Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
151/07.0GAETR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: SUBSTITUIÇÃO DA MULTA POR TRABALHO
Data do Acordão: 05/16/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA - JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL DE AVEIRO - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.ºS 48º, N.º 2 E 58º, N.º 3, DO C. PENAL
Sumário: De acordo com o disposto nos art.ºs 48º, n.º 2 e 58º, n.º 3, do C. Penal, para o efeito da determinação do trabalho prestado em cumprimento de pena de multa, a cada dia da sanção corresponde uma hora de trabalho.
Decisão Texto Integral:             I - RELATÓRIO

           

1. No processo comum singular n.º 151/07.0GAETR do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro, na comarca do Baixo Vouga, foi proferido o seguinte DESPACHO, datado de 5 de Julho de 2011:

            «A... foi neste processo condenado pela prática de
crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada, por sentença de 10.03.2011,
transitada em julgado em 11.04.2011, na pena de 260 dias de multa à razão diária de €5,50 (no total € 1.430,00) -  fls. 301 a 308.

Antes de iniciado o prazo para pagamento voluntário da multa, requereu a substituição da mesma por trabalho a favor da comunidade (fls. 310-1).

O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser deferida a requerida substituição por dias de trabalho, nos termos de fls. 317 e fls. 335, promovendo a substituição da pena de 260 dias de multa por 260 horas de trabalho a favor da comunidade.

Foi solicitado aos Serviços de Reinserção Social a realização de relatório, que consta de fls. 330 a 332, de acordo com o qual, além do mais, o arguido está desempregado e já trabalhou como vendedor ambulante e manifesta disponibilidade para prestar trabalho como auxiliar de serviços gerais na Junta de Freguesia de W... (freguesia que é a da sua residência), de segunda a sexta-feira em horário compreendido entre as 08H00 e as 12H00 e entre as 13H30 e as 17H30, sendo que por tal edilidade foi já expressa disponibilidade para dar tal ocupação ao condenado.

Atento o teor da referida informação dos Serviços de Reinserção Social, bem como o considerado na sentença acerca da situação do arguido (cfr. fls. 302-3, 305), afigura-se que a substituição da multa por trabalho realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção geral e especial que no caso se suscitam, nada obstando à substituição da multa por trabalho nos termos do artigo 48°, n.°1, do Código Penal.

Estabelece o n.° 2 do citado artigo 48° que “é correspondentemente aplicável o disposto nos n.°s 3 e 4 do artigo 58° e no n.° 1 do artigo 59°”.

Nos termos de tais disposições, “para efeitos do disposto no n.° 1 [substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade], cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas”; “o trabalho a favor da comunidade pode ser prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, mas neste caso os períodos de trabalho não podem prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável”; “a prestação de trabalho a favor da comunidade pode ser provisoriamente suspensa por motivo grave de ordem médica, familiar, profissional, social ou outra, não podendo, no entanto, o tempo de execução da pena ultrapassar 30 meses”.

Salvo o devido respeito por diverso entendimento, a aplicação ‘correspondente” do disposto no citado n.° 3 do artigo 58° do Código Penal (por remissão pelo artigo 48°. n°2) não equivale à conversão de cada dia da pena de multa em uma hora de trabalho a favor da comunidade.

Com efeito, afigura-se que tal resultado conflituaria com a necessária unidade do sistema jurídico (cfr. artigo 9°, n.°1, do Código Civil), considerando a correspondência legalmente estabelecida entre a pena de multa e a eventual prisão subsidiária (esta equivalente ao número de dias daquela reduzido a 2/3 — artigo 49°, n.°1, do Código Penal), sendo que no presente caso, em que foi aplicada a pena de 260 dias de multa, o eventual incumprimento de tal pena poderia implicar a conversão da mesma em 173 dias de prisão.

A 173 dias de prisão, de acordo com o critério legal estabelecido no artigo 58°, n.°3 (norma de que resulta que são legalmente equiparáveis punições de um dia de privação da liberdade e de uma hora de prestação de trabalho a favor da comunidade), corresponderiam 173 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.

A consideração da diversa natureza dogmática da pena (principal) de prisão a substituir por trabalho nos termos do artigo 58° do Código Penal e da prisão subsidiária que hipoteticamente poderia substituir a pena (principal) de multa não pode fazer esquecer que em qualquer das hipóteses, “(. .) na sua execução, quer uma quer outra têm exactamente o mesmo conteúdo material (...): a privação de liberdade de um cidadão, decorrente de uma sanção derivada de uma condenação criminal, cumprida em estabelecimento prisional durante um determinado período de tempo” (Acórdão da Relação de Coimbra de 09.12.2009 - em que se aprecia questão diversa - que pode ler-se em www.dgsi.pt/trc com o n.° de processo 126/05.4GTCBR.C1).

Ora -— sempre ressalvando o devido respeito por diverso entendimento - não se afigura coadunável com o princípio da unidade do sistema jurídico e a presunção de (além do mais) coerência das soluções legislativas (artigo 9°, n.°1 e n.°3, do Código Civil) aceitar que da remissão pelo artigo 48°, n°3, para o artigo 58°, n.°3, possa resultar a conversão da pena de 260 dias de multa em 260 horas de trabalho (como resultaria da interpretação de tal remissão como implicando que aqui devesse ler-se que para efeitos do disposto no n.° 3 do artigo 48° [substituição, a requerimento do condenado, da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade] cada dia de multa fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho -— contra tal entendimento e no sentido que ora se subscreve, pode ver-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.01.2011, proferido no âmbito do processo n.° 2249108.9PTAVR. deste Juízo).

Com efeito, a 260 dias de multa a lei equipara 173 dias de privação da liberdade e a mesma lei a 173 dias de prisão equipara 173 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.

Pelo exposto, decide-se substituir a pena de multa em que A... foi condenado no presente processo por 173 (cento e setenta e três) horas de trabalho a favor da comunidade, a prestar executando tarefas orno auxiliar de serviços gerais na Junta de Freguesia de W..., de segunda a sexta-feira em horário compreendido entre as 08H00 e as 12H00 e entre as 13H30 e as 17H30.

Notifique-se Ministério Público e II. Defensor

Após trânsito do presente despacho, comunique-se, nos termos do artigo 490°, n.º 3, do Código de Processo Penal, sendo o arguido com a advertência de que deverá no prazo máximo de cinco dias após trânsito desta decisão apresentar-se perante a Equipa do Porto (Penal 4) da DGRS, devendo esta entidade informá-la da data exacta em que iniciará a execução da pena (faça-se constar de notificação ao arguido todos os elementos necessários à contagem do prazo de apresentação)».

2. É deste despacho judicial que vem recorrer o MINISTÉRIO PÚBLICO, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«1. Pela prática de um crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada foi o arguido A... condenado na pena de duzentos e sessenta dias de multa, à razão diária de € 5,50.

2. Porque o arguido o requereu, foi autorizada a substituição desta pena de multa por trabalho a favor da comunidade.

3. Assim, e “ao abrigo do disposto no artigo 58.°, n.° 3, do Código Penal, aplicável por força do disposto no artigo 48.°, n.° 2 do mesmo diploma” foi determinado que o arguido cumpra 173 (cento e setenta e três) horas de trabalho a favor da comunidade, em substituição daquela pena de 270 dias de multa.

4. Com efeito, entendeu a Exma. Juiz que tendo sido aplicada ao arguido uma pena de 270 dias de multa, a que correspondem 173 dias de prisão subsidiária (artigo 49.°, n.° 1 do Código Penal), teria este de cumprir 173 horas de trabalho a favor da comunidade.

5. Entendemos que, no presente caso, não foi correctamente aplicado o disposto no citado artigo 48.°, n.° 2, do Código Penal.

6. Na verdade, quando aí se diz “é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 58.°, n.° 3” quer-se dizer que este último normativo se aplica mutatis mutandis, ou seja, com as necessárias adaptações.

7. Ou seja, o que se pretende é que se aplique apenas a regra da correspondência aí prescrita, ou seja, uma hora de trabalho para cada dia de multa.

8. Aliás, se assim não fosse, bastaria ao legislador ter referido no citado artigo 48.°, n.° 2 que era aplicável o disposto no artigo 58.°, n.° 3, sem a palavra “correspondentemente”.

9. Ao dizer expressamente e sem mais “é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 58.°, n.° 3, o legislador só pode ter querido dizer que, no caso da substituição da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade, deverá aplicar-se a regra e proporção aí referidas, ou seja, uma hora por cada dia (neste caso, dia de multa).

10. A regra deverá ser, pois, a de fazer corresponder uma hora a um dia (dia esse que poderá ser de prisão ou de multa, conforme estejamos a aplicar directamente o disposto no referido n.° 3, ou por força da remissão do artigo 48.°, n.° 2).

11. Não sendo esta a vontade do legislador, deveria, então, ter dito que “era aplicável o disposto no artigo 58.°, n.° 3, depois de feita a conversão do artigo 49.°, n.° 1”.

12. Não tendo utilizado esta fórmula, entendemos não ser aceitável a interpretação e aplicação efectuadas pela Exma. Juiz.

13. Assim, a decisão recorrida deveria ter ordenado o cumprimento, não de
173 horas de trabalho, mas antes, de 260 horas de trabalho.

14. Não o tendo feito, entendemos que violou o disposto no citado artigo
48.°, n.° 2, do Código Penal.

Nos termos expostos e nos demais que V.as Exas. doutamente suprirão, julgando-se procedente o recurso e revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que ordene a substituição da pena de 260 dias de multa aplicada ao arguido, por 260 horas de trabalho a favor da comunidade, far-se-á Justiça».

            4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, a fls. 36-38, no sentido de que o recurso merece provimento, aderindo, no essencial, à fundamentação do MP - recorrente - de 1ª instância.

            5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b) do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO

           

1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

             Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, a única questão – de DIREITO - a decidir consiste em saber:

            - COMO É QUE SE DEVE INTERPRETAR O ARTIGO 48º, N.º 2 DO CPP, CONJUGADO COM O ARTIGO 58º, N.º 3 DO MESMO DIPLOMA.

            2. APRECIAÇÃO DE DIREITO

2.1. A questão única suscitada respeita à correspondência entre a pena de multa aplicada e os dias de trabalho a favor da comunidade, enquanto pena de substituição.

Entende o despacho recorrido que primeiramente se deve converter a multa em prisão e só depois se fará a conversão da prisão resultante em trabalho a favor da comunidade.

Entende o MP recorrente que se faz a conversão directa entre a pena de multa e os dias de trabalho a favor da comunidade.

Sabemos que a questão não é líquida, encontrando já esta Relação duas leituras possíveis para a decisão desta querela.

Estamos do lado daqueles que defendem a tese propugnada no recurso intentado, não dando, assim, razão ao despacho recorrido.

Já tivemos oportunidade de assinar um acórdão, como adjunto, em que decidimos  a favor da tese do MP recorrente (Pº 2612/08.4PTAVR-A.C1).

Também já proferimos o acórdão de 18/1/2012, no Pº 911/09.8T3AVR-A.C1, no qual seguimos esta tese.

2.2. Escreveu-se em tal aresto o seguinte:

Dispõe o artigo 48.º do Código Penal:

«1. A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

2 – É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 58.º e no n.º 1 do artigo 59.º».

Nos seus n.ºs 3 e 4, estatui o artigo 58.º do citado diploma (redacção da Lei 59/2007, de 4 de Setembro):

«3 - Para efeitos do n.º 1, cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas.

4 - O trabalho a favor da comunidade pode ser prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, mas neste caso os períodos de trabalho não podem prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável».

No acórdão da Relação de Coimbra de 28-05-2008, em que se descreve a evolução do instituto, conclui-se que dela emerge «… a consagração de uma forma de cumprimento da pena de multa e ainda a vontade de equiparação de regimes com a pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, o que encontrou expressão no segmento «correspondentemente aplicável». Trata-se de aplicar as mesmas regras, em tudo o que não contrariar a natureza distinta dos institutos, como preconizado pelo Professor Figueiredo Dias.

Porém, ausente do ordenamento penal qualquer regra que fornecesse critério normativo preciso, político-criminalmente fundado, para a definição da duração do trabalho a prestar, via-se o juiz reenviado, em incidente posterior à sentença, para nova tarefa de determinação das consequências jurídicas do crime, o que, juntando-se ao esforço e complexidade suplementar exigido pelo regime do artº 490º do CPP e D.L. 375/97, de 24/12, explica, em parte, a reduzida aplicação entre nós da prestação de trabalho a favor da comunidade. (…) Neste panorama legislativo e judicial, a opção do legislador aquando da revisão de 2007 foi seguramente a de contribuir para a clarificação deste ponto do regime e, assim, remover obstáculos à sua aplicação.

Escolheu a via da correspondência aritmética, através da estatuição no artº 58º, nº3, do CP, de que cada dia de prisão corresponde a uma hora de trabalho.

Correspondentemente, e perante a identidade de regimes iniciada em 1995, o mesmo deve acontecer quando a pena substituída for a de multa.
(…)».

Feito este percurso, encontramo-nos em condições de responder à questão colocada no presente recurso e no sentido propugnado pelo recorrente, pois nada obsta à aplicação do nº3 do artº 58º do CP, ou seja, que para o efeito da determinação do trabalho prestado em cumprimento de pena de multa, a cada dia da sanção corresponde uma hora de trabalho.

Esse é o critério normativo escolhido e entendido político-criminalmente fundado pelo que deve ser aplicado, não podendo o julgador escolher outro, como seja o da menor gravidade da pena de multa relativamente à pena de prisão substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade.

Afigura-se-nos correcta, objectiva e equilibrada a interpretação da norma do artigo 48.º do CP, no sentido supra assinalado, até porque o elemento gramatical constante do seu n.º 1 aponta, inequivocamente no sentido de ser a pena de multa, - e não a prisão resultante da sua conversão, - o ponto referencial determinante do número de dias de trabalho a favor da comunidade.

Basta reparar que no texto da norma se alude a «pena de multa» e não a pena subsidiária da multa ou a expressão equivalente.

Este é também o sentido e alcance da norma que se extrai do elemento teleológico, sustentado no elemento sistemático de interpretação, já explicado no acórdão da Relação de Coimbra de 28-05-2008, relator Des. Alberto Mira: “Como se colhe expressamente do relatório que antecede a sua publicação, foi propósito confessado do CP/82 abandonar definitivamente a concepção segundo a qual à pena pecuniária estava reservado um papel marginal e subsidiário no sistema sancionatório português, e dar expressão prática à convicção da superioridade político-criminal da pena de multa face à pena de prisão no tratamento da pequena e da média criminalidade.

Corporizando essa ideia, o legislador explicitou as operações de determinação da pena de multa, os seus critérios próprios de afirmação e alargou o âmbito da sua aplicação e execução. «Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços (…)», prescreve o artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal.

Dado o carácter pecuniário da multa, o legislador previu um sistema múltiplo e com etapas sucessivas para o pagamento: a) pagamento voluntário, no prazo legalmente estabelecido no artigo 489.º do Código de Processo Penal; b) pagamento diferido ou pagamento em prestações (artigo 47.º do CP); c) substituição por trabalho a favor da comunidade (artigos 49.º, n.º 1, do CP, e 490.º do CPP).

Esgotadas as duas primeiras hipóteses e não sendo requerida a substituição da multa por trabalho, sucede-se a via processual tendente à cobrança coerciva da multa (artigo 49.º, n.º 1, do CP, e 491.º do CPP).

Assim, a prisão resultante da conversão da pena de multa não está para com esta numa relação de alternatividade, mas de subsidiariedade, já que só se autonomiza, para ser cumprida, depois de esgotados todos os outros meios de cumprimento da multa.

Nestes termos, a sistematização conferida pelo legislador ao regime de pagamento/substituição da pena de multa não deixa dúvidas quando à teleologia presente nas normas, conjugadas, dos artigos 48.º e 58.º, n.º 4, do Código penal, qual seja: a determinação dos dias de trabalho a favor da comunidade deve ser feita por referência à pena de multa fixada e não à pena de prisão que daquela seja subsidiária”.

No mesmo sentido Vítor Sá Pereira e Alexandre Lafayette, no Código Penal Anotado e Comentado Edição Quid Júris, 2008: “Os dias de trabalhos são tantos quantos os dias de multa, só que a cada dia de trabalho não corresponde a um período de 24 horas, nem a uma jornada normal de trabalho, nem em cada dia pode-se exceder o limite de trabalho extraordinário, por valer a propósito, o n.º4 do art. 58.º”.

Por estes motivos, merece pleno acolhimento a tese recursória, só havendo que condenar este arguido ao cumprimento de 260 horas – porque foi condenado em 260 dias de multa – de trabalho a favor da comunidade.

III – DISPOSITIVO

           

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - desta Relação em conceder provimento ao recurso intentado pelo Ministério Público e, em consequência, revogam o despacho recorrido na parte em que decidiu substituir a pena de multa em que o arguido foi condenado por 173 dias de trabalho a favor da comunidade, condenando, antes, o arguido A... ao cumprimento de 260 horas de trabalho a favor da comunidade, a prestar nos exactos termos delineados na decisão recorrida (que para este efeito se mantém)

           

SEM TRIBUTAÇÃO.


Paulo Guerra (Relator)

Alberto Mira



[1] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões») – Cfr. ainda Acórdão da Relação de Évora de 7/4/2005 in www.dgsi.pt.