações que já fez ao texto original do DL n.º 269/98 (mais de quinze), não lhe tivesse introduzido alterações que clarificassem, nesse sentido, o âmbito do procedimento.
Não admitir a utilização da injunção e do procedimento que acima se descreveu, decorrente da apresentação de Oposição, a contratos que suscitem questões de resolução mais complexas, consubstancia entendimento, que, salvo o devido respeito, é destituído de fundamento que o conforte, quer, designadamente, por via de interpretação corretiva/restritiva, quer, por maioria de razão, mediante interpretação ab-rogativa, das normas legais citadas, alcançando, sem o apoio de elementos interpretativos idóneos a tal, um sentido normativo que se aparta de forma extrema, do arquétipo que a literalidade das apontadas normas e a conjugação destas últimas definem.
A utilização do procedimento de injunção estaria, assim, à mercê daquilo que cada julgador entendesse configurar uma complexidade incompatível com o objetivo pretendido pelo legislador do DL n.º 269/98, complexidade essa que, silenciada - por vezes, de caso pensado (sem pretender imputar aqui essa intenção ao Requerido) -, só seria suscitada em via de recurso da sentença.
A conclusão que do exposto extraímos é, pois, a de que a possível maior complexidade das questões suscitadas do seguimento da Oposição à injunção, não leva a que se possa entender verificar-se  erro na forma de processo, ou uma excepção dilatória inominada, que estribem uma absolvição do Réu da Instância.
É, pois, da nossa inteira concordância, “mutatis mutandis”, o entendimento    que,    embora    para a injunção com base em requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei  n.º 32/2003, de 17/2, se explanou no Acórdão da Relação de Lisboa de 13/04/2021 (Apelação nº 95316/19.0YIPRT.L1-7. Relator: Des. DIOGO RAVARA), a que pertencem os extractos que se seguem:
«[…] em primeiro lugar não cremos que a matéria invocada pelo réu ou demandado possa influir na determinação da forma processual adequada à tramitação da causa, na medida em que uma tal solução poderia em última análise habilitar o réu ou demandado a “provocar” o erro na forma de processo (ou, no entendimento do aresto mencionado, a exceção dilatória inominada), ainda que alegando factos totalmente falsos.
Por isso, concordamos inteiramente com PAULO DUARTE TEIXEIRA[…], quando afirma que ”…. o critério de aferição da propriedade ou impropriedade da forma de processo consiste em determinar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual empregue pelo autor. Nesta perspetiva, a determinação sobre se a forma de processo adequada à obrigação pecuniária escolhida pelo autor ou requerente se adequa, ou não, à sua pretensão diz respeito apenas com a análise da petição inicial no seu todo, e já não com a controvérsia que se venha  a suscitar ao longo da tramitação do procedimento, quer com os factos trazidos pela defesa quer com outros que venham a ser adquiridos ao longo do processo por força da atividade das partes”.
Em segundo lugar, não nos parece que a aferição de uma situação de erro na forma de processo se possa fazer por via do preenchimento de um conceito indeterminado de complexidade da causa.
Na verdade, importa ter presente que no caso dos autos se discute o pagamento do preço ajustado pela execução da empreitada, e que, portanto, ao contrário do sucedido no caso analisado pelo acórdão citado, o litígio dos presentes autos não gira em torno de perturbações na execução do contrato, antes respeita ao pagamento do preço.
Por outra banda verificamos que no caso analisado no acórdão invocado pelo Tribunal a quo as conclusões nele alcançadas poderiam ser atingidas através das delimitações dos conceitos subjacentes aos pressupostos objetivos da viabilidade da injunção, nos termos sustentados por PAULO DUARTE TEIXEIRA. […]».
Em sentido idêntico, que também perfilhamos, foi a Relação do Porto, no Acórdão de Porto 2021-07-12 (Apelação nº 100453/19.7YIPRT.P1  -  Relatora:  Des.  FÁTIMA   ANDRADE)6,
dizendo, versando o DL nº 269/98, de 1/9:
«[…] Do diploma legal em questão não resulta qualquer limite ao tipo de contratos subjacentes ao pedido formulado com recurso aos procedimentos nele previstos.
O pedido de cumprimento de obrigações pecuniárias necessariamente tem na sua base uma relação contratual que dependendo do que as partes vierem discutir no litígio poderão apresentar maior ou menor complexidade na produção de prova atinente aos factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação pecuniária peticionada.
Valem estes considerandos para expressar o entendimento de que o argumento da eventual complexidade do litígio associado a uma ação de honorários como óbice ao recurso dos procedimentos previstos no DL 269/98 não procede.
O regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias visou agilizar é certo o reconhecimento e cobrança das obrigações pecuniárias num contexto em que era elevadíssimo o número de ações propostas, para tanto seguindo o modelo da ação sumaríssima simplificado, pressupondo tal como referido no preâmbulo deste DL, a frequência da não oposição do demandado.
No entanto, os critérios delimitadores do âmbito da sua aplicação foram definidos nos termos já supra assinalados por referência ao pedido e valor. Sem restrição quanto ao tipo de contrato subjacente à pretensão formulada. Ainda que sempre pressupondo que em causa está o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes do contrato. […]».
Ora, respeitando o requerimento de injunção “sub judice”, à exigência de obrigação pecuniária decorrente de contrato de valor inferior a €15.000, pois que aquilo que a Requerente, empreiteira, exigiu, foi o pagamento do remanescente do preço de contrato de empreitada firmado com o Requerido/dono da obra, de valor inferior a €15.000, improcede a invocada excepção dilatória inominada e o putativo erro na forma do processo.
Tendo-se provado, o que, aliás, não havia sido contestado pelo Requerido, que este, do preço da empreitada, não pagou o remanente de €9.591,65, sem que se hajam provado os danos e os defeitos da obra, cuja existência foi invocada como razão dessa falta de pagamento, foi correta a condenação do Réu a pagar à Autora a importância de €9.591,65, acrescida de juros vencidos no montante de €1.170,35.
Em conclusão, dir-se-á, pois, que na sentença recorrida se solucionaram, acertadamente, todas as questões que demandavam a apreciação do Tribunal “a quo”, pelo que é de confirmar tal decisão e julgar a Apelação improcedente.
V - Decisão:
Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a Apelação improcedente, confirmando  a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2, todos do NCPC).
9/11/2021
(Luiz José Falcão de Magalhães)
(António Domingos Pires Robalo)
(Sílvia Maria Pereira Pires)

1 Utilizar-se-á a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.

2 Código que se referirá como NCPC, para o distinguir do Código que o precedeu, que se identificará como CPC.

3 Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, v.g., no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”.

4 Consultável - tal como os restantes acórdãos da Relação de Lisboa, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados -, em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase.

5 (Cfr. Prof. OLIVEIRA ASCENSÃO, "O Direito - Introdução e Teoria Geral", 6ª edição revista, Coimbra, 1991, pág. 380).

6 Consultável - tal como os restantes acórdãos da Relação do Porto, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados -, em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase.